A criação de um audiolivro e a temática da acessibilidade: crítica genética

Page 37

que implica registrar o percurso com os manuscritos, ou seja, os documentos do processo. Portanto, o estudo da gênese de uma obra busca remontar esse processo de criação ao observar toda uma rede de operações em que múltiplas escolhas foram sendo feitas, ao longo do caminho.

O processo de criação de A cega e a negra – uma fábula para audiolivro e seu dossiê genético O texto literário A cega e a negra – uma fábula é um conto da autora afro-brasileira Miriam Alves, nascida em 1952, que integra todo um movimento de autores brasileiros que têm contos usados como instrumento social pelo reconhecimento da africanidade e a favor da igualdade racial. Miriam Alves escreveu desde criança; publicou seu primeiro livro de poemas, que ela chamava de “os poemas de sufoco” (ALVES, 2012), e encontrou, um ano depois, o Grupo Quilombhoje, engajando-se na militância da literatura afro-brasileira, conhecida também como literatura negra. Possui vasta produção a respeito do universo de vida da mulher afro-brasileira, publicada a partir de 1983, inclusive nos Cadernos Negros. A autora publicou os seguintes livros: Momentos de Busca, poemas (1983); Estrelas nos Dedos, poemas (1985); Terramara, peça teatral (1988), em coautoria com Arnaldo Xavier e Luiz Silva, o Cuti; Brasilafro autorrevelado, ensaios (2010); Mulher Mat(r)iz, contos (2011). Este último livro reúne vários trabalhos publicados ao longo de um quarto de século de produção literária, com lançamentos em várias capitais brasileiras, estando a maioria das edições esgotadas. Miriam Alves tem participado, com seus contos, de eventos de literatura no Brasil e no exterior, em mesas redondas e conferências (ALVES, 2012). Muitos de seus contos e poemas estão publicados em várias antologias nacionais e internacionais, em países como Alemanha, Inglaterra, Estados Unidos da América, onde ministrou cursos de Literatura e Cultura Afrobrasileira (em 2010) e participou de debates (University of Texas, Austin; University of Tennessee; University of Illinois, entre outras), em 2009. Participou da organização de duas antologias bilíngues internacionais, Finally us: Contemporary Black Brazilian Women Writers, poemas (1995), e Women righting - Afro-Brazilian Women’s Short Fiction, contos (2005), que têm sido utilizados por professores nas universidades americanas como bibliografia de apoio. O conto A cega e a negra – uma fábula, que serve de base para a análise, foi construído em dois níveis: um nível mais evidente, o literal, e outro mais sutil, o metafórico. No conto, é possível identificar que foi utilizado um recurso literário conhecido em inglês como conceit, ou metáfora estendida, tão a gosto de poetas metafísicos ingleses do século XVII, como John Donne e George Herbert (BEER, 1972). No caso, a metáfora estendida é tecida em torno da imagem de uma teia de aranha, que passa pelos dois níveis da história, como se haverá de constatar. O conto de Miriam Alves é sobre uma relação de amizade estabelecida entre as duas personagens principais: Cecília, a negra, que passa a ser guia de sua amiga Flora, a cega, a qual possui uma conta bancária significativa. A história tem como cenário o dia a dia dessas duas moças, e destaca os enfrentamentos que certas minorias estigmatizadas costumam sofrer devido à limitação de uma sociedade com uma visão excludente. Lê-se que:

37


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.