Mutirão 2 poeta dmt

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MuƟrão # 2 Maestro de Obras: O Poeta de Meia-Tigela Nesta edição: Aíla Sampaio — Augusto Secundino — Bernivaldo Carneiro — Bruno Paulino — Dércio Braúna — Ermínio Nascimento — Glauco Sobreira — Luciano Bonfim — Madjer de Souza Pontes — Nataly Pinho — Nina Rizzi — O Poeta de Meia-Tigela — Patrícia Tenório — Pedro Humberto — Raymundo NeƩo — Talles Azigon — Zé Tarcísio Capa e folha de rosto: “Sertão Adentro”, de Zé Tarcísio Revisão: Um por Todos e Todos por Um Demão de Léo de Oliveira (Esta edição respeitou a Nova Cor do Horto Gráfico da Língua Portuguesa) PermiƟda a reprodução por qualquer via: manuscrita mimeografada papelcarbonizada daguerreoƟpada fotografada fotocopiada digitalizada memorizada telepaƟzada etceterizada

Para montar na p. 73




Mutirão #2 - 2016

“Mutirão é coletivo”, assim dizia o anônimo maestro de obras, o Poeta de Meia-Tigela, na abertura do primeiro número desta “reumnião”. Daí um bucolismo quase arcádico e inconfidente me leva a crer que todos aqui reumnidos são cultores, leituracultores, às vezes leiturapicultores com ferrões de deixar marcas. Digo leitura, pois o que encontramos no meio desse Mutirão, nem sempre são palavras, mas ademãos de imagens e, algumas vezes, palavrimagens, como poderão conferir já, já. Neste número, além do maestro, Ermínio Nascimento, Madjer de Souza Pontes, Glauco Sobreira, Bruno Paulino, Talles Azigon, Nataly Pinho, Patrícia Tenório, Nina Rizzi, Dércio Braúna, Pedro Humberto, Augusto Secundino, Luciano Bonfim, Aíla Sampaio, Bernivaldo Carneiro e Zé Tarcísio nos surgem como lavradores, palavradores, imagético-lavradores, com os suores descendo na testa, mão em pala, olhando para o horizonte, conversando com as nuvens, o Sol ou com o vento que costura árvores para plantar nos campos mutirões a incerta semente certeira que despontará frutos, sabe-se lá quais sejam. De cara, ou melhor, de capa, contar com o Zé Tarcísio, o menino das calçadas da Vila Diogo, filho da d. Marieta, é até covardia, além de luxo. Mais de 50 anos dedicado às artes no Brasil, nosso grande e simpático miudinho, é multimídia por natureza e umbigo. Já fez de um tudo nesse imenso buraco negro – ou afrodescendente, como quiser denominar o seu buraco – que é a Cultura, sempre com sua irreverência de regar pedras, fazê-las soltar gaitadas e sendo até aquilo que ele não poderia ser mas era.

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Aqui, as suas ilustrações são, na verdade, decalques impressos diretamente de superfícies irregulares, como troncos de árvores e gravetos, o que o artista chama de “matriz”, daí o título de seu experimento: “Em busca da matriz”. Na capa, orienta o artistaautor, que o leitor exercite o seu olhar na tentativa de explorar o desenho e descobrir o que há “Sertão adentro”. Vale a pena o experimento. Uma barra de sabão pavão para o garoto Zé. O Poeta de Meia-Tigela, como sempre, constrói, dezconstrói, imaginastica e sonha miravilhosos poemas de liriar os olhos. Ermínio contribui com uma lavra de haicais, correndo longe da fidelidade ao produto japonês. Madjer surpreende com uma sequência de quase geométricas poesias visuais, de acenar a Pierre Garnier ou a Augusto de Campos, se contrapondo ao exercício discursivo de verso, possibilitando diversas leituras ou NENHUMA OUTRA. Luciano às vezes é crônica às vezes é conto-poema às vezes é poema às vezes é conto, depois cai na piscina de Salvador Dalí e enche a cara de literatura. O, até então no meu 6

conhecimento cronista, Paulino tirou a menina da chuva e travestido de Potterhead acolheu um gato Dombledore e praticou poemas de nos deixar, em parte, à deriva da boa surpresa. Talles homenageia o colega do Templo de Poesia, Carlos Arruda, e a delivery nos apresenta um poema-pizza portuguesa, lança mão de um poema bonitinho e outro de 4m2. Patrícia se desfaz em poemas surreais e existenciais, e, cansada de odiar em português, o faz em francês, em versos em madeira a relembrar en passant o engenho esquartejado de Collodi. Nina nos convida, numa acolhedora e esverdeada provocação poética, a ver um banzo cor de fogo, encontra o Dr. Jivago, e após um sutil encontro de águas e línguas no Benfica escreve umconto mais que conta que sua por dentro dos órgãos mais que léxico como disléxico num beatlesaramaguês fluente e trouvépimperdupim. Dércio, rutáceo nortista e poeta, curioso, desencanta “Me segura que eu vou dar um troço” e apresenta poemas com gênese


intertextual (a propósito e não estranho: muito bons). Augusto descreve em poemas bem chegados ao cordel a sua utopia social e o drama do analfabeto. Aíla ouvia no rádio Márcio Greyck e tinha, ao lado e na cabeceira, um Dostoievsky quando trouxe à luz quatro contos maravilhosos, psicológicos, narrativas curtas e poéticas, imaginosas, essencialmente femininas e sensíveis. Bernivaldo, além de mestre em criação de nomes de personagens e cidades, é um exímio contador de histórias, a maioria delas picantes e humoradas, repletas de rococós e adornos interioranos de cabra da peste, que cultiva tragédias da vida cotidiana, do amor, e do seu contrário revés nas tintas, do sexo e de tudo quanto psicologiza a alma insaciável e ainda humana. Em “Billie”, o artista visual Glauco oferece uma sequência de imagens que falam da memória ao esquecimento. A também artista visual Nataly Pinho traz o “Poema-Teatro”, imagens sequenciais fotogrâmicas, nas quais as luzes pousam em versos protagonistas a cada ato... Drama! E, de Humberto, o empréstimo de seu olhar de luminosos 7

poemas polaroides. Só o coletivo nos une! Coloca-se a mão na massa, mãos à obra, palavra fincada no peito, mesmo que não cosida na pele, nem esparrada pelo chão, como batatas – se como –, aos vencidos também elas, filhas do carbono e do amor demoníaco, monstros de escuridão e da Ruth Lança, à sombra sacrossanta dos profetas, sertão adentro na frialdade inorgânica da terra à vista. MURAL DA HISTÓRIA: transponha esse Mutirão, asseguro que alguns dos maiores representantes das letras do cenário contemporâneo atual arregaçam as mangas e as tangas antropofálicas por aqui!

RAYMUNDO NETTO



a palavrinha comigo bole dá chulipinha foge, parole “volte, amiguinha e me console que me abespinha viver tão mole sem as gracinhas de voceinha: venha, me trolle” chega a daninha mostra a linguinha e se escapole

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HAICAIS [Luzinete – minha esposa] Luza, tu és luz brilhante de diamante: teu olhar reluz * Seu corpo malhando encena singela cena de ninfa dançando 10

[Gabi – minha filha] Corujinha bela, singela: mas quem é ela? “Sempre Gabriela”

[Davi – meu filho] Davi é armador, na sexta faz muita cesta sem arma nem dor


CLARESCURO

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CRATEÚS: PEQUENO ROTEIRO SENTIMENTAL [primeira parte] Existe uma cruz [monumento] na Rua Frei Vidal. Existem muitos bares na Rua Frei Vidal. Frei Vidal da Penha veio da Itália e passou por Crateús no século XIX: profetizou que a torre da Igreja Matriz viraria cama de baleia. Em 1974 tivemos uma grande enchente que levou minha família por alguns dias para outra rua. Não tenho memória deste episódio, mas me vi em fotografias da época. Um pouco mais adiante tivemos cinco anos de seca. Permanecemos na mesma rua e na mesma casa, onde ainda moram as minhas tias e tios, e para onde me transporto quando me acomete a saudade. Na Rua Frei Vidal existem duas escolas — a Escola da Dona Delite e a Carlota Colares, onde funcionou a Faculdade de Educação. Não estudei em nenhuma delas. Estudei na Amadeu Catunda, na Rua Almirante Tamandaré, em sua porção Ponte Preta. Quando criança, bem antes de ingressar na Faculdade de Educação, eu andava pela calçada de lá a retirar “cabeças de pito” dos carros e motos dos meus futuros colegas de licenciatura e profissão – nem pensava em ser professor, muito menos possuía bicicleta - e tinha, mas estava quebrada. Neste trecho da infância, eu sonhava mesmo era em ser vaqueiro, do jeito do vaqueiro Bastião [que não sabia ler, entretanto era vaqueiro]. Disse isso para minha mãe [ela não gostou muito]. Daquela época, mais uma certeza: eu sonhava [em] ser poeta - igualzinho ao meu avô Datim Bonfim, o primeiro mito da minha infância! — Que Deus o tenha e guarde.

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Toda parte Parte de mim só quer partir. Solitário, vou por aí sem rumo, sem rima. 14

Parte de mim é barco à deriva no azul-correnteza, que cai do céu. Parte de mim não sabe mensurar a finitude das coisas que partem.


analogia do homem [ao poeta carlos arruda] um homem não passa do chão somente o amargor é seu verdadeiro caixão

um homem não começa em janeiro no coração doutro homem é seu tempo-paradeiro

um homem não é para sempre porém, sua palavra escrita inventa o homem presente

um homem é mais do que isso quando a vida-matéria é seu excelso compromisso

um homem não some no ar cada sorriso que deu o transforma em onda do mar

um homem não sobe aos céus mas, cada poemas que escreveu é um alado corcel 15

um homem não passa ao largo quando cravou um sorriso num que passava ao lado

um homem nunca é vão se a palavra por ele proferida derramou poesia nas vidas.


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Mesa de dissecação

O pôr-do-sol bateu em mim Feito alma reticente De algum herdeiro meu Trouxe o espírito da noite Que imprimi no corpo Em forma de estrela cadente Em forma de um sinal doente Que o médico extirpou Meu ventre está cheio De mil possibilidades E apenas o verso Lúdico Único Crente Descortinará o sol Que agora nasce em meu umbigo

(Diante da Imagem de Gunther Von Hagens, Plastinação do corpo humano)

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m.

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estou aqui viajei pastrouvépim e tou aqui um amigo sempre dizia quando eu lhe dizia que estava em viagem traga o que for buscar e eu não trouxe pimc’est-pimperdupim mas a palavra cascalho também me inunda a boca como lentamente eu gostava de dizer muitas coisas dizer que meu corpo está muito suado e que eu corri por hora e meia e correr é como um trabalho que espero fazer no futuro porque sim eu espero ser carpinteira ainda que não conste em qualquer dicionário a palavra carpinteira e então a minha mente se mantém ocupada apenas dessas coisas da carpintaria e da corrida que coabitam com coisas muito íntimas como um desejo de ver uma certa senhora trouvépim e falar palavras como cascalho e lentamente e desejos tantos outros que a gente pode se por a deitar quando na carpintaria e na corrida um corpo suado e sem órgãos sem órgãos deve ser um corpo quando não se está a ocupar de coisas que não são a carpintaria e a ordem prática do dia como montar uma exposição com pregos muitograndes pra se pregar num madeirite para quadros de 30x30 um corpo suado e sem órgãos não pode ser uma máquina embora sue como funcionários devem suar com seus órgãos tenho o corpo suado da corrida e sinto cada um dos meus órgãos como se tivesse tragado uma diamba direta de angola e sentisse assim as coisas e o corpo pungentes como devem ser e são mas que esquecemos dado o corpo repleto de órgãos e sinto estes órgãos a querer dizer estas muitas coisas que mesmo suados dentro como se órgãos vivos de um corpo um corpo sem órgãos suassem dentro porque sim suam dentro e digo nesta escrita de umcorpoumavoz que se aperfeiçoa em ausente em silente here i am como a música diz essa coisa ausente e tangível como o próprio beatle vivo te tendo os olhos pegados à cara eu disse também que não obstante tenha uma dislexia que ora melhora e agora piora e eu não entendo nada do que dizem tampouco me faço entender eu já disse nosso diálogo é interminável e eu faço yoga como quem faz amor e meu corpo suado tem órgãos prontos muito exatamente prontos à essa coisa tão íntima como o desejo de ver uma certa senhora trouvépim um corpo suado e pronto a queda a inundação qualquer desastre como coisa que o viva sem órgãos tenho tantas coisas a dizer e é isto o que melhor diz a linguagem anula qualquer possibilidade de clareza e se esvazia e então eu faço um traço com cada músculo de modo a desenhar os órgãos inteiros de um corpo geométrico e exato para o ƐĂŵĈĚŚŝ ƉĂra o que a linguagem não diz conquanto não seja ruídos jgsgvjyesbkyedbkuecnjtwxnktxnotdvkydbktdvurcjircjudcniraeuckurxnirvktdbidsfjteivsrcotruvdhutubcky ejbciyehvcurthcjtygsvheorghrowghrow88hf2o84yho838hgrsughsougherkughelvhsrligelrghelrvhlirvblgeri hgeroieghrwligherlighelirbvelirbvelribelgibnelibelibleinbegilgnrwingeçbneçbnelinbleinblenbelinbleinblei nbirehgeirhbelirnblrivbliervblfdvblsidfhwrohterlibjvdçacnbelwuhferugboi45etu35oe8rghwlesngldfnbldf bnldfbnlfkdbnlfdbnldfkbnçejbçdfnvsçroigteçorkgçandfldnbçrelkbhrepgwegnvlrknbdçflnmktojgowehsef2 p34urt5poetçhjmblfçsvwgejglrsngfdkbndflhgeligjrsçvndf.kbndlgaaghbelknvfxbnliitjhçtrghlsndvlkfdbndlb dlfnbslfknblfdnbaeçtnbxfvrubguruhjdidvuidvidvdivfivfiufvifuvfiuvfofufduvhvgiruhoo que enfim deixam de intervalar o silêncio e trouvépimperdupim


DE SAPATEIROS E MÁXIMAS Se legisla a máxima latina, do alto de sua engomadíssima toga, “não suba o sapateiro acima da sandália”, pode a poesia, do alto de sua fragílima insolência, decretar: I) Então que o sapateiro desça até a sola e a torne tela dos caminhos do mundo; [Maximus Sailormoon Waly] II) Que então venha um sábio anatomista a dizer da razão do pobre sapateiro em emendar o joelho (o acima da sandália) da figura retratada. O que então nos levaria a outra máxima?: tudo é perfeição até que um mais sábio a venha emendar? [Maximus Saramagus José]

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Jogando na copa a Dama sempre proclama: quero o Rei de Copa * [ao Seu Nilton Belo] Na pista de danรงa, se cansa o homem de panรงa: sua mulher danรงa * Enquanto que em artes se cria, no amor procriase fazendo artes * No meio da mata se loca o tatu na toca: caรงador o mata

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UTOPIA Certa vez eu tive um sonho E fiquei impressionado Com as coisas que eu via No meu sonho iluminado O que eu via nas pessoas Eram tantas coisas boas Que fiquei maravilhado.

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Entre o povo não existia Diferença social Todo mundo se tratava De maneira cordial Não existia pobreza Nem tampouco a riqueza Todo mundo era igual. Outro fato eu notei Não havia preconceito Aceitavam as diferenças Sem achar que era defeito Entendiam muito bem Que cada pessoa tem Sua maneira e seu jeito. Não havia a inveja Nem o mal da avareza Pois não tinham intenção De acumular riqueza Tudo para o bem comum Era assim que cada um Trabalhava com presteza.


Tudo era dividido Em perfeita comunhão Era assim que procediam E com muita animação Dividiam o que tinham Com aqueles que não tinham Numa justa proporção. Todo mundo produzia Conforme o seu talento Uns usavam o trabalho Produzindo alimento Outros eram artesãos Fazendo com perfeição Ferramenta ou instrumento. Respeitavam a natureza E dela não abusavam Pois sabiam que ali Tinha o que precisavam Muita água e comida Garantiam suas vidas Por isso a preservavam.

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Não existiam países Nem divisão racial Todo mundo era irmão Em uma tribo global Era um mundo sem fronteiras Sem muros e sem porteiras A nação universal. E assim era o sonho Que tive naquele dia Acordei desanimado Pois algo me entristecia É que na realidade Nada disso era verdade Era só uma utopia.



TECER-CRETA

Estas linhas contínuas que desfio — aranha que de si um fio excreta — Estas linhas nem sempre em linha reta — sujeitas ao desvão ao val desvio — Estas linhas correntes como um rio não têm no desaguar no mar a meta: se uma força as conduz adiante ejeta-as ou elas dão-se ao risco ao desafio de serem, dessemelham-se da seta — dirigem-se ao errático extravio da busca — porém por via indireta Dizem existir mas mantêm secreta a saída: estas linhas são o lio o estar no labirinto o tecer-Creta

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Chico Doido

Chico é doido varrido Chico é o cramunhão. Chico é grito tortuoso Chico é só solidão. 26

Chico é cachorro grunhindo Chico tem frio e tesão. Chico é a cidade em espelhos Chico pedras na mão.


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SEMPRE ...às vezes fico afastado às vezes nem mesmo tento às vezes só observo às vezes não me contento às vezes eu ando em círculos às vezes me desalinho às vezes me encanto à toa às vezes sou desatino às vezes me desespero às vezes nem mesmo ligo às vezes sinto saudades às vezes ato contínuo às vezes caio de sono às vezes caio de êxtase às vezes caio das nuvens às vezes nem imagino às vezes me desfaleço às vezes sou paternal às vezes sou teu menino às vezes quem sabe esqueço às vezes me pego louco às vezes escandalizo às vezes me exaspero às vezes sou todo amor às vezes nem mesmo sei às vezes canto pra lua às vezes saio da linha às vezes te quero solta às vezes te quero minha às vezes te quero nua às vezes sou caminhão às vezes só por um triz às vezes sou quase não às vezes sou helicóptero às vezes sou infeliz às vezes sou geladeira às vezes 14 bis às vezes me largo solto às vezes sou a prisão às vezes me encontro estranho às vezes não sei mais não às vezes sou todo seu às vezes me sinto só às vezes sou muito pop às vezes sou rococó às vezes estou sozinho às vezes sou multidão às vezes sou tão feliz às vezes sem coração às vezes sou de ninguém às vezes sou contramão...

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NÃO ME TOMEM PELO QUE NÃO SOU Vivo neste lugar que me dei. Minha casa é este murmúrio que guarda aprendizado das pequenas crias do chão e do ar. Habito na comunhão e na dor das coisas descientes de valia. Não sei outro existir que me ponha vivência.

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Mas que não me tomem fora do mundo: de meu lugar oiço os que gritam e lhes sou irmão quando com seus punhos civis esmurram as pedras-mudas da necessidade. Não me tomem pelo que não sou, não me compreendam pela face da estátua de que se julguem diante. Eu sou uma corda, não um ornato.*

[*] Maria Gabriela Llansol, Um falcão no punho: diário I, p. 99.


Carta de destruição ou Praça Portugal. um dia eu tive dezessete anos, quando a tarde passava através de sms, quando as conexões eram lentas, quando os sábados eram prováveis de novos amigos efêmeros, quando os gostos doce amargo salgado alcoólico se misturavam na boca e novos gostos nunca antes imaginados urgiam num meio de tardes que se apagavam para noites do possível improvável.

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quando eu tinha dezessete anos a cidade esticava na sexta e encolhia na segunda, suspiros de anjos, pessoas que se buscavam e se achavam nas redes sociais já tão cheias de sexo, todos rolavam no chão sujo da praça e sabíamos os números dos celulares dos amigos de cor, sobrava umas moedas e as lanhouses eram disputadas, depois ninguém dormia, depois ninguém se via mais, depois sobrava o que somos e nem mais nos conhecemos.


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A Rainha de Sabá Queria ter Outra vida Em que pudesse Ser Eu mesma E somente Amar Estou cansada Dessas Guerras Estou cansada Dessas Brigas De quem é melhor Do que Ninguém Estou cansada De odiar

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quando vieres ver um banzo cor de fogo minhas mãos nunca mais terão tocado a lama nenhuma sede ou qualquer cheiro só um souvenir, como precisão de palavra bonita mais que poema um e outro relicário: 34

porque as minhas mãos não fizeram isto. quiçá o sim, o nome antes diz-me ainda a minha sinto: sim, amor e palavras são para guardar até o quem sabe talvez ardo uma dicção inventada para dizer podes sentir o meu abraço?


NÃO VIM PARA O BÁLSAMO

Não vim para o bálsamo. Não serei a casa de tua espera. Nem o deus de tuas mãos postas carcomidas, há séculos e séculos. Não vim para a paz dos inocentes. Não vim para a santidade dos cegos. Vim para a dura habitação da terra, para o ofício ereto de aqui estar. Vim para dizer o nome das puras necessidades.*

[*] Adrienne Rich, Uma paciência selvagem, p. 61.

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O peixe no mar é presa de um ser sem presa, servido no ar * Vive quase presa, só mama em sua bela ama: ainda sem presa * Abaixo do Céu é presa entre algumas presas: tocando no céu * Ontem foi corrente, é presa hoje em represa, para ser corrente

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MANUEL QUER ESTUDAR Manuel era da roça E seu sonho era estudar Lidava com muitos bichos Que ele tinha que cuidar Pois seu pai sempre dizia: - Você tem que trabalhar.

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Ela pedia ao marido Todo dia e toda hora Para fazer a matrícula Do menino na escola Mas o homem nem ligava Pra isso não dava bola.

Manuel sempre pedia - Mamãe, eu quero estudar, Me leve para escola, Mande me matricular, Isso é direito meu, Papai tem que aceitar.

Vivendo dessa maneira Não podia estudar Sua mãe, dona Maria Vivia a perguntar: - Que vai ser do meu filinho, Sem a escola frequentar?

Dizia que o estudo Era coisa sem futuro O menino precisava De trabalhar e dar duro Para cuidar bem da roça E colher feijão maduro.

Ele tanto insistiu Que seu pai então cedeu E disse para Maria - Manuel me convenceu, Ele vai é estudar, Pois o errado sou eu.


Manuel ficou alegre Era todo empolgado Não via chegar a hora De sair todo fardado Ele via na escola Um lugar todo encantado.

O esforço que fazia Dava gosto de se ver Em pouco tempo aprendeu Tanto a ler quanto a escrever E uma carta para a mãe Ele resolveu fazer.

Nisso chegou seu marido E vendo a situação Quis saber qual o motivo De tamanha aflição Ela mostrou-lhe a carta Causadora da emoção.

Quando chegou à escola Ficou tão maravilhado Sentiu-se muito orgulhoso Do sonho realizado E prestava atenção Em tudo que era ensinado.

Ao receber a cartinha Sua mãe pôs-se a chorar Quando viu aquelas letras Ficou triste a imaginar Pois o que estava escrito Não sabia decifrar.

A visão daquela carta Fez o homem lagrimar - Maria eu não sei ler, Nem tampouco soletrar, Então eu lhe dou razão, Que o caso é de chorar.

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AGOZONIA

Vertesse-me palavra, qual - - - seria? Outra além de poeta rapsodo vate ou reprevisível poesia: que da facilidade nasce o engodo e a vera tradução-me adviria de fundo aquoso, limalamalodo, não do à beira à mão à vista à rasia Outra pois além do óbvio nome-apodo Solto em rebarbativa ode-elegia - - - vertesse-me e tampouco adjetivo não mimverbo nem pronominaria num euste pessoal demonstrativo Vertesse-me e palavrarinharia interjeição: URG, gozo ou agonia

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Do sul ao sertão na mão retornando estão: é o fim da ilusão * Temos no sertão capanga usando capanga, sem arma na mão * 42

Tocando baião, Gonzaga o sertão propaga por toda nação * O Hino do Sertão, canção de co-criação do Rei do Baião


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FELINAE 1/Alta noite, céu nublado. De repente um alarido: Gatos reviram o telhado 2/Três gatos cortejam a lua! Era uma vez a poesia Vagando na minha rua 3/ Na quietude da noite Dois faróis sobre o muro [Olhos de gato no escuro] 4/Natural teorema – O pulo do gato – Inverso poema. 5/De fato A lua na poça Sucumbe à elegância do gato. 6/O “canto” do gato é abismo. Meu sono? O gato comeu!

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Um velho gato Dumbledore era o nome do meu velho e aventureiro Gato. Não que ele fosse um dos Thundercats. Mas vivia sempre sujo da alma às patas cinzentas. O bichano não só detestava banho como também não gostava das coisas muito arrumadas, pois se assim estivessem, ele mesmo as bagunçava, mas nada que: um rasgãozinho na cortina, uns arranhõezinhos nas almofadas, e claro, deixar suas patinhas marcadas no sofá, na cama, no chão recém-lavado da cozinha não resolvessem...

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Dumbledore se achava o galã único da casa, embora seus pelos acinzentados fossem encardidos, seus bigodes quebrados, e numa de suas orelhas faltasse um pedaço, mas de tanto as outras pessoas da casa dizerem que era lindo — acho que realmente ele se convenceu de que era o único, o mais maravilhoso, o mais perfeito de todos os felinos. Era também um preguiçoso dos diabos igual a todos os outros gatos, ou pelo menos igual ao Garfield, aquele das tirinhas. Dumbledore dormia o dia inteiro — não me lembro de tê-lo visto alguma vez capturar algum rato — e adorava sair em suas aventuras noturnas, na maioria das vezes voltando estropiado, como se estivesse numa luta de vale-tudo: suspeito que essas aventuras noturnas em que se envolvia não eram das mais românticas, por isso acho que realmente ele tinha sete vidas, e todas foram bem vividas até aquele triste dia em que alguém com uma bolinha de carne o envenenou. Não sei o que leva alguém a fazer isso com um gato? Hoje vi um gato desfilando mansamente pelo muro do quintal, e de repente ele me fitou, e num gesto rápido acenou pra mim como se quisesse apontar ou dizer algo. Na hora gelei na alma. Não sei bem porque — mas os gatos têm seus mistérios como já nos ensina o mestre Allan Poe em Gato Preto — sei apenas que imediatamente recordei do Dumbledore, o bichano mais legal que eu já tive. Companheiro fiel das horas de nada fazer, e fiquei imaginando que ele deve lá no outro mundo andar aprontando das suas nas madrugadas, vagabundeando felinamente, tramando assombros contra quem o envenenou.


DA RUA Ele me batia e me queria violentamente. E me dizia coisas horríveis de que eu gostava. Todo dia de quinta, às 8 ele passava e era certo eu estar esperando por seus dedos melífluos, sua boca sem céu nas palavras... Eu me doía toda se ele demorasse. Só de pensar ir com outro no dia dele, só de pensar ficava mal. Mas ele vinha nem que fosse atrasado para puxar meus cabelos e me mandar ficar de quatro como uma égua. Ele vinha e me queria violentamente, me dizendo coisas horríveis de que eu gostava. Nunca nada me prometeu nem deu. Nunca. Mas sabia que eu era da rua e gostava de fazer comigo o que seus instintos mandavam. Fui cadela, vaca, égua, cabrita, só não mulher para não me parecer com a dele... Fui feliz até o dia em que ele nunca mais apareceu. Só vi no jornal o convite para a missa.

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Um Poema Grande.

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«viver não é atravessar um campo» - b. pasternak coisas vermelhas caem estridentes sobre a neve compacta uma cachaça ordinária meia dúzia de laranjas-lima paixão fome esquizofrenia 50

abismo a vida atravessa os dasht-e-lutssanguidolentes as sibérias impossíveis o vermelho da gente escorre quieto sob o deserto um silêncio de ossos uma comunhão com o nada


QUEM MANDOU?

Devia ser domingo e ela estava engordando. Mas fez a pergunta fatal e ele saiu sem dar resposta. Tão só, sem filhos, sem amor, ela ficou à espera, tão sem que o doce arredondava todas as vontades. Ele ia voltar, ela pensou no começo e o tempo foi passando. Esperança parou de voar por perto e ela foi se acostumando a não esperar, a viver porque não poderia ser de outro jeito. Chorava mais quando ouvia “quanto sinto em dizer-te...” o mais importante não era o verdadeiro amor, era viver cada dia e mastigar o silêncio da casa, olhar a chave na porta no final do dia sem enganchar na outra. Quem mandou pedir que ele decidisse? Quem? Ela se arrependeu, ligou pra ele, pior não ficaria. Ele quase passando com a outra na sua calçada. Ela quis fingir que não via porque se visse tinha que agir. Viu, agiu, se arrependeu. Não devia ter ouvido conversa de vizinho. Nenhum sabe a hora do travesseiro como é, a falta daquele pé roçando. Ligou, disse pra ele buscar o resto da roupa, falou do gás vazando, do chuveiro esfriando. Que tinha se ele não saía mais com ela, não dormia lá? Pra que ouvir conversa de vizinho? Ligou, pediu que ele fosse dar a extrema unção, era a hora final. Nem assim. No dia seguinte uma coroa de rosas com laços violeta. Ele nem soube que ela não morreu. Nem a viu mais gorda, só, tão sem como a deixara. Quem mandou pedir que ele decidisse? Devia ser domingo quando a solidão tornou-se eterna e irremediável. Sem mais nem coroa nem laços violeta ela parou de sofrer, redonda de tanto doce. Ele nem soube...

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PIMENTAS Mimosa olhou o relógio já se desvencilhando dos braços do marido. Abriu um sorriso enigmático, foi à janela e esticou a vista para o nascente, concluindo que a chuva não tardaria. Na mesma pisada, voltou ao quarto e fechou-se no banheiro, depois tomou um banho rápido, fez uma chamada telefônica avisando que estava indo, vestiu-se igualmente apressada e saiu trancando a porta. Na padaria, após deixar o caixa, dirigia-se para receber a meia dúzia de carioquinhas quando o táxi parou defronte do comércio. Tudo cronometrado conforme combinaram no final daquela manhã. Vendo os primeiros pingos de chuva ricocheteando no asfalto, Cassiano apressou-se em abrir o carro e Mimosa rapidamente jogou-se no assento ao lado descarregando a sacola e o celular no banco traseiro. E sem demora, porém antes de acenar para se deslocarem até a esquina seguinte, com a mão direita ela fechou a porta e com a outra enlaçou o pescoço do condutor, cobrindo-o de beijos. — E agora, querida? Aonde vamos? — Vamos ficar por aqui mesmo. Não tenho muito tempo. Simpliciano chegou há pouco e me espera em casa. — Não acha perigoso, assim tão perto de sua casa e com essa gente toda passando? Mimosa tranquilizou o amante, já se preparando para o ato. Primeiro sacou a medalha (reconhecimento da igreja do bairro pelos bons serviços prestados como soprano nas missas dominicais a qual, com orgulho, trazia sempre pendente no pescoço a lhe roçar os seios fartos), em seguida tirou a saia e desabotoou a blusa. Pensando em facilitar as coisas não vestira calcinha nem sutiã. — Não! Não há perigo nenhum, amor. Seu carro tem vidros escuros e Simpliciano está na cama. Assim que chegou tratei de lhe apagar o facho para vir ao nosso encontro. Deve estar dormindo. — Safadinha! Achou pouco a manhã inteira? — Quantas vezes é preciso dizer, amor de minha vida, que 24 horas por dia contigo é pouco? — Bem... Você sabe o marido que tem e se não se preocupa com a vizinhança...

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Meia hora depois (alguns curiosos tinham parado tentando descobrir por que aquele táxi se balançava tanto; outros haviam apenas reduzido o passo e caminhado olhando para trás), o celular tocou. Afastando-se o suficiente, com a mão direita Mimosa direcionou a boca do amante, dos seios para a fenda que lhe separava as duas pimentas tatuadas entre as virilhas, e com a outra alcançou o aparelho. Era o esposo. Ela respirou fundo, porém ainda resfolegante, foi breve. Chovia torrencialmente, não dava para voltar a pé. Aguardava-o na padaria. De volta à função, não de todo interrompida, de instante em instante a adúltera arriscava uma olhadela para sua casa, até que o carro do marido apontou na rua. Ela prontamente advertiu ao parceiro e os dois se recompuseram às pressas. Empunhando um guarda-chuva, Simpliciano descia para fechar o portão, quando Mimosa avisou ao outro que ficaria defronte sua calçada. Conforme a determinação da amada Cassiano seguiu e parou ao lado do carro do rival. Antes de apanhar o celular, a sacola de pães e correr para o esposo reclamando que ele demorara, por isso, tinha tomado um táxi, Mimosa ainda abraçou e beijou apressadamente o amásio. Como se não acreditasse no que vivera minutos antes, Cassiano observava a cena com um grande aperto no coração até ser tomado por um rompante de fúria. Não motivada por aquele momento, senão por outras situações. Era verdade o que sempre afirmava: não tinha ciúmes de Simpliciano, contudo relembrava acontecidos que lhe apunhalavam o peito. Fatos geradores de crises que por pouco não tinham arrebentado definitivamente o tórrido e tumultuado romance. A primeira grande briga tinha ocorrido já no dia que comemoravam um mês de relacionamento. Apesar de cego de paixão, Cassiano desconfiava da mulher. E naquele princípio de noite, depois de uma tarde inteira num quarto de motel, aproveitando que ela se encontrava no banheiro bisbilhotou o celular. Só teve tempo de ler as mensagens mais recentes: parte da correspondência que ela mantinha com outros três amantes. E tudo de forma picante e despudorada como as que eles dois trocavam pela internet e celular. A todos a safada jurava-se perdidamente apaixonada. Cada um deles era o homem de sua vida e relembrava o que faziam e sentiam na cama. As respostas, com igual teor, ressaltavam ser ela um vulcão sexual. Que as duas “Pimentas malaguetas” tatuadas em seu baixo ventre eram a simbologia que mais perfeita e fielmente a representava como fêmea: fogo e paixão. Duvidavam, existisse neste mundo outra tão fogosa e insaciável quanto Mimosa...


Contrariado com as malditas lembranças, Cassiano não admitia que aquele corpo moreno e delgado, aquela pele macia a exalar um aroma especialmente afrodisíaco e que há pouco lhe embriagavam o olfato, fossem tocados por outros homens. E assim revivendo toda a sedução que Mimosa mornamente deitava em seus lábios, reouvindo os gemidos de prazer que tanto lhe acariciava os ouvidos, vendo-a sensualmente repondo o batom carmim ao espelho retrovisor, tinha os desejos renovados e coração cheio de ciúmes. Tal e qual ao abrir o zíper minutos antes, seu sexo voltava a pulsar na calça colocada às pressas. E foi com os olhos ávidos de lembranças e o peito avultado de ira que ele perdeu a cabeça. O primeiro disparo acertou em cheio a sacola de carioquinhas posta sobre o teto do carro de Simpliciano. Subitamente despertada para a nova realidade, Mimosa desgrudou-se do pescoço do esposo já sentindo o impacto do segundo projétil deflagrado pelo Smith &Wesson calibre 38. Porém a bala resvalou na medalha tomando rumo inesperado. Tendolhe penetrado imediatamente debaixo do queixo e saído um pouco acima da nuca, Simpliciano implodiu atritando as costas na lateral do carro manchando-o de vermelho. Tempo em que a mulher, fugindo da linha das balas, afastava os pés do esposo agonizante para mergulhar debaixo do automóvel, Cassiano arrancou em disparada. Uma evasão que findou na segunda esquina. Assustado com o impacto de um urubu no parabrisa do carro (atordoado com os disparos a ave levantara voo do lixão vizinho e encandeara-se com o abre e fecha das luzes), o taxista perdeu o controle do automóvel. E derrapando no asfalto molhado, chocou-se contra um poste trançado por gambiarras elétricas cujas fagulhas, em contato com a gasolina que esguichava do tanque, converteram-se em chamas. Mimosa presenciou a cena em prantos. Lágrimas que se misturavam com o sangue do marido enquanto eram levados coxia abaixo pela a água da chuva. Um choro desabrochado, não por Cassiano, menos ainda por Simpliciano; senão por ela mesma. Agradecida por ter escapado ilesa, beijoua insígnia religiosa e, como se fosse um caramujo que se fechava em si, tentou esconder-se na escuridão da noite que chegava com pesado e escuro nevoeiro. Trevas abertas pelos relâmpagos que cruzavam os céus e pela iluminação dos veículos (alguns paravam para ver o acidente de perto) que trafegavam feito vagalumes voando entre si. Cintilações da natureza seguidas de trovões que já contracenavam com a sirene dos bombeiros. Para Mimosa era como se ela tivesse se partido em duas. Uma morria ali; a outra, cuja mente se abria num sorriso, viveria para bem acolher todos os amantes que lhe restavam e para quantos homens mais quisessem possuí-la.

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SONETODOROV O que real e sonho o quê? Real O que se prova cheira se vê ouve Se toca? E o que realço mas no astral Interior: não há-verá nem h(ou)ve? Sonhalizo o real e realizo O sonho mais sonhal que o real mais Realizonho: sonho e não diviso Divisão, vivo sonhajo demais Quem sonha vive o sonho realmente Quem vive realmente vive em sonho O sonho que se quer real não mente A mente, a quero sonho e me proponho Sonhar o real mais real: elástico Maravilhoso estranho e sim fantástico

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Rio Quixeramobim

Vejo-me agora perdido, sem iscas sobre tuas pedras a lembrar. 58

Tuas águas encantam passarinhos na solidão de minha infância pueril. Teu riacho de correnteza é palha antiga que corta a saudade azul que nem sabe por que veio.


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GARRAFA DE VIDRO ESCURO EM PISCINA DE ÁGUA TRANSPARENTE Muita fumaça de cigarro pela casa ao passo que eles enchem a cara de literatura. Primeiro beberam muitas doses de Hilda Hilst. Depois deram cabo de três garrafas de Neruda e tantas outras de Bukowski. Com os olhinhos carregados de chama, ela falou que o melhor carinho do mundo é ser feliz com quem se ama e que o amor é uma bebida fina que aos beberrões é dada a sorte de degustar, entretanto poucos sabem apreciar o raro sabor. Ela lhe contou: todas as noites tenho o mesmo sonho. Viajo dentro de uma garrafa de vidro escuro e caio numa piscina de água transparente. A piscina é habitada por rinocerontes. Eles me empurram cada vez mais para o fundo. Sufocam-me. Choro e me esforço para sair da água, em vão. Sinto uma imensa vontade de andar pela cidade tendo como única companhia um guardachuva. O guarda-chuva tem o poder de admoestar rinocerontes. A cada noite o guarda-chuva se apresenta de uma forma diferente. Foi presente de um homem bem mais velho por quem sinto gratidão. O homem não tem um rosto definido. Muitas vezes é um par de botas sem cadarços. Noutras um pedaço de vidro cortante e ainda me aparece como se fosse um jardim onde eu gostaria de pisar suave e deitar na grama. O homem nunca fala e, independente da forma, quando vai embora leva consigo o guarda-chuva. Quando ele some, surgem golfinhos que saltam sobre as nuvens em pleno céu sem nuvens. Pois as nuvens são os próprios golfinhos que se transformam na nuvem seguinte que os irá receber do mergulho. Olho para o chão e vejo miniaturas de árvores esquecidas no bolso dos transeuntes da cidade. Neste momento sinto que meus pés tocam o chão, contudo o chão é feito de jornais velhos e folhas arrancadas de livros abandonados. Sempre acordo neste momento. Para fechar a noite, ela disse que o amor é uma iguaria servida para glutões. Sem dizer palavras, ele se aproximou e, bem de leve, acariciou-lhe os cabelos, depois abriu outras garrafas de literatura e ali mesmo sobre o tapete da sala embriagaram-se de Drummond ao natural. Lá fora, a lua parecia um traço inspirado no bigode de Dalí. E eles sabem muito bem que lá fora as pessoas sentem inveja da felicidade alheia. Agora, ela dorme e ele está sozinho e nu diante do espelho. Canta e dança no tempo em que ela se embaraça com rinocerontes e guarda-chuvas. Daqui a pouco será um novo caos. Daqui a pouco será um novo cosmos. A saudade é uma canção em movimento que se propaga e propõe um depois. Daqui a pouco nada será.

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CAÇA E ILUMINAÇÃO

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Todo o conceito tem buracos.* Minha obra será caça a essas fissuras no corpo de deus: pretendo povoar seus buracos com livros de mitos sobre pássaros suicidas e homens clarividentes.

[*] Gonçalo M. Tavares, Livro da dança, p. 47.


CRIME SEM CASTIGO Não era de ternura que ela precisava. Era pobre, pobre, muito pobre, mas tinha a dignidade do coque sobre a cabeça, preso por um grampo que ninguém desconfiaria enferrujado. E tinha dois olhos azuis encravados na pele leitosa, como duas dissonantes águas-marinhas. Num domingo de maio conheceu Raimundo no culto. Tão limpo de alma que ela nem pensou num vestido melhor. Deu-se. Suas pobrezas entrelaçaram-se e... nem mais o coque se viu, o azul dos olhos se perdeu. Por que se impressionara tanto com Raskolnikov? Por que o apanhara quando a patroa jogou-o no lixo? É meu, abraçou-o e nem o odiou quando assassino. Quis ser Sônia Marmielàdov. Amor de salvação. Logo depois veio Raimundo com sua alma limpa e os bolsos vazios. Ele era tão terno que ela nem o viu tão pobre. Castigo sem crime a pobreza. Redimiu-se por fim. Não quis mais ser personagem de Dostoiévski e partiu.

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poema tão bonitinho

você não avisou ao senhor coronel que o rio que atravessou foi a barco de papel ele não acreditou fez tamanho tropel se achava o dono das águas se achava o dono do céu mandem avisar ao escroque viagem pra dentro da gente não precisa de passaporte.

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noturno do benfica ‘flagro-me arrancando do mundo montanhas de bondade. arder emociona desde que aqui cheguei.

aparecia pra me virar os avessos. aparecia, claro pretérito. revestrés. um dia, e mais um dia e dias, não apareceu. continuava a aurora à uma distância inexata porque eram tão bonitos os pingos da chuva sobre a rua molhada. pe-que-ni-na. um eu em noventaesete polegadas. sufocada, rarefeita. 66

tanto te amei do alto pensando nessa cidade, todas as cidades - como localizar assim no tato um ponto pra sua fuga e minha liberdade? a liberdade é uma agonística. o encontro da minha e tua água. pronto, algumas horas e essa cidade gloriosa. pura, delicada. febril. sussurra - as línguas do inferno, a voz mais grave e dorida aqui o ombrocorpo. chora, canta, dança. inventa o mar, os girassóis, uma palavra e o silêncio. desabotoa tudo a queda do corpo que suspende.


PACOTE PESADO Terminava não em silêncio. Ela recostada na poltrona com os olhos úmidos de culpa sentenciava: acabou. Ele vitimado sempre num silêncio ensurdecedor não queria entender. As crianças. As dívidas. As dádivas. Um pacote pesado sobre ela irredutível. Seca, áspera, esponjava por dentro de nojo. Tudo menos pedir amor. Isso ele não fizesse. Ele fez. Implorou lucidez, amor. Noites intermináveis fingindo dormir. Pesadelo nos olhos cerrados evitando conversa. Nem há mais o que dizer. Repetir tudo todo dia cansa, confunde. Ela não queria correr o risco de reconsiderar, de tê-lo sobre o seu corpo, de... Ela não conseguiria mais simular tolerância. Impacientava-se dilacerada pelos olhos molhados de acusação. Fria calculista egoísta. Não importavam os adjetivos. As farpas batiam e voltavam em seu corpo petrificado de recusa. Noites intermináveis. Dias intransponíveis. Lugar comum. Ele acordava feliz como se não fosse com ele. Fazia planos. Difícil prolongar tanta coragem. Teve pressa de morrer. O outro nem sabia que era o outro. Alimentava os desejos dela como a um bicho alheio que não oferece risco de pertencer. Dizia "voa" e ela inflava, abria as asas. Já ganhava o céu e o outro disse medroso de responsabilidade ou de amor: "fica". E se foi. Ela ficou. Mastigando dolorida o alpiste que sobrou. Engasgada. Exaurida no silêncio de quem apenas consente a vida.

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SALIÊNCIAS Há muito Patrolino andava de olho no remelexo das ondulações de Mafalda. O departamento traseiro feminino mais cortejado da cidade de Vista Alegre. Mas quando percebeu sinais de que ela se dobrava aos seus "xavecos", veio a preocupação. Conhecia-lhe a fama da cortejada. Coisa de exigir muito fôlego e ferramenta firme e estendida, para bem atender deliberações de quatro paredes a serviço de safadezas mundanas. E agora, o que fazer se a cada dia seu aríete era menos confiável? Se já ia longe o tempo em que tal organismo galgara fama de exímio apagador de fogo de caboclas fogosas? Certamente se sentiria mais seguro se pudesse contar com o benefício de algum estimulante farmacêutico. Porém a época era outra: quem ousasse fazer bonito em demanda de chamegamento, que o fizesse com os próprios recursos. Deste modo preocupado, Patrolino foi ao encontro de Sinfronildo, que não era de negar ajuda a seu ninguém, especialmente a um amigo de infância. Puxando do bolso o lápis e a caderneta de sua contabilidade junto à bodega e ao açougue, o consulente passou tudo para o papel. Desde os passos da preparação ao tempo certo de ingerir o prato (obviamente, tendo na devida conta a hora da degustação do encontro), não ficou de fora uma só vírgula. E assim de posse da receita que convertia libido em estrepolias da cama, despediu-se do outro regiamente agradecido. A caminho das compras, pensando em colocar mais pilha nos poderes afrodisíacos do prescrito cozidão de tutano de mocotó bovino, decidiu acrescentar alguns ingredientes à receita original. Entre outros: piqui e fava, gengibre e ginseng, ovos de pata e pimenta. Transferido o preparado, da panela para o bucho, Patrolino arrematou a substanciosa refeição com dois copos de abacatada batida com ovos de codorna, pó de guaraná, amendoim, cravo da índia, catuaba... Dias depois, ainda triste e de olhos fundos em formato de caveira, o "Cabra Namorador", como era chamado Patrolino, prestou contas ao seu tutor sexual: “Sinfronildo, tu que me conhece desde quando éramos menino de calça curta, bom tempo aquele em que a gente caçava de baladeira e tomava banho de açude, sabe perfeitamente que eu nunca fui de rejeitar rapadura por me queixar de dor dente. De modo que se eu disser o que aconteceu comigo na hora de mostrar a Mafalda minha capacidade na arte das sem-vergonhices de homem e mulher, tu nem vai acreditar... A desgraçada da desoneração foi tamanha que varou todo o fim de semana e ainda hoje tô vazando pelo pito. Enfim, quando eu devia tá nos braços de Malfada chacoalhando a cama, amarrotando travesseiros e lambuzando fronhas e lençóis, eu tava mesmo era entrando e saindo do banheiro. Acho até que a porcaria de meu anjo da guarda desceu esgoto abaixo na carona da fininha e de outras flatulências intempestuosas.” Não lhe restando mais alternativa, o aconselhador passou a mão na cabeça, gaguejou duas ou três frases na tentativa de reconfortar o amigo e se cobriu de dó diante do notório estrago que o estranho preparado havia lhe causado.

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Casse-tête Perdre la manière Pour dire le mot Faites-moi savoir L'expérience de la faim La plus extrême pauvreté De sens De raison

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Avoir raison C'est avoir dans une vie entière Un mannequin de bois Dans les mains Et jamais être Un vrai garçon Je pars pour le monde Je vais oublier le passé Et me faire de nouveau Chaque pièce en place


Quebra-cabeça Perder a via Por dizer a palavra Me fez saber A experiência da fome A mais extrema pobreza De sentido De razão Ter razão É ter a vida inteira Um boneco de madeira Nas mãos E nunca ser Um menino de verdade Vou sair para o mundo Vou esquecer o passado E fazer-me novamente Cada peça em seu lugar

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ESCALA

Poeta DMT

Ermínio Nascimento

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Patrícia Tenório

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Nina Rizzi 18

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Poeta DMT

Bruno Paulino

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Patrícia Tenório

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Nina Rizzi 34

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Poeta DMT

Ermínio Nascimento

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Talles Azigon

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Nina Rizzi 50

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Poeta DMT 57

Talles Azigon

Bruno Paulino 58

Nina Rizzi 65

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Madjer de Souza Pontes 11

Dércio Braúna 19

Madjer de Souza Pontes 27

Dércio Braúna 35

Madjer de Souza Pontes 43

Aíla Sampaio 51

Madjer de Souza Pontes 59

Aíla Sampaio 67

Glauco Sobreira

Luciano Bonfim

Bruno Paulino

Talles Azigon

Nataly Pinho

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13

14

15

Pedro Humberto

Ermínio Nascimento

Augusto Secundino

Augusto Secundino

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22

23

Glauco Sobreira

Luciano Bonfim

Dércio Braúna

Talles Azigon

29

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Pedro Humberto

Ermínio Nascimento

Augusto Secundino

Augusto Secundino

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Luciano Bonfim

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Pedro Humberto

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Bernivaldo Carneiro

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Glauco Sobreira 60

Pedro Humberto 68

Bruno Paulino

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Luciano Bonfim 61

Bernivaldo Carneiro 69

Aíla Sampaio

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Bernivaldo Carneiro

Bernivaldo Carneiro

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Dércio Braúna 62

Patrícia Tenório 70

Zé Tarcísio 24

Nataly Pinho

28

Glauco Sobreira

16

Aíla Sampaio 63

Patrícia Tenório 71

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Zé Tarcísio 40

Nataly Pinho 48

Zé Tarcísio 56

Nataly Pinho 64

Zé Tarcísio 72


AÍLA SAMPAIO. Cearense, nascida na região do Cariri, é professora da UNIFOR e editora de Revista Cienơfica. Tem quatro livros publicados, entre eles, Os fantásƟcos mistérios de Lygia (ensaio) e De olhos entreabertos (poemas). É integrante da Academia Cearense de Língua Portuguesa e doutoranda em Letras pela Universidade Federal do Ceará.

AUGUSTO SECUNDINO. Nascido em 07 de março de 1959, na cidade de Fortaleza-CE, cresceu brincando nas ruas (naquele tempo podia) do bairro São João do Tauape. Do hábito da leitura, adquirido com a mãe, veio a vontade de escrever. Sendo amante da cultura popular, dedicou-se a escrever cordéis, tendo hoje vários ơtulos publicados. É integrante do Mocororó Literário, grupo idealizado por ele e criado com a ajuda de amigos amantes da literatura, atuante em Pacajus-CE. BERNIVALDO CARNEIRO. Natural de Jaguaretama-Ceará, técnico em edificações, geólogo com especialização em engenharia sanitária, estudou administração pública, há 35 anos é funcionário público federal e escritor nas horas vagas com oito obras editadas: três de cunho técnico-cienơfico, quatro livros de ficção (dois romances e dois de crônicas) e um registro histórico. Além do que tem mais de cem textos publicados em coletâneas, antologias, revistas e informaƟvos literários. BRUNO PAULINO. Nasci em Quixeramobim em 1990. Tenho na vida o gosto por simplicidades. Gosto de livros, videogames, futebol, xadrez, cinema, cervejas, passarinhos, coisas azuis e histórias anƟgas. Sou autor dos livros Lá nas Marinheiras e outras crônicas (Imprece, 2012) e A Menina da Chuva (Premius, 2013). DÉRCIO BRAÚNA. [1979] é natural de Limoeiro do Norte. Exerce uma vida bancária. Nutre paixão por coisas da história e da literatura. Por vezes escreve – com seus cães perdigueiros aos pés (cinco pares de maviosos olhos) — coisas senƟntes que entende dizer ao vasto mundo. São de lavra sua: [poesia] O pensador do jardim dos ossos; A selvagem língua do coração das coisas; Metal sem Húmus; Aridez lavrada pela carne disto; [contos] Como um cão que sonha a noite só; [história] Uma nação entre dois mundos; Nyumba-Kaya: Mia Couto e a delicada escrevência da nação moçambicana. ERMÍNIO NASCIMENTO. Nasceu em 16/06/1967, na cidade de Pombal, na Paraíba, filho de Ernani Joaquim/Cleonice de Sousa Nascimento. Casado com Luzinete Chagas Nascimento, pai de Gabriela Priscila/Marcos Davi Nascimento. É professor de Filosofia da UVA, Sobral-CE, e estudante do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFC, Fortaleza-CE.

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GLAUCO SOBREIRA. Juazeiro do Norte/1963. Divide a profissão de médico com a carreira de arƟsta visual, já tendo parƟcipado de salões regionais e nacionais. Ilustrou HQs e vários livros, dentre os quais O Menino que amava futebol, infanto-juvenil de sua autoria e Mundografia moderna, de Silvyo Amarante.

LUCIANO BONFIM. Nasceu em Crateús, vive em Sobral e não tem a menor ideia de onde irá morrer - nem quando. [fotografia do autor: Evaldina Vieira]

MADJER DE SOUZA PONTES. Nascido em Pedra Branca/CE, 1987. o núcleo selvagem do dia é a sua primeira coletânea de poemas, lançada em 2014 pela Editora Substânsia.

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NATALY PINHO. Nataly tem na escritura — Qual Rimbaud — letras em cores Seus dizeres são albores Fins de tarde e noite escura Cada texto uma pintura Tal como em cada rabisco Cada linha traço risco De cada quadro, um poema — Pintora ou vate? Dilema Que a decidir não me arrisco [Décima do Poeta DMT] Página da arƟsta: hƩp://natalypinhoarte.wix.com/natalypinho NINA RIZZI. Paulista radicada no Ceará. É poeta, historiadora e tradutora. Publicou: tambores pra n’zinga (poesia, Editora MulƟfoco, 2012); caderno-goiabada (prosa-ensaísƟca, Edições Ellenismos, 2013); Susana Thénon: Habitante do Nada (tradução, Edições Ellenismos, 2013) e A Duração do Deserto (poesia, Editora Patuá, 2014). Os poemas selecionados para o MuƟrão integram Os peixes não se acostumaram à barragem, a ser publicado em Portugal, ainda este ano. O POETA DE MEIA-TIGELA. O Poeta DMT se nasceu Ludovico Apolinário de Alencar em Novo Oriente, Ceará. Publicou em 2008 o livro de poemas Memorial em Mim Maior; em 2011 a primeira versão do Concerto Palavrar e Outros Movimentos; em 2014 a coletânea de sonetos Girandilha e, em 2015, Mirândola — Camporiai os Olhírios do Lirampo. Visitas: hƩp://opoetademeiaƟgela.blogspot.com.br/


PATRÍCIA TENÓRIO. Escritora de poemas, contos e romances desde 2004, tem 8 livros publicados e é mestre em Teoria da Literatura pela Universidade Federal de Pernambuco, linha de pesquisa Intersemiose, com a dissertação O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde: um romance indicial, agosƟniano e prefigural, sob a orientação da Prof. Dra. Maria do Carmo de Siqueira Nino. Contatos: www.patriciatenorio. com.br e patriciatenorio@uol.com.br. PEDRO HUMBERTO. Paulista de Ribeirão Preto que virou cearense, engenheiro que virou fotógrafo, fotógrafo que virou professor de fotografia e agora trabalha no Museu de Arte da UFC — MAUC. Virou também peça de museu, ciclista e motociclista casual. Fotografa, sem compromissos, qualquer coisa que lhe desperte interesse.

RAYMUNDO NETTO. Escritor, editor e produtor cultural. Autor de Um Conto no Passado: cadeiras na calçada (romance), Os Acangapebas (contos), Crônicas Absurdas de Segunda (crônicas), Centro: um coração malamado(ensaio), Cronologia Comentada de Juvenal Galeno (ensaio) e dos infanto-juvenis A Bola da Vez, A Casa de Todos e de Ninguém, Os Tributos e a Cidade, Boto Cinza Cor de Chuva e A Galera se Liga em Cidadania! TALLES AZIGON. Poeta da Maraponga, é contador de histórias, produtor cultural, leitor de Manuel Bandeira e faz da sua aƟvidade profissional de Mediador de Leitura uma ação políƟca. Publicou dois livros de poemas pela Editora Substânsia, o Três golpes d’água e MARoriGINAL: tallesazigon@substansia.com.

ZÉ TARCÍSIO. Nascido em 1941 em Fortaleza, inicia seus primeiros trabalhos arơsƟcos aos 19 anos. Aos vinte viaja para o Rio de Janeiro e frequenta o Curso Livre de Pintura na Escola Nacional de Belas Artes. Em 1971 é comissionado para ser um dos representantes brasileiros na VII Bienal de Paris. Em 1974, expondo no XXIII Salão Nacional de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, ganha o prêmio nacional. Em 1982, monta seu ateliê nos arredores do atual Centro Cultural Dragão do Mar. No ano seguinte, cria a Por Hipótese Produções. A década de 90 rende-lhe uma homenagem do Museu de Arte da Universidade do Ceará, o MAUC, e uma temporada na Europa e em Cuba. No novo milênio, várias exposições, dentre as quais: “Promessa paga – Pinturas de José Tarcísio” no espaço Cultural Correios de Fortaleza – 2006; “Viva a arte viva do povo brasileiro” – Museu Afro-Brasil de São Paulo – 2006/2007; Bienal São Paulo/Valencia - Encuentro Entre dos Mares – Espanha/2007; Exposição Caminhos da Serigrafia – Museu do Ceará, 2009; Elos da Lusofonia, Museu Histórico Nacional – Rio de Janeiro e Museu Afro Brasil, São Paulo – 2010; Prêmio do LXIV Salão de Abril, Fortaleza – 2013 (Relicários da Grande Seca - 100 anos depois); Exposição Percursos Urbanos, Fortaleza – 2014. [fotografia do arƟsta: Adenor Gondim]

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Aos interessados. Esta obra foi composta em fonte Calibri e impressa nas Oficinas da Expressão Gráfica e Editora em papel offset 75g, em febrereiro de 2016 para LuAzul Edições e Marcadágua Édicções, em parceria. Botagem de 500 exemplares.

Marc ad


ZÉ TARCÍSIO IMAGINÁRIO Imagino o menino imaginoso na Casa dos Milagres dos ex-votos cada imagem um caso dadivoso e o menino espantado entre os devotos a ver pernas e mãos e toscos torsos cabeças e pescoços troncos rotos tortos corpos – pedaços – tronchos dorsos fitas faixas – esboços – fotos cotos Imagino o menino Zé absorto ante o imaginar santo do povo uma questão coloco e lhes exorto a que respondam Sim (e me comovo) Poemas e esculturas não serão ex-votos pagos à Imaginação? O Poeta DMT


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Só o coleƟvo nos une! Coloca-se a mão na massa, mãos à obra, palavra fincada no peito, mesmo que não cosida na pele, nem esparrada pelo chão, como batatas – se como –, aos vencidos também elas, filhas do carbono e do amor demoníaco, monstros de escuridão e da Ruth Lança, à sombra sacrossanta dos profetas, sertão adentro na frialdade inorgânica da terra à vista

Marc ad


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