Phil Hine, Caos condensado

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PHIL HINE

Caos condensado

uma introdução à magia do caos

tradução

Adriano Scandolara revisão da tradução

Douglas Mattos e Rogério Bettoni



SUMÁRIO

Agradecimentos Prefácio, Peter J. Carroll

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1 Há magia no caos? 2 Magia no mundo material 3 Tornando-se magista 4 Mais uma rachadura na parede 5 Brincando com o caos 6 Servidores do caos 7 Trabalho mágico do ego 8 Kali na boate 9 Derrotando demônios 10 Iluminou-se?

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Referências e recomendações de leitura Agradecimentos da editora

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PREFÁCIO Peter J. Carroll

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A

mudança de paradigmas que vem ocorrendo com os desenvolvimentos mais recentes da magia tem diversas raízes. O sincretismo simbólico da Golden Dawn (Ordem Hermética da Aurora Dourada) no século XIX, que fundiu o hermetismo renascentista com o esoterismo oriental derivado da experiência imperial europeia, só floresceu plenamente quando Aleister Crowley somou a isso uma série de técnicas gnósticas de poder retiradas de diversas fontes culturais. Então veio Austin Osman Spare, que identificou as técnicas e artimanhas mentais básicas que subjazem a todas as formas de magia e nos mostrou que todo esse simbolismo mágico rebuscado poderia ser tratado como algo totalmente opcional. Spare inventou a abordagem pós-modernista da magia muito antes do advento cultural do existencialismo ou do pós-modernismo. As teorias da relatividade especial e geral somaram pouco à teoria esotérica, embora a ideia de relativismo cultural tenha se manifestado no ocultismo sincrético muito antes de encontrar ampla aceitação social. No entanto, aquele outro pilar da ciência do século XX, a física quântica, oferece uma base ampla para muitas áreas da teoria metafísica e, com efeito, parece abrir um espaço considerável para que ela se expanda. Até o momento, apenas a magia do caos parece ter recebido bem a física quântica. Logo após o surgimento do paradigma da magia do caos, a matemática do caos foi desenvolvida a partir da teoria da catástrofe e confirmou a hipótese caoista de que deve existir algum mecanismo que expanda gradativamente a indeterminação subatômica até o mundo macroscópico da nossa experiência. Grande parte do que magistas assumiram como verdade no século XX se originou do trabalho da Golden Dawn e de Aleister Crowley. Muitos dos elementos que constituirão a teoria e a prática básica de magia no século XXI derivarão das ideias e técnicas avançadas que hoje estão em desenvolvimento na magia do caos. Este livro, escrito por uma


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estrela ascendente da nova tradição, contribui de forma extraordinária para a revolução em curso.


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HÁ MAGIA NO CAOS?

o que é magia?

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O

mundo é mágico. Talvez tenhamos essa impressão ao escalar uma montanha e olhar para a paisagem lá embaixo, ou quando sentimos tranquilidade e satisfação ao final de um daqueles dias em que tudo correu bem. A magia é um portal pelo qual adentramos o mistério, o domínio do selvagem e a imanência. O mundo em que vivemos, subjugado por sistemas amplos e superabrangentes de controle social e pessoal, reforça o tempo todo a mentira de que somos pessoas sozinhas, desamparadas e incapazes de provocar qualquer mudança. Magia tem a ver com mudança —mudar nossas condições para que nossa vida se alinhe cada vez mais a um senso de responsabilidade pessoal; mudar para provocarmos alterações ao nosso redor, se assim quisermos; para não sermos meras engrenagens indefesas de um universo mecânico qualquer. Todo ato de libertação pessoal e coletiva é um ato de magia. A magia nos leva à euforia e ao êxtase, à descoberta e ao entendimento, à transformação de nós mesmos e do mundo do qual somos parte. Por meio da magia, podemos explorar essas possibilidades de liberdade. Parece algo bem simples —mas não. A magia acabou obscurecida sob o peso das palavras, um turbilhão de termos técnicos que excluem quem não se iniciou e servem às pessoas que avidamente legitimam sua pompa e arrogância com jargões “científicos”. Criaram-se espaços espirituais abstratos, e no meio deles se erguem as construções de Lego babélicas dos “planos interiores”, hierarquias espirituais e “verdades ocultas” que desconsideram que o mundo ao nosso redor é ele mesmo mágico. Tem-se procurado o mistério no lugar errado. Vasculhamos línguas mortas e tumbas atrás de “conhecimentos secretos”, ignorando o


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mistério da vida ao nosso redor. Por isso, esqueça por um momento tudo que você já leu sobre alcançar a iluminação espiritual, tornar-se magista de altíssimo nível e impressionar colegas com um palavreado todo pretensioso e rebuscado. A magia é surpreendentemente simples. Mas o que ela pode oferecer? 1. Um meio de nos desenredarmos das atitudes e restrições com as quais fomos criados e que definem os limites do que podemos nos tornar. 2. Modos de analisar nossa vida a fim de procurar, compreender e modificar padrões comportamentais, emocionais e mentais que impedem nosso aprendizado e crescimento. 3. Mais autoconfiança e carisma pessoal. 4. Uma percepção ampliada do que é possível realizar quando nos entregamos de corpo e alma. 5. O desenvolvimento das capacidades, habilidades e percepções pessoais —quanto mais vivenciamos o mundo, mais compreendemos que ele está vivo. 6. Diversão. A magia deve ser feita com prazer. 7. A capacidade de provocar mudanças —de acordo com a vontade. A magia pode fazer tudo isso e ainda mais. É uma atitude em relação à vida que começa com as questões mais básicas —Do que preciso para sobreviver? Como quero viver? Quem eu quero ser?—, para então oferecer um conjunto de armas e técnicas para atingir esses objetivos.

o que é magia do caos? No que se pensa quando se ouve a palavra “caos”? Um estado de coisas em que o acaso reina supremo. Um estado desorganizado de matéria primordial anterior à criação. Uma massa ou estado confuso. O Caos foi a fonte primordial, anterior a tudo. Não é anarquia, é Caos. No princípio, havia apenas o Caos. Agentes do Caos lançam olhares inflamados a todo mundo que percebe o seu modo de ser... ▪ É preciso ter Caos dentro de si para gerar uma estrela dançante.

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O caos é tudo isso e ainda mais. Trata-se de um termo que significa algo diferente para cada pessoa, e nenhum de nós pode ignorá-lo. Pelo menos a partir da década de 1970, a palavra “caos” se popularizou em meio a uma revolução de pensamento e método, gerando uma nova forma de ciência e novas tecnologias —uma nova visão de mundo. Enquanto a teoria do caos gerava discussões dentro da comunidade científica, a magia do caos criava polêmicas em meio aos círculos de ocultistas e acabou recebendo diferentes rótulos, como “a thelema inglesa”, “a forma mais obscura dos poderes sombrios” e “magia da pesada”, em oposição à de quem “pega leve”. A visão de mundo científica, que estabeleceu os limites da experiência humana como geralmente a concebemos, está ruindo —e é em torno disso que essa revolução orbita, o que também nos faz reconhecer a necessidade de novos modelos, novos ideais e novos modos de ser, além de algo ainda mais importante: novos modos de fazer. A magia do caos é uma nova compreensão do que significa “fazer” magia.

há magia no caos?

▪ A matéria é uma ilusão, a solidez é uma ilusão, nós somos uma ilusão. Só o Caos é real. ▪ No infinito dos céus, brilha o semblante do Caos.

princípios centrais da magia do caos Embora os sistemas mágicos geralmente tenham como base algo como um modelo ou mapa do universo físico e espiritual, tais como a árvore da vida cabalística (que por vezes pode ser descrita como um grande fichário cósmico), a magia do caos se baseia em pouquíssimos “princípios centrais” (que, no entanto, não são axiomas universais, então fique à vontade para substituí-los).

Recusa ao dogmatismo

1 “Catma” é uma palavra usada por Robert A. Wilson (1932-2007) e discordianistas como o oposto de dogma, em referência a um sistema de crenças relativistas que deve ser seguido com uma atitude questionadora. A expressão também faz uma brincadeira com as palavras em inglês ao trocar o radical dog (“cão”) por cat (“gato”). O catma que Hine apresenta aqui é “Us discordians must stick apart” (literalmente, “nós, discordianistas, devemos

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Magistas do caos se esforçam para não cair em dogmatismo (a não ser que assumir uma postura dogmática faça parte de um sistema de crenças temporário que tenham adotado). Discordianistas usam “catmas” como “Nós, discordianistas, distraídos venceremos!”.1 Por isso magistas


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do caos se sentem à vontade para mudar de opinião, se contradizer e elaborar argumentos que sejam, ao mesmo tempo, plausíveis e implausíveis. Já foi dito que as pessoas investem muito tempo e energia em ter razão sobre as coisas. O que há de errado em estar errado às vezes?

Soberania da experiência pessoal

Em outras palavras, não acredite em mim quando eu digo que tal coisa é isso ou aquilo, vá você ver o que é. A magia já sofreu demais com “teóricos de gabinete” que perpetuaram mitos e informações desatualizadas por mera preguiça. Às vezes é interessante fazer perguntas estranhas só para ver a reação de quem se diz especialista. Há quem prefira abrir a boca só para vomitar um monte de palavras e depois admitir que não sabe responder, mas quem conhece de verdade costuma dizer simplesmente que não sabe “nada de porra nenhuma” a respeito. Quando a magia do caos começou, as pessoas que a praticavam chegaram à incrível descoberta de que qualquer técnica mágica pode ser descrita em termos bem simples quando despida dos dogmas, das crenças pessoais, das definições e das posturas que adotamos em relação à magia.

Excelência técnica

Um dos equívocos mais antigos sobre a magia do caos é a ideia de que quem a pratica tem carta branca para fazer o que quiser e, por conseguinte, ser negligente (ou pior, medíocre) ao avaliar a si e analisar seu próprio desenvolvimento. Não é assim. A abordagem caoista sempre defendeu que devemos nos analisar e nos avaliar com rigor, além de enfatizar a prática na experimentação de técnicas até alcançarmos os resultados desejados. Para aprender a “fazer” magia é necessário desenvolver um conjunto de aptidões e habilidades. Se é para se envolver com essas esquisitices, por que não se dedicar ao máximo?

Descondicionamento

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Uma das primeiras tarefas propostas pelo paradigma do caos é o descondicionamento minucioso das próprias crenças, atitudes e ficções a respeito de si, da sociedade e do mundo. Nosso ego é a ficção de uma identidade estável, mantida através de oposições entre “o que sou/o que não sou, o que gosto/o que não gosto”, crenças sobre política e religião, gênero, nos separar”), em um jogo com a expressão “sitck together” (“unir-se”). O tradutor optou por fazer uma referência à obra Distraídos venceremos, de Paulo Leminski. (N.E.)


há magia no caos?

papel do livre arbítrio, raça, subcultura etc. Tudo isso nos ajuda a sustentar uma noção estável de “eu”, enquanto nosso modo peculiar de tentar fugir dessa mesma estabilidade nos dá a sensação de sermos indivíduos únicos. Ao fazer exercícios de descondicionamento, começamos a romper cada vez mais com o consenso sobre a realidade e a nos desapegar —ou assim esperamos— das crenças e ficções do ego, sendo capazes de descartá-las ou modificá-las conforme necessário.

Diversidade de abordagens

Como já vimos, nas abordagens “tradicionais” à magia é preciso escolher um sistema específico e se ater a ele. A perspectiva do caos, porém, no mínimo encoraja a seguir uma linha de desenvolvimento eclética, e magistas do caos têm liberdade para trabalhar com elementos de qualquer sistema mágico, religião, culto, da parapsicologia, ou mesmo com temas da literatura, televisão etc. Isso significa que, se perguntarmos a duas pessoas que são magistas do caos sobre o que estão fazendo em um dado momento, raramente haverá consenso em suas abordagens. Isso dificulta definir o caos como uma ou outra coisa, o que também acaba incomodando quem gosta de definir com muita clareza e precisão seu modo de encarar a magia.

Gnose

Conseguir entrar voluntariamente em estados alterados de consciência é fundamental para a prática mágica. Costuma-se fazer uma distinção entre “consciência ordinária” e “estados alterados”, quando, na verdade, nós estamos transitando o tempo todo entre diferentes estados de consciência —como devaneios, o “piloto automático” (quando realizamos ações sem nos dar conta do que fazemos) e graus variados de atenção. Contudo, no que diz respeito à magia, as técnicas de alteração voluntária e intensa de estados de consciência podem ser divididas em duas categorias de “gnose fisiológica”: técnicas inibitórias e fisicamente “passivas”, como meditação, yoga, scrying, contemplação e privação sensorial, e técnicas excitatórias, que envolvem canto, batuque, dança e excitação emocional e sexual.

O movimento da magia do caos deu seus primeiros passos no final da década de 1970, na Inglaterra. Enquanto o surgimento do punk rock

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uma breve história do caos


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