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#1 MÚSICA

CEARÁ DE VALORES

Fortaleza/Ce, 11 | set. | 2025

EDITORIAL

A cultura é nosso idioma mais forte. É ela que nos forma, nos conecta e nos projeta. “O Ceará de Valores: estimulando e inspirando as novas gerações” nasce do entendimento de que a arte é memória, mas é também futuro.

Dar voz às trajetórias de artistas cearenses — na música, na literatura,

nas artes visuais e no humor — é mostrar que sonho, esforço e criatividade podem ser alicerces para uma trajetória de sucesso. É dizer, em alto e bom som, que viver de arte é possível e necessário. Que essas histórias se transformem em alicerce para outros sonhos.

APRESENTAÇÃO:

A música faz parte da vida humana desde sua origem. Desde o primeiro instrumento percussivo, por mais rudimentar, até a elaboração de programas modernos para simulação de sons, ela serviu aos mais diversos propósitos da comunicação do homem. Através da música podemos protestar, revelar sentimentos, guardar memórias, contar histórias, remexer o corpo, relaxar a alma. Se para uns ela é ideal para os momentos de descanso, para outros é trabalho e exige muita dedicação, estudo e disciplina. No primeiro caderno da série Ceará de Valores, conversamos com quem faz música no Estado. Do hip hop ao erudito, são muitos ritmos, instrumentos, públicos

e expectativas em torno dessa linguagem tão bela e complexa. Nas páginas a seguir, temos uma conversa com Mateus Fazeno Rock, um dos destaques da cena pop local que vem conquistando espaço na cena nacional. Tem ainda um perfil da Casa de Vovó Dedé, instituição formativa que vem mudando a realidade de crianças e jovens de Fortaleza. Apresentamos a banda Pira Coletiva e visitamos o curso de Música da UFC para falar da importância da formação para quem quer enveredar nessa área. São essas e outras histórias que abrirão sua mente para um mundo que combina beleza, matemática, precisão, esforço e inspiração. Boa leitura.

Marcos Sampaio - Jornalista e curador do projeto

ÍNDICE

3 A ZÁREA AFRODIASPÓRICA DE MATEUS FAZENO ROCK

5

FORMAÇÃO EM MÚSICA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

10 O PRESENTE DISTÓPICO DA PIRA COLETIVA

12

CASA DE VOVÓ DEDÉ PROMOVE ACOLHIMENTO E EXCELÊNCIA DA BARRA PARA O MUNDO

14

VIVER DE MÚSICA: OUTRAS PERCEPÇÕES

NÃO PERCA OS PRÓXIMOS CADERNOS:

Artes Visuais - 18/09

Literatura - 25/09

Humor - 02/10

EXPEDIENTE:

Este é um produto customizado pelo ESTÚDIO O POVO - ESTÚDIO DE BRANDED CONTENT do O POVO. Diretor de Negócios: Alexandre Medina Néri | Gerente de Operações: Michelle Walker | Estratégia e Relacionamento: Adryana Joca; Dayvison Álvares | Assistente de Projetos: Richard Marques | Coordenadora de Conteúdo: Camilla Lima | Líder de Planejamento: Luana Saraiva | Coordenação de Criação: Jansen Lucas | Texto: Caio Castelo | Design: Alessandro Muratore CEARÁ DE VALORES - Concepção e Coordenação Geral: Valéria Xavier | Curador: Marcos Sampaio |Gerente Executiva de Projetos: Lela Pinheiro | Análise de Projetos: Damaris Magalhães | Fale Conosco: www.opovo.com.br

PATROCÍNIO: REALIZAÇÃO:

Camilla Lima - Coordenadora de Conteúdo Estúdio O POVO

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Fortaleza/Ce, 11 | set. | 2025

A ZÁrEa AFRODIASPÓRICA DE MATEUS FAZEnO ROCK “PRAZERES ROUBADOS, FÉNO CORRE.”

Cria da Sapiranga, Mateus Fazeno Rock lançou em agosto “Lá Na Zárea Todos Querem Viver Bem”, pela gravadora Deck. O terceiro álbum do artista é sucessor de “Rolê nas Ruínas” (2020) e Jesus Ñ Voltará (2023) e propõe um olhar para o cotidiano das periferias longe do estigma da dor, do sofrimento e da violência.

Temas como prosperidade, memória e descanso permeiam o álbum, que também não deixa de abordar criticamente as limitações da vida em letras contundentes e bem construídas. O rock de favela, consolidado desde seus primeiros álbuns, também aparece expandido em contato com outras vertentes musicais como o soul, o reggae e o funk brasileiro.

Conversamos com o artista sobre este momento de sua carreira, experiências e planos para o futuro.

Me fala desse álbum novo, no que você sente que ele difere dos outros, no que você sente uma continuidade?

Venho observando que agora, depois de ter lançado o terceiro álbum, eu consigo meio que dar uma “distanciada” e ver uma imagem se formando, ver que histórias eu venho contando. Acho que, além de pequenos retratos do tempo, esses álbuns também acabam sendo camadas de uma mesma vivência.

Nos dois primeiros álbuns, eu trouxe um contexto bem de luta, cada um à sua maneira. Um mais ativo, outro mais subjetivo, falando um pouco de recortes e memórias da minha vida. Sempre vinculado ao meu contexto, a história do meu bairro, sempre vinculado à minha caminhada na cidade. Acho que até por isso eu trouxe esse outro álbum, Lá Na Zárea

Todos Querem Viver Bem, tentando trazer outras camadas.

FOTOS

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Não só de leveza, mas também de coisas que eu observo que fazem parte do cotidiano e são tão importantes quanto qualquer outra. A alegria, o almoço, momentos de festividade, enfim. Esses prazeres e felicidades que, na verdade, são constantemente roubados de nós e que a gente luta pra nutrir, pra ter. O tempo é um bem precioso, né? E vira um bem capital. Então, acho que ele fala sobre isso, sobre descanso, sobre os encontros, sobre amor.

Essa sonoridade do álbum foi algo proposital ou foi surgindo espontaneamente a partir das composições?

Meu rolê com a composição é muito do cotidiano mesmo. Não tem um método do tipo “vou parar, entrar agora numa sala e tocar pra compor”. Eu vou compondo no dia a dia, andando na rua. Aí eu anoto uma melodia, aí eu escrevo um verso… Gosto de sentar e ficar tocando a mesma coisa repetitivamente. As músicas meio que nascem assim.

Como geralmente tô só eu e o violão ou só eu e minha própria voz, a primeira parte de tudo é a melodia, ela que me diz depois pra onde é que vai. Sendo bem sincero, eu sinto que eu só obedeço. Vou seguindo, aí pronto: encaixou aqui, é um ska, é um reggae, etc.

Minha base sempre foi gostar de rock, querer fazer rock, tentar fazer rock. E aí também tinha uma visão muito limitada do que era o rock, uma visão até de que aquilo não era muito pra mim. Eu tinha uma imagem sonora de vozes. Não conseguia ver minha voz dentro disso, dessa linguagem.

Então foi com o tempo mesmo que eu fui entendendo como o jeito que eu canto é rock and roll. E eu tenho essas outras escolas na vida. O rap, através de batalhas, através de vivência com o Nego Célio, e outros amigos do rap. O reggae e outros ritmos que estão no meu cotidiano também vão sendo base pra ir construindo aquele imaginário. Sai tudo nessa mistura de forma muito espontânea.

O que é o rock de favela?

Eu diria que é um ritmo que mistura o rock, que é um ritmo afrodiaspórico, com outros ritmos afrodiaspóricos. É o encontro do rock com outras músicas de gueto. Não só através da musicalidade, mas através das histórias que são contadas. É uma música que tá ali porque conta uma história específica.

“ESSES PRAZERES E FELICIDADES SÃO CONSTANTEMENTE ROUBADOS DE NÓS — E A GENTE LUTA PRA NUTRIR, PRA TER.”

Como foi o processo de levar essas composições para gravar?

Eu já cheguei com tudo de cima. No geral, eu passo um tempão compondo. Tanto neste quanto nos discos anteriores, eu já tinha todo o disco em demo. Muitas vezes até na ordem, embora com o tempo você vá mudando uma coisa ou outra de lugar.

Pela primeira vez, foi um álbum que eu botei bastante a mão na produção. Nesse lugar da tecnologia, do computador, gravar, mexer, montar algumas bases e tudo.

Curtiu?

Demais, eu tô igual uma criança, descobrindo um novo mundo. Há muito tempo, eu tinha um entrave muito grande com tecnologias. O mais legal disso, na verdade, é a autonomia no processo. Antes, eu tinha dificuldade pra passar qual era a ideia do som, enquanto tava produzindo. Leva um tempo pra você e a pessoa que tá produzindo com você entrarem em sincronia. Mas nesse caso, eu consegui mostrar, né? Tipo “ó, gente, a minha ideia é mais ou menos essa”. Então, por mais que não esteja exatamente perfeito, quando você escuta a demo, já entende a energia da parada como um todo. No estúdio, a gente fez um intensivão de oito, nove dias gravando direto. Tudo a partir das demos.

Antes de produzir o álbum, você e o Catatau já vinham colaborando em outras ocasiões. Como essa parceria foi se desenvolvendo? Foi algo construído ao longo do tempo. Não vou lembrar cronologicamente, mas sei que teve um momento em que eu fui em São Paulo e coincidiu com uma temporada que ele tava fazendo no teatro do Centro da Terra. Toda segunda-feira, ele tinha uma apresentação em collab com uma artista.

Eu ia estar lá numa segunda-feira específica, em que ele tinha uma apresentação em collab com a Juçara Marçal. E aí ele me chamou pra participar desse show. A gente ensaiou, cantamos umas quatro músicas juntos. Foi um dos primeiros momentos que a gente teve uma troca assim mais musical. Porque a gente já vinha conversando e tudo.

Daí pra frente a gente foi só trocando ideias. Em algum momento, fui percebendo várias coisas em comum entre nossas formas de criar, de pensar, e fazia sentido pra mim que ele chegasse junto nesse álbum. Eu já vinha mostrando vez ou outra alguma composição pra ele. E ele, partilhando o processo das músicas novas que ele tá gravando e vai lançar em algum momento. Nessa troca, a gente foi afunilando as ideias. Foi demais pra mim ele ter chegado junto no álbum.

É seu primeiro trabalho lançado por uma gravadora. Isso é algo que você imaginou ou perseguiu em algum momento?

Pior que não. Pelo contrário, eu por um tempo até dei uma hesitada. Não com a Deck, mas outras pessoas já me procuraram antes. O Rafa Ramos entrou em contato comigo no final de 2023. A gente fez uma chamada bem legal e ele já foi bem papo reto sobre objetivos, quais eram os interesses deles e tudo. Sem rodeios. Depois dessa ligação, a gente ainda se falou por uns quatro a cinco meses. E em janeiro de 2024 eu assinei com eles. Foi todo um processo também pra organizar tudo, começar a distribuir por eles as músicas dos álbuns anteriores... Relançamos o “Jesus Ñ Voltará” em versão Deluxe, incluindo uma faixa bônus, que foi “Madrugada”, pra dar esse start. Aí a gente fez o clipe de Madrugada, já com um aporte da Deck. Depois que eu senti que eu já tinha as músicas ali, puxei o bonde pra gente lançar esse novo álbum.

Como está o novo show? Baile, luz, som,

banda? E o processo de montagem dele?

Antes de falar sobre o show novo, tem todo esse desafio da circulação. Muitas vezes, por mais que a gente monte todo aquele show que a gente consegue entregar em Fortaleza, quando era em outras cidades, muitas vezes ia só eu e o Viúva, só eu, o Viúva e a Mumu, encontrando formatos menores pra poder não parar e chegar nos lugares. Tem todo um desafio por trás.

Mas esse show novo acontece com o Catatau na guitarra, eu na guitarra, o Marcus Au no baixo e o DJ Viúva Negra nas bases, Mumutante e Jocasta de backing e o baile completo, Trojany nas projeções, timão todo. A novidade é o Catatau e o Marcus, a gente fazendo os arranjos ali, ao vivo.

Que artistas de Fortaleza te influenciam hoje?

Eu sinto que fui crescendo e me movimentando na cidade, caminhando junto com algumas pessoas em paralelo, às vezes juntas, às vezes separadas, e essas são as minhas principais referências musicais. Se for pensar na cidade, a própria Má Dame, Caiô e OUTRAGALERA, o Agê, a Mumutante e a forma dela de compor, de pensar também, até, enfim, o Talles Azigon na poesia, o Big Leo na escrita. O Jonnata Doll, o Catatau, Vitor Colares, Briar, a galera do Procurando Kalu. Uma nova cena também de rap que vem surgindo com muita gente massa, como a Cabulosa.

Como você enxerga as cenas que existem na cidade?

Eu acho que a gente tem uma sede de cena, mas o que falta mesmo são formas de a mobilidade da música acontecer aqui na cidade também, pra além dos centros culturais. Acho que falta um certo horizonte pra poder trabalhar diversos formatos de linguagem. Tem lugares que lutam pra manter isso, mas falta um movimento mais geral, porque os artistas continuam criando.

Tenho pelo menos 14 anos sendo artista na cidade, não só na música, e observo que existe uma cena, a gente trabalha, a gente cria, mas existem também umas barreiras que fazem algumas pessoas desistirem. E olha que essa é uma cidade que muitas vezes, quando a gente viaja e compara com outras, percebe que em alguns momentos a gente tem uma cena viva que acontece, que a galera faz show, que tem

“ESPERO QUE

ESSE ÁLBUM MANTENHA A CHAMA ACESA E ABRA OS CAMINHOS

QUE TIVER QUE ABRIR.”

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algum espaço, que tem lugares formativos. Mas ao mesmo tempo esbarra em um monte de barreiras que o próprio capitalismo cria, fazendo com que viver de música muitas vezes não pareça uma realidade tão viável. Acho que o caminho pra lidar com isso é a galera trocar mais, conviver mais.

Como fazer para que o sonho e o sonhador possam coexistir?

Pra mim funciona muitas vezes tentar pensar um pouco fora da lógica do mercado e tentar fazer com que o nosso sonho não vire um produto. Porque muitas vezes a gente entra num lugar de se sentir fracassado, a gente sente que o tempo tá passando rápido demais, que a gente tá perdendo coisas, e eu acho que essa pressa, essa competição, ela não precisa ser nossa. Se possível, não entre nessas armadilhas que jogam. Elas sugam nessa vivacidade, essa vontade de fazer acontecer.

A vontade de fazer acontecer, pra quem não tem grana, é tudo. Faz a gente se mover. Se movendo, a gente sai de casa e encontra

alguém. Foi assim que eu encontrei as pessoas que se colocam comigo. Indo na rua, tentando, fazendo eu e meu celular, eu e o violão, eu e a guitarra, eu e a capela, eu e o busão. Fui correndo o mundo, e aí surgiram encontros. Querem nos isolar uns dos outros, criar campos de individualidade extremamente restritos, bolhas cada vez menores. Então acho que a gente tem que furar pequenas bolhas antes de furar outras bolhas gigantes.

Desde os tempos de Mateus Mesmo, como vocalista da Casa de Velho, e passando por cada um dos seus álbuns, vemos um artista em constante reinvenção de si e da forma como interage com o mundo. Quais os planos pro futuro? Espero que esse álbum faça um novo e bom caminho, maior ainda, que chegue nas pessoas. Que sirva para eu manter a fé na música e também em mim. A fé no corre. Eu penso muito em longevidade, realmente quero que esse trabalho seja algo para o futuro, que ele possa estar contando uma história que eu olhe lá na frente e consiga me orgulhar dela. Que o “Lá Na Zárea Todos Querem Viver Bem” ajude a manter a chama acesa para poder abrir os caminhos que tiver que abrir.

Rafael Ramos, Mateus Fazeno Rock e Fernando Catatau
IZABELE PETERSEN

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EMFORMAÇÃO MÚSICA: POSSIBILIDADES E DESAFIOS

UM ELEMENTO HUMANO

Liu Man Ying, professora de violino da Universidade Federal do Ceará (UFC), argumenta que “estudar música é para qualquer pessoa”. Se vai se profissionalizar ou não, é uma consequência, algo que pode eventualmente acontecer”. Liu defende que a música não apenas sempre fez parte da vida humana como também é um elemento essencial, e não um mero entretenimento supérfluo:

“Dos tempos mais remotos, além de ferramentas e utensílios de pedras cortantes que serviam à caça e à proteção, também se tem notícia de instrumentos musicais muito antigos, feitos de ossos e outros materiais. A música era presente mesmo naquele ambiente em que o ser humano tinha como grande preocupação a sobrevivência. Enquanto lutávamos contra as intempéries da natureza, os animais selvagens e as doenças, havia também a necessidade de se expressar através da música”.

Numa manhã em que a turma da disciplina de Percepção e Solfejo do curso de Música da UFC estava particularmente letárgica (mais ainda do que músicos já costumam ser às 7h30 da manhã), o professor Erwin Schroder interrompeu sua aula para chamar a atenção dos alunos cobrando mais empenho e participação. “Isso aqui é um curso de música. Nenhum de vocês precisa vir contra a sua vontade. Tenho certeza de que ninguém tá aqui porque os pais obrigaram”.

Os motivos que levam alguém a buscar uma formação musical e se dedicar aos estudos e à prática de instrumentos musicais podem ser diversos, ainda que a pressão familiar seja mesmo um dos mais raros. Independente de ser uma escolha profissional ou não, as capacidades de conexão e expressão proporcionadas pelo fazer musical parecem ser elementos comuns a muitos dos que ingressam em cursos, escolas e conservatórios de música.

E essa necessidade persiste hoje, ainda que estejamos mais protegidos do clima, dos predadores, das doenças e, apenas em alguns casos, da pressão familiar. Daí a importância de alternativas de formação capazes de potencializar e canalizar percepções de mundo tão diversas, mas movidas por um desejo comum de expressão e conexão.

“HÁ UM DESCOMPASSO DA ACADEMIA EM RELAÇÃO AO MERCADO DE

TRABALHO, AO MUNDO DO TRABALHO. MUITAS UNIVERSIDADES, MUITOS CURSOS DE MÚSICA NÃO QUEREM DEBATER SOBRE ESSE TEMA. É UM TABU.

Liu Man Ying

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EXPRESSÃO COM AUTONOMIA

A estudante Amelia Tarsitano, de 13 anos, sente isso desde cedo. Hoje clarinetista na Banda do Núcleo de Arte Educação e Cultura de Jijoca e violinista na Orquestra Municipal, iniciou os estudos de violino e violão na escola de música aos 10 anos, passando nos anos seguintes também pela flauta, guitarra, teclado e clarinete. Foi movida pelo gosto de cantar, e pela curiosidade para descobrir como tocar as músicas que ouvia, que Amelia iniciou sua jornada.

Liu destaca que aproveitar oportunidades de formação como estas dão condições para que a criança ou jovem em formação “possa se expressar com mais acuidade, delicadeza e precisão, dando um contorno mais preciso ao seu sentimento”. Para Amelia, algumas de suas vivências mais recentes em festivais como o Festival Mi – Música na Ibiapaba e Choro Jazz também vêm tendo impacto significativo em sua formação. E considera o apoio dos pais como determinante nessa trajetória: “Sem meus pais, não teria conhecido a música e o olhar que tenho sobre as vivências na prática”.

Uma vez com boas possibilidades apresentadas e ao alcance, Liu explica que o estudante passa a ter ferramentas que o tornam capaz de avaliar suas afinidades e exercer sua autonomia:

“Eu quero mesmo tocar violino ou eu prefiro pandeiro? Gosto mais de samba ou de Mozart? Eu prefiro ouvir funk ou é o choro que me pega ali na alma? Permitir que esse jovem tenha essa experiência é muito importante”.

ENCONTRANDO CAMINHOS

Músico profissional há 13 anos, Yuri Costa buscou na graduação em Música novos estímulos: “A princípio, fiz o ENEM porque me sentia estagnado, sem muitas perspectivas. Apesar de nunca ter parado de estudar música, o curso abarca assuntos que eu não estudaria de forma independente e sem direcionamentos”, explica.

Ao ingressar na Universidade, Yuri encontrou na pesquisa acadêmica uma forma de somar sua experiência como músico a referências teóricas melhor fundamentadas. “Busco ter um maior repertório para dar aulas de música, algo que já faço há algum tempo, mas sinto que preciso melhorar a didática e a metodologia”.

A formação de professores é lembrada por Liu como um ponto central. Ela afirma que “o professor de música tem que ser músico, e excelente músico. Há uma falsa ideia de que ser professor de música não é ser músico. Isso é um pensamento muito equivocado, não há essa distinção”, pondera.

MERCADO DE TRABALHO

Hoje, um dos maiores campos de trabalho disponíveis para um egresso nos cursos de licenciatura são grupos de ensino coletivo, geralmente em currículos de projetos sociais, escolas de bairro, conservatórios e escolas livres de música. Liu lembra que é preciso formar professores para atender a esse tipo de demanda, pois não há tantos concursos quanto deveria para a Educação Básica. E questiona também o currículo de música na Educação Básica, pois por não ser voltado somente para a música, resulta em algo que considera genérico e sem profundidade. “Há um descompasso da academia em relação ao mercado de trabalho, ao mundo do trabalho. Muitas universidades, muitos cursos de música não querem debater sobre esse tema. É um tabu. Como se você pudesse formar os alunos e não se importar para onde eles vão e o que vai ser no futuro desses egressos. Considero esse um debate necessário dentro da academia: que se abra os olhos para as necessidades do mercado de trabalho, para onde nós estamos formando os nossos alunos”, argumenta.

Amelia Tarsitano
Yuri Costa

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Lucas (ADUBAGE), Tiago (SKILO) e Junior (OTER.P) formam a Pira Coletiva, banda que vem se destacando entre as mais interessantes em Fortaleza. O trio está lançando nas plataformas digitais seu EP de estreia, “Futuro Retrovisor”, com produção musical de Russo Passapusso (BaianaSystem).

A mensagem, a sonoridade, os clipes, a presença de palco e também online: tudo reflete a estética que chamam de cyberdubrockmassamericana: um híbrido visceral de rock, dub, ritmos latinos e elementos da cultura popular brasileira que os integrantes lapidam cotidianamente no Marola, “QG criativo” da banda. “Nossa rotina é como sobrepor tijolinhos semana após semana, construindo nosso sonho”.

Quando a banda participou da 12ª edição dos Laboratórios de Criação do Porto Iracema das Artes, Russo Passapusso veio somar com mais tijolos, assumindo a tutoria do projeto e a produção das faixas. “Durante o processo, tivemos encontros transformadores com Russo Passapusso, hoje nosso amigo e conselheiro, que nos ajudou a mergulhar na nossa identidade e nos porquês, resultando na obra ‘Futuro Retrovisor”.

O DISTÓPICOPRESENTEDA PIRA COLETIVA

“Transformar o presente para existir no futuro.”

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FUTURO RETROVISOR

Sempre dividindo o tempo entre ensaios, composições e a criação de conteúdos para as redes sociais, o EP foi pré-produzido ao longo desses encontros e gravado em apenas quatro dias, na própria Escola Porto Iracema das Artes: “Dois dias para baterias e dois dias para vozes, baixos e guitarras. Parece rápido, mas foi um processo intenso, de muita imersão e troca criativa”. Dessas investigações, saíram letras atravessadas pela ideia de um presente em colapso que retorna às raízes para pensar o amanhã.

Essa tônica já pode ser observada nos singles que a banda vem lançando desde maio. O EP traz também a inédita “Quebra”, uma colaboração entre Pira Coletiva, O Cheiro do Queijo e

Russo Passapusso. A faixa encerra a narrativa do EP, que percorre o despertar, os desafios do dia, os labirintos da noite e o nascer de um novo tempo, onde o velho se quebra para abrir espaço para o novo. “Nosso som enaltece a cultura nordestina e propõe um diálogo entre passado e futuro. ‘Modernizar o passado é uma evolução musical’, como já dizia Chico Science”.

A arte da capa, assinada por Amanda Nunes com tipografia de Vagner Gonzaga, reúne os elementos visuais dos singles já lançados em uma única composição que traduz a atmosfera visceral e distópica do projeto. A mixagem foi feita por Pedro Lobo (BRAZA) e, a masterização, por Pedro Garcia (Planet Hemp).

LABORATÓRIOS DE CRIAÇÃO DO PORTO IRACEMA DAS ARTES

MÚSICA ORIGINAL

Além de fazer música, a Pira Coletiva também tem assumido a postura de debater e provocar sobre a cena musical de Fortaleza: “Precisamos de um ecossistema que valorize nossa arte de forma séria, com visão de futuro. não só com palquinhos e cachês mínimos que tratam o artista como secundário”. Questionam o próprio termo “ música autoral”, pois veem nele uma conotação pejorativa, de uma música de menor valor. Ao invés disso, propõem como alternativa “música original”.

O grupo defende que os artistas se posicionem por maior respeito aos seus trabalhos e vê na coletividade o caminho para que esse debate ganhe relevância. Foi dessa visão que surgiu o quadro e playlist “Fortal sem Cena”, em que o trio reage semanalmente nas suas redes a lançamentos de artistas cearenses. A proposta é combater a fragmentação da cena local

estimulando uma construção mais sólida, baseada em parcerias e conexões. Hoje, o quadro já existe há mais de um ano, vem abrangendo artistas de todo o Ceará e muitas bandas enviam seus trabalhos para a Pira reagir. A curadoria funciona assim:

 A banda precisa ser do Ceará;

 O lançamento precisa ser de, no máximo, seis meses atrás;

 A qualidade técnica da música e da gravação é avaliada antes para garantir uma playlist interessante e coesa, prezando por uma boa experiência sonora.

Para o trio, a música é uma forma de resistência. Seu som reflete a urgência de uma distopia presente, mas também aponta para a possibilidade de reinvenção: “Nossa mensagem é sobre mudança. O mundo como está não dá mais. Precisamos transformar o presente para existir no futuro”.

São espaços de experimentação, pesquisa e desenvolvimento de projetos culturais em cinco linguagens – Artes Visuais, Cinema, Dança, Música e Teatro. Os Laboratórios funcionam em regime de imersão, por meio de processos formativos de excelência, desenvolvidos em torno das propostas previamente selecionadas, que devem partir de artistas com trajetórias prévias. Os artistas recebem orientação de tutores, que conduzem a qualificação dos projetos com orientações individuais, oficinas, palestras e aulas abertas pelo período de sete meses. Durante os Laboratórios, as pessoas selecionadas recebem mensalmente ajuda de custo para que possam se dedicar integralmente ao desenvolvimento de seus projetos. Os laboratórios são realizados na Porto Iracema das Artes, a escola de artes da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult), gerida em parceria com o Instituto Dragão do Mar (IDM).

MICAELA MENEZES

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CASA DE VOVÓ DEDÉ

PROMOVE ACOLHIMENTO E EXCELÊNCIA DA BARRA PARA O MUNDO

Fundada na Barra do Ceará pelo casal Mansueto Barbosa e Regina Barbosa no primeiro dia de 1993, a Casa de Vovó Dedé é hoje referência no ensino de música, formação técnica profissional e no apoio a famílias vulneráveis. Porém, nasceu ainda como uma escola de ensino regular, com o objetivo de dar oportunidade de estudo às crianças do bairro que, por falta de vagas nas poucas escolas públicas existentes na região, ainda não eram alfabetizadas. Com o lema de “fazer o melhor pelos que mais precisam”, a Escola de Ensino Fundamental da Casa de Vovó Dedé oferecia ensino de qualidade, material escolar, fardamento, alimentação, acompanhamento médico e apoio às famílias de forma totalmente gratuita.

Em 2002, após o falecimento de Mansueto Barbosa, coube à professora Regina Barbosa encerrar as atividades da escola, que já contava com mais de 300 alunos, e redirecionar as atividades para o ensino de música, arte e cultura. “Uma decisão acertada, visto que diferente do cenário de 1993, em 2002 já havia mais escolas nos bairros da região, passando a atender as demandas por vagas de salas de aula. O problema que se apresentava na época era tirar as crianças da rua no contraturno das escolas, e a professora Regina Barbosa sabia que o ensino de música seria uma excelente maneira de alcançar esse objetivo”, avalia Wagner Barbosa, filho dos fundadores e diretor executivo da Casa. Arthur e Mariana

Djalma, Mariana e Arthur

DIÁLOGO E TRANSFORMAÇÃO

De 2002 a 2012, se consolidaram as bases do que a Casa de Vovó Dedé se tornaria, se expandindo posteriormente em ações não apenas musicais, mas trazendo outras linguagens, como o balé e o audiovisual. “Nesse primeiro momento, a proposta da casa foi acolher os moradores da Barra do Ceará pelo ensino da música, operar na vida deles algum tipo de transformação, como promoção da autoestima, restaurar a capacidade de sonhar e também oportunizar alguns empregos, trazendo propósito e dignidade para a vida dessas pessoas carentes e com uma série de vulnerabilidades”, conta o diretor artístico Ewelter Rocha.

Ele destaca que o diálogo com o entorno se dá a partir do acolhimento e que as diretrizes fundamentais da Casa são de “acolher, encantar e depois ensinar”. Como destaca o aluno de piano Djalma Matos: “Hoje eu sou o que sou no mundo da música graças a todos que me acolheram e quiseram me ver crescer e me tornar músico”.

Além da formação, a Casa também desenvolve ações para garantir segurança alimentar disponibilizando cestas básicas a idosos cadastrados, distribuindo alimentos diariamente a moradores do entorno em situação de vulnerabilidade, disponibilizando atendimento médico, jurídico e palestras educativas através de parcerias.

OPORTUNIDADES

Ewelter conta que “hoje a Casa não atende só a Barra do Ceará. Atende Fortaleza inteira e até mais, com alunos que passaram por ela e estão fora do país, com trajetórias internacionais bem consolidadas”. A estudante Letícia Anacleto descobriu a Casa de Vovó Dedé quando, certa vez, disse para a mãe, no ônibus: “Mãe, queria aprender a tocar piano”. Foi quando uma moça sentada no banco de trás ouviu a conversa e falou: “Faço parte de uma instituição aqui na Barra, estudo piano lá e estou me preparando pra estudar na França. Está com vagas abertas”. Letícia pegou uma dessas vagas e hoje, 11 anos depois, já toca não apenas piano, como também violão, violino, viola, violoncelo e está estudando harpa. No futuro, deseja tocar numa orquestra profissional.

A vontade de tocar piano também foi o que levou Arthur Carlos até a Casa de Vovó Dedé. Hoje, Arthur toca violoncelo e pretende seguir carreira para se tornar um dos melhores violoncelistas do mundo. “Também pretendo viajar o mundo todo e levar a música e o nome da Casa para todos os lugares”, conta.

Como sugere o nome e o foco no acolhimento, na Casa de Vovó Dedé, o DNA social prevalece. Mas isso não compromete de forma alguma a consolidação de um trabalho de excelência, tanto técnica quanto artística. Na verdade, esses aspectos parecem potencializar um ao outro: “Vejo a Casa muito mais do que como uma escola de música, é o lugar que mais gosto de frequentar depois da minha própria casa”, conta a aluna Mariana Fernandes, que também destaca o estudo, a concentração e a persistência como conquistas importantes que adquiriu ao longo desse tempo.

A Casa de Vovó Dedé não foca apenas na criança e no jovem. Wagner explica que a proposta é “contribuir com a família, a partir do fortalecimento delas, sobretudo das mulheres”. Dessa forma, “os resultados são potencializados, afastando as vulnerabilidades. É quando a verdadeira transformação acontece”. Atualmente, a Casa atende uma média de 3.000 alunos nos cursos de música e espera capacitar 800 mulheres/mães de alunos nos cursos de gastronomia.

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PRODUÇÕES ARTÍSTICOMUSICAIS

A partir de jovens formados pelos cursos ofertados pela Casa e da infraestrutura de estúdios de TV e áudio, a Casa passou a contribuir com o trabalho de músicos e artistas da cena do estado, possibilitando gravações de shows de forma gratuita, que são disponibilizados nos canais da Casa e até mesmo na TV.

Clique no QR Code e confira mais sobre os projetos: https://cvdd. com.br/ projetos-especiais/

SERVIÇO

A Casa de Vovó Dedé está com vagas para cursos de música.

Todos os cursos são gratuitos. 10% das vagas são destinadas a pessoas com deficiência visual.

Informações pelo WhatsApp: (85) 9.8769-7341.

Letícia Anacleto
Regina Barbosa, fundadora da Casa

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VIVEr DE mÚSICA: OUTRAS PErCEPÇÕES

Que trabalhar com música é uma escolha que traz consigo inúmeros desafios, muita gente sabe. Mas o que nem sempre é lembrado é que também se trata de um setor cheio de possibilidades e em constante crescimento.

De acordo com o relatório anual “Mercado Brasileiro de Música” divulgado pela Pro-Música, o mercado fonográfico brasileiro cresceu 21,7% no último ano, mantendo o Brasil na 9ª posição entre os maiores mercados do mundo. Estes dados levam em consideração o streaming, a arrecadação de direitos autorais, receitas de sincronização (uso de músicas em publicidade e obras audiovisuais) e de mídias físicas.

Este crescimento, no entanto, não se faz sentir na maior parte dos territórios e áreas da música, ainda que coloque o setor num lugar de grande importância na economia criativa do país. Diante disso, seja por necessidade ou para dar vazão a múltiplos interesses e talentos, é comum que músicos não se limitem a tocar seus instrumentos e busquem atuar em diversas frentes de trabalho também ligadas à música.

Para além dos palcos e dos aplausos, estas são experiências e percepções de quatro músicos reconhecidos em Fortaleza que também vêm se destacando em outras formas de fazer a música acontecer.

CEARÁ DE VALORES

Fortaleza/Ce, 11 | set. | 2025

“A MÚSICA
Marcos

Melo:

e fabricar SONOPLASTIA, CONTAÇÃO DE HISTÓRIAS, CONSTRUÇÃO DE

INSTRUMENTOS.

VARIA

DE JOGOS

DE ACORDO COM O QUE ACONTECE DURANTE O GAMEPLAY.”

Ednar Pinho: O áudio dinâmico

TRILHA PARA JOGOS.

Minha vontade de trabalhar com processos sonoros vem de antes de me tornar músico. Quando criança, vi “O Rei Leão” e não conseguia parar de falar sobre a trilha sonora do filme. Desde então, já percebi que queria trabalhar com trilha sonora para cinema. Já gostava de videogame, mas foquei nessa ideia do cinema por muito tempo.

Algo que me fascina sobre a música de jogos é a forma como ela é feita. No cinema, o tempo da música é linear. Já na música de jogos, o tempo é variável. É o que a gente chama de áudio dinâmico. Ele varia não com o tempo, mas sim de acordo com o que acontece durante o jogo. Você tem que pensar nas possibilidades daquele gameplay e modificar a música para aquela possibilidade. Eu acho isso genial.

Se você é produtor musical, você pode fazer trilha para jogos. Se você é músico, você pode fazer trilha para jogos. A questão é você entender como a música e o sound design funcionam para o jogo. Aconselho ir atrás de orientação com pessoas que já trabalham com isso, fazer cursos e workshops, pesquisar. Estudar outra língua, como o inglês, por exemplo, também é útil.

As possibilidades são bem abrangentes. Há cursos profissionalizantes muito bons e que preparam para o mercado de trabalho. No meu caso, me formei em Composição querendo fazer trilha sonora para cinema. Depois, fiz a formação profissionalizante do Game Audio Academy, do Thiago Adamo, além de outras mentorias com orquestradores para me aprimorar. Atualmente, faço a mentoria avançada do Thiago.

Eu sempre soube que ia ser músico. Queria ser baterista, mas na época bateria era caríssimo, como é até hoje, e então decidi me tornar percussionista. Mesmo assim, não havia lojas especializadas em instrumentos de percussão. Montei meu primeiro set com uns atabaques que comprei numa casa de produtos religiosos e, os outros instrumentos, fui percebendo. Comprei chocalhinhos no mercado, peguei uma mola de caminhão, peguei umas coisas e fui construindo.

Aí comecei a construir instrumentos feitos com sucata, mas com sonoridade profissional: pandeiro, tamborim, bongô, timba, cajón, pau-de-chuva, ganzá, maracas, etc.. Isso foi interessante pra mim porque me despertou novamente para as sonoridades dos objetos, não só do instrumento musical. E também para a sonoridade do objeto que pode se transformar em instrumento musical. Hoje, no meu set de percussão, a maioria dos instrumentos foi construída por mim.

A palavra central é “foco”, estar focado no seu objetivo, mesmo que ele seja múltiplo. Estar aberto ao ambiente e transformar isso no seu repertório para transmitir seus próprios conteúdos. No meu caso, de musicalização como ferramenta pedagógica ou de sonoplastia, formação do ator-sonoplasta, do sonoplasta-ator. Sempre aprendi permanecendo atento ao que me rodeia. Se você está interessado, você vai atrás. Hoje em dia está muito mais fácil. No meu tempo, a coisa era muito mais fabril mesmo, ou seja, de fazer e fabricar. Fabriquei meus instrumentos e fui descobrir pessoas que faziam trabalhos de qualidade em musicalização infantil, como Daniel Azulay, Bia Bedran, Palavra Cantada, entre outros... Hoje se tem mais possibilidade, através da internet, de você descobrir e estudar essas pessoas.

“CONSTRUO

INSTRUMENTOS FEITOS COM SUCATA, MAS COM SONORIDADE PROFISSIONAL.”

Fortaleza/Ce, 11 | set. | 2025

Lopes: Técnica com arte

TÉCNICA DE SOM, DIREÇÃO E PRODUÇÃO DE SHOWS.

Desde criança me interesso em aprender o máximo de instrumentos possível. Comecei pelos percussivos, tocando com meu tio no grupo de pagode dele. Depois, ele me ensinou cavaquinho e algumas coisas de teclado. Na adolescência, troquei o cavaquinho pelo violão e ganhei minha primeira bateria, que hoje considero meu instrumento base, o que mais toco.

Numa ação da Prodisc em 2011, me inscrevi em oficinas de técnica de palco. Até então, nem imaginava como funcionava esse universo nem a quantidade de funções que ele engloba. Nessa época até parei de tocar por um tempo, me dedicando a aprender e trabalhar em shows na parte técnica. A partir daí, comecei a me interessar pelo universo do áudio. Desde a parte técnica, da produção de uma música, até a realização de shows e festivais.

Quando comecei a trabalhar com shows, quase não existia cursos de formação técnica em Fortaleza. Anos depois é que apareceram possibilidades como a Escola Porto Iracema das Artes, o Iatec e vários cursos on-line e presenciais que abrangem essas áreas. Mas a maior dificuldade hoje está no reconhecimento e melhor remuneração do profissional da música. Há muito investimento de tempo, equipamento e conhecimento pra se aperfeiçoar tanto na área técnica como quanto artística, mas não existe uma tabela praticada.

Hoje trabalho como instrumentista, técnica de gravação, mixagem e masterização, direção e produção técnica de shows e festivais, técnica operadora de som, técnica de VS e tenho meu estúdio, o Cafofo. Gosto de todas as possibilidades que a música oferece, mas claro que é tocando que mais me divirto.

“NA MÚSICA, ENCONTREI ESPAÇO TANTO PARA A TÉCNICA QUANTO PARA A ARTE.”

“TENHO ORGULHO DE VER AS PESSOAS NO PALCO SABENDO QUE NOSSA TROCA FEZ PARTE DAQUELA HISTÓRIA.”

PRODUÇÃO MUSICAL, LUTHIERIA, MANUTENÇÃO DE MICROFONES, CONSTRUÇÃO DE PAINÉIS ACÚSTICOS, TÉCNICA DE SOM.

Todos os meus trabalhos partem do interesse, da necessidade e da importância de ser algo bom pra mim e pra quem tá perto. Comecei a estudar mixagem e a mixar porque eu jamais teria dinheiro pra pagar uma pessoa para mixar minhas produções. A grana que eu fiz na minha vida foi trabalhando desde os 15 anos, montando som, operando som, ganhando pouco mesmo.

Pro trabalho de luthier, eu tive que estudar por mim mesmo, já que também não podia pagar por uma regulagem. Hoje, eu faço regulagem a preços acessíveis e até menos, dependendo do corte social da pessoa que me procura.

Comecei a fazer manutenção de microfone porque tenho um Behringer B-2 há mais de 15 anos que havia parado de usar por um bom tempo, até que resolvi abrir ele. Sem condições de pagar uma manutenção, eu não ia jogar o microfone fora. Então abri, limpei com cuidado e o microfone voltou à vida.

Eu sabia que a minha sala não soava bem e que isso afetava minhas mixagens. Por isso aprendi a construir painéis de tratamento acústico para estúdio. Fiz meu próprio tratamento, estudando acústica e experimentando o que funcionava e o que não. Aí percebi que dá pra fazer pros outros. Sou uma pessoa que gosta de proporcionar. Eu faço barato, mas cobro um valor justo e tento criar soluções baratas para que várias pessoas tenham acesso a uma sala de qualidade.

O que eu mais gosto em trabalhar com som, além de fazer as coisas soarem bem, é a troca de referências com cada pessoa com quem trabalho. Faz com que eu me conecte mais profundamente. Eu passo a entender melhor a visão estética daquele artista e, a partir disso, com alguns, a gente chega até a desenvolver uma amizade. Quando vejo essas pessoas no palco tocando,tenho orgulho de conhecer, de saber que a gente pode trocar uma ideia a qualquer momento. Isso eu acho muito valioso.

Marcus Au: Sobre proporcionar

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