Neomondo 29

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Natascha Trennepohl

Correspondente especial de Berlim – Alemanha

Discurso conveniente: negando o aquecimento global

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esmo com todos os estudos científicos, as reportagens e as campanhas presentes na mídia nacional e internacional alertando para as catástrofes naturais que podem acontecer se a temperatura do planeta subir 2º C na próxima década, ainda é possível encontrar pessoas negando o aquecimento global e afirmando que as mudanças na temperatura do planeta são comuns e já aconteceram em outras épocas. Recentemente, o escândalo causado pela divulgação de e-mails pessoais de alguns cientistas de uma conceituada universidade na Inglaterra jogou mais lenha na fogueira. Hackers invadiram os computadores do centro de pesquisa em mudanças climáticas da universidade e divulgaram trechos de e-mails de alguns cientistas, citados fora de contexto, sugerindo que esses cientistas estariam divulgando apenas informações que sustentassem as suas teorias sobre o aquecimento global. Em resposta ao incidente, vários cientistas britânicos divulgaram uma declaração na qual sustentam a teoria de que o aquecimento global é causado principalmente pelas atividades humanas, em consonância com o 4º relatório do IPCC (Pai-

nel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). O IPCC foi criado pela ONU e é responsável pelo estudo de temas ligados às mudanças climáticas. A criação da impressão de que existe um debate na comunidade científica sobre o aquecimento global é usada como estratégia para justificar a omissão. Assim, acaba sendo conveniente para alguns governos e setores industriais questionar a veracidade dos dados científicos relacionados com o aquecimento global, pois as ações de mitigação, como a redução de emissão de CO2, podem ser postergadas. Dessa forma, o debate muda o foco e ao invés de serem discutidas ações de adaptação e mitigação, acaba sendo discutido se o aquecimento no planeta é realmente causado pela intervenção humana. Para identificar quem sai ganhando com essa estratégia, basta ver quem está financiando os grupos de cientistas que contestam a influência humana no aquecimento global. Destacar os interesses por trás daqueles que negam as mudanças climáticas é a tática usada por James Hoggan (no livro Climate Cover-up) para revelar o grande lobby por trás das campanhas que tentam convencer o público

de que o aquecimento global não está provado e que não há razão para serem adotadas medidas de mitigação. Essa abordagem do tema serve para confundir a sociedade e influencia diretamente as pesquisas de opinião pública. Por exemplo, nos Estados Unidos, é comum encontrar ainda nos dias de hoje, muitas pessoas contestando o aquecimento global. Isso diminui a cobrança para a adoção de medidas de redução de emissões, bem como enfraquece o apoio popular para o financiamento nos países em desenvolvimento de projetos voltados para combater o aquecimento global. Uma prova disso são as pesquisas de opinião que mostram que os europeus são mais favoráveis do que os norte-americanos ao financiamento de medidas de adaptação e mitigação nos países em desenvolvimento.

Natascha Trennepohl Advogada e consultora ambiental Mestre em Direito Ambiental (UFSC) Doutoranda na Humboldt Universität (HU) em Berlim. E-mail: natdt@hotmail.com Neo Mondo - Dezembro 2009

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