O Ribatejo

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Opinião

CRÓNICA DE MALDIZER

SANTARÉM

Português, Advogado…

Roteiro histórico

António Branquinho Pequeno * Eurico Heitor Consciência

A

P

acheco Pereira disse recentemente que, como já viu porcos a voar e não foi só um ou dois, mas uma vara, já não se surpreende com nada. Eu também: também já não me surpreendo com nada do que acontece neste país, onde todos também já vimos voar, a par da vara de porcos do Pacheco Pereira, vimos voar um Vara na vertical e com velocidade estonteante. Sendo assim, que “o João Alberto”, como popularmente se trata o Dr. Jardim na Madeira, se tenha esquecido durante anos de mostrar as facturas duns calotes de milhões não era coisa para me tirar o sono se não fosse coisa que autorizasse os outros a chamarem aldrabões e mentirosos aos portugueses. A todos os portugueses. E eu estou como aquele Souto de Moura, arquitecto universalmente consagrado, que disse: Não gosto. Não me agrada. Gosto de ser português e não gosto que me considerem aldrabão, mentiroso… Não gosto… Se pensarem agora que sou Advogado e que sempre advoguei com honra, dignidade e prazer e que saiu agora nos

jornais que nas contas dos advogados que fazem serviços de apoio judiciário, serviços que são pagos por todos nós (e já nos vão custando cerca de meia centena de milhões por ano), que nas contas desses advogados, nos processos que estão por pagar, já foram detectadas 3205 – desconformidades – o que corresponderá a 16% dos pedidos analisados até 12 de Setembro corrente, se pensarem nisso, pressentirão como me sinto. Porque, já disse, não gosto que me considerem aldrabão. Quero continuar a dizer-me português,

Quero continuar a dizer-me português, modesto mas honrado e advogado sério, pelo que reclamo me esclareçam as desconformidades.

modesto mas honrado (sendo honrado não poderia ser senão modesto…) e Advogado sério, pelo que, para já reclamo do Ministério da Justiça que nos esclareça se aquelas desconformidades são para cima ou para baixo, quer dizer, se há 3205 casos em que os advogados meteram nas contas serviços que não fizeram para receberem verbas que não lhes eram devidas ou se, atenta a nobreza que se presume no exercício da profissão, o que se detectou foram 3205 casos em que os advogados, generosamente, prescindiram do pagamento d’alguns dos serviços que devotadamente prestaram… Tornarei ao assunto – que me obrigou a interromper a suspensão dos meus escritos n’O Ribatejo. Oportunamente esclarecerei porquê: porque é que suspendi as minhas crónicas universais e intemporais; e fundamentais.

ESPUMA DOS DIAS

Puras e duras

Armando Fernandes

R

esponsáveis por restaurantes dão-me conta da dificuldade em arranjarem pessoal. Um deles, narrou-me há dias o calvário de, em menos de dois meses, ter visto passar pela copa do seu estabelecimento seis empregados. Ao fim de dois ou três dias despediam-se, dois através do telemóvel, queixando-se pelo facto de ocuparem os fins-de-semana, do horário ser à hora que os outros comem, além disso não tinham andado a tirar um curso profissional para lavarem louça. Directa ou indirectamente ligados à restauração há milhares de trabalhos, o busílis da questão reside no facto de os 8 O RIBATEJO 22 Setembro 2011

candidatos de grosso modo pretenderem empregos, além de terem vergonha de trabalhar nesta área. Preferem exercer outras actividades, por exemplo de caçadores de moedas nos parques. Na quintafeira passei por Santarém, estaciono o carro junto à Praça de Touros, de imediato surge um engraçado de bom corpo a lamuriar a moeda. Fingi não ouvir, ouvi remoques. Também no parque junto ao Tribunal outro pimpão esbraceja a apontar um espaço, não segui a indicação, no entanto, quando passei junto dele o pedido da espórtula não se fez esperar. Não a concedi, fungou raivas. Na sextafeira na estação de serviço da Guarda dois matulões assediavam os clientes propondo a compra de relógios, insistem, às negativas respondem em voz irada, despejam apreciações sobre as pessoas. O melhor é zarpar e abastecer noutro

No sentido material, é recusa de trabalhar. De procurar trabalho, sobretudo.

lado, mas em Vila Nova de Foz Côa o Multibanco da GALP está fora de serviço. A risonha rapariga informa existir uma caixa de despejar notas a cem metros. Um papel informa que no domingo, 18, a promoção desconta seis cêntimos na compra de gasolina e gasóleo! O desligar o Multibanco enuncia a proximidade da fronteira onde o combustível é mais barato compensando o percorrer a distância. Sobre estas estranhas formas de ganhar a vida sei de outras modas, o leitor, certamente, conhecerá outras. Entre a incredulidade e o espanto, as pessoas interrogam-se ante a legião de gente de vida airada, relapsa a subsistir através do exercício de uma profissão, preferindo recorrer à artimanha a fim de obter cobres, por exemplo cortando fios deste mesmo metal, correndo o risco de perder a vida. Outros da caloteirice fazem profissão de fé, à frente de respeitáveis instituições, levando à prática a estafada e nefanda teoria: quem me deve que pague, a quem eu devo que espere! Desamparados só resta a fuga. Para onde?

s pedras e as cidades resistem mais que os que as habitaram. Quando as visitamos ficamos a conhecer melhor essas gentes do passado e a nos conhecermos melhor nós próprios no presente. Lá compareci pois à porta do “Centro Cultural Regional”, que organizou “um passeio com história”. O arquitecto José Augusto Rodrigues trouxenos Santarém, pela palavra, desde os remotos tempos da ocupação pré-romana, a investigar os vestígios arqueológicos, apoiado em cartas topográficas. E vieram os Visigodos, a ocupação árabe… até ao século XIX, quase aos nossos dias. Ele interrogou as ruas, ruelas, becos e travessas, sem ficar fechado de modo redutor na visão meramente histórica e descritiva de um roteiro.Com efeito, a sua abordagem incluiu também uma sociologia da arquitectura e do urbanismo e soube socorrer-se da paleontologia. Uma visão abrangente, de cunho transdisciplinar de saberes que se atravessam e se enriquecem. Mas nem tudo foram rosas, algumas dificuldades surgiram no seu caminho, vindas de muitos dos supostamente ouvintes que não paravam de o interromper, de fazer comentários, alguns folclóricos, de recordarem episódios pessoais em tal ou tal beco… A dada altura protestei, defendendo que queria ouvir o Senhor arquitecto, que tinha vindo para isso, para aprender. Mas rápido me lembrei que afinal eu estava num certo Portugal, numa cidade provinciana, no sentido cultural e não pejorativo da expressão, sendo certo que noutros contextos, o tipo de postura dessa franja de tecido social não é específico de Santarém, antes relativamente corrente noutras latitudes, mais coisa menos coisa. A impressão com que se fica é a de que muitos vieram mais para convívio do que propriamente para uma visita guiada. Seja como for, o caso revela grande incapacidade de escuta do Outro e, em contrapartida, uma imensa disponibilidade para a escuta de si próprio. E uma falta de compreensão pelo trabalho dos outros. (...) O evento não foi apenas um passeio com História, foi também um passeio cheio de histórias. Fim de papo. (*Universidade Lusófona)


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