JA - ed. Dezembro 2010

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especial marca mação 11

DEZEMBRO2010

E ASSIM SE FAZEM AS COISAS

Jorge Catarino é um herói anónimo da revolução da indústria dos presuntos Jorge Catarino é a memória viva da história recente dos presuntos do concelho de Mação. Não como espectador, mas como quem fez por dentro essa história. Nada melhor que ouvi-lo contar.

“Eu tirei o Curso Comercial em Abrantes, e terminei em 63. Depois veio a tropa e fui para a Guiné. Terminado o serviço militar, em 1970 liguei-me aqui à actividade do meu pai, Eusébio Catarino. Tínhamos um pequeno matadouro onde fazíamos os abates e a cura dos presuntos. Naquele tempo ainda não tínhamos electricidade, pois a freguesia só passou a ter energia eléctica, se não erro, em 72. Era uma actividade que tinha de ser feita só no tempo do frio. Isso é que era mesmo a cura natural. E aqui estou até hoje” Dito assim, as coisas parecem simples. Mas este é o momento de lembrar que estamos numa aldeia, Vale de Vacas, freguesia da Amêndoa, do interior do concelho de Mação, que é já um concelho do interior profundo do país. No início era uma pequena indústria artesanal e sazonal, hoje é uma moderna indústria que produz no seu sector do melhor que se faz na Europa e com os melhores equipamentos e processos. E mesmo o mercado de então não tinha praticamente nada a ver com o de hoje. Foi uma revolução, um “trambolhão” histórico de que hoje vemos o resultado, ainda em movimento. Jorge Catarino ainda é do tempo em que se trocavam presuntos por mantas de toucinho? “Sou desse tempo, perfeitamente. Antigamente, as pessoas davam mais valor a um bocado de toucinho do chamado ‘porco de bolota’, hoje ‘porco preto’ de que se faz o ‘presunto pata negra’.” O toucinho servia para temperar a panela, ao contrário do presunto que era um luxo. “Nós íamos ao Alentejo buscar

esses suínos, eram abatidos aqui e fazíamos esse intercâmbio com as populações. O nosso abastecimento de perna de porco para o fabrico do presunto era aqui na região, nos concelhos de Mação, Vila de Rei, Sertã, Proença-a-Nova. E então, nós trocávamos a perna de porco por xis quilos de toucinho do porco de bolota e pagávamos alguma coisa em dinheiro para compensar o diferencial. Isto porque naquele tempo o toucinho era mais útil para as pessoas, era o ‘sustento da casa’, como se costumava dizer. Hoje, tudo isso acabou.” Percebe-se a volta que o mundo deu, e a empresa com ele. Como é que foi viver por dentro esta mudança? “Então, quando veio a electricidade, começámos a usar as câmaras frigoríficas, portanto o frio artificial. Depois, com a entrada na Comunidade Europeia, vieram novas exigências. Como as antigas instalações não tinham as condições necessárias, em 1989 tivemos que

construir aqui em baixo. E daí a nossa actividade tem-se vindo a desenrolar.” Como se tudo fosse simples. Mas não foi, de certeza. Por isso é necessário insistir: no interior profundo do país, nada desta mudança é natural, embora hoje possa parecer. Podemos dizer que tudo mudou, tudo teve de mudar, excepto a essência do processo de cura do presunto. E mudar nunca é fácil. Não o é para uma pessoa, muito menos quando se trata de um conjunto organizado, como é uma empresa. Não foi fácil, de certeza, mudar toda a “máquina” do negócio. Mas Jorge Catarino parece dizer que o essencial é a atitude com que se está nas coisas. “Bem… Nós temos de nos adaptar. Por exemplo, ao entrarmos na Comunidade, tivemos de nos adaptar às novas normas. Aí, sim, houve uma dificuldade grande. Porque nós, pequenas empresas familiares, tínhamos uma certa dificuldade de acesso aos apoios comunitá-

rios. Só as grandes empresas é que beneficiavam disso. Por isso, a nossa empresa nunca teve apoio comunitários, foi tudo fruto do nosso trabalho. Mas as coisas têm-se desenrolado. Foi com algumas dificuldades, mas conseguimos chegar até aqui.” Não são ditas, mas adivinham-se horas muito difíceis num tempo de revolução profunda no sector produtivo e no mercado em que Jorge Catarino conduzia a empresa a partir da sua aldeia de modo a integrá-la no “espírito” e na “norma” da União Europeia. E naquele tempo nada era como é hoje. Foi uma mudança muito profunda em, feitas as contas, poucos anos. “Esta é uma zona com vocação natural para a produção de presunto. Nós estamos implantados aqui e os nossos produtos vão até ao Minho e até ao Algarve. É claro que, agora, as acessibilidades são melhores. Naquele tempo, quando eu comecei, não havia a auto-estrada. Para se chegar a Lisboa demorávamos

quatro ou cinco horas. Quando eu iniciei a actividade, os nossos produtos ainda iam para Lisboa pelo caminho-de-ferro. Depois começámos a ter a nossa própria distribuição pelo país a armazenistas e retalhistas e agora a algumas médias superfícies. E houve um salto nos meios tecnológicos, que hoje são completamente diferentes do que era antigamente. E pronto. Temos acompanhado. A nossa empresa, em termos de equipamentos, tem, no nosso sector, o que de mais moderno há.” E como é que, de Vale de Vacas, na Amêndoa, no Mação, se chega aí? Podia ter ficado pelo caminho, que foi o que aconteceu a muitos outros. E esse é um “pequeno-grande pormenor” que não deve ser esquecido. “Nós procurámos, desde que eu vim para aqui, estar informados. Vamos ao estrangeiro, vamos às feiras internacionais, vamos ver os produtos dos nossos concorrentes, em princípio mais avançados do que nós, vamos tirar ideias, vamos ver os equipamentos… Porque grande parte dos equipamentos que nós utilizamos aqui, e os nossos colegas nas indústrias deles, são importados. Ao longo dos anos, com a experiência e a vontade que temos de progredir e apresentar os melhores produtos no mercado… cá estamos hoje e a marca Eusébio está há cinquenta anos na região e temos vindo a melhorar sempre. E por isso também nos associámos à Marca Mação.” Há nesta postura serena muita sabedoria de um herói simples e quase anónimo. A mesma sabedoria que lhe fez, há alguns anos, deixar as rédeas da empresa aos filhos. Os homens passam, a vida continua, e o “saber fazer” da tradição na cura da perna de porco para a produção do saboroso presunto de Mação mantém-se. Graças a heróis como Jorge Catarino.

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