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OUTUBRONOVEMBRODEZEMBRO2012

GERAL

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“Dou-vos um Mandamento Novo”

“Dou-vos um Mandamento Novo…” Jesus Cristo TESTEMUNHO II A emergência do Amor… “Ninguém espera por mim?” Pelas crianças e jovens vamos conversar. Na Última Ceia, ao celebrar a Festa da Páscoa, Jesus Cristo disse aos apóstolos: “dou-vos um mandamento novo – que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei”. Passaram, entretanto, cerca de dois mil anos… Estará aquele “mandamento novo”, já velho e ultrapassado, sendo de pouca importância pensar e refletir o seu conteúdo? Qual é e tem sido o impacto para a Humanidade, e para cada um de nós, para as nossas vidas, daquele mandamento? Na realidade, jamais o poderemos saber com rigor. Proponho que, sem preconceito, reparemos para a nossa vida, olhemos à nossa volta, observemos atentamente os acontecimentos do mundo, procuremos discernir e vislumbrar, para onde e como estamos a caminhar. Coloco a seguinte questão, para pensarmos e refletirmos: serão a força e energia de Amor, a vivência positiva de afetos, a real solidariedade humana, a fraternidade, a atenção dada à energia espiritual, os causadores de tanta maldade e de tantas injustiças no mundo, de tanto sofrimento que afeta a vida dos seres humanos?

Não serão antes, além do mais, os egoísmos, a ganância desmedida e mesmo criminosa, a autossuficiência narcísica (o ser humano não é uma ilha), a sede de poder e de mando, a qualquer custo, o querer ser mais do que os outros, as vaidades e excentricidades, o desprezo para com os semelhantes e seu sofrimento, a insensibilidade social e humana, os abusos chocantes de poder, as arrogâncias, os autoritarismos, as revoltantes injustiças e ódios, a profunda crise de valores que há muitos anos e diversamente se vêm acumulando e arrastando, tendo em grande parte contribuído para a crise financeira em que vivemos atolados? Não tem sido exatamente o desamor? Nós vivemos num mundo que parece estar aparentemente à deriva e sem controlo, a necessitar de uma nova ordem social e nova organização nacional e Internacional, onde as pessoas realmente contem e sejam a centralidade de tudo. Na Obra do Ardina (crianças, jovens, adultos responsáveis e colaboradores), que real e cuidada atenção e valor se dão à vivência dos afetos, à solidariedade, à força do Amor como energia inigualável para a transformação? Ao nível da organização dos programas de ação, no modo de diagnosticar problemas, na construção e gestão de soluções para os mesmos, nos valores e referências que são transmitidos, nos exemplos de vida que são dados, na qualidade das relações afetivas investidas no ato socioeducativo, nas opções metodológicas que são implementadas, nas práticas pedagógicas dinamizadas, no método de gestão dos conflitos, na afirmação da identidade específica da Obra do Ardina (ir ao encontro, usar de compaixão, não abandonar) …?

tada convicção, que a ação por todos desenvolvida, nas várias valências e aos vários níveis de responsabilidade, para e com as crianças e jovens, apoiados pela Obra do Ardina, é de relevante importância, dignidade e honra. É exaltante e gratificante apoiar seres humanos a erguerem-se. Trata-se, no caso da Obra do Ardina, de resgatar crianças e jovens ao sofrimento de suas vidas; vidas bloqueadas, adiadas, sequestradas – tanta vez sem pão, sem educação, sem afetos (às crianças não se pode dizer “amanhã, porque estando elas num processo natural de desenvolvimento, tem suas fases e ritmos próprios, o tempo delas não é igual ao ritmo do tempo dos adultos) Amanhã pode ser tarde para elas… Assim sendo, a responsabilidade de todos é diversamente maior, porque da ação atempada, empenhada e responsável depende, em grande medida, que aquelas crianças e jovens, possam crescer com o necessário e orientado apoio, virem a ser pessoas de bem, com vidas mais libertas, mais autónomas e independentes. Poderem viver uma cidadania responsável. Temos de encarar o facto de ser a Obra do Ardina, para muitas das crianças e dos jovens que apoia, a “família” mais presente e cuidadora que eles realmente têm, o que determina, necessariamente, uma postura de mais atenção, compreensão e cuidada ação, uma relação ajustada e adequada à situação, ao quadro de vida que as crianças apresentam. Não pode haver soluções de resposta que se alheiem daquela realidade, como não se pode negar reforço de afetos.

crática em detrimento da riqueza de atenção/compreensão no ato educativo, não se secundarize a pessoa da criança e jovem. Como se sabe, é fundamental para o melhor êxito de qualquer projeto de apoio e ação socioeducativa a atenção que é dada à pessoa, a qualidade da relação. Coloquemos sempre em primeiro lugar o superior interesse das crianças,promovendo e lutando pela efetivação dos seus direitos (as crianças e os jovens não são cidadãos menores). É inecessário conhecer a Convenção sobre os Direitos da Criança, estuda-la e refleti-la, procurando aplicá-la às diversas situações. Cada qual poderá (deverá) conversar e refletir acerca destas questões, pode fazer alguma diferença, possivelmente poderá ajudar a melhorar o quotidiano da vida, a melhorar a vida da própria Obra do Ardina, o mesmo será dizer a melhorar a vida das crianças e dos jovens que apoia. Reafirmo o que já escrevi anteriormente:“A Obra do Ardina é uma obra de afetos profundos,de Amor”, tem uma identidade própria, que não deve ser descaracterizada, mas antes apreendida, compreendida, aprofundada e enriquecida. Tenho a firme convicção de que, se os fundadores da Obra do Ardina e continuadores, não vivessem a exegese de uma dimensão de Amor, entregando-se de forma oblativa a tão nobre causa, com persistente esforço e abnegação, nunca a Obra do Ardina teria existido, ou mesmo se acaso tivesse chegado a existir, já teria definhado e morrido.

Sem afetividade não há inteligência.

Pensemos e reflitamos.

Não se privilegie nunca, na ação socioeducativa, quaisquer elementos de gestão administrativo-buro-

Quem viveu e vive numa dimensão de Amor, dedicando-se aos seus semelhantes, altruisticamente, merece sempre um sincero reconhecimento, respeito e gratidão. Por isso, a Obra do Ardina, atra-

Devemos reconhecer, com ajus-

Quem ficaria a perder se tal tivesse acontecido?

vés da Liga de Amigos e do jornal O Ardina, está a organizar uma sessão de homenagem à sua fundadora, Maria Luísa Ressano Garcia, no 1º centenário do seu nascimento e vai comemorar na mesma sessão os 70 anos da fundação da Obra (em outro local, neste jornal, daremos destacada notícia sobre o assunto). Precisamos de dar a conhecer mais da vida da Obra do Ardina, do seu programa de ação, conhecer através do sentir e da voz dos “ardinas”, ex “ardinas”, colaboradores, Amigos e voluntários, para que todos participem e se sintam a fazer parte de um todo, que é a grande Família Ardina. O que pode ser feito por muitos não deve ser feito por poucos. Aproveito para lançar aqui uma proposta de projeto: Logo que for possível, proceder-se a uma compilação de todos os artigos e testemunhos, de “ardinas” e de ex-ardinas, que tenham sido publicados no jornal O Ardina ao longo dos anos de sua existência,para posteriormente ser feita uma publicação autónoma. Amigos! A Obra do Ardina na sua globalidade, pluralidade de ideias, perfis diferenciados dos seus responsáveis e colaboradores, constitui-se como um todo organizado, sem donos, está coesa e indissociável. Assim, dinamicamente, deverá continuar, para mais e melhor poder servir os objetivos para que foi fundada – apoiar na reinserção de crianças e jovens. “Amai-vos uns aos outros”. “Ninguém espera por mim?” Um fraterno abraço, com muita confiança em todos. Ás crianças e jovens desejo um bom ano letivo, aos jovens mais crescidos votos de que encontrem, além do mais, um trabalho justo, com dignidade e direitos. Obrigado Fernando Carvalho 3 de Setembro de 2012

A Cidade e o desemprego

Cidade. Encontro. Feli-cidade? Ao longo dos tempos têm-se construído cidades para as pessoas e as cidades multiplicaram-se. No caso

de Portugal, o êxodo de um interior desertificado para urbes transbordantes não tem parado de aumentar e nas múltiplas pequenas cidades que irrompem na cidade a maioria dos habitantes constrói-se com estudos, formações, trabalhos e talentos para alcançar um lugar entre os demais. Porém, há uma cidade incompreendida que se multiplica cada vez mais e até ao desespero – a do desemprego. Não se pode permanecer criança porque o corpo cresce; cresce o corpo em

necessidades e o espírito em exigências para construir uma identidade que nos torne aceitáveis e úteis. Se além disso se for reconhecido pelo trabalho e pelo serviço que se presta, social, cultural ou religioso,tanto melhor.Então, atinge-se um cume de cidadania. Então, a cidade e a pessoa constroem um centro imaterial (leia-se existencial!) para dar sentido às construções materiais – o cimento,o ferro, o vidro em grande escala vestem as planícies, os montes e as colinas outrora nus para que os seres humanos

sejam, brilhem. Se se erguem prédios, se se arquitectam ruas, praças, jardins e espaços de lazer, se se projectam escolas, academias e hospitais, e se a alma da cidade é movimento incessante de meios de transporte, de pessoas e dos seus mais variados sentimentos e aspirações, o trabalho é, com a habitação, a sua principal razão de ser. Sem trabalho é-se excluído do movimento vital da cidade, é-se inutilizado e despojado daquilo que nos faz pessoas: de centro

participante passa-se a desvio, a número, a coisa, e os montes habitados empalidecem. Sem trabalho a cidade não passa de figuras de lego desencantadas e até hostis e toda a construção-para-o-ser-humano leva à dispersão improdutiva,ao agonizar de muitos e às manifestações colectivas na esperança de edificar um lugar para todos… A cidade do desemprego é pois uma aberração! Como exemplo, há hoje jovens entre os 18 e os 25 anos na Obra do Ardina que se deparam com o vazio de

não terem onde trabalhar, e sem família ou meios próprios, a situação é alarmante! Nesta teia urbana o voluntariado é também uma pequena cidade, uma possibilidade de pertença, acção e cooperação, sendo que o ideal, e não há cidades sem ideais, é cruzar o voluntariado com o trabalho. O cume é a realização plena – material e imaterial, sobretudo se o trabalho for um prolongamento do que nos torna únicos. Cristina Veora Lisboa, 19 de Setembro de 2012


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