Ficou manifesta a identificação das situações vividas por pessoas cegas reais com a narrativa ficcional do conto, como segue: Relaciono ao pensamento de Adler “tudo o que não me destrói me faz mais forte”. Cecília traz consigo um histórico de prejulgamentos, olhares discriminatórios, vivências doloridas, mas tira de dentro de si a força e a coragem para continuar prosseguindo. Flora embora pareça estar em uma situação social mais “confortável”, também tem que enfrentar momentos difíceis e precisa tirar de seu interior a vontade de vencer e superar. Relacionei com a nossa própria história de vida, a cada dia vamos construindo e reconstruindo nossa teia. Às vezes ela é destruída, danificada, mas podemos “consertá-la”, superar e voltar a tecer, sendo que tudo se torna mais fácil quando temos pessoas com quem contar, dialogar, confiar etc. (sujeito 3).
E também foi analisada a amizade construída entre duas pessoas nas circunstâncias apresentadas pelo conto, que reproduzem as relações cotidianas em que as pessoas encontram pontos comuns em suas vidas. Lê-se: Um dos principais elementos que levam duas pessoas a contrair uma amizade profunda está relacionado à existência de um forte vínculo, que no caso da fábula, deve ter sido as próprias condições de existência dos personagens, ou seja, a cegueira de Flora e o fato de Cecília ser negra (sujeito 1).
Tal atitude ainda é demonstrada por outro sujeito, ao reforçar a importância da ausência de preconceitos, que assim se expressou: “A autora deixa transparecer que a amizade entre dois seres com tão distintas vivências aproximou-os, construindo teias de afeições, despidas de valores preconceituosos. O que havia eram duas mulheres, não uma cega e uma negra” (sujeito 7). As manifestações expressas pelos sujeitos do processo de recepção do audiolivro demonstram como o sentido do texto se constrói na relação com o leitor, no caso do audiolivro, com o ouvinte. Isso porque o sentido do texto não é inerente a ele mesmo, nem a seu autor, pois “é um efeito experimentado pelo leitor, e não um objeto definido, preexistente à leitura”, conforme afirma Compagnon (2001, p. 149). Nesse sentido, há que se destacar o significado da constituição do grupo de sujeitos cegos, pois cada qual traz suas vivências às análises interpretativas do texto literário com a temática específica da cegueira, abordada no audiolivro.
A recepção do conto A terra dos cegos em audiolivro Na continuidade, para a interpretação do conto A terra dos cegos, foram propostas duas questões: a primeira, sobre a vida naquela comunidade, seus habitantes e a acessibilidade construída por eles; a segunda, a concepção de Nuñez a respeito da visão. Uma das respostas à primeira questão é especialmente significativa e pode ilustrar as expressões dos demais sujeitos no que diz respeito ao questionamento das impressões dos ouvintes sobre a vida na terra dos cegos: A narração do conto permeada pela descrição minuciosa do vale possibilitou-me construir na mente aquele lugarejo e ter uma sensação de visualizar a natureza 91