RA Nº 07
CONTEUDOS 04 06 09
EDITORIAL
SERTÃO EM CENA: JOVEM FOTÓGRAFO DE BATALHA CRIA CENÁRIOS DE CINEMA COM ELEMENTOS DA PRÓPRIA CIDADE
"A POESIA É MAIS QUE UMA FORMA DE EXPRESSÃO PARA MIM, É UM PROCESSO DE CURA"
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PROJETO RUPTURA EXPÕE DRAMA DE ANOS DA MINERAÇÃO EM QUATRO BAIRROS DE MACEIÓ
NÃO É UM FENÔMENO GEOLÓGICO, GRITA A FOTOGRAFIA
THIAGO SOUZA: A ENERGIA JOVEM COM O SABER DE UM MESTRE POPULAR EM PORTO DE PEDRAS/AL
REDESCOBERTA: AS IRMÃS BUARQUE ENCONTRAM NO POLE DANCE NOVAS VERSÕES DE SI
QUEM SOMOS LÍCIA SOUTO Co-criadora, editora-chefe. @liciaasouto
BERTRAND MORAIS Co-criador, repórter e produtor de conteúdo. @oibertrand
GABRIELY CASTELO Co-criadora, repórter e produtora. @gabrielycastelo
ANNA SALES Editora de fotografia e repórter. @annasales27
EDITORIAL Dois. Hoje, esse pequeno número simboliza uma grande trajetória, um longo caminho que deixou integrantes para trás e abriu trilha para a chegada de novos. Novos nomes, novos rostos, novos trabalhos. Ao longo de dois anos artistas, produtores, jornalistas e leitores passaram pela Revista Alagoana e deixaram algo de si. Ao longo de dois anos, todas as palavras, vídeos, fotos e narrativas vistas aqui foram em prol de um sentimento forte, de um desejo profundo de elevar a cultura alagoana ao seu lugar de protagonista. Há dois anos, quando começávamos a escrever nossa própria história, fomos surpreendidos por um dos maiores desafios que faria o mundo todo se unir para enfrenta-lo. Fecharam-se as cortinas dos teatros, as telas dos cinemas foram desligadas, os palcos ficaram vazios e silenciosos e as ruas preenchidas por uma incerteza barulhenta. Nesse cenário pandêmico, o nosso propósito firmado desde o começo, de trazer o melhor da produção cultural de Alagoas para a população alagoana, nos tirou desse lugar de medo. Durante um ano inteiro trabalhamos remotamente, trazendo os artistas para compartilharem suas experiências no isolamento, para falarem sobre seus trabalhos. Essa rede de comunicação e trocas estreitou distancias e manteve uma cultura viva e resiliente. Vimos nomes brilhantes dessa cultura nos deixar, ao passo que trabalhos espetaculares ganharam vida. Em meio a tudo isso, as respostas positivas e carinhosas dos nossos leitores aos conteúdos foram o farol que guiou a Revista Alagoana durante os dias mais difíceis. Você, caro leitor, nos deu a certeza de estarmos no caminho certo, seguindo o nosso propósito de ser um espaço para todos(as) que buscam novas formas de se expressar. Um espaço de perpetuar tradições, mas também de jogar luz sobre o novo. De resgatar a beleza da memória coletiva alagoana, afinal, a cultura é o que nos faz humanos em primeiro lugar. Dedicamos essa edição comemorativa a todos(as) que fizeram e fazem a Revista Alagoana ser madeira forte para o protagonismo cultural alagoano.
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LUIZ
Quando se imagina o Sertão, qual seria o seu primeiro pensamento para uma fotografia? Provavelmente, cenários áridos, com muito sol e cores quentes. Mas esse é o oposto das fotos feitas por Luiz Daniel. O jovem, de apenas 19 anos, transformou cenários comuns da cidade. Inspirado por filmes de terror, fantasia e ficção, elementos da cidade se transformam em cenários surrealistas. Conheça um pouco mais do fotógrafo nessa entrevista. A Revista Alagoana conversou com o fotográfo; confira.
Um texto de Anna Sales
COMO E QUANDO VOCÊ COMEÇOU A FOTOGRAFAR? Luiz - Em 2019, eu comecei a fotografar em minha escola, usando a câmera do meu celular. Fotografava as flores e os meus colegas. Acabei me apaixonando pela fotografia e com o tempo, fui praticando cada vez mais e trabalhando para comprar uma câmera profissional, um dos meus desejos daquela época. Acabei fazendo alguns cursos de fotografia e manipulação de imagens pela Internet e sempre praticando o que eu aprendi chamando meus amigos e pessoas que eu conhecia em minha cidade para fotografar.
QUAIS SUAS MAIORES INSPIRAÇÕES NA FOTOGRAFIA? Luiz - Minhas inspirações são fotógrafos como: Nirav Photography, Gui Rossi, Well Naves, entre outros. E também me inspiro muito em filmes que assisto no meu dia a dia, especialmente os de terror e fantasia. Sou um grande apreciador da sétima arte.
O QUE VOCÊ MAIS GOSTA DE FOTOGRAFAR? Luiz - Gosto de fotografar pessoas, captar a essência delas e seus sentimentos. Gosto de por uma parte dos meus sentimentos dentro das minhas fotografias.
O QUE MAIS TE ENCANTA NA FOTOGRAFIA? Luiz - O fato de um momento, uma emoção ou uma memória serem guardadas para sempre, sem dúvidas é o que mais me encanta.
QUANDO SE FALA EM SERTÃO, É COMUM IMAGINAR CORES QUENTES, PAISAGENS ÁRIDAS. MAS VEMOS O CONTRÁRIO DISSO EM SUAS FOTOS. POR QUÊ VOCÊ DECIDIU SEGUIR POR ESSE CAMINHO? Luiz - Embora eu seja apaixonado por cores quentes e pela estética sertaneja, eu sempre gostei de ser diferente, de não ser padrão, sabe? Então, tento seguir esse raciocínio em minhas fotografias.
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VEJO QUE EM ALGUMAS LEGENDAS, HÁ A MENÇÃO DE ALGUNS LIVROS DE FANTASIA E FILMES DE TERROR. ISSO TE AJUDA A CRIAR ESSES CENÁRIOS? Luiz - Com toda certeza! Filmes como “A cor que caiu do espaço”, “Ilha do medo”, “A bruxa”, “Midsommar” e entre outros filmes, já foram e são inspirações para vários ensaios meus. Também gosto de me inspirar em Músicas, como já fiz com um ensaio baseado na música “Rainha dos bichos da floresta” do Kamaitachi, cujo o próprio comentou na minha publicação, fiquei muito feliz, pois sou um grande fã do trabalho dele.
QUAL FOTO FOI A MAIS DIFÍCIL DE REALIZAR?
COMO É TRANSFORMAR CENÁRIOS DE UMA CIDADE INTERIORANA COM ELEMENTOS “SURREALISTAS” EM ALGUNS ENSAIOS? Luiz - Essa sem dúvida é a parte que eu mais gosto, transformar as paisagens sertanejas em cenários surrealistas e cinematográficos. Gosto do fato de que uma árvore seca com alguns ajustes podem ser tornar um elemento de terror perfeito, ou quem sabe um rio temporário poluído pode se tornar um pântano assombrado, e assim por diante. É necessário ver o ambiente com outros olhos sem medo de errar, ver não como ele está naquele momento, mas sim como ele poderá ficar depois da fotografia.
Luiz - A maioria das minhas fotos tiveram certas complicações. Seja por falta de uma iluminação adequada ou por alguma limitação de figurino e etc. Porém sem dúvidas esse ensaio foi um dos mais difíceis. Tive que fotografar em um lugar muito pequeno e achar um ângulo que a fumaça produzida pela máquina de fumaça passasse pela Luz e produzisse estes feixes, fora a limitação de equipamentos. Porém contornei tudo isso e produzi essa foto inspirada em Blade Runner.
DE ONDE SURGE A INSPIRAÇÃO PARA AS FOTOS MAIS SURREALISTAS? Luiz - Às vezes estou vendo um filme, ou ouvindo uma música e simplesmente eu penso: “E se eu fizesse um ensaio de uma menina perdida em uma floresta ?” Então eu escrevo essa ideia em um bloco de notas, e é só pensar em quem toparia me ajudar a realizar essa ideia maluca. As melhores inspirações vêm do nada.
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QUAL FOTO OU ENSAIO VOCÊ MAIS GOSTOU DE FAZER? Luiz - Muitos me perguntam Isso e minha resposta é sempre a mesma: “As que eu ainda não fotografei"(Risos). Amo todas as minhas fotografias e não tenho uma favorita.
O QUE É SER UM JOVEM FOTÓGRAFO SERTANEJO? Luiz - Para ser sincero, é bem difícil. Pelo fato de que a população da minha cidade é mais tradicional, não estão acostumados com o meu estilo de fotografia e acabam por preferir os fotógrafos tradicionais. A maioria do meu público é mais jovem e isso limita conseguir clientes, e viver da fotografia. Por isso sou fotógrafo mais por hobby do que trabalho.
CONHEÇA O PERFIL DE LUIZ DANIEL NO INSTAGRAM
O QUE É O SERTÃO PARA VOCÊ?
Matéria publicada no site em 6 de fevereiro de 2022.
Luiz - Lugar de povo sofrido e batalhador, gente que muitas vezes sofre preconceito. Embora o solo seja pobre, o Sertão é rico em beleza e em cultura e sobretudo é a minha casa. E eu amo a minha casa.
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Qualquer lugar é cenário e qualquer momento já é tempo. Seja no quintal, sentada numa cadeira entre as roupas que secam penduradas no varal, ou seja num cômodo qualquer de casa com apenas uma parede branca de fundo, o que chama mesmo a atenção é o sorriso largo, o cabelo volumoso preenchido por uma infinidade de cachos castanhos e a simpatia que ela tem quando vem nos contar uma de suas histórias. O seu melhor cenário é sempre ela mesma. As analogias simples, mas profundas, de Vitória Rodrigues têm como matéria prima as delicadezas do cotidiano, e essa simplicidade viralizou na internet. Suas palavras foram parar nos perfis de diversas figuras importantes no cenário artístico nacional, como Taís Araújo, Ingrid Guimarães, Lazaro Ramos, Tatá Werneck, Djamila Ribeiro.
Um texto de Lícia Souto
"A POESIA É MAIS QUE UMA FORMA DE EXPRESSÃO PARA MIM, É UM PROCESSO DE CURA" “Até hoje me tremo só de lembrar da emoção, porque essas pessoas são simplesmente minhas referências artísticas da vida. É muito gratificante e emocionante saber que eles sabem de mim, saber que eles também admiram o que faço. É algo que me faz acreditar que é possível e que devo continuar correndo atrás.”, comenta a artista. Mas é lá do agreste alagoano que vem tanto talento. Vitória Rodrigues cresceu em Igaci, interior de Alagoas, e é formada em Educação Física pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL), mas foi na arte que ela se encontrou. Uma semana após sua formatura, seus caminhos mudaram e ela embarcou para o Rio de Janeiro porque havia passado na escola de teatro mais antiga da América Latina, a escola Martins Penna. Para ela, a oportunidade foi um divisor de águas enquanto artista e ser humano. Ela mora no Rio há quatro anos, mas atualmente, devido as circunstâncias da pandemia do coronavírus, está em sua cidade natal aguardando um momento melhor para retornar aos trabalhos.
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“Lembro que o primeiro texto lírico que escrevi nasceu depois que vi uma peça em que o ator fazia uma cena inteira só em cordel, era um texto lindo que falava de amor, fiquei tão tocada que tive vontade de fazer também. Esse meu primeiro texto se chama "Di Cabrobró" e também era todo em cordel, mas não é exatamente um romance, é mais uma aventura regional a partir de um conto popular que eu ouvi numa aula e decidi contar aquela história. Criei uma personagem chamada Maria Clarão, que lutava para salvar sua vila de Cabrobró da fome e é ajudada por um vaqueiro que, na trama, é apaixonado por ela. Mas o foco não é o romance e sim a coragem da personagem.”. Depois do primeiro texto, ela passou a escrever mais e logo depois veio a peça ‘Nossas bocas não foram feitas só para sorrir’, que foi a peça de formatura na escola Martins Penna. A obra era uma junção de textos autorais dos atores, que tratavam sobre diversos aspectos da negritude. Todo o elenco era composto por artistas pretos. Vitória relembra o trabalho com orgulho, conta que daí em diante tomou gosto pela escrita. Ela se reconhece como uma pessoa intensa em tudo que lhe enche os olhos.
“Essa intensidade é tão forte que transborda dentro de mim através da arte, mais precisamente através da poesia. Sem ela, eu não sei como faria para vazar tanto sentimento que me preenche. Quando o mundo, as coisas e as pessoas me afetam, nada é mais libertador e mais bonito que pôr para fora os sentimentos e as angustias através da poesia, da música, enfim... da Arte. A poesia é mais que uma forma de expressão para mim, é um processo de cura também.”.
Ao observar sua trajetória, a artista relembra que o gosto pela arte sempre esteve presente - mesmo que de forma singela - na família. Os pais amam música e cultura popular, a mãe de Vitória sempre se envolveu em festas juninas, escrevia peças na escola para a filha atuar e até a colocou num trio elétrico para cantar uma música composta pela própria mãe para um comício político. A memória do pai tocando forró no terreiro da casa do tio que aprendeu a tocar sanfona sozinho – permanece vívida na mente dela. Eles sempre amaram esses movimentos artísticos, mas nunca estudaram sobre, simplesmente fluía. Vitória cresceu e essas referências cresceram junto com ela. Suas poesias falam, frequentemente, em amor, paixão e amizade. Para ela, o que faz esses laços se perpetuarem é a reciprocidade. Afeto necessita de reciprocidade para fluir. A artista acredita que muitos valores são importantes para fazer qualquer sentimento durar, mas se a troca não acontecer na mesma frequência, essa força enfraquece. E por falar em paixões, uma das grandes é o Nordeste. Ela é apaixonada pela cultura popular, pelo povo, pela natureza, por tudo que sabemos que essa terra representa. Ela diz que sua arte é totalmente inspirada por essa região riquíssima em tudo que se propõe.
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“O Nordeste é um mundo para além dos estereótipos que recebemos. Somos o Nordeste da cultura popular tradicional, do Coco de Roda, do Cordel de Patativa do Assaré, do Baião de Gonzagão e Dominguinhos, de Suassuna e seu movimento armorial. Mas somos também o Nordeste dos que reinventaram essa arte popular como Chico Science, Hermeto Pascoal, Sivuca, Caetano, Gil e tantos outros que fizeram e fazem acontecer. O Nordeste é terra fértil de genialidades em qualquer âmbito que se propõe e isso é o que me dá orgulho e que tanto admiro.”, afirma a artista. Depois de sair de Alagoas para estudar quatro anos em outra região, no Rio de Janeiro, tendo acesso e conhecendo outros movimentos culturais, pergunto o que ela considera que poderia melhorar em relação ao fomento cultural alagoano. A artista reflete que Alagoas é uma terra de muitas potências artísticas, em todos os âmbitos, mas a maior carência que ela percebe, é em relação aos incentivos financeiros. Vitória acredita que falta um olhar dos governantes para a Cultura no Estado, e não somente através de projetos e editais a níveis estaduais, mas principalmente municipal: “A cultura é necessidade básica para a formação do ser humano e isso deve acontecer do micro ao macro na sociedade. Parece utópico, mas não é! Tudo parte da vontade e da mobilização de quem, de fato, pode ajudar. É muito importante gerar uma formação de plateia, porque o artista precisa de público e as pessoas amam arte, elas só não a tem ao seu alcance efetivamente.”, finaliza.
Ao analisar a carreira, a atriz e poetisa reconhece que na profissão que ela e tantos outros artistas escolheram seguir, tem espaço para todas as criações, mas não tem oportunidade para todos. Nesse caminho, o artista bate em várias portas e leva muito não também, para ela, isso mudou um pouco a partir do momento em que ganhou mais visibilidade no perfil do Instagram. Mesmo assim, oportunidades de crescimento financeiro para viver só fazendo o que ama, ela, como tantos outros, ainda não teve. Mas para Vitória é sobre continuar procurando os espaços e ocupando, sobre acreditar nos sonhos e principalmente correr atrás deles. “Tenho músicas na gaveta só esperando a hora de gravar e lança-las. Tenho muitos planos para o futuro e estou procurando formas de fazer acontecer, permaneço com minha rotina de escrita, quero muito lançar meu livro e voltar aos palcos. Tudo isso ainda vai demorar um pouco, porque envolve mais que a minha vontade, envolve tempo, dinheiro e muito trabalho. Mas estou confiante que aos poucos tudo vai se realizar.” Se pudesse dizer algo para a Vitória Rodrigues de dez anos atrás, ela diria que continue acreditando, que vai demorar um pouquinho, mas aos poucos as coisas vão fazendo sentido. Nada vai vir de mão beijada, isso é certo, mas continue colocando os tijolos no alicerce porque só assim a construção do sonho vai tendo base e ficando segura para ninguém derrubar. Tem muita gente cruel no mundo, mas as de bom coração sempre vão estar ao seu lado te ajudando. E acredite no amor, porque ele existe.
Matéria publicada no site em 14 de novembro de 2020.
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OLHARES ALAGOANOS
Amanda Bambu
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Destaques da nossa Segunda da Fotografia no Instagram
Andréa Guido
Pedro Correia
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Vinícius Braga
Adriano Arantos
Paula Araújo
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Juarez Moraes
Jubiracy Carlos
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Nossos sinceros agradecimentos a todas e todos os fotógrafos que participaram das nossas Segundas. Arthur Celso Jorge Vieira Gabriel Lucena Filipe Albuquerque Gabi Coêlho Tayná Almeida Jon Lins Paulo Accioly Bruno Fernandes Pietro Mascagni Roger Silva Aline Oliver Gregory Aguiar Dilma de Carvalho Tony Admond
Beto Macário Alexandre Carvalho Samuel Soares Vitória Romeiro Mônica Guimarães Pei Fon Thiago Parmalat Igor Matias Nadja Barbosa Cláudia Leite Dyego Duarte Gouveinha Luiz Daniel Luan Oliveira Alberto Lima.
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PROJETO RUPTURA Foto de Jorge Vieira
Projeto Ruptura expõe drama de anos da mineração em quatro bairros de Maceió
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Um texto de Anna Sales
Maceió, 1941. Uma empresa vem em busca de petróleo às margens da Lagoa Mundaú, a mando do Conselho Nacional do Petróleo, criado durante a época em que Getúlio Vargas era presidente do Brasil. O petróleo não foi encontrado, mas outra descoberta importante foi feita: um leito de salgema, na região do bairro do Mutange, que é beirado pela Lagoa Mundaú. Apesar disso, as empresas não deram valor à descoberta. Mas o empresário baiano Euvaldo Luz viu potencial na exploração. Porém, apenas em 1965 ele pôde começar os estudos geológicos, pois anteriormente a concessão para exploração era de um grupo internacional. Em 1966, surge a Salgema Indústrias Químicas Ltda, mas apenas dez anos depois, em 1976, é que o material começa a ser explorado. Uma fábrica para extrair a sal-gema e transformá-la em cloro e soda cáustica foi criada no bairro do Pontal da Barra. Desde então, a Salgema passou por duas mudanças: em 1996, com a mudança de administração, passou a se chamar Trikem. E em 2002, a Trikem se funde com outras empresas e passa a se chamar Braskem. A Braskem hoje conta com a Petrobrás e a Odebrecht como sócias majoritárias. Fevereiro de 2018. Após fortes chuvas ocorridas em Maceió, misteriosas rachaduras começaram a aparecer em casas e prédios no bairro do Pinheiro, que fica na parte alta da capital. Geólogos e engenheiros começaram a estudar o que poderia ter causado essas rachaduras em diversos pontos do bairro. Em março, novas chuvas e mais um susto: um tremor de terra de magnitude 2,5 foi sentido no Pinheiro e em dois bairros próximos: Bebedouro e Farol. Um ano depois, em 2019, os bairros do Mutange e Bebedouro, que são vizinhos ao Pinheiro, começaram a apresentar rachaduras em várias residências. E em julho do mesmo ano, moradores do Bom Parto, que também é próximo desses bairros, denunciaram o aparecimento de rachaduras em algumas residências. Após diversos estudos feitos pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM) e pela Defesa Civil, foram identificadas três principais fissuras, cada uma com cerca de 1,5 km de extensão, afetando 2.480 moradias somente no Pinheiro. Estudos da CPRM concluíram que a extração de sal-gema, feita pela mineradora Braskem, na região onde existiam falhas geológicas provocaram a instabilidade no solo.
Cartum de Ênio Lins. Foto: Reprodução/Tribuna Hoje
Apesar dos estudos, a Braskem não acreditava ser responsável pelo problema. Mas uma charge de 1985, feita pelo jornalista Ênio Lins e uma reportagem dos ainda estudantes de jornalismo, Mário Lima e Érico Abreu, já alertavam para o problema da extração da sal-gema. A empresa Salgema mostrou à época aos estudantes que quando se extrai o sal das cavernas subterrâneas, elas ficavam vazias e eles colocavam água para encher, mas com o tempo, poderia haver movimentação e abalos sísmicos. De 2018 até 2021, diversas casas e prédios foram desocupados e alguns foram demolidos nos quatro bairros afetados pelas rachaduras. Um mapa com as áreas para desocupação e de maior risco foi criado, e a cada novo estudo, a área a ser desocupada só aumenta. 15 poços para a exploração da sal-gema que ficavam nos bairros foram desativados. A Braskem realizou um programa de compensação financeira e apoio à realocação, mas alguns moradores dizem que não receberam a indenização ou o valor foi baixo. As ruas parecem pertencer a um bairro fantasma ou a um cenário de guerra. Em várias paredes das casas que foram desocupadas, há palavras que expressam a dor e a revolta de famílias que viviam há anos nos bairros.
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A partir dessa inquietação, surgiu o Projeto Ruptura, que é formado por 12 fotógrafos alagoanos, dentre eles, três fotógrafas diretamente impactadas pelo problema com as rachaduras. A ideia partiu da fotógrafa Andréa Guido, moradora do bairro do Pinheiro, que sugeriu ao fotógrafo Jorge Vieira que ambos encabeçassem um projeto que mobilizasse fotógrafos que quisessem documentar a tragédia socioambiental, que está em curso nos quatro bairros. Inicialmente, as fotografias foram expostas em lambe-lambe em dois pontos estratégicos: na Praça Lucena Maranhão, em Bebedouro, e na Rua José da Silva Camerino, no Pinheiro.
“Queríamos que as imagens estivessem ao alcance dos olhos dos passantes, num acesso democrático e fácil, e sabíamos que a foto impressa provoca uma interação mais emocional em quem a vê. No site, por sua vez, além das fotos que estão nas vias públicas, também expomos informações sobre os fotógrafos envolvidos, e suas impressões como participantes do projeto, o que enriqueceu o Ruptura.”, conta Jorge Vieira. No início de 2019, Jorge Vieira tinha realizado um projeto chamado “Pinheiro – bairro de vidas rachadas”, no início do agravamento das rachaduras, que ainda estavam restritas ao bairro do Pinheiro. “Ainda não havia desocupações, então apenas anunciadas, e a abordagem fotográfica foi em torno dos dramas familiares, e sua perspectiva de terem que se afastar dos parentes, dos amigos, dos vizinhos de tanto tempo, daí o título “vidas rachadas”.
Os moradores ainda não tinham noção exata da dimensão que o problema tomaria, com a total remoção de todos das áreas atingidas. Este quadro foi o encontrado quando da realização do projeto “Ruptura” que, além do Pinheiro, envolveu os bairros do Bom Parto, Mutange e Bebedouro. Nesse momento, o cenário foi bem mais desolador, com moradias em escombros, pontos comerciais fechados e muitos moradores já removidos. Encontramos muitas marcas das vidas deixadas para trás. O impacto imagético teve uma dimensão muito maior, com o registro dos sonhos abandonados, das saudades esquecidas, dos rumos incertos.”, conta. E no meio desse cenário de destruição, alguns moradores ainda resistem. É o caso de Andréa Guido, que desde 1985 mora no mesmo condomínio, no bairro do Pinheiro. “O sentimento de ainda ser moradora é terrível e avassalador, basta olhar da janela do quarto durante o dia para ver as casas e prédios sem telhados, portas e janelas ou quando anoitece, perceber uma escuridão e um silêncio absurdo! É como se aos poucos essa destruição pudesse nos alcançar e não temos poder para deter tanta destruição. E em todos esses anos morando aqui, são muitas lembranças que carrego comigo. Minha adolescência cercada de amigos, as festas de São João, a segurança do meu prédio, mas as melhores lembranças estão diretamente relacionadas a família, como o nascimento da minha Filha Ana Beatriz há 25 anos e dos meus sobrinhos João, Bruninho e Matheus. Além de poder acompanhar o mais perfeito pôr do sol. Além disso, quando sai um novo mapa, vemos que a área só vem aumentando. É um misto de sentimentos, se entramos no mapa ficaremos sob o jugo da empresa e sua equipe técnica, se não entramos no mapa vamos ficando cada vez mais isolados. É como eu disse no início, a cada dia que passa o bairro vai ficando cada vez mais absurdamente silencioso.”, conta.
Imagens na Rua José da Silva Camerino, no Pinheiro.
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E no meio desse cenário de destruição, alguns moradores ainda resistem. É o caso de Andréa Guido, que desde 1985 mora no mesmo condomínio, no bairro do Pinheiro. “O sentimento de ainda ser moradora é terrível e avassalador, basta olhar da janela do quarto durante o dia para ver as casas e prédios sem telhados, portas e janelas ou quando anoitece, perceber uma escuridão e um silêncio absurdo! É como se aos poucos essa destruição pudesse nos alcançar e não temos poder para deter tanta destruição. E em todos esses anos morando aqui, são muitas lembranças que carrego comigo. Minha adolescência cercada de amigos, as festas de São João, a segurança do meu prédio, mas as melhores lembranças estão diretamente relacionadas a família, como o nascimento da minha Filha Ana Beatriz há 25 anos e dos meus sobrinhos João, Bruninho e Matheus. Além de poder acompanhar o mais perfeito pôr do sol. Além disso, quando sai um novo mapa, vemos que a área só vem aumentando. É um misto de sentimentos, se entramos no mapa ficaremos sob o jugo da empresa e sua equipe técnica, se não entramos no mapa vamos ficando cada vez mais isolados. É como eu disse no início, a cada dia que passa o bairro vai ficando cada vez mais absurdamente silencioso.”, conta. Apesar de ter tido a ideia do projeto, Andréa relata que é muito difícil tirar fotos quando passa nas ruas do Pinheiro, pois é tomada por um sentimento de tristeza e abandono. “Quando estava fotografando para o Ruptura, o mais difícil foi registrar as pessoas que iriam deixar suas casas para trás. Cada rua, cada casa, cada prédio, tem seu impacto. Mas o maior deles foi quando vi e registrei a demolição dos prédios do Jardim Acácia e os vários caminhões de mudança saindo do bairro. Esse é um trabalho que me traz um grande misto de emoções, tanto pelo que foi por mim produzido quanto pela visão do grupo que também imprimiu seu olhar a tudo o que está acontecendo. Ter as fotos nas paredes do Pinheiro e Bebedouro, assim como no site do Projeto Ruptura é uma sensação de colocar devidamente registrado na história de Maceió o que vem acontecendo nos cinco bairros afetados pela mineração. A importância do Ruptura é de luta e alerta! Todos precisam saber o que está acontecendo, afinal, os bairros estão fadados a desaparecerem do mapa.”, relata.
Foto: Andréa Guido
No início de janeiro de 2021, Ana Paula Silva teve que deixar a casa que viveu durante 25 anos no bairro do Bebedouro. Com tanto tempo morando no bairro, Ana Paula conta que a melhor lembrança que carrega do local são as pessoas: “O vínculo com os vizinhos, colaboradores dos mercados onde comprava, o cabeleireiro que eu ia. Eles são as mesmas pessoas que durante todos os anos convivi, conversei, sorri e até chorei. Esses valores não tem preço. O sentimento ao sair foi de que estava sendo punida por algo que não fiz. E essa punição foi a expulsão da minha própria casa.”, conta. Sobre o convite para participar do Projeto Ruptura, ela diz que ficou muito grata com a oportunidade: “Quero que ‘milhões’ de pessoas sintam através das nossas imagens o que passamos, o que fomos obrigadas a deixar para trás. Ao tirar as fotos, em todas as residências que entrei para capturar as imagens percebi e tive um pesado sentimento, como ser expulso se não temos culpa do que aconteceu? Sorrindo? Não. Ninguém sai sem um sentimento de ódio no coração. Objetos deixados para trás contam a história de várias famílias, destruídas psicologicamente. Foi bem difícil tirar as fotos, as ruas estavam vazias, sem vida,só destruição de todos os lados. As pessoas precisam ser mais unidas umas às outras, em especial nesse desastre, que não é só para quem viveu nesses quatro bairros mais de Maceió. Mas para isso, o conhecimento é fundamental”, relata.
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Com o Projeto Ruptura, Ana Paula espera denunciar o que uma ação desenfreada de uma mineradora pode causar a um estado. Ela diz que gostaria que a empresa fosse expulsa do estado, mas sabe que isso é quase impossível de acontecer. Então, ela diz que resta confiar nas autoridades, para que elas sejam mais rigorosas na fiscalização. Há 24 anos, Dilma de Carvalho saía da casa dos seus pais, no bairro do Pinheiro, para ir para sua casa própria. Ela relata que apesar de sair do Pinheiro, o bairro nunca saiu da vida dela, pois os pais e os avós ainda moravam no bairro. Ela guarda boas lembranças da época em que morava lá. “Minhas melhores lembranças são da vida pacata, sentar na porta à noite para conversar com os vizinhos, estudar no Grupo Escola Prof. Sebastião da Hora, na Pitanguinha e voltar para casa com a professora que era minha vizinha de frente, nossa tia Salete. Na adolescência, ser membro da Comunidade Jovem de Nazaré (CJN), estudar no CEPA, andar a pé até o Sanatório para encontrar amigos, bater papo na Pracinha Arnon de Melo e curtir as festas juninas do Conjunto Divaldo Suruagy. Inclusive, o local difícil que fotografei para o Projeto RUPTURA foi o Conjunto Divaldo Suruagy. Ver os prédios vazios, toda a vida comunitária em ruínas foi uma dor que não sei dimensionar. Recentemente fotografei a Igreja da minha CJN em ruínas.”, conta. Para Dilma, o sentimento ao passar nas ruas dos bairros é de profunda tristeza. “Ao me deparar com um cenário de guerra, o primeiro sentimento é de profunda tristeza. Depois vão se associando a esse sentimento de revolta e de necessidade de gritar ao mundo, de exigir responsabilidade dos poderes públicos e privados. Hoje impera mais o sentimento de exigir Justiça e de dar voz às vozes emudecidas pela tristeza e pela depressão, que afeta os exmoradores dessas localidades.
Foto: Ana Paula Silva
A fotografia sempre cumpriu esse papel de denunciadora. Nós, do Ruptura, temos o intuito de que nossas fotografias ganhem o mundo e possam documentar, e mais, denunciar, e deixar para registros históricos futuros o que foram esses bairros, a importância deles para as vidas dos seus habitantes e para a economia, cultura e demais vieses históricos-sociais. Também queremos gerar mais empatia em quem pensa que não será afetado por essa tragédia. O Ruptura cumpre o papel de denunciar, porém, tudo é feito com muita empatia, respeitando as dores, os momentos individuais de cada morador, de cada ser humano que se identifica como um expulso de seu chão, sem ter sua voz ouvida. Através da arte fotográfica, se mostra o íntimo da dor e a maldade da ganância financeira.”, relata.
Foto: Jorge Vieira
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Foto: Dilma de Carvalho
Jorge Vieira, que encabeçou o projeto, diz que o Ruptura tem como uma de suas premissas levar ao conhecimento da sociedade como um todo, a dimensão da tragédia humana, ambiental e econômica, e também social, que está sendo vivida nos bairros atingidos pelas rachaduras da Braskem. Para ele, a divulgação do conteúdo visa estimular que os demais maceioenses sintam como sua essa problemática. Segundo Jorge, o “Ruptura” gera nele um misto de tristeza, indignação e revolta, numa ‘costura’ de solidariedade com as pessoas atingidas. No que a câmera registra escombros, ele diz ver histórias violentadas, sonhos desfeitos, vidas esvaziadas. Para ele, as rachaduras que dividem o solo e destroçam as moradias, também quebram a dignidade de uma gente tratada aos empurrões em deixar seus lugares para trás.
“Apesar da satisfação de ver um ciclo cumprido, fica a sensação de impotência, de que todo o esforço e dedicação têm força mínima diante do poder econômico e político que controla toda essa situação, em detrimento dos interesses dos moradores atingidos. Não obstante, sinto-me oxigenado por estar alinhado com o papel sociopolítico e cultural da fotografia, é recorrente a sensação de impotência, incrementada pela indignação frente ao trato impessoal dado às vidas atingidas. De todo modo, o Ruptura é uma contribuição para que se mantenha pulsante a atenção sobre a tragédia das rachaduras, na expectativa de que a gente afetada seja minimamente atendida em suas reivindicações com base na dignidade. O projeto Ruptura me possibilitou estabelecer mais uma vez conexão com esse drama humano que todo maceioense deve tomar como seu.
“Minha solidariedade a essa gente que merecia levar suas vidas conforme seus sonhos e vontades.”, finaliza.
Matéria publicada no site em 28 de fevereiro de 2021.
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NÃO É UM FENÔMENO GEOLÓGICO, GRITA A FOTOGRAFIA Coluna de Jorge Vieira para a Revista Alagoana.
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Opinião Em 03 de março de 2018 foi sentido um tremor de terra em Maceió, com mais intensidade no bairro do Pinheiro. Era o sinal de que a extração de sal-gema por mais de quatro décadas, pela mineradora Braskem, estava chegando às suas consequências mais trágicas. Depois de inúmeras pesquisas, a Ciência confirmou que de fato as minas escavadas no subsolo de Maceió estavam fazendo o chão ceder em áreas de cinco bairros. Não havia conhecimento técnico nos quadros da mineradora que avaliasse o risco, ou a probabilidade, de isso ocorrer um dia, bem como nos órgãos a que o acompanhamento e fiscalização couberam nesses longos anos? Assim, sinaliza inconsistente nomear o fato como “fenômeno geológico”, como busca convencer a Braskem em suas mídias, colocando-se como benfeitora e não como responsável por esse que é avaliado o maior desastre socioambiental urbano da história do Brasil. Hoje se contabiliza cerca de 55 mil pessoas afetadas - moradoras dos bairros onde o solo afunda, onde as rachaduras instabilizam as edificações -, que tiveram que abandonar seus lares. A Fotografia esteve, e está presente acompanhando e documentando essa tragédia humana, no que registro dois projetos que produziram, e ainda produzem, farto material imagético para informação e reflexão quanto à história que está sendo escrita na vida dos atingidos pelas rachaduras. O projeto “Pinheiro – bairro de vidas rachadas” e o projeto “Ruptura”. O primeiro, realizado entre novembro de 2018 e março de 2019, pelos fotógrafos Arthur Celso, João Facchinetti e Jorge Vieira, resultou em exposições instaladas no Centro de Maceió, e em um minidoc.
“Já o “Ruptura”, formado por 12 fotógrafos/as alagoanos/as, iniciou em setembro de 2020 e ainda segue realizando suas ações, a última delas a intervenção urbana “Finados Bairros”, quando foram instalados nas areias da praia da Pajuçara, dia 02.11.21 – dia de finados - varais com 800 lenços com imagens impressas retratando cenários da devastação provocada pela mineração. Os dois projetos tiveram extratos presentes no longa “A Braskem passou por aqui”, do cineasta Carlos Pronzato, lançado recentemente. A Fotografia, assim, ainda que na dimensão de documento, lança seu olhar para além das fissuras físicas e/ou geológicas, revela e enfatiza a abrangência humana desse desastre socioambiental, e avessa os sugestivos benefícios e explicações da mineradora que escavou em aparente descaso por mais de quarenta anos sob as vidas de maceioenses. Com o vigor de quem se solidariza com os milhares de moradores afetados com o afundamento do solo, esses/as fotógrafos/as das Alagoas fazem suas câmeras gritarem: “Não é um fenômeno geológico!”
Coluna publicada no site em 13 de novembro de 2021.
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A ENERGIA JOVEM COM O SABER DE UM UM MESTRE POPULAR EM PORTO DE PEDRAS/AL a REVISTA ALAGOANA TRAZ o perfil de Thiago Souza
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Um texto de Bertrand Morais
Thiago ao lado das máscaras que dão sentido ao carnaval dos Bobos em Porto de Pedras/AL. Foto: Bertrand Morais
Por volta do meio dia de um sábado, sou buscado na pousada onde eu havia me instalado por Thiago Souza, propagador da tradição mascareira, especialmente, após a morte do mais conhecido Mestre dessa arte na região. Em meio à primeira onda da pandemia de Covid-19, em meados de julho de 2020, Mestre Gilberto da Silva falecera, aos 71 anos, em decorrência de infarto. Foi-se o mestre, mas seu legado permanecera vivo através de seus filhos Luciano e Luciana. Guiado por mototaxista chego à casa da família Silva acompanhado de Thiago na garupa de outra moto. Assim, chegamos ao Povoado de Tatuamunha – o primeiro conglomerado urbano da cidade de Porto de Pedras – no qual é uma espécie de boas-vindas àqueles que nela chegam durante o percurso da Rota Ecológica dos Milagres. Contrariando a época chuvosa do ano, fazia certo calor em meio a um dia ensolarado com muitas nuvens. Nessa mesma vibração, fomos recebidos de forma simples e calorosa pelos irmãos Luciano e Luciana, filhos de Mestre Gilberto, e a viúva Dona Luíza. A casa da família é marcada pela cores paredes de predominância laranja, porta e janela externa azuis - e máscaras de cores diversas, porém sempre vibrantes.
ELá, pude ter a oportunidade de ouvir deles como era feita a confecção das máscaras – de forma artesanal e reciclável, já que utilizam-se também de papéis de livros escolares vencidos e doados – além de goma de mandioca, pincel, cola, tinta óleo, entre outros materiais; o inverno alagoano prejudica-os com a diminuição dos dias ensolarados, os quais são necessários na secagem das máscaras por dias expostas ao sol.
Máscaras confeccionadas pelos filhos do Mestre mascareiro. Foto: Bertrand Morais
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“Depois da visita de Celso Brandão ao nosso pai ainda quando éramos crianças, as pessoas passaram a conhecê-lo e comprarem suas máscaras. Ele nunca parou de fabricar máscaras mesmo quando doente. Hoje somos nós, um moldando e outro pintando”, e acrescentam “isso é uma forma de reviver lembranças do nosso pai” dizem os sucessores da tradição. Orgulham-se em dar continuidade ao legado do pai. Também são gratos a Thiago por todo apoio oferecido em vida, mas especialmente, após o falecimento do Mestre mascareiro autodidata, que antes de partir, fez seu filho Luciano prometer em dar seguimento à tradição. Hoje, onde ele estiver, deve estar contente, por ver um futuro ateliê sendo erguido ao lado da casa da família e toda mobilização feita por Thiago e outras pessoas, que querem ver a cultura das máscaras com seu devido protagonismo. Em seguida, próximo dali, fui conhecer um charmoso e pequeno imóvel, o qual está alugado por Thiago que também é sociólogo para ser sede de algo ainda indefinido, nas palavras dele. Porém, por aqui já são guardados tesouros da comunidade: máscaras em tamanho humano que vestem da cabeça até o tronco (o detalhe é que foram feitas pelo ilustre Mestre Gilberto entre os anos 80 e 90). E, claro, são preservadas como forma de memória comunitária, onde dinheiro algum as compram.
Alguns dos planos de Thiago, hoje com 30 anos, são materiais como a construção de um memorial para a cultura mascareira de sua cidade natal, Porto de Pedras, e o resgate de grupos culturais desativados da região. Mas, inserido nesses planos, está um desejo dele simples e complexo: trazer integração da comunidade com as produções culturais locais. E, caso isso ocorra, Porto de Pedras não será apenas vista como um destino de praias paradisíacas, mas também de efervescência artístico-culturais inesquecíveis para quem apreciá-las.
“A minha vida meio que tomou um norte diferente quando passo a despontar mais para seu [Mestre] Gilberto para tentar resgatar a cultura dos Bobos na cidade. Foi um divisor de águas para mim”, relembra Thiago durante nossa caminhada pelo povoado Tatuamunha. O citado Mestre Nô das Cambindas de Porto de Pedras, no mesmo mês da veiculação da matéria, tornou-se Patrimônio Vivo do estado de Alagoas; uma alegria para a militância cultural. E no atual ano, o entrevistado da matéria, Thiago Souza, também tomou posse como Presidente do Conselho Estadual da Juventude abrindo seu ateliê em sua cidade natal, e na capital em parceria com o Museu Théo Brandão, Celso Brandão e Maceió Shopping, inaugurou exposição até o dia 06/03 sobre a cultura mascareira denominada “O Reino dos Bobos”. Vão conferir!
Matéria publicada no site em 14 de agosto de 2021.
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REDESCOBERTA DE SI
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Um texto de Gabriely Castelo
As irmãs Buarque encontram no Pole Dance novas versões de si LReencontro. Diversão. Realização. Reinventar. Sentir. Movimento. Liberdade. Expressar. Acolhimento. Mulheres que dançam. Podemos ver essas palavras pintadas na parede do estúdio da Casa Ello assim que entramos. Para muitas pessoas o pole dance e o twerking, como toda a dança, é muito mais do que o ato de sensualizar e sim uma forma de se expressar. O pole tem empoderado mulheres por todo o mundo, elas procuram cada vez mais a atividade em busca do aumento da autoestima e também do condicionamento físico. A atividade gera muita curiosidade e ainda é muito estigmatizada, principalmente por quem pensa que a dança está ligada somente a sensualidade. Se você pensa isso, está totalmente enganado. Meninas que praticam a modalidade relatam o aumento da flexibilidade, melhora do sono, queima de calorias, melhora da autoestima, fortalecimento muscular e por último, mas não menos importante, o equilíbrio que é gerado pelos saltos e movimentos na barra. Em Maceió, mais especificamente no bairro do Barro Duro, o estúdio de dança Casa Ello surgiu da paixão de duas irmãs pela dança, Gabriela e Nanna Buarque. Foi um projeto pandêmico, iniciado no começo de 2020, que tinha como objetivo falar sobre autoestima e acolhimento às mulheres. Gabriela tem 25 anos e é arquiteta por formação, mas foi no pole dance que encontrou sua paixão, hoje estuda educação física aperfeiçoando suas habilidades atléticas, enquanto Nanna, sua irmã caçula, de 23 anos é graduanda de Dança na UFAL. “Eu sempre gostei muito de coisas acrobáticas, já admirava muito o pole dance, mas só por vídeo na internet, nunca me visualizei fazendo.” conta Gabriela.. A instrutora e co-fundadora da Casa Ello começou o pole dance 2 anos atrás, levada a outro estúdio por sua irmã, que era professora de twerking, estilo de dança concentrado nos quadris e agachamento. Nanna logo começou a praticar pole, o que despertou interesse de Gabriela.
Foto: Gabriely Castelo
“Uma curiosidade é que eu já tinha um pole em casa há cinco anos, eu tinha muita vontade de fazer, mas na época não existia nenhuma aula ou curso online, então ficou de enfeite por um tempo até começar a ser usado um ano depois que eu estava praticando, e aí eu comecei a praticar pole dance, foi amor à primeira vista, juntou a paixão que eu tinha pelo esporte com a que eu estava descobrindo pela dança, um processo que descobri depois do pole dance” complementa Gabriela.
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“A gente mudou muito por conta da dança, o que a gente era durante nossa adolescência, a nossa autoestima mudou muito, a forma como a gente se enxergava mudou muito, consequentemente a forma como a gente reagia em relação aos outros, as coisas que a gente aceitava e o trabalho corporal virou essa chave pra gente, da gente entender qual o nosso lugar, entender o que a gente merece, se dar o direito que a gente merece” complementa.
CONFRONTANDO OS OBSTÁCULOS Segundo a mesma, desde que começou a prática não conseguiu mais parar, começou a dar aulas e depois de um ano e meio de preparação, começou a ensinar, fazer mais cursos, buscar aprender cada vez mais, com um ano e meio de prática as meninas abriram o próprio espaço. Nanna explica que no meio da pandemia, as irmãs já estavam envolvidas na linguagem de trabalho corporal, desde a infância sempre fizeram tudo juntas, ginástica rítmica lado a lado, tudo aquilo que fizeram crescendo, foi juntas. “Quando entrei para a dança, naturalmente a Gabriela veio também e a gente foi caminhando lado a lado, a galera sempre gostava quando postamos coisas juntas como irmãs, porque compartilhamos dessa paixão” afirma Nanna Buarque. E por fim, em outubro de 2020, a Casa Ello ganhou um espaço físico. O objetivo da Casa Ello é de construir um espaço de acolhimento para as mulheres, sendo um espaço para que elas possam além de praticar um exercício físico, se permitir testar coisas novas, poder tentar novas experiências.
Mesmo com o desafio físico, a modalidade vem conquistando e recrutando mulheres. Mas, por ser uma atividade que exige pouca roupa, muitas meninas ainda se sentem inseguras. “Existe muita dúvida, principalmente se tem um tipo corporal necessário para fazer pole dance, se precisa ser magra, se precisa já ter força, se precisa ser uma pessoa flexível, na prática você não precisa de nada, só se permitir, vir e aprender. Trabalhamos muitas travas corporais, não é preciso usar tanta força assim e a força que você precisa vai adquirindo ao longo do tempo", estabelece Gabriela. Para praticar o pole dance, é necessário lembrar as condições, ou seja, para praticá-lo perfeitamente é preciso usar pouca roupa, pois a barra necessita de atrito com o corpo.
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Hillary Sampaio, aluna de pole dance no estúdio, conta que procurou a modalidade porque sempre achou exercícios normais e academia tediosos. “Na época que me interessei achei outro estúdio que ainda existia em Maceió e ficou, nunca mais parei” explica a aluna. Uma das alunas, Bruna Moura, estudante de fisioterapia, conheceu Gabriela através de uma amiga em comum, enquanto a mesma praticava em outro estúdio, continuou acompanhando a pole dancer, sempre com vontade de iniciar, mas adiava por morar em Rio Largo. “Eu ficava sempre adiando o início, mas não teve jeito, pensei “vou ter que me locomover de lá pra cá” e estou aqui na minha segunda aula” explica Bruna com os olhos apertados dando o sinal de um sorriso por baixo da máscara. “Fisicamente, o pole puxa muito do físico, dá dor muscular no outro dia, você sente musculatura que nem sabia que existia, depois vem as marcas maravilhosas que o pole deixa, mas estou gostando muito” finaliza Bruna.
A atividade tem transformado a vida de muitas meninas e mulheres, inspirando-as cada vez a fazerem as pazes com o espelho no processo de aprendizado e acolhimento, uma das principais filosofias do estúdio. “Muitas das meninas que chegam aqui, mesmo as que se acham muito bem resolvidas, mesmo que achem que tem uma autoconfiança muito bem construída, ainda trazem esse peso da vergonha (...) Quando elas chegam e encontram outras mulheres, que estão ali no mesmo lugar que elas, que estão colocando elas pra cima, que estão vibrando com as conquistas delas, que ela também está vibrando com a conquista das amigas, se forma esse vínculo, que é uma grande parte do processo de ajudá-las a se permitir, fazê-las se sentirem confortáveis o suficiente, para por exemplo, na primeira aula vir de shortinho e nas próximas ver que está tudo bem vir de calcinha, vai ficando mais tranquila, mais a vontade e a transformação vai acontecendo assim” finaliza a co-fundadora Nanna Buarque.
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FEEDBACKS DO NOSSO TRABALHO
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FEEDBACKS DO NOSSO TRABALHO
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Nossos sinceros agradecimentos aos colunistas e colaboradores que passaram por aqui. Pedro Firmino Theo Sales Aldine de Souza Jorge Vieira Emmerson Duarte Madson Costa João Victor Maciel Nathália Bezerra Wilson Smith Kessiane Lopes Carol Amorim Kamila Neri João Vitor da Costa Rolderick Leão Vanderlei Tenório Vitor Leite Pedro Vianna
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