Revista Neo Mondo - Edição 39

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OS VÁRIOS PARAÍBAS Assim como Minas, o Paraíba não é um só, são vários e essa variedade não foi levada em conta pelo estudo do Cobrape No lado paulista os debates mais institucionalizados estão centrados no CBH-PS Comitê de Bacia Hidrográfica do Paraíba do Sul, o órgão tripartite que reúne representantes dos prefeitos municipais, da sociedade civil e também do Estado. Atualmente a gestão da bacia é feita por este comitê dentro de uma política de participação instituída pela Lei Federal n.° 9.433/97. Quem fala à NEOMONDO pelo comitê é Luiz Roberto Barretti, seu vice-presidente. Ele alerta que o estudo inicial da Secretaria de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo ignorou dois fatores que inviabilizam uma possível transposição das águas do rio Paraíba: 1) o relatório preliminar continha dados defasados sobre a qualidade das águas do rio e 2) também ignorou o comprometimento que a bacia já tem com a metrópole do Rio de Janeiro. O técnico explica que “no que se refere à qualidade das águas do Paraíba, o trecho entre São José dos Campos e Guaratinguetá já caminha para um reenquadramento negativo, caindo da classe dois para classe três. Em determinados trechos já há restrição para consumo humano. Duas cabeceiras Como confirmando a imagem de Dom João sobre o rio picotado, Barretti lembra que o estudo da Cobrape “peca também por supor que a bacia é uma coisa só, uniforme. Não é. Há as cabeceiras, há as barragens, há depois o médio Paraíba, correndo em áreas densamente povoadas e industrializadas, o baixo Paraíba, etc... (Nota da redação: o Paraíba é formado pela junção de dois rios, o Paraitinga e o Paraibuna, cada um nascendo em dois lugares diferentes, um em Areias e outro em Cunha. Assim, o Paraíba teria, na verdade, duas cabeceiras), Barretti exemplifica dizendo que “se o estudo concluísse por colocar a torneirinha, digamos, em Queluz, já na divisa com o Rio, se a transposição se desse ali, não estaríamos discutindo. O problema é que eles (entenda-se, a macro-metrópole) estão querendo pegar a água antes da gente usar, lá em cima. Eles tiram lá e depois vem Jacareí, São José dos Campos, Taubaté...outra conurbação. O que teremos de reserva?

Santa Branca produz 40 metros cúbicos por segundo, se tirar 10 m3/s ou 10 mil liros por segundo dela, fica com 30 mil litros/segundo ou 30 m3/s, insiste o técnico. E não será realimentada, não haverá reposição se não fizer as cabeceiras produzir mais água. Em fio de navalha Barretti diz ainda que, da forma como os dados foram apresentados colocam a bacia do Paraíba como uma das potenciais doadoras de água da macro-metrópole em razão da proximidade, do potencial de abastecimento e do baixo custo da obra de transposição, mas não considerou a disponibilidade de nossas demandas e obrigações. Os analistas nem levam em conta o fator econômico, quantos empregos deixarão de ser gerados no Vale. Ele explica que “o Vale do Paraíba vislumbra para os próximos anos um período de bons ventos desenvolvimentistas. Vem aí todo o investimento em torno do Pré-Sal com obras já em andamento na modernização da Revap -a refinaria situada em São José dos Campos, tem a implantação do Trem de Alta Velocidade que cortará toda a região, a modernização da FAB que vai exigir muito da Embraer, tudo isso atraindo, sem dúvida, mais moradores. E desenvolvimento sem água não existe. Os bons ventos da economia demandam mais recursos hídricos”, diz ele. Para o diretor do CBH-PS “o rio Paraíba ainda não está na situação em que se encontra o sistema Piracicaba, Capivari, Jaguari mas com o desenvolvimento que se vislumbra ele estará numa situação crítica ou de fio de navalha, tanto do ponto de vista de vazão -se pode secar ou não- quanto da qualidade da água, mesmo com novas estações de tratamento de esgoto”. E mais: nossas bacias todas nesse entorno de 200 km, são interdependentes. Quem mora em São José dos Campos, a 90 km de São Paulo, sabe que se choveu na Capital, uma hora depois chove aqui e, vice-versa, se não chove lá também ficamos sem chuva aqui. Na hora da escassez, aqui também vai faltar e a falta vai ser pra mim e para eles. No fim, acabamos ficando com as sobras”, conclui. Um rio que seca O diretor de Operações da empresa de água e esgoto (SAAE) de Jacareí, Stelio Ma-

Rio Paraíba do Sul Trecho de Caçapava - São José dos Campos chado Loureiro Filho, entrevistado pela TV Vanguarda, afiliada regional da Rede Globo, chamou a atenção para a marcação de uma régua fincada na beira do rio, visível de sua sala de trabalho. Ele explica que o nível do rio não segura mais os níveis que tinha há vinte anos. Segundo ele, o nível ficava em torno de 70 centímetros na parte mais baixa. Já chegamos a ficar com 5, 4 centímetros”, diz. “Então houve uma perda muito grande no nível do rio”, completa. No registro do SAAE de dez anos atrás, a régua marcava 68 centímetros. Em dezembro último marcava 17 centímetros. Há épocas em que ela quase seca, o que já aconteceu pelo menos três vezes desde dois mil e três. Vem daí a falta d’água. Foi o que ocorreu em março de 2009. O nível do Rio Paraíba depende de dois fatores: chuva e vazão na represa de Santa Branca. De lá saem, normalmente, 40 metros cúbicos de água por segundo. De acordo com o primeiro estudo, se forem retirados 5 metros cúbicos por segundo, a queda seria de 35 metros cúbicos por segundo. Nessa circunstância, Jacareí não consegue manter funcionando as duas bombas de captação. “Isso é muito preocupante”, diz Loureiro Filho. Neo Mondo - Janeiro 2011

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