











Fortaleza/Ce, 25 | set. | 2025
A palavra, no Ceará, nunca foi silêncio. Ela se inscreve nas cartas que guardam amores, nos quadrinhos que transformam lembranças em desenho, nos versos gritados em praças, nos livros que encontram os jovens no interior, nas mãos que rabiscam sonhos para além do papel. Por aqui, a palavra é expoente que se consolida através das escritas de personagens inspiradores como Stênio Gardel, Jarid Arraes, Vanessa Passos, Socorro Acioli, Ana Márcia Diógenes e tantos outros nomes.
Para muito além do livro, a cena se expande também em novas linguagens: nas HQs que unem cordel, cotidiano e experimentação; nos Slams que transformam a rua em palco; na literatura juvenil que cresce em clubes de leitura, em escolas, em encontros de leitores que se reconhecem nas histórias. Entre páginas, palcos e praças, a literatura cearense segue se reinventando, plural e insurgente, com a força de quem escreve não só para o agora, mas também para o que ainda está por vir...
Camilla Lima - Coord. de Conteúdo Estúdio O POVO.
Este é um produto customizado pelo ESTÚDIO O POVO - ESTÚDIO DE BRANDED CONTENT do O POVO. Diretor de Negócios: Alexandre Medina Néri | Gerente de Operações: Michelle Walker | Estratégia e Relacionamento: Adryana Joca; Dayvison Álvares | Assistente de Projetos: Richard Marques | Coordenadora de Conteúdo: Camilla Lima | Líder de Planejamento: Luana Saraiva | Coordenação de Criação: Jean Rocha | Texto: Rafaela Leite | Edição: Camilla Lima e Lucas Casemiro | Design: Alessandro Muratore CEARÁ DE VALORES - Concepção e Coordenação Geral: Valéria Xavier | Gerente Executiva de Projetos: Lela Pinheiro | Análise de Projetos: Damaris Magalhães | Fale Conosco: www.opovo.com.br
Sempre fui fascinado por bibliotecas. Quando criança gostava de casas que tinham estantes altas cheias de livros. Folheava, curtia as capas, buscava ilustrações, imaginava o que estava escrito ali. Via aquilo como um mundo de possibilidades, o que de fato a literatura confirmou ao longo dos anos. Através dos livros, conhecemos histórias de personagens fantásticos, visitamos lugares incríveis, viajamos no tempo, refletimos sobre o real e criamos universos feitos da mais pura fantasia. O terceiro fascículo da série Ceará de Valores vai atrás de quem conta histórias no Estado, de quem faz da escrita seu meio de viver e se expressar. É o caso de Stênio Gardel que nasceu em Limoeiro do Norte e ganhou visibilidade internacional com o livro “A palavra que resta”. E Natália Pinheiro, a Preta Poeta, que encontrou no slam um espaço democrático para se expressar. E tem ainda Linara Chaves que começou escrevendo em redes sociais e depois passou a ser autora de histórias infantis. Histórias reais de pessoas tocadas pela literatura e que hoje têm a grandeza de compartilhar suas palavras com o público. Aproveitem a leitura..
Marcos Sampaio - Jornalista e curador do projeto
PATROCÍNIO: REALIZAÇÃO:
Fortaleza/Ce, 25 | set. | 2025
BRASILEIRO
Para Stênio Gardel, contar histórias é falar, também, sobre o lugar de onde ele veio. Nascido em Limoeiro do Norte, interior do Ceará, sua obra aborda memórias, preconceitos e os lugaresquelheatravessam,pordentroeporfora.Em 2023, o autor ganhou visibilidade internacional, com a premiação de seu livro de estreia, “A palavra que resta”, no National Book Award, prêmio literário mais importante dos Estados Unidos. O feito foi inédito para um autor brasileiro.
A obra, que também foi finalista do Prêmio Jabuti, conta a história de Raimundo, homem analfabeto que, na juventude, teve uma relação de amor intensa, mas brutalmente interrompida. Dela, resta uma carta que ele nunca pôde ler. Mais de 50 anos depois, Raimundo começa a estudar para enfim decifrar as palavras guardadas de seu antigo amor.
Para além da narrativa, a oralidade, a poesia e a violência marcam o livro. Na entrevista a seguir, Stênio fala destas e de outras temáticas que permeiam sua trajetória enquanto autor e menino do interior que sonhava em transformar suas palavras em grandes histórias.
O POVO - Stênio, como surgiu seu interesse pela escrita e como foi seu percurso até a publicação do seu primeiro livro?
Stênio Gardel - Sonhar em escrever começou nas minhas leituras, lá pelo fim da infância. Começou com a possibilidade de fazer as pessoas reagirem a algo que eu tivesse escrito da mesma forma que eu reagia aos livros que lia. Acontece que esse sonho ficou guardado, muito como a carta de Raimundo, por muito tempo. Só fui me
“PROCURO SEMPRE LEMBRAR DA TONALIDADE CONCRETA QUE QUERO E PRECISO MANTER IMPRESSA NA MEMÓRIA E NO SENTIMENTO, A DE QUE EU ESCREVO E O QUE ESCREVO É IMPORTANTE PARA ALGUMAS PESSOAS”
dedicar mesmo já adulto, aos 36 anos, quando iniciei os Ateliês de Narrativa da Socorro Acioli. Já tinha os primeiros traços do romance, mas foi durante o ano das aulas que escrevi o livro.A Socorro foi a primeira leitora, gostou muito, acreditou mais ainda e encaminhou o livro para a editora dela na Companhia das Letras à época, a Julia Bussius. Ao mesmo tempo, o livro passou pela leitura crítica da Vanessa Ferrari. A proposta da companhia veio em 2019 e a publicação mesmo em 2021. Acho que o meu maior desafio foi acreditar de verdade que eu podia escrever Literatura.
OP - Você é natural da comunidade Córrego de Areia, zona rural de Limoeiro do Norte. Como seu município - e talvez o Ceará - permeiam a sua produção literária?
SG - De maneira muito presente. O lugar, as vozes, os preconceitos, entre outros elementos que trago nas minhas memórias são parte da minha escrita porque são parte crucial de mim mesmo. Eventos específicos, como o episódio de uma cheia, também foram utilizados no livro, de forma ficcionalizada, claro.
OP - Você começou sua trajetória literária a partir de Ateliês de Narrativa. Qual o papel da formação e do acesso a espaços como oficinas, bibliotecas e cursos de escrita na construção de novos escritores?
SG - Acho que esse papel varia muito de autor para autor. No meu caso, a formação foi além do caráter profissional, técnico, digamos assim. Foi fundamental também em esferas pessoais, no meu caminho para acreditar que eu podia escrever. Por outro lado, algo que pode servir a todos que buscam escrever, é que os cursos nos ensinam a mostrar os textos e estar sujeitos a receber críticas. Essa é uma etapa difícil, mas necessária porque o livro é feito de várias leituras.
OP - Em “A palavra que resta”, você traz questões sobre sexualidade, aceitação e pertencimento. O que te motivou a tratar desses temas e como eles te atravessam?
SG - A própria história do Raimundo pedia que eu passasse por esses assuntos. E em certa medida o que eu compartilho como ele, a minha
“LER-SE PODE REPRESENTAR UM MOMENTO DECISIVO
NA NOSSA VIDA, POR LEVANTAR PERGUNTAS, INDICAR RESPOSTAS OU ILUMINAR NOSSAS
AÇÕES.”
Fortaleza/Ce, 25 | set. | 2025
homossexualidade. Nunca sofri as violências que ele sofreu, mas revisitei muito do meu processo de aceitação para elaborar o dele, porque também me escondi por vários anos, porque tive medo e vergonha de quem eu era por vários anos.
OP - Como você enxerga o papel da literatura na construção de narrativas LGBTQIAPN+ e na possibilidade de abrir caminhos de acolhimento para outros leitores e autores?
SG - Histórias LGBTQIAPN+ nos livros, nos filmes, na televisão dão alcance e visibilidade para vidas normalmente inviabilizadas, que na cabeça de muita gente deveriam ficar reservadas a quatro paredes ou becos escuros. Por que um relacionamento amoroso entre pessoas LGBTQIAPN+, por exemplo, merece apenas esses lugares, não pode ser tema de um romance ou uma série? Ainda é necessário sim que autores e experiências LGBTQIAPN+ estejam nas editoras, nas prateleiras, nas mãos dos leitores, na mídia, nas premiações. Isso vale não apenas para a ficção, mas também para o nosso cotidiano. Estar, viver, ocupar todos os espaços nos é tão de direito quanto a qualquer pessoa heterosexual.
OP - “A palavra que resta” fala, também, de comunicação. Da impossibilidade de expressão do Raimundo, porque ele não conseguia acessar o conteúdo da carta, posto que não sabia ler. O Ceará é hoje o estado mais desenvolvido no Brasil, no parâmetro educacional, mas o analfabetismo ainda é uma realidade para muitos cearenses. Como isso te toca?
SG - Eu diria que elas são incapazes de se expressar de algumas maneiras, no caso, por meio da língua escrita, porque elas se expressam pela fala, pelas ações, pelo choro, pelo riso, pelo ressentimento, pelo esforço de uma mãe em manter os filhos na escola quando ela mesma não teve a mesma oportunidade. Perceber isso é tão importante ou até mesmo seja o começo para perceber a falta da escrita na vida de pessoas não alfabetizadas. A ideia do livro surgiu inicialmente daí, do meu contato com pessoas que não assinavam o nome na hora do atendimento no cartório eleitoral. Eu ficava imaginando que, naquele instante, elas deviam lembrar de outros instantes da vida, quando por qualquer motivo não foram alfabetizadas.
Fortaleza/Ce, 25 | set. | 2025
E, então, retorno à expressão num sentido mais amplo, porque eu, mesmo sabendo ler e escrever desde muito novo, tenho minhas limitações expressivas, por assim dizer. Escrever é pra mim um pouco isso também, só pelo texto literário consigo ou conseguiria falar de assuntos que me são cruciais.
OP - Pensando no Brasil de hoje, ainda tão desigual, de que formas a literatura pode se tornar mais democrática e acessível, chegando em quem muitas vezes não se vê como leitor?
SG - Resposta preciosa, essa, não sei se a possuo. Não taxativamente, pelo menos. O caminho que especulo é o da cultura da leitura, do investimento no ato de ler e de permitir que as pessoas leiam pela alegria de ler, pelas possibilidades que a leitura permite viver. Claro, mais livros, mais bibliotecas, livros mais baratos são importantes também, mas não adiantam se ficarem os livros parados nas prateleiras e as bibliotecas vazias. E essa cultura, a rotina de ler, vem de casa, da escola, dos amigos, da troca entre as pessoas.
OP - Seu livro foi semifinalista do Prêmio Jabuti e, em 2023, você foi o primeiro autor brasileiro a receber o National Book Award, na categoria “Literatura Traduzida”. Para você, o que essas conquistas representam? Qual o significado de alcançar esses lugares através de sua escrita?
SG - Representam mais um passo, um passo gigantesco, é verdade, no meu percurso, na minha busca pela escrita literária. Claro, o evento em si foi meio que surreal, mas procuro sempre lembrar da tonalidade concreta que quero e preciso manter impressa na memória e no sentimento, a de que eu escrevo e o que escrevo é importante para algumas pessoas. Acrescentaria que representam também a alegria de um menino de 12 anos que finalmente ganhou o presente mais desejado.
OP - Você lançou Bento Vento Tempo, seu segundo livro pela Companhia das Letras, no ano passado. Como tem sido a experiência com os leitores? De ver suas histórias e personagens chegando ao público para além das palavras que você colocou no papel?
SG - É sempre surpreendente ouvir a experiência dos leitores com meus livros. Primeiro pelo impacto que percebo, pela força que os livros
“HISTÓRIAS LGBTQIAPN+ DÃO ALCANCE E VISIBILIDADE PARA VIDAS NORMALMENTE INVIABILIZADAS.”
podem ter na nossa vida. Antes de publicar, vivia isso como leitor, agora tenho a preciosa oportunidade de viver como autor. E é uma força, uma potência que não podemos antecipar na hora da escrita. Em segundo lugar, pelos infinitos significados que os leitores constroem a partir de um mesmo texto. Adoro porque me provam que não tenho controle total sobre os sentidos do texto.
OP - Nos seus encontros com leitores jovens, qual é a força que você percebe na literatura para essa geração? O que os jovens têm mostrado para você como escritor?
SG - Percebo que eles estão se vendo mais nos livros que leem, o que é ótimo tanto porque mostra mais pluralidade nas publicações como porque aumenta a potência das histórias. Ler-se pode representar um momento decisivo na nossa vida, por levantar perguntas, indicar respostas ou iluminar nossas ações e reflexões por outras perspectivas. E se eles se veem mais, quero acreditar que se tornam mais abertos a ver os outros.
OP - A literatura cearense vem conquistando espaços e reconhecimento (nacional e internacional). Além de você, temos Socorro Acioli, Jarid Arraes, Lorena Portela
e diversos autores se destacando em diferentes gêneros. Como você avalia o mercado literário cearense hoje? A escrita é um caminho possível para novos autores?
SG - Quanto mais livros e autores de mais lugares e vozes e perspectivas e vivências diferentes, melhor para a literatura brasileira. Hoje há muitas formas de publicação, desde as grandes editoras até editoras independentes e auto-publicação, passando pelos concursos e chamadas. Cada forma tem as suas dificuldades e dimensões, mas cada autor vai querer se realizar de uma maneira diferente também. O que é fundamental é tomar a primeira decisão, a de escrever, que é por si também permeada de variadas dificuldades e dimensões.
OP - O que você diria para alguém que sonha em ser escritor? Por onde começar?
SG - Em primeiro lugar, se escrever é importante, se te realiza de alguma maneira, tome a decisão de escrever e comece. A vida vai acontecendo de qualquer jeito, mas na maioria dos casos a escrita não vem tão naturalmente. É preciso um corajoso primeiro passo, um pensamento desafiador e assustador e empolgante ao mesmo tempo: eu vou escrever essa história. Em segundo lugar, leia. A leitura é a raiz da escrita.
Fortaleza/Ce, 25 | set. | 2025
As letras cearenses têm ganhado cada vez mais projeção no cenário nacional e internacional. As nomeações vão do consagrado Prêmio Jabuti, principal reconhecimento literário do Brasil, a distinções internacionais, como o The National Book Award (EUA) e o Oceanos, dedicado à Literatura em Língua Portuguesa. Confira alguns dos cearenses que conquistaram destaque através das palavras:
Ana Márcia Diógenes semifinalista do Prêmio Oceanos 2025, na categoria Prosa, com o livro “Buraco de dentro”.
Marília Lovatel vencedora do Prêmio Barco A Vapor de Literatura Infantil e Juvenil 2024, com o livro “Salvaterrabreve romance de coragem”.
Stênio Gardel vencedor do National Book Award 2023, na categoria Literatura Traduzida, com o romance “A palavra que resta”.
Vanessa Passos vencedora do Prêmio Kindle de Literatura 2021, com o romance “A filha primitiva”.
Dia Bárbara Nobre finalista do Prêmio Mix Literário em 2021, com a coletânea de contos “No útero não existe gravidade”.
Bruno de Castro finalista do Prêmio Jabuti 2020, com o livro “E, no princípio, ela veio: crônicas de memória e amor”.
Jarid Arraes
vencedora do Prêmio da Biblioteca Nacional, na categoria de contos, com o livro “Redemoinho em Dia Quente”.
Mailson Furtado vencedor do Prêmio Jabuti 2018, na categoria Poesia, com o livro “À cidade”.
BRUNA SONAST
DA POESIA AOS
CONTOS, DO ROMANCE À FICÇÃO HISTÓRICA. CONHEÇA ALGUNS DOS NOVOS
AUTORES QUE VÊM ESCREVENDO A CENA LITERÁRIA DO CEARÁ:
Publicou os livros de poesia “Vestígios”, “Mal dito coração” e “Em água viva”.
Integra o coletivo de escritoras e artistas independentes Brota, no qual articula saraus itinerantes com e para mulheres.
DALGO SILVA
Natural de Maranguape, o autor foi um dos finalistas do Prêmio Jabuti 2024 na
categoria Escritor Estreante, com o livro “Meu amor é político”. A obra aborda temas como homofobia, conflitos de classe, conciliando poesia, oralidade e políticas de afetos.
DIA BÁRBARA NOBRE
Autora do livro “Incêndios da alma”, da coletânea de contos “No útero não existe gravidade”, e do romance “Boca do mundo”. Natural do Cariri, sua obra costura questões íntimas e sociais das mulheres, violências e influências religiosas.
JULIE OLIVEIRA
Cordelista, possui mais de 15 livros editados, premiados e distribuídos em programas de educação. Entre suas obras estão o cordel “Pandora” e o romance em cordel “A Verdadeira História do Pavão Misterioso”, escrito em parceria com Paola Tôrres.
Autora dos livros infantis “Tom, Elis e Chico” e “Menino Bernardo”. É natural de Pentecoste (CE). Seus livros abordam a temática de violências e violações de direitos contra crianças de forma lúdica, visando a proteção e responsabilidade.
DOUGLAS FRANKLIN
Poeta, autor do livro “As cartas que te escrevi e nunca te enviei”, resultado de registros íntimos, diários e relatos sobre amores e perdas.
GLÓRIA DIÓGENES
Autora dos livros “Mãe sem a outra”, “Sangue no Olho D’água”, “Avarias” e “Fio que não parte”. Sua obra é marcada pelo poder feminino, travessias, cenários do sertão à capital urbana e dimensões simbólicas de existência.
LIA SANDERS
Natural de Fortaleza, é artista plástica e escritora. Autora dos romances “A mulher das cavernas” e “Todo mundo tem direito a um segredo”. Seu trabalho aborda o universo feminino e os aspectos psicológicos e simbólicos da condição humana.
TUYRA ANDRADE
Nascida em Boa Viagem, sertão do Ceará, é autora do livro “A boca do peixe”, uma autoficção que inventa e reinventa a linguagem, traçando uma trajetória poética e linguística.
LORENA PORTELA
Jornalista e escritora, é autora dos romances “Primeiro eu tive que morrer” e “O amor e sua fome”. Suas obras mergulham em questões caras às mulheres, como afeto, vínculos familiares, relações contemporâneas e autoconhecimento.
WILSON JÚNIOR
Autor da ficção histórica “999” e de “Trama Ancestral”. Suas obras reimaginam o Brasil Colônia e Império com elementos de fantasia, resistência e novas perspectivas históricas.
No Ceará, a poesia tem ganhado ruas, praças e atenção de um público que só cresce. Com temas que atravessam as vivências da periferia, de corpos negros e do ser mulher, os “slams” se apresentam como um movimento que democratiza a arte e oportuniza a expressão por meio de competições de poesia falada.
Slammer, poeta e educadora, Natália Pinheiro (Preta Poeta) define o slam como lugar de acolhimento e partilha. “[Através do slam] eu pude me encontrar, me reconhecer, me desenvolver e me afirmar como poeta”, pontua.
Nascida no Cariri, ela explica que o contato com a palavra se deu muito cedo, nas histórias que a mãe contava, nos repentes do pai e no encanto pela poesia de Patativa do Assaré. Na escola, contudo, a literatura lhe chegava como algo distante. “Masculina, branca, de uma elite e não havia muito espaço para se enxergar nela ou para pertencer”, lembra.
Foi por volta de 2017 que o slam entrou em sua vida. “Hoje, olhando pra minha caminhada dentro do slam, diria que pra mim ele representa o
“OS ENCONTROS DE SLAMS SE TORNAM ALGO, NÃO TEM OUTRA PALAVRA, COMO SE FOSSE SAGRADO”.
Kieza Fran, poeta, produtora cultural e organizadora de slams
movimento de pulsação de vida que me salvou por me possibilitar me expressar, criar redes de afetos e escutar a minha voz”, afirma. “O slam também visibiliza corpos, sujeitos, narrativas e amplifica vozes. (...) Quando as pessoas saem do lugar da invisibilidade, elas têm suas potencialidades enxergadas e isso as fortalece”.
O slam é uma batalha de poesia falada com textos autorais, sem o uso de cenários, figurinos ou acompanhamento musical. O movimento começou na década de 1980, em Chicago, e encontrou, no Brasil, um terreno fértil para crescer e se multiplicar.
Diferente das batalhas de MC, o slam não parte do improviso. Ele também se distingue dos saraus em dois pontos: a disputa e necessidade de serem poesias autorais. As batalhas geralmente têm limite de três minutos, e são avaliadas por júri popular que, na maioria das vezes, é escolhido durante a disputa.
Fortaleza/Ce, 25 | set. | 2025
No Ceará, o slam surge em Sobral, no ano de 2017. Kieza Fran é poeta, produtora cultural e uma das responsáveis pelo movimento no Estado. Ao lado de amigos, ela fundou o Slam da Quentura, primeiro grupo do Ceará. Hoje, o movimento ganhou corpo, também, nos municípios de Crato, Itapipoca, Massapê, Ibiapina, Camocim, Granja e Juazeiro do Norte. Segundo Kieza, já são 24 slams criados – a palavra também sinonimiza “grupos”.
“A cena no Estado significa, primeiro, essa porta de entrada da galera. Principalmente uma galera periférica, dissidente, baixa renda, dentro do campo da poesia, e de se reconhecer que sim, a gente faz literatura”, afirma a jovem que, apesar de organizar batalhas, não é slammer.
Ela destaca que o slam tem um lugar de demarcação de território, trajetória e comunidade. Diferente de outros estados, onde a cena é mais concentrada nas capitais, no Ceará o interior virou palco de resistência e criação.
Kieza aponta os slams também como espaços terapêuticos. “Por ter esse espaço de escuta, os slams se tornam também
Minha poesia rompe silêncios que vêm de longe desde quando nos calaram a voz e trazem dores que não são só minhas porque o que sou, eu não sou sozinha e quando eu grito, é sempre por nós.
Eu sei que o racismo deve ter batido com bem mais força na pele da minha mãe, tias, avós e várias outras que me guiam os passos... por elas minha poesia quer ser abraço afetos negados a tantas de nós.
Apresentação no Slam CE 2019
um espaço de promoção de saúde mental. De manter essa rotina, de ser uma vez por mês, então se torna algo, não tem outra palavra, como se fosse sagrado”.
Apesar da competição, ela reforça que o foco principal é o encontro. “Independentemente de quem ganhar a disputa. É o que a gente constrói em rede, em comunidade. Para mim, isso é a comunidade slam”, destaca. “É entender esse lugar de que o slam coloca também, essa possibilidade da gente conseguir acessar outros locais. Que não somente os locais que são delegados pra gente quando a gente sai do ensino médio de escola pública”.
“INDEPENDENTEMENTE DE QUEM GANHAR A DISPUTA, O QUE IMPORTA É O QUE A GENTE CONSTRÓI EM REDE, EM COMUNIDADE.”
E aos poucos esse meu verso que às vezes grita, às vezes chora tem aprendido que sorrir e celebrar a vida também é resistir contra esse sistema genocida que quando não mata ou prende, chicoteia as costas.
De LGBTQs, mulheres, indígenas, empobrecidos, pretas... de gente como nós! e quando aponto a minha caneta, é para irem se preparando porque as minas estão se juntando os pretos se aquilombando LGBTQ’s se organizando e vai ser bem difícil não ouvir nossa voz!
Eu sou a voz da carne julgada de menor valor de corpos tão silenciados desde a Colônia objetificados quando nos negaram tudo inclusive o amor.
E por mais que eu carregue um alvo no peito que a “bala-perdida” sempre ache a minha cor que o meu corpo seja sempre o suspeito eu me recuso a ser puramente dor!
Então “faço questão de botar no meu texto” o que o Rincon já cantou: “pretas e pretos estão se amando” e se ontem seguíamos chorando hoje e amanhã nós seremos calor.
E se o afeto é revolucionário o afeto preto é bem mais, é salvador! e Preta, se nós juntas somos imensidão o nosso infinito é cura, é revolução e por isso o meu peito batuca amor.
Natália Pinheiro | Preta Poeta| Livro “No mar de silêncios gritei poesia”
Fortaleza/Ce, 25 | set. | 2025
MERCADO DOS QUADRINHOS GANHA FÔLEGO E AMPLIA POTENCIALIDADES
Por meio de quadros, traços e balões, ilustradores cearenses vêm encontrando novas formas de contar histórias. Em suas HQs, a literatura se reinventa como imagem, e se transforma em lugar e experiência visual. É o caso das produções de Raquel Silva. Ilustradora, autora e quadrinista, Raquel une cordel, lendas e detalhes do cotidiano cearense em narrativas únicas, que perpassam afetos, espaços e memórias.
Inspirada em nomes como Hayao Miyazaki, Mauricio de Sousa e Klévisson Viana, Raquel transforma em quadrinhos as narrativas que perpassam suas vivências. “Histórias cotidianas, cultura, mitos e fofocas de vizinhos. Tudo vira quadrinho. Nosso povo é rico em histórias e acredito que nós, nordestinos, temos alma de contadores de histórias. Basta sentar em uma calçada e ficar atento ao povo com seus causos e lorotas divertidas, que transformam o mais comum relato em uma baita história, geralmente voltada à comédia”, conta.
Para o membro do grupo de pesquisa Oficina Invisível de Investigação em Quadrinhos da Universidade Federal do Ceará (UFC), Thiago Alves, o diferencial dos quadrinhos cearenses está no caráter autêntico, direcionado à cultura local e sua regionalidade. “Além disso, o quadrinho e as pessoas que produzem quadrinhos cearenses são compostos pela diversidade, o que possibilita a criação de histórias variadas, com inclusão, abordando temas atuais e relevantes para nossa sociedade, e com diferentes perspectivas, sem abrir mão do que faz o cearense ser quem é”, afirma.
Para além das experimentações narrativas, o cenário dos quadrinhos vem passando por transformações significativas nos últimos anos. De acordo com o editor da Avoante, Luís Carlos Sousa, essas mudanças estão diretamente ligadas ao público e à forma como os quadrinistas se inserem no mercado.
Com experiência no meio desde 2010, Luís observa uma mudança no perfil do leitor de quadrinhos e na receptividade das publicações em eventos voltados à cultura geek. “Teve uma época em que você participar de eventos nerds, geeks, como o Sana, como a CCXP, era bom para o produtor de quadrinhos porque ele ficava em um palco muito grande, muito rico. Hoje em dia eu não acho que seja tão interessante assim”, reflete.
Segundo ele, os quadrinhos perderam espaçonesseseventosparaprodutosmaisacessíveis e que chamam atenção imediata, como prints, adesivos e fanarts. Nesse contexto, Luís aponta um movimento de produtores de
quadrinhos e, especialmente editoras independentes para eventos literários. “A gente acaba meio desembocando dentro da literatura, ou dentro do espaço literário, porque as pessoas dizem ‘Ah, quer dizer que isso aqui é um quadrinho, não é só para criança? Quer dizer que você pode contar histórias sobre Fortaleza em um quadrinho?”, explica.
Para o editor, esse movimento não significa a transformação dos quadrinhos em literatura, mas um encontro entre linguagens que podem se complementar. “Eu acho que a gente tem cada vez mais se alinhado com a literatura, se aproximado dessa linguagem para a gente poder conseguir um público que está ávido por novas histórias. E o quadrinho sempre foi um espaço para novas histórias, para novas leituras, para experimentalidades. Não acho que a gente está se tornando mais literário, mas eu acho que estamos finalmente abraçando o mesmo caminho do literário”, frisa.
Fortaleza/Ce, 25 | set. | 2025
Iniciativas de grupos e coletivos são pilares essenciais para a continuidade e fortalecimento da cena de quadrinhos no Ceará. Na Capital, a Oficina de Quadrinhos da UFC oferece um curso anual, dividido em quatro módulos, que abordam roteiro, desenho, quadrinização e produção, e publicação.
As inscrições para novas turmas são abertas anualmente. Para saber quando os editais são lançados, acompanhe o projeto: Instagram: @oficinadequadrinhos
Site: https://oficinadequadrinhos. wixsite.com/site/inscricoes
Mais informações: oficinadequadrinhos@ufc.br
O Laboratório Criativo de Quadrinhos da Rede Cuca oferece uma formação intensiva que introduz os jovens às etapas de concepção, produção e editoração de histórias em quadrinhos. Instagram: @redecucaoficial
As turmas são abertas através de edital. As inscrições acontecem no Portal da Juventude: https://portaldajuventude. fortaleza.ce.gov.br/portal-web/#/
Kuya
Oferece diferentes oficinas e formações na temática. Acompanhe a programação nas redes sociais. Instagram: @kuyadesignceara
Endereço: Rua Senador Jaguaribe, 323, Moura Brasil, Fortaleza
Fundação Demócrito Rocha
Curso Básico de Histórias em Quadrinhos - www.fdr.org.br/ historiaemquadrinhos/ Curso Quadrinhos em Sala de Aula - www.fdr.org.br/quadrinhoemsala/
Fortaleza/Ce, 25 | set. | 2025
“COMECE”.
“NÃO ESPERE O MOMENTO CERTO, A INSPIRAÇÃO, OU TER UMA AULA QUE VAI ABRIR A SUA MENTE PARA TODAS AS POSSIBILIDADES DA ESCRITA”
EM FORTALEZA, CURSOS,
OFICINAS E GRUPOS DE
PESQUISA OFERECEM FORMAÇÕES PARA
ESTIMULAR AQUELES
QUE SONHAM EM DAR VIDA ÀS SUAS HISTÓRIAS
Esperar inspiração para escrever um livro de centenas de páginas pode ser um processo, no mínimo, demorado. Para um texto bem construído, é preciso disciplina, pesquisa, leitura e muita reescrita. No Ceará, essa perspectiva vem sendo incentivada por uma série de iniciativas públicas e privadas, que apostam na formação de escritores, por meio de cursos, oficinas e grupos de estudo.
Entre os adeptos das formações como mote para um bom texto está o escritor e professor universitário Mateus Lins. Autor do romance “O Reino de Mira”, ele explica que a escrita é um percurso lento, artesanal, sem regras ou fórmulas mágicas.
O desejo de compartilhar os aprendizados
sobre o mercado editorial veio em 2016 e, atualmente, Mateus coordena a especialização em Escrita e Criação da Universidade de Fortaleza (Unifor). Apesar das conquistas, ele ressalta que “o mercado é duro”. “Vender livros demanda trabalho, engajamento em redes, batidas em portas e, claro, disposição para se doar ao livro depois que ele ganha o mundo”, pontua.
Sobre as formações, é necessário cuidado para não se iludir (e se decepcionar) com aquelas que oferecem fórmulas mágicas para se escrever um best-seller. Segundo Mateus, cursos “sérios” propõem acesso à técnicas da escrita criativa; exercícios e diálogos para concepção de textos; e aprofundamento sobre os caminhos da edição.
“Esses cursos são importantes para que os autores possam acessar novos conhecimentos, refinar habilidades, compartilhar textos, ouvir opiniões de colegas, conhecer autores, editores e agentes literários, mas, acima de tudo, são importantes para que os alunos possam criar uma rede de suporte para a prática da escrita. Não estar sozinho faz toda a diferença”, afirma.
Para os iniciantes, sua dica principal é simples: “comece”. “Não espere o momento certo, a inspiração, ou ter uma aula que vai abrir a sua mente para todas as possibilidades da escrita”, orienta.
Biblioteca Pública Estadual do Ceará (Bece)
Oferece cursos e oficinas livres de escrita, editoração, narrativas orais, além de conservação e restauro de livros e documentos. Mais informações: @bece_bibliotecaestadualdoceara
Projeto de extensão da Universidade Federal do Ceará (UFC), que promove oficinas de escrita, clubes de leitura e saraus. Mais informações: @e.l.moreiracampos
Oferece oficinas e formações que trabalham a escrita criativa, mas também com foco em performance, teatro e roteiro audiovisual.
Mais informações: @portoiracemadasartes
Grandes e pequenas editoras têm investido no apoio à formação literária, convidando seus autores para ministrar oficinas e minicursos. Acompanhe algumas delas no Instagram: Companhia das Letras: @companhiadasletras Todavia: @todavialivros
Substânsia: @substansia
Moinhos: @editoramoinhos
Avoante: @avoanteeditora
Além disso, clubes de leitura e projetos que trabalham a literatura, no Instagram, vez ou outra oferecem oficinas e bate-papo gratuito com escritores. Vale a pena ficar ligado!
Livre Literatura: @livre_literatura
Bookster: @bookster
Histórias Diversas Podcast: @ historiasdiversascast
Beth Leites: @bethleites
Produtores de conteúdo locais
Estante do Alê: @estantedoale
Clube do livro da Ayla: @aylanoobre
Charlene Ximenes: @livrosdacha
Dose de letras: @dosedeletras
Fortaleza/Ce, 25 | set. | 2025
NO CEARÁ, LITERATURA
JUVENIL EXPLORA
REGIONALIDADES, INCERTEZAS E RELAÇÃO DE JOVENS
COM TECNOLOGIA
Tudo começou com textos publicados no Facebook, em 2016. De lá para cá, o caminho da escritora cearense Linara Chaves enveredou por livros, eventos e muitas histórias. Moradora do município de Ereré, no Vale do Jaguaribe, Linara é autora da duologia juvenil Garoto Peculiar.
O contato com a leitura veio cedo, e se desenvolveu através dos livros que comprava em revistas de cosméticos e dos que encontrava no pequeno acervo da escola. O interesse por romances chegou na adolescência, com autores teen estrangeiros. Neles, Linara esbarrou com a dificuldade de encontrar personagens que refletissem suas vivências. Foi quando decidiu criar seus próprios.
“Queria escrever baseada nessa realidade que é a de muitas pessoas que vivem no interior do Estado e que nem sempre conseguem encontrar livros que se assemelham ao seu cotidiano”, afirma.
Em “Garoto Peculiar”, Linara narra a história de Bernardo, apresentando questões como ciúme, primeiros amores, insegurança e internet. As temáticas, comuns a essa fase, também aparecem em livros de jovens autores do Estado, como a fortalezense Kami Girão. Para Linara, o reconhecimento gera interesse pela leitura. O ponto se confirma no feedback de leitores, que a autora recebe, principalmente, através de redes sociais. Além delas, Linara cita os clubes de leitura, feiras e projetos escolares como importantes espaços de troca com o público.
“QUANDO FORTALECEMOS A LITERATURA
NA ESCOLA PÚBLICA, NÃO ESTAMOS APENAS FORMANDO LEITORES. ESTAMOS AMPLIANDO HORIZONTES E ABRINDO CAMINHOS PARA QUE CADA ESTUDANTE SE VEJA COMO AUTOR DE SUA PRÓPRIA HISTÓRIA”,.
Ayla Nobre, socióloga, escritora e mediadora de leituras
De acordo com a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, divulgada em novembro de 2024, o número de jovens leitores (14 a 17 anos) caiu de 67% para 62% entre 2019 e 2024. A pesquisa também aponta a redução nos índices de leitura em todo o País. Apesar disso, o Ceará surge como exceção. Mais da metade da população do estado (54%) leu pelo menos um livro nos três meses que antecederam a pesquisa, superando a média nacional de 47%.
Para a socióloga, escritora e mediadora de leituras, Ayla Nobre, parte desse hábito começa nas escolas. Desde 2023 ela desenvolve projetos de leitura em escolas públicas de Fortaleza. Neles, os livros deixam de ser apenas material didático para virar ponto de encontro, conversa e descoberta.
“Nem todos os estudantes têm livros em casa. Muitas vezes, a escola é o único espaço de acesso à leitura. Por isso, o livro precisa ser mais do que conteúdo de prova: tem que ser experiência, caminho de pertencimento e de novas possibilidades”, afirma Ayla. O projeto visa aproximar os jovens de obras clássicas da literatura brasileira e, ao mesmo tempo, apresentar autores cearenses que mostram que a escrita também pode nascer perto deles, no seu próprio território. A ideia é criar um repertório em que os alunos possam se reconhecer. “Se tem uma idealização de que a literatura é apenas as histórias de livros, mas eu não concordo. A literatura é também oralidade, conversa e é isso que eu tenho falado em palestras”.
Fortaleza/Ce, 25 | set. | 2025
FANZINES E EDITORAS INDEPENDENTES
GANHAM FORÇA E AMPLIAM HORIZONTES DA CENA EDITORIAL NO CEARÁ
Foi no início dos anos 2000 que a arquiteta Cláudia Sales conheceu o universo dos fanzines. O formato lhe foi apresentado nas aulas de desenho que frequentava na época e, a partir delas, nasceu o Quadrimix. “Foram várias edições e uma experiência muito massa, que despertou em mim uma paixão duradoura por esse formato editorial tão acessível e de baixo custo”, lembra.
Hoje, Cláudia atua como coordenadora de formação da Kuya - Centro de Design do Ceará, estimulando novos designers e escritores a criarem suas próprias publicações. Para ela, os fanzines persistem não só como alternativa editorial, mas como “ferramenta criativa e pedagógica”.
Na prática, os fanzines são uma mistura de veículo de comunicação e obra literária, produzidos por e para pessoas que gostam de temas em comum. “O fanzine nasce como
esse espaço livre de expressão, de difusão de ideias próprias, de temáticas diversas, feito por fãs e criadores que querem compartilhar visões de mundo”, explica Cláudia.
Ela destaca que, desde os anos 2000, muitas mudanças aconteceram no formato, principalmente em sua feitura e distribuição. Antes, era pautada no artesanal, com folhas dobradas, recortes de imagens e visitas às copiadoras. Com os avanços das ferramentas gráficas e digitais, esse processo ficou mais rápido e acessível.
Os zines artesanais, que circulavam em pequenos grupos, hoje ganharam espaço em feiras literárias, conectando-se ao público jovem e fortalecendo um movimento de criação coletiva.
A isso, somam-se as possibilidades do online. “A internet ampliou enormemente esse alcance. Com publicações digitais e redes sociais, a circulação é muito maior e menos custosa. Você pode divulgar seu trabalho em plataformas como Facebook ou Instagram e chegar a públicos que antes eram inacessíveis”, afirma Cláudia.
Além dos fanzines, diversas publicações alternativas têm conquistado espaço. Em um mercado cada vez mais concentrado, as produções independentes ganham corpo e se tornam um caminho viável para que autores publiquem seus trabalhos e coloquem suas obras no mundo. Livros digitais, autopublicação, edições colaborativas e blogs são algumas opções que se abrem.
No mercado independente do Ceará, editoras como a Substânsia se destacam pela diversidade de títulos e por sua trajetória sólida, enfrentando os desafios da produção e distribuição fora do circuito tradicional.
A editora nasceu há quase 12 anos, a partir da iniciativa de três estudantes do curso de Letras da UFC. “A gente tinha uma certa inquietação, tanto pela questão de que a gente não conseguia ver livros da literatura cearense com um qualidade estética e editorial, como também a gente percebia que existia pouquíssimo espaço para algumas pessoas publicarem. Então, era um circuito muito restrito, e que deixava de fora pessoas muito importantes na literatura naquele momento”, aponta o editor da Substânsia, e um de seus criadores, Talles Azigon.
Para ele, um dos principais desafios de se manter uma editora independente é a questão econômica e de distribuição. Apesar disso, ele destaca a força da cena independente no estado e a importância de políticas públicasnocampodolivro,leituraeliteratura. “Eu acho que, pelo potencial que a literatura pode ter, e de como tudo deriva da literatura, todas as outras artes vão passar pelo livro. Eu acho que se deveria ter uma atenção mais especial à linguagem”, completa.