2009 Ensino e Criatividade

Page 1

fct

ensino

ENSINO E CRIATIVIDADE

ensino

Education is not filling a bucket, but lightning a fire. W. B. Yeats

16

Nos anos vinte do século passado, Bertrand Russel apontou para o facto paradoxal de a educação se ter tornado o maior obstáculo para o desenvolvimento da liberdade do pensamento. Até que ponto, e volvidos tantos anos, esta reflexão é ainda pertinente na actualidade? Um dos princípios informadores do processo de Bolonha é a passagem de um ensino baseado na transmissão de conhecimentos para um ensino assente no desenvolvimento de competências. Acredito que um dos modos mais eficazes de expandir as competências dos alunos passa pelo apelo à sua criatividade em projectos de realização em equipa. No entanto, só muito excepcionalmente a criatividade é explicitamente definida como um objectivo dos processos educativos e de avaliação do desempenho do aluno. Na realidade, a criatividade é fortemente inibida em disciplinas assentes apenas em

processos de ensino preditivo que estabelecem o que os estudantes devem aprender sem deixar qualquer lugar para resultados “inantecipados” ou determinados por um envolvimento activo dos alunos. Mais ainda, processos de avaliação que limitam a gama de possibilidades de resposta dos alunos são altamente inibidores da sua criatividade. Não desvalorizo os métodos tradicionais de ensino e avaliação, o que proponho é que, de um modo complementar, se aposte na valorização da criatividade dos alunos no ensino universitário. É importante que o docente guie a realização de projectos que apelem à criatividade dos alunos. No entanto, é igualmente crucial deixar alguns imponderáveis, alguns graus de liberdade que resultam das suas escolhas e experiências pessoais. E, quase sempre, somos surpreendidos pela grande qualidade dos resultados. Pelo menos tem sido esta a minha experiência na docência das disciplinas de História da Ciência e de Bioética. Dos projectos já realizados destaco não só a participação dos alunos em exposições (“Mulheres na Ciência” em 2005/06 e “A rEvolução Darwiniana” em 2008/09) mas também a elaboração de autênticos documentários ou de documentos audiovisuais de sensibilização sobre questões da Bioética bem como a elaboração de álbuns musicais com temas afins a esta disciplina. O processo de aprendizagem pode ser ao mesmo tempo sério e divertido e a conjugação destes dois aspectos torna mais eficaz a consolidação e a descoberta de novos saberes. Um ensino centralizado apenas na transmissão de conhecimentos é um ensino que se arrisca a perdurar muito brevemente na

17

Richard Feynman a dar uma aula na Universidade e Einstein a escrever uma demonstração no quadro do seu gabinete na Universidade de Princeton


Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa

memória dos alunos. Muito provavelmente o rasto daquilo que fica são sobretudo, e infelizmente, as más experiências. A criatividade e o espírito de iniciativa são especialmente necessários à adaptação a um mundo cada vez mais complexo e em constante mudança. É necessário acreditar na criatividade dos jovens e nos seus frutos no processo de aprendizagem. A valorização da criatividade não só contribui para o aumento do empenho dos alunos como é também essencial para o desenvolvimento de competências que serão profícuas na sua vida activa. As universidades devem ser um lugar que permita aos alunos compreender melhor o mundo na sua complexidade e admiráveis detalhes mas devem ser também instituições que preparem os alunos para uma vida activa onde terão de lidar com assuntos e problemas complexos e nas quais a criatividade, a imaginação, a adaptabilidade, a flexibilidade, a autonomia, a capacidade de trabalhar em equipa e as capacidades de comunicação e de inovação são, não só desejáveis, como imprescindíveis. Como afirmou Einstein no seu discurso “Sobre a Educação” pronunciado em Nova Iorque em 15 de Outubro de 1936, “considera-se a escola simplesmente como veículo para transmitir à geração que cresce o máximo de conhecimentos. Isto não é justo. O conhecimento é uma coisa inanimada enquanto a escola está ao serviço dos vivos. Ela deve desenvolver nos jovens indivíduos as qualidades e as capacidades que representam um valor para a prosperidade da sociedade. Mas tal não quer dizer que a individualidade deva ser destruída e que o indivíduo se deva tornar num simples instrumento para a sociedade, como uma abelha ou uma formiga. Com efeito, uma sociedade de indivíduos estandardizados, sem objectivo e originalidade pessoais, será uma sociedade pobre, sem possibilidade de se desenvolver. Pelo contrário, o objectivo deve ser a educação de indivíduos que venham a agir e pensar de uma maneira independente e que, apesar disso, vejam no serviço à comunidade a acção mais sublime da sua vida”. Palmira Fontes da Costa Prof.ª Auxiliar do DCSA

n.º8 | EntreTanto | Junho 2009

COMO ENSINAR MATEMÁTICA? COMO APRENDER MATEMÁTICA? Eis duas perguntas intimamente ligadas, que justificarão esta breve reflexão. Talvez seja importante que esclareça que a minha formaçãobase é em Engenharia Civil e que o destino não me proporcionou a aprendizagem formal de teoria ou técnicas da Pedagogia, ou Didáctica. Ainda assim, e depois de 25 anos ao serviço do Departamento de Matemática da FCT-UNL, confesso que, cada vez mais, me sinto privilegiado por poder ser Professor! Lages Lima, distinto matemático, é claro: “O bom professor é aquele que vibra com a matéria que ensina, conhece muito bem o assunto e tem um desejo autêntico de transmitir esse conhecimento, portanto interessa-se pelas dificuldades dos seus alunos e procura colocar-se no lugar deles, (...). Não há fórmulas mágicas para ensinar Matemática.” in “Matemática e Ensino”, SPM/ Gradiva (2004). Segundo Lages Lima, um bom ensino da Matemática deve equilibrar três componentes fundamentais: a Conceptualização (a criação de uma base consistente de conceitos e definições), a Manipulação desses conceitos – uma fase de “mãos na massa”, de utilização dos conceitos e, finalmente, as Aplicações – resolução de problemas ou realização de trabalhos, preferencialmente ligados à realidade. Pensando no ensino de unidades curriculares propedêuticas da área de Matemática nos cursos de Engenharia, é relativamente comum que a conceptualização corresponda essencialmente às aulas teóricas. A Manipulação inicia-se nas aulas


Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.