Futurosmenores:filosofiasdotempo earquiteturasdomundo
Futurosmenores:filosofiasdeltiempoyarquitecturas delmundodesdeelBrasil
LuzHorne
©n-1edições,2025 isbn 978-65-6119-036-7
Emboraadoteamaioriadosusoseditoriaisdoâmbitobrasileiro,a n-1ediçõesnãoseguenecessariamenteasconvençõesdasinstituições normativas,poisconsideraaediçãoumtrabalhodecriaçãoquedeve interagircomapluralidadedelinguagenseaespecificidadedecada obrapublicada.
coordenaçãoeditorial PeterPálPelbarteRicardoMunizFernandes direçãodearte RicardoMunizFernandes gestãoeditorial GabrieldeGodoy assistênciaeditorial InêsMendonça preparação GrazielaMarcolin revisão FernandaMello ediçãoemLATEX JuliaMurachovsky capa IsabelLee
Areproduçãoparcialdestelivrosemfinslucrativos,parauso privadooucoletivo,emqualquermeioimpressooueletrônico,está autorizada,desdequecitadaafonte.Sefornecessáriaareprodução naíntegra,solicita-seentraremcontatocomoseditores.
1ªedição|Abril,2025 n-1edicoes.org
Futuros menores Filosofiasdotempoe
arquiteturasdomundo
LuzHorne
1ªedição
Tradução LucianaDiLeoneeDianaKlinger
Introdução:asuspensãodotempomoderno9
1Dofuturomonumentalàmargemdaalegria31 imatéria-prima:lixo 53
2 Umarrotodahistória:LinaBoBardientrea imagemmaterialeasformasdehabitarointervalo55
3 Apalavraenquantocoisaeaalegriacoletiva: ocinemadeEduardoCoutinhocomoprojetofilosófico111 iiosossosdomundo 141
4 Atrásdalinguagem:aexperiênciaamazônica deFláviodeCarvalhoeaimanênciadafloresta143
5Ofuturocomoum déjàvu:acontinuidade daguerraeossobreviventesdofimdomundo179
coda: aterraeopé213
Bibliografia217 Índicedeimagens245 *
ParaJuliaeCarmem,quemelembraram comoolharnosinterstíciosemquevoamos vaga-lumes
Introdução
Asuspensãodotempomoderno
Filosofarconsisteeminverteradireçãohabitualdotrabalho dopensamento.
henribergson
Oescritorseservedepalavras,mascriandoumasintaxeque asfazpassaràsensaçãoefazgaguejaralínguacorrente,ou tremer,ougritar,oumesmocantar:éoestilo,o“tom”,a linguagemdassensaçõesoualínguaestrangeiranalíngua,a qualreclamaumpovofuturo.
gillesdeleuzeefelixguattari [São]sensaçõesnãomensuráveispelafísicamoderna,que fracassacompletamentequandoanoçãodetempoperdeseu sentidovulgardecronômetro.
fláviodecarvalho
Instantejá
Háumacenapróximaaofinalde Ahoradaestrela,oúltimoromanceque ClariceLispectorpublicouemvida,queiluminaolaçoentretempo,palavraematerialidadeequenospropiciaumaentradaparaosproblemas queestelivroaborda.Macabéa–umamulhernordestina,imigrante esubnutridaquemoraemumapensãonoRiodeJaneiro–vaiauma cartomanteparaconhecerseufuturo,depoisdeterpassadoporseu primeirodesenganoamoroso.Apósumlongomonólogoemquenão parecenotarapresençasilenciosadesuacliente,acartomantesedirige aelaepergunta:“Vocêtemmedodepalavras?”Macabéarespondeque tem,sim.Então,MadameCarlotajogaascartasecomeçaavaticinar
umfuturograndioso,umfuturodefilme.DizparaMacabéaquevaichegarumhomemalto,loiro,ricoeestrangeiroquevaiseapaixonarpor elaetirá-ladamiséria.Pareceumcontodefadas,umdestinodeCinderelaque,obviamente,acabasendograndeemonumentaldemais,feliz demaisparaavidadeumamoçapobre.TalvezpelaproximidadeespacialdeMacabéacomaclienteanteriornasaladeespera,acartomante confundeemisturaosdestinosdasmulheres.Quandoumaestavaentrando,aoutrasaíachorando:ascartasnãoforamboas,prenunciavam quemorreriaatropeladaporumcarro.Macabéasaidaconsultacom umsentimentodesconhecidodeesperançaefelicidade,mas,poucos quarteirõesàfrente,seucorposofreoimpactodeumMercedesBenze, depoisdeagonizar,morrejogadanarua,olhandoocapimquecresce entreaspedrasdoesgoto.Noentanto,nofugazmomentoanteriorao acidente,nesseinstantedepoucosquarteirõesantesdemorrer,Macabéavive–porengano–umavidaquenãoéasua.Umasatisfação efêmeraeporpuraantecipação,quenãodeixadeserrealeprovémdo efeitodapalavradacartomante.Macabéasaidasaladacartomante convertidaemoutrapessoa:“Macabéaficouumpoucoaturdidasem saberseatravessariaaruapoissuavidajáestavamudada.Emudada porpalavras–desdeMoiséssesabequeapalavraédivina.Atépara atravessararuaelajáeraoutrapessoa.Umapessoagrávidadefuturo.”1
AtransformaçãosofridaporMacabéaéradical.Éumamudança depele–umametamorfose–queafazolharomundointeirosob umanovaluz.Macabéa acredita napalavradacartomantee–aseu modo–possuiumasabedoria:sabequeapalavratemumefeitoreal, independentedeofuturoqueelapredizsecumprirounão.Termedo daspalavrasimplicasaberqueelaspodemnosarremessarparao exteriordenósmesmosenosproporcionar,comesseato,umsegundo nascimento,umanovainfânciaquenosmodifiqueparasempreeque jánãopossamosver,ouvir,sentirouatéviverdomesmomodo.
Produz-seentãoumacertamagia,umamudançadeforma–Macabéa eraoutra–eumacontinuidadequasefísicaentreapalavraeseuser. Éumamaterialidadequeganhavida,ou,aocontrário,umavidaque
1.Lispector,1998,p.79.
introdução:asuspensãodotempomoderno
adquiredensidadematerial.Macabéaencarnaestefundoneutrodo viventequesematerializanapalavra,ela é apalavra.Masopulode Macabéaemdireçãoaointervalodetempoqueaengravidadefuturo escapa-lhefugazmentenumdécimodesegundo,porqueelalogoé alcançadapelamorte.Éapenasuminstante,um instantejá.
Tempodaciênciaetempofilosófico
Longedeserempuramenteliterários,essesmomentosfugazestêmuma longahistóriaqueimpactaaepistemologiadoséculo xx.SegundoafilósofadaciênciaJimenaCanales,2 aconsciênciadessaspequenasmagnitudesdetempoeacapacidadedemediralgotãobrevecomoumdécimo desegundoperturbaramanossaformadeperceberomundo.Masasmediçõesnãoenvolvemapenasumproblemadeprecisãocientíficaouum problematécniconainvençãodeinstrumentoscomoorelógiodepulso, afotografiaouocinema,nosdizCanales,mastambémdizemrespeito aquestõesmaisamplassobreopapeldaciêncianaculturamoderna: “Ésimultaneamenteumproblema da ciênciae sobre aciência,tanto científicoetecnológicoquantoepistemológico,filosóficoecultural.”3
Umapolêmicaocorridanoiníciodoséculo xx entreAlbertEinstein eHenriBergsonexplicamelhoresseproblema.Eraabrilde1922quando osdoisintelectuaisseencontraramnaSociedadeFrancesadeFilosofia,emParis,paradiscutirosefeitosdateoriadarelatividadesobreos conceitosdetempoedesimultaneidade.Odebatefoidecisivonãosó paraaconcepçãodotempotriunfanteapartirdeentão,mastambém paraoestabelecimentodeumahierarquiaepistemológicadossaberes edasdisciplinas.Ahistóriaremontaameadosdoséculo xix quando, emboraacapacidadecientífica,tecnológicaeinstrumentaldemedire registarotempoestivessesetornandocadavezmaissofisticada,aexistênciadecertosmomentosfugazes–décimosdesegundo–continuava
2.Canales,2009.
3.Ibid.,p.6.Optamosporusartraduçõesconsagradasdostextosdeoutrosautorescitadosneste livro(aspublicaçõesestãosempreindicadasnabibliografia,aofinaldovolume).Ostextosque nãotêmtraduçãoemportuguêsforamtraduzidoslivremente. Atraduçãodascitaçõesvindasdetextosmencionadosnabibliografiaquenãoseencontramem portuguêsénossa.[n.t.].
ainterromperaprecisão.NodebateentreBergsoneEinstein,ofísico desdenhadaimportânciadessesbrevesinstantesqueinterrompemo fluxohomogêneodotempoe,depoisdedividiromododepensaro tempoemtrêscategorias–física,psicológicaefilosófica–,desconsideraosargumentosdeBergsonelhedizqueotempofilosóficonão existe.SegundoCanales,4 Einsteinestádizendocomissoalgumacoisa sobreotempo,mas,principalmente,estátentandodiminuiropapelda filosofiaparafalarsobretaisquestões.Bergsonnãoeraingênuonem lhefaltavainteligência,etinharepetidamentereconhecidoeaceitadoa teoriadarelatividadedeumpontodevistacientífico,masconsiderava que,deumpontodevistafilosófico,oconceitodetempodafísicaera limitado.Eleinsistiaque,umavezqueaexperiênciaseapresentapara nóssobaspectosdiversos,énecessárioquesejammantidosmodosde saberdenaturezastambémdiferentesecomplementares.5
Odebatecomeçounaquelemomentoeteveváriasfases,masEinstein foiovencedorindiscutívelporqueasrazõesapresentadasporBergson estavamforadoquadrodediscussãopropostopelopróprioEinsteine pelaciênciadaépoca.Esseresultadocontribuiuparaaideia–atéentão nãotãoconsensual–dequeaciênciapossuíaummétododeconhecimentoexcepcionalesuperioràsoutrasdisciplinasparapensarotempo. Ouseja,aprimaziaabsolutadosabercientíficoetecnológicoparapensar otempofoiemgrandepartedeterminadanocontextodessadiscussão. QuandoEinsteinafirmaqueotempoéaquiloqueosrelógiosmedem, Bergsonrespondequeissoéabsurdo,queosrelógiossãoinventadospor pessoasequesãousadosporquequeremoschegarpontualmenteatal ouquallugar,masqueháumahistórianomodoemqueessesinstrumentosdemediçãoforaminventadosqueécontingente,humana,falível.A
4.Canales,2009e2015.
5.“Averdadeéqueafilosofianãoéumasíntesedasciênciasparticularesequeseelamuitas vezessecolocanoterrenodasciências,seàsvezesabarcanumavisãomaissimplesosobjetos dequeaciênciaseocupa,nãoofazintensificandoaciência,nãoofazlevandoosresultadosda ciênciaaumgraumaisaltodegeneralidade.Nãohaverialugarparadoismodosdeconhecer, filosofiaeciência,seaexperiêncianãoseapresentasseanóssobdoisaspectosdiferentes:por umlado,sobformadefatosquesejustapõemafatos,queserepetemaproximadamente,quese medemaproximadamente,quesedesenrolamenfimnosentidodamultiplicidadedistintaada especificidade,e,poroutro,sobformadeumapenetraçãorecíprocaqueépuraduração,refratária àleieàmensuração”(Bergson,2006,p.39).
introdução:asuspensãodotempomoderno
formacomomedimosotemponãotemnadaavercomaformacomoo vivemos,dizBergson.6 Ohábitoquetemosdevisualizarapassagemdo tempocomotique-taquedosponteirosdorelógioenumfluircontínuo esucessivotemoefeitodenosfazerpensarqueotempoéuniforme equeacontececomaregularidadedeummetrônomo.Haveriauma confusãoentreotempovivido–aintuiçãocorporaldotempo,aduração –eotempocientífico,quesereduzaumasimplesmedidaexternaa nósmesmos,umaconstruçãointelectual.Aintuição,amaterialidade eocorpoficavamdeforadotempodafísica.Otempo–parecenos dizeressedebate–émuitomaisdoquetempoesemprefoiobjetode controvérsiasepistemológicase,portanto,políticas:umadisputapara dirimirquemtemopoderdapalavraequemocupaolugardosaber.
Hierarquiasepistemológicas
Estelivroutilizaaspalavraseasimagenscomodispositivosfilosóficosparapensarotempoeoespaço.Apartirdaanálisedecontos, romances,ensaios,livrosdeviagem,ficçõesteóricas,experiênciasantropológicas,exposiçõesdearteedeobjetosde design,dispositivos curatoriais,arquiteturaecinemadosséculos xx e xxi brasileiros,procurarefletirsobreonóqueenlaçaaspalavraseasimagensaotempoe àmaterialidade.Nadisposiçãoespacialetemporaldasimagensedas palavras,nomodocomosetraçamaslinhasqueasseparam,juntam eordenam,constroem-sediferentesarquiteturas,ficções,esquemas enarrativas.Aconvicçãosobreoimpactorealeefetivo–corporal, 6.“Aduraçãovividapornossaconsciênciaéumaduraçãoderitmodeterminado,bemdiferente dessetempodequefalaofísicoequeécapazdearmazenar,numintervalodado,umaquantidadede fenômenostãograndequantosequeira.[…]Assim,essasensaçãodeluzvermelhaexperimentada pornósduranteumsegundocorrespondeemsiaumasucessãodefenômenosque,desenrolados emnossaduraçãocomamaioreconomiadetempopossível,ocupariammaisdeduzentose cinquentaséculosdenossahistória.Istoéconcebível?Éprecisodistinguiraquinossaprópria duraçãodotempoemgeral.Emnossaduração,aquelaquenossaconsciênciapercebe,umintervalo dadosópodeconterumnúmerolimitadodefenômenosconscientes.Éconcebívelqueesse conteúdoaumentee,quandofalamosdeumtempoindefinidamentedivisível,sejanessaduração quepensemos?”(Bergson,1999,pp.241-242.)
político–quetêmasdiferentesformasdecontarumahistória,de exibiredeprojetarobjetos,imagenseespaçosétambémumaforma decontestarotempodaciência;éterasabedoriadeMacabéa.
Estelivro,portanto,tentaconstruirumpensamentofilosóficosobre otempoeoespaçoapartirdoestéticoedolatino-americanoe,porconseguinte,procuratambémdeslocarcertospressupostosnaturalizados sobreasdisciplinaseoslugaresgeográficosapartirdosquaisépossível pensarsobreotempoeoespaço,eaindaasdisciplinaseoslugaresgeográficosapartirdosquaisépossívelpensarfilosoficamente.Aautoridade dafilosofiaparaproduzirumaimaginaçãoespaço-temporalalternativaà científicanãoéumacoisaevidente,assimcomonãoéevidenteaautoridadedaarteedaesferaestéticaparaproduzirreflexãofilosófica.Menos aindaquandoessaarte,culturaefilosofiavêmdecertaspartesdomundo, comoaAméricaLatina.OdesacordoentreBergsoneEinsteinacentuaa separaçãomodernaentre“opodercientíficoencarregadoderepresentar ascoisaseopoderpolíticoencarregadoderepresentarossujeitos”7 ou entreasciênciaseashumanidades.Napolêmicadoiníciodoséculo sobreotempoenaexpulsãodafilosofiacomodisciplinalegítimapara falarsobreoassunto,acontecetambémumaexpulsãodocampodosaber detudoaquiloquenãoseajustaàmedidadarazãocientífica.Aciência explicaamatéria,dizBergson,masavidalhefogefugazmente.Oque Bergsontemparanosdizersobreainterrupçãodessetempohomogêneo dosponteirosdorelógionoslevatambématéessepontodahierarquia doslugaresepistemológicosedesaberesemrelaçãoaumalógicamodernaeinstrumentalistaquefazdetodoomaterial,danaturezaedo corpomerosobjetosàdisposiçãodahumanidade.Nessamesmaescala podemosacompanharoargumentoepensarnasdiferentesseparações modernas–ecoloniais–quesãoacontinuidadedessaequetornamo latino-americanoumpuroexemploouummaterialdeestudo–pura natureza–,masnãoumlugarapartirdoqualseproduzconhecimento.
EmboraestelivropartadoBrasil,osdiversosprojetosestéticose culturaisqueanalisareinãosãoapenastomadoscomocasosdeanálise histórico-cultural,mastambémenquantoplataformasteóricas:para 7.Latour,1994,p.55;Canales,2009,p.8.
introdução:asuspensãodotempomoderno
fazê-losoperarnumcontextocontemporâneo,queincluimastambém excedeonacionaleoregional.Istoé,meinteressa“usar”,colocarem funcionamentoopensamentoqueaspalavraseasimagensnostrazem, emevalerdelasoperacionalmentecomoferramentasdeanáliseconceitual.Nestemovimento,trata-sedeoutorgaràproduçãoculturaleàestéticalatino-americanaumlugarquenãosejaapenasodesemostrarcomo exemplo–ou,comodiziaOswalddeAndrade,forneceramatéria-prima –,masodeatuarcomolugaresdeintervençãocríticaeteórica,lhes dandoumespaçodentrodoesquemadeproduçãodeconhecimentoque atépoucotempoatráseraprivilégiodaciênciae–talvez–dafilosofia; umlugarapartirdoqualseriapossívelconstruirumateoriacríticafora darazãomonumentalmoderna.Aliteraturaeaimagemsetransformam entãoemplataformasparaageraçãodeconceitos(epistemológicos, éticos,políticoseestéticos)eaesferaestéticaeculturaladquireumviés filosófico.Afilosofiaabre-se,nosentidogeopolítico,paraserproduzida apartirdaAméricaLatina,mastambémnumsentidodealargamento docampodisciplinar:éretiradadoterritóriosistemáticoedarazão.8
OtempofilosóficoqueBergsontraz–otempofilosóficoqueEinstein nega–éumtempoatreladoaocorpoeàmatéria,umtempoimanente quenospermitemediratransformaçãoqueMacabéasofreatravésdas palavrasnaquelemilésimodesegundoemqueatravessaaruaantes demorrer,umtempodeumaduraçãoquenãocabenosponteirosdo
8.Evidentemente,nãoestouafirmandoqueretirarolatino-americanodolugardoexemplooudo objetoparatorná-loprodutordeconhecimentosejaummovimentosemprecedentes,assimcomo nãoafirmoqueretirarafilosofiadocamposistemáticoedarazãooseja.Noentanto,creioqueesses sãolugaresdepoder/saberqueaindadevemserchacoalhados.Noesforçodemobilizaçãodelugares epistemológicosestanques,ovaivémentrediferentescorrentesteóricas,porumlado–biopolíticas, pós-colonialismos,novosmaterialismos,perspectivismoameríndio,pós-humanismos,ecocrítica, feminismosdetodotipo,eumlongoetc.–,e,poroutro,asmobilizaçõeseinsurgênciasdaúltima décadaligadasaofeminismoemtodaaAméricaLatina,eaosnegroseameríndiosnocasodo Brasil,têmsidocruciais.Ouseja,umaparteindispensáveldessasmudançasepistemológicaspassa pelaincorporaçãodessa“prática”,ou“experiência”nadimensãoteórica.Diferentesaproximações contemporâneasaestehorizontedeproblemas–Ludmer,2013;Giunta,2018e2020;Segato,2018; KiffereGiorgi,2019;Carneiro,2011;Ribeiro,2017;Krenak,2019;Galindo,2013–coincidemna necessidadededarlugaraoscorposeaosafetos,àsaliançascomunitáriaseaumtipodesaber outro–intuitivo,nãoracional–nointeriordateoria.Nosprojetosquecorrespondemaoséculo xx analisadosnestelivro,essadimensãoexperiencialecorporaléfundamentalparacompreender aviradaepistemológicaqueelespropõem,epodeserlidaanacronicamentecomoumcaminho incipienteemdireçãoaocontemporâneo.
relógio.Éumtempovertiginoso,nãoporqueanderápido,masporque retornasobresipróprioeseespelha,porqueencenarecorrências,porqueirrompenotempohomogêneoecronológicodafísica;nessetempo queseimpôsduranteoséculo xx tambémcomoumtempocolonial, quechegaaonossopresentecomoumtempoencarnadonoprogresso. Escorrendopelosburacos–osbueiros–deixadosporessetempohomogêneo,surgeotempofugidiodofuturodeMacabéaedo instantejá.Um tempodeintervalo,umtempodapalavraedaimagem,corporalemenor.
Umamutaçãoontológicaemrelaçãoaomundo
Numcontextodepreocupaçãopelamudançaclimática,aquestãodofuturopermeiatantoasconversascotidianasquantoasreflexõesfilosóficas emtodooplaneta.Emboraapartirde2020apreocupaçãopelofuturotenhaganhadourgênciaporcausadapandemia,háalgumasdécadas,oimaginárioglobaldeumfuturocatastróficoeapocalíticotematingidouma aceleraçãotalqueéimpossívelnãooencararcomoumdostemasmaisvisitadosnaculturacontemporânea.Em Hámundoporvir?Ensaiosobreos meioseosfins,DeborahDanowskieEduardoViveirosdeCastropropõem que,emboraatemáticadofimdomundosempretenhaexistidoemtodas asculturasevenhasendoimaginadademaneirasmuitovariadasaolongo dahistória,esseimaginárioserenovouapartirdosanos1990,quando sechegouaumconsensocientíficosobreastransformaçõesclimáticas eambientaisesobreumacriseplanetáriaincontornável.Diariamente, somosouvítimasreaisoutestemunhasdeeventosquebeiramocatastróficoequemuitasvezesestãorelacionadoscomamudançaclimática oucomdiferentespragasbacteriológicasouvirais,masqueoutrasvezes estãoligadosaoaumentodadesigualdadesocialemníveisqueparecem obscenos;àpobrezaextremaeàcrescenteprecariedadelaboral;àsmigraçõesemmassaeàsnovaspolíticasanti-imigratórias,persecutórias,dedetençãoedeportação;aoaumentodegenocídiosefemicídios;àaceleração tecnológicaeaoconsequenteaumentodavigilânciadoalgoritmosobre oscorposeosdesejos;ànormalizaçãodepolíticasantidemocráticasede extermínio;ouàascensãodegruposdeextremadireitaedenovostipos defascismo,recentementerenovadosnomundotodo.Estasaturaçãode
introdução:asuspensãodotempomoderno
acontecimentos,notíciaseimagensacumuladasnopresentecriouoque AshleyDawson9 chamade“afetocatastrófico”–umsentimentovisceral dequenãoestamossimplesmentecaminhandoparaocolapsocivilizacional,masquejáestamosbemdentrodele–,erevelouumaligaçãoentre duasordensqueatéentãotínhamosinsistidoemseparar:aordempolíticaeaordemnatural.Jánãohádúvidadequeonovoregimeclimático emquevivemosdevoraaquiloqueanteschamávamosdaordemdopolítico,ouqueaquilodaordemdopolíticointervémdiretamentenaordem natural.Estadistinçãojánãoépertinente,jánãoéclara,jánãoépossível.10 Aatualcriseplanetárianãopodesercompreendidasepensarmos exclusivamenteemapenasumdosníveis–ambiental,social,sanitário, econômicooupolítico–,poisoqueosenlaçainextricavelmenteéaconstânciadoataqueadiferentesformasdevida.Apandemianãofezoutra coisasenãotornaresteproblemaaindamaisclaro.Omundointeiro foiparalisadoporumvírusoriginadopelainteraçãoentreohumanoe oanimaleinsisteemalgoquevínhamosdemorandoemreconhecer:se atéagorapensávamosquearelaçãocomessesoutrosaquechamamos 9.Dawson,2017.
10.Umadasdiscussõesquesurgiunosúltimosanosgiraemtornodoconceitode“antropoceno”e nadefiniçãodomomentohistóricoemquecomeçaamutaçãodarelaçãoentreohumanoeonão humano.Adiscussãoé–comoasprópriasconsequênciasdoantropoceno–infindável.Deacordo comopensamentodeváriosautores(Chakrabarty,2009;Demos2020;DanowskieViveirosde Castro,2014;Latour,2017;Wallace-Wells,2019)retrocederoiníciodoantropocenoparaoperíodo neolíticoimplicaconsiderá-locomoumaparteconstitutivadanaturezahumanae,portanto,como umaestruturaa-históricaquenoslevaaencará-locomoumdestinotrágicoouuma“condição humana”emolduradaporumavaloraçãomoralnãoisentadeexcepcionalidade.Oconceitode “capitaloceno”,porsuavez,érecusadoporChakrabarty(2009)eporDanowskieViveirosde Castro(2014)porquedeixadeforaodesenvolvimentoindustrialeextrativistadoregimesoviético. Essesautores,comocontraponto,associamonascimentodoantropocenocomocomeçoda modernidadeedocolonialismoeuropeuemAméricacomoomomentoemqueseproduziu umextermíniodepopulaçõesquetrabalhavamaterradeummodoquedepoissemodificou, produzindoumamudançageológica(Davis,H.eTodd,Z.,2017;Demos,2020;DanowskieViveiros deCastro,2014;Latour,2017).MaristellaSvampaconsideraque–dopontodevistadaAmérica Latina–éimprescindívelacrescentarosconceitosde“extrativismo”e“neoextrativismo”,mas semabandonarariquezaeapluridimensionalidadedoconceitode“antropoceno”(Svampa2019, p.23).Finalmente(emboracontinueecontinuará),Harawaypropõeoconceitode“Chthuluceno” comoumconceitofluidoehíbrido–multitemporal,multiespacialemultiespécie–queseresistea umafiguraçãoeaumadeterminaçãodecomeçotemporal.O“Chthuluceno”éumaensamblagem “maisquehumana”,“outraquehumana”e“in-humana”(Haraway,2023).
animais,florestas,mareseriosconsistiaemconhecer,dominar,domesticarouextrair,háalgonessarelaçãoquenosescapoudeformafugaz equeregressadeformaameaçadoratransformadonoanjodahistória. Jánosanos1990,MichelSerressituavaaorigemdacriseambientale ecológicaemnossomododenosrelacionarcomomundoesugeria umareformulaçãodessevínculoatravésdeumnovo contratonatural queestilhaçasseoaparelhoconceitualqueherdamosdamodernidade.11
Ocorrelatodafilosofiamodernaedaseparaçãoentrenaturezae culturaéumarelaçãocomomundobaseadanoinstrumentalismo,na propriedadeenaguerra;umarelaçãonaqualaagênciahumanaésobreanimadaeomundomaterial–ecomelealongalistadaquelesquesão consideradosnãohumanos–édesanimado.Nestesentido,acriseque estamosvivendofalanãosódeumfracassodaspromessasdamodernidadeedosonhoutópicodoséculo xx –tantoemseuviésdesenvolvimentistaquantonorevolucionário–,12 mastambémdainsuficiênciada epistemologiamodernaocidentalparacompreenderohumanoe,por conseguinte,parasustentarashumanidadescomodisciplinas:
ohumano,comopodemoscompreenderagora,sópodesercaptadoepreservado sedevolvermosaeleestaoutrametadedesimesmo,apartedascoisas.Enquanto ohumanismoforfeitoporcontrastecomoobjetoabandonadoàepistemologia, nãocompreenderemosnemohumano,nemoinumano.13
Otempodaciêncianãoparecetersidosuficientementesólidoparanos sustentar.Outalvezsejaporquejamaisfomosinteiramentemodernos14 eaciêncianuncafoiinteiramenteindependentedessaporçãodeinexatidãoedefugacidadequeseinfiltraporentreosponteirosdorelógio. Emboraoscientistaspossamtersejulgadocapazesdeseparardemodo taxativoaquiloqueénaturezadaquiloqueéhumanidade,ouaquiloque éracionaldoqueéintuitivo,otrabalhodaciênciaenvolveobjetoshíbridos(humanosenãohumanos)quedesafiamapartição.Asmedidas nãodesignamapenasacoisamedida,masenvolvemcomponentese
11.Serres,2004. 12.SusanBuck-Morss,2000. 13.Latour,1994,p.134. 14.Ibid.
introdução:asuspensãodotempomoderno
decisõesquefazemdaciênciaumsabermuitomenosobjetivoeracional doquegostaríamosdeacreditar.15 Osdebatesaoredordosmomentos fugazesdotempoinstantâneorevelamumespaçoondeasgrandesdicotomiasdamodernidadenãosesustentam:“oespiritualsemisturacom omecânico,onãohumanocomohumano,opessoalcomoimpessoal, oindividualcomosocial,onaturalcomopolíticoeoprimitivocom omoderno.”16 Nãopodemosserabsolutamentecientíficos,assimcomo nãopodemossercompletamentemodernos.Sãomargensdetempoe desaber.Talvez,otempodeBergsontenhafinalmentechegado.
Doiseixosdeargumentação
Aolongodoscapítulosdestelivro,sãopercorridosdoiseixosparalelos deargumentação.Oprimeiroeixoiluminaolaçoestruturalentreomomentocontemporâneodecrisepolítica,social,econômica,sanitáriae ecológicamundialeumimagináriolatino-americanocujosalicercesse estabilizamemmeadosdoséculo xx enoqualoBrasilocupaumlugar fundamental:odeumterritórioprenhedeumfuturopensadocomo progresso.AAméricaLatinadopós-guerra–eoBrasilemparticular –foiumenclaveprivilegiadodoprojetoculturaldamodernidade,um laboratóriodeexperimentaçãodomoderno.OBrasilera–segundo acélebrefrasedeMárioPedrosa–umpaís“condenadoaomoderno”. Emparalelo,oBrasilrepresentaatualmenteumterritóriocomopoucosparaexaminaroavessodessemesmolaboratório,paraexaminar osescombrosdeixadospeloprogressoemsuamarcha.Alémdapersistênciadasdesigualdadesraciaisesociaisnaatualidade–“aescravidão permanecerápormuitotempocomoacaracterísticanacionaldoBrasil”
15.Stengers,2000.Aciênciaseparecemuitomaiscomaficçãodoquenós–inclusiveVirginia Woolf–tínhamospensado:“aficção,querdizer,otrabalhoimaginativo,nãocaicomoumapedra nochão,comonaciência;aficçãoécomoumateiadearanha,presapormuitopoucotempo,mas aindaassimpresaàvidapelosquatrocantos.Muitasvezesestarpresoéquaseimperceptível.As peçasdeShakespeare,porexemplo,parecemcompletamentesuspensasquasequeporsisós.Mas, quandoateiaépuxadameiodelado,enganchadapelaborda,rasgadanametade,équeselembra queelasnãosãotecidasemplenoarporcriaturasincorpóreas;essasteiassãooresultadodo sofrimentodesereshumanoseestãointeiramentepresasacoisasmateriais,comosaúde,dinheiro eacasaondesemora”(VirginiaWoolf,2014,pp.63-64).
16.Canales,2009,p.221.
(JoaquimNabuco)–,opaísconcentraamaiorreservanaturaldoplaneta,convertendo-sedessemodonumcenário-chavenãoapenasparaa discussãosobreacrisepolíticaeecológicamundial,mastambémpara pensaraaberturaepistemológicaqueessamesmacrisetornapossível.17
Tendocomopanodefundoesseimaginário,proponho-me,então,afuçarnesseavesso,ounumcontra-arquivodomodernismo,pararesgataralgunsprojetosculturais,literárioseartísticosproduzidosdesdemeadosdo século xx atéaatualidade,nosquaissepropõeumconceitodetempodiferentedotempohomogêneodaciênciaenosquaissevislumbraumaoutra ordemepistemológica,éticaepolíticapossível.Trata-sedeumaimaginaçãosubterrâneaecontemporâneadodiscursodamodernidadeque,pela atençãoaosrestosmateriaiscomorestossignificantes–e,portanto,vivos –,interrompeahomogeneidadetemporalcommomentosfugazes(instantesjá),compalavraseimagensqueconstroemespaçosdeimanência emqueasgrandesdicotomiasdamodernidadejánãosesustentam.
Osegundoeixodeargumentaçãosedesenvolveparalelaeimplicitamenteaoanteriorepartedocontextolatino-americanoebrasileirode discussãoparadesenharumacontinuidadeentreosprojetosanalisados ecertosprogramasfilosóficoscontemporâneos(materialismos,vitalismos)quedãovidaàmaterialidadeouqueatornamvibrante.18 Esse segundoeixopercorreomesmocaminhoqueoanterior,masprocura sublinharnãotantoahistóriacomocatástrofe,masantesaabertura filosóficaqueseapresentaapartirdacriseepistemológica.Assim,Bergsonesuainclusãodocorponotempodafilosofiaretornam.Retornao instantejá comoumoutromododosaberfilosóficoecomoumexercício de“descolonizaçãodopensamento”,ao“proporumoutromododecriaçãodeconceitosquenãoo‘filosófico’,nosentidohistórico-acadêmico
17. Paraalémdaquestãoecológica,outrodosfatoresquetornaoBrasilumlugarprivilegiadoparapensaressestemaséacosmovisãoameríndia,chaveparapoderelaboraressaaberturaepistemológica. 18. JaneBennet,2010.Oconceitode“novosmaterialismos”foicunhadoporDianaCoolee SamanthaFrost(2010)edesdeentãotemsesomadoumainfinidadedetrabalhossobreotema vindosdediversasdisciplinas.Enquantofinalizavaascorreçõesdestelivro,otrabalhoescritojunto comPaolaCortesRocca(CortesRoccaeHorne,2021)ealeituradosartigosquefazempartedo dossiêqueeditamos(JulianaRoblesdelaPava,AnaPorrúa;MaríaSoledadBoero;CarolinaBartalini; VictoriaCóccaro;MatíasAyalaMunita;SantiagoAcosta)mepermitiramcontinuarrefletindosobre algunsdosproblemasquecolocamosnovosmaterialismosdentrodocontextolatino-americano.
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dotermo”.19 Aimaginaçãotambémintervémaqui,enquantofaculdade alternativaàrazãoeenquantofaculdadepolítica.20 Aaberturaepistemológicaimplicaquestionarasdicotomiasdamodernidadee,portanto, questionartambémoidealhumanistaeantropocentristadohomem europeuebrancocomomedidauniversalecomoanálogoconceitualdo humano,quedeixadefora–doladodanaturezaedascoisas–todosos outrosexistentesquenãoseajustamaessamedida,reduzindo-osauma sub-humanidade21 eforçando-osaviverforamas,aomesmotempo, nocoraçãodosocial.22 Osprojetosanalisadosroçamentãoopolítico quandomostramaimpossibilidadelógica–jáquearealcontinuaexistindo–demarcarumlimite,dedeixardefora–oforajánãoexiste ouexisteapenasofora–,oudeconsiderarcomoatrasadosnalinha evolutivaalongalistaderefugiadosedespejadosdahistória.Amaterialidadecobraagênciaesetornaresistênciaou,melhor,“reexistência”, umamaterialidadeque,sópelofatodeexistir,resiste.23
Ora,masnãoestaremosacaso,nesteponto,voltandoaconfiar numatradiçãodepensamentocríticohumanistaquepareceter-nos conduzidopelocaminhodacatástrofe?24 Seráqueessatentativade sairdamodernidadenãotemumaraizqueétambémmoderna?Não, sesituarmosoiníciodamodernidadenarupturaepistemológicacartesiana(resextensa e respensante)quelevouaafirmar,durantemaisde trezentosanos,queanaturezahumanaeavidaemsociedadepodiam seencaixaremcategoriascompletamenteracionais.25 Éclaroquehá umaherançavanguardistaedosmodernismosestéticosdoséculo xx naconvicçãodequeumanovapartilhadosensível–umadissidência –26 podeterumimpactocrítico.Masamaneiracomoasvanguardas sedesenvolveramnaAméricaLatinanãonecessariamenteasafastoudeumaideiadetempolinearecontínuooudeumaconcepção 19.ViveirosdeCastro,2018a,p.21. 20.Arendt,1993. 21.ViveirosdeCastro,2018a. 22.Arendt,2008. 23.ViveirosdeCastro,2017. 24.Braidotti,2019. 25.Toulmin,1992;Latour,2020. 26.Rancière2005,2014e2021.
românticadanatureza.Amaiorpartedosprojetosmodernistaslatino-americanosdoséculo xx sealicerçanumaideiadevazioepotencialidadeenumimagináriodefuturofeitodozero,queestáassociadoaum tipoespecíficodeestética:monumental,épica,autônoma,baseadaem grandesnarrativasnacionalistaseeufóricas,27 heroicasetriunfais;28 emtemporalidadesevolutivasdefinidasdeformateleológica.
Omomentoatualde“mutaçãonanossarelaçãocomomundo”29 e opróprioconceitodeantropocenocomoincapacidadededistinguir entreoantropoeascamadasgeológicasdaterrapermitemqueencontremosumanovapotencialidadepolíticanaliteraturaenasartes enosconvidaavoltaraleratradiçãoacontrapelo.30 Porumlado,o vínculoentrecorpoeplanetaconfereumanovadimensãopolíticaàesferaestéticaquenãoexistianasvanguardas.Poroutrolado,otrabalho retrospectivoderemexernessearquivooferecidopelomundoquese abriucomosegundopós-guerranaAméricaLatinanospermitetrazerà luzcertosprojetossilenciadosoumenosvisíveiselê-loscomsentidos diferentes;encontrarnelesosprecursoressombriosdeumaepistemologiacontemporâneaepós-humanista.Sãoprojetosemquepodemos adivinharumareordenaçãodosespaçosdesaberedepoder:umoutro
27.Antelo,1999.
28.Schwarz,1987.
29.Latour,2020,p.16.
30.Existemalgunsantecedentesqueénecessáriomencionarnesteesforçoporfazerumaretrospectivadocânoneliterárioeartísticolatino-americanoapartirdateoriabiopolítica,dosnovos materialismosedomodocomoanoçãodeantropocenotemproduzidoumaredefiniçãodos conceitosdenaturezaedehumanidade,edesujeitoeobjeto.Umalistaquenãopretendeser exaustivademodoalgum,jáquesetratadeumcampoemmutaçãoconstante,incluiosurpreendentelivrodeJoséMiguelWisnik(2018)sobrearelaçãoentreapoesiadeDrummondea mineração;otrabalhopioneirodeLuciaSásobrealiteraturadafloresta(2012,2018,2019);areleituradaobradeClariceLispectorporAlexandreNodari(2018);otrabalhoprecursordeGisela Heffes(2013,2017)nocampodaecocrítica;olivrodeGabrielGiorgi(2016)sobreliteraturae animalidade;orecentelivrodeHectorHoyos(2019)sobreomaterialismotranscultural;olivro deJensAnderman(2018)sobrearelaçãoentrenatureza,arteepaisagem;otrabalhodevários autorescompiladoporIreneDepetrisChauvineMacarenaUrzúaOpazo(2019);otrabalhode AdrianaLópez-Labourdette,IsabelQuintanaeValeriaWagner(2018)sobreolixo;ostrabalhos deGabrielaMilone(2021)sobrepaisagemematerialidadedavoz;eotrabalhodeBetinaKeizman sobreformasdevidapotenciaisnaliteratura(2018).
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futuropossívelcujoscontornosnãoestãototalmentedefinidossepensarmosdentrodoquadroconceitualdoutópicoedoesperançoso,mas quetambémnãoestãonodoapocalípticoedodesesperado.
Futurosmenores:imanência
Oconceitodefuturosmenoresnãoédescritivo,masoperacional.Funcionacomoumaengrenagemconceitual,comoumamáquina–uma antropologia,umaepistemologia,umaestética,umaéticaeumapolítica–quesepõeafuncionarparaconstruirumafilosofiadotempoe umaarquiteturadomundobaseadasnaimanência.Osfuturosmenoresopõem-seaofuturomonumental,singularedoprogresso,contudo, nãoseopõemaelecomoaumespelhoinvertido,masmostrandoseu avesso,expondoseusrestos.Operamarqueologicamente,suspendendo otempolineareentrandono nãotempo (FláviodeCarvalho)emque amatériasetornalinguagemeapalavraseencarnanocorpoparacolocaremevidênciaumtraçoquetranscendeosignificadoesemostra nosgestos,noriso,nochoro,nacadênciadavoz,nasinterrupções,nas repetições,noslapsosenasgagueiras(EduardoCoutinho).Congelam o instantejá numaúnicaimagememqueseacumulamcamadasdedetritoserestosdemuitostempos,atéqueelasetorneum arrotodahistória; atéqueexplodanum objeto-imagem queproduzuma eletricidadevital (LinaBoBardi).Osfuturosmenorescolecionamossos,aquelefragmentodocorpoquesobreviveforadocorpoetornaobsoletaqualquer distinçãoentredentroefora,entresujeitoeobjeto,ouentreomaterial eovivente(FláviodeCarvalho;AndreaTonaccieAndrédeLeones). Aimaginaçãodosfuturosmenoresopera,então,desterritorializando, comoaliteraturamenordeKafka,31 e,aofazerperderochãodalinguagem,faztambémtremerarazãoeohumano.32 Osfuturosmenores 31.DeleuzeeGuattari,1977.
32. Umaliteraturamenor,talcomoDeleuzeeGuattariaentendem,nãoéumaliteraturaescritanuma línguamenoroumarginalizada,masaliteraturaqueumaminoriafazdentrodeumalínguamaior, detalformaquefazumusoperturbado,assintáticooumesmoincorretodessalínguamaior;umuso estrangeironalínguaprópria.Aliteraturamenortransportaemsiumdeslocamento,umadobraou umatopologiaambíguaquefazcomquealínguamaiorpercaseuchão,sedesterritorialize,explodaa partirdeseuinteriore,assim,setorneumlugardeenunciaçãocoletivoe,portanto,depotencialidade
permitemumacessodireto–ummergulho–nessamatériaviscosaque éalinguagemcomoprincípiodetodaavidaedetodaarenovaçãoda vida(detodaametamorfose).ComoMacabéabemsabe,omedoda palavraétambémomedodaalegriadapalavra.Elagostadepalavras difíceisapenasporseusom(efemérides),semcompreender.Aplica umaespéciedefiltronalinguagemparaficarapenascomosdetritos, comessefragmentomaterialeneutroquevaleporseupurosomeque desestabilizaosentido.Issotambémsãoosfuturosmenores:umaascesedalinguagemouum atrásdalinguagem (FláviodeCarvalho)que transformaapalavranumameditaçãosonora–osruídosdosmacacos uivandonafloresta–enosdevolveaobalbuciodainfância.33
Éaquiloque,aomesmotempoemquedesafiaoslimitesdaliteratura edosentido, tornapossível aliteraturaeosentido;éseuchão,seuplano imanente,suacondiçãodepossibilidade.Nosfuturosmenores,asdistinçõesmodernasnãosemantêmporqueoforanãoéexterioreodentro nãoéinterior.Eporqueoagoraéumapresençasonâmbuladoontem.A imaginaçãodosfuturosmenorespropõeassimuma topologiaêxtima:faz explodirtaxonomiasparaproduzirum trans-bordamento (JoãoGuimarães Rosa),oestourodasmargensemdireçãoaumespaçoeumtempo trans. Seaarquiteturaéumareflexão,umaorganizaçãoeumaconstruçãodo espaço,elanãopodeserconcebidasemumatemporalidadeeumaduração,34 eéessasimultaneidade espaço-temporal queseaglutinanoconceito defuturosmenores.Énessesentidoqueosfuturosmenoressãouma arquiteturadomundoeumaformadehabitá-lo,porquenãoavançam nemmonumentalnemapocalipticamente,pelocontrário,seinstalamno política.Trata-sedeumaformulaçãoparadoxalqueimplicaumasimultaneidadeeumasobreposição que,nopensamentotardiodeDeleuze,setornamaiscomplexanoconceitode“imanência”.Esses conceitostêmumacertasemelhançacomode“extimidade”cunhadoporJacquesLacanparapensar atopologiadoinconsciente.Aextimidadeimplicaumaintimidadequeé,aomesmotempo,alheia e,portanto,defineumlugarondeafronteiraentreointerioreoexteriorexplode:oêxtimoéomais próximo,omaisíntimo,semdeixardeserexterior(JacquesAlainMiller,2010).Noentanto,embora aextimidadelacanianamineasubjetividademoderna,elapermanecenointeriordoconceitode sujeitodoinconsciente,semdarosalto–queDeleuzedácomaideiadeimanência–emdireção aoconceitodevidae,portanto,aumaontologia/epistemologia(jánãohádiferença)pós-humana. 33.Agamben,2008. 34.Grosz,2001.
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localinstáveldotremorenumpensamentodiminutoehieroglífico:um pensamentozinho (JoãoGuimarãesRosa).Maisdoqueavançar,osfuturos menoresderramam-sesobresimesmosnumavertigemfilosófica.
Estruturadolivro
Emduasocasiõesdiferentes,PierPaoloPasolinidenunciaodesaparecimentodosvaga-lumescomoumametáforaparareunirdiferentesprocessoscríticosqueocorrememváriosníveisequeindicam,segundosua perspectiva,umamarchaapocalípticadahistória.Osvaga-lumesdesaparecemconcretamentedevidoàpoluiçãoambiental,masaestedesaparecimentorealsomam-sedoisoutrosprocessosqueestãointerligados:os holofotesameaçadoresdofascismoquenãonospermitemveressasluzes intermitentesnaescuridãodanoiteesuacontinuidadenasluzesposterioresdoespetáculoedoconsumo.Ovínculoentreosdoismomentos(sua primeiracartasobreosvaga-lumeséde1941,easegundaintervençãoé dosanos1970)éentendidocomoumamudançaradicalnanaturezada relaçãoentreahumanidadeeomundo;umamudançaontológicanohumanoquesemanifestanumdisciplinamentododesejoedaimaginação.
Ocapítulo1,“Dofuturomonumentalàmargemdaalegria”,desenha oarcodolivroesituaarelevânciadoBrasilcomolugarprivilegiadopara pensaramodernidadeeofuturomonumentaldoprogresso.Ocapítulo tomaametáforadosvaga-lumespasolinianosealeituracontemporânea queGeorgesDidi-Hubermanfazdelaatravésdoconceitode“imagem-vaga-lume”,parapensaropotencialfilosóficoepolíticodaarte.Aleitura queproponhocolocaemdiálogoodiagnósticodePasoliniea“imagem-vaga-lume”comumcontodeJoãoGuimarãesRosaquesepassadurante aconstruçãodeBrasíliaenoqualovoodosvaga-lumes–edospássaros –criaumamargemdealegria,umtempointersticialdiferentedaquele dofuturomonumentaldodesenvolvimentismobrasileirodosanos1950. AcontinuidadequePasolinilêentreofascismoeoconsumocapitalista éoqueLinaBoBardipensacomouma continuidadedaguerra namarcha dahistória:daconstruçãodemonumentosatéodesenhodeespaços confortáveis,cheiosdetapeteseares-condicionados.
Seguindoumcaminhodesenhadopelasluzesdosvaga-lumesaberto poressecapítuloinicial,orestodolivrodivide-seemduaspartes: “Matéria-prima:olixo”e“Osossosdomundo”,marcadaspordoistipos dematerialidade:olixoeosossos.Ocapítulo2,“Umarrotodahistória: LinaBoBardientreaimagemmaterialeasformasdehabitarointervalo”,concentra-senaanálisedaobramultifacetadadaarquitetaítalo-brasileiraLinaBoBardipartindodosanos1950,ummomento-chave quecoincidecomaconstruçãodeBrasíliacomoápicedoprojetomonumentalmoderno.BoBardivê,nessaencruzilhadadefuturospossíveis, aaberturaparaumtipodefuturoalternativoque,noentanto,nãoaconteceu.AanálisepartedesuaexperiênciaemSalvador,Bahia,entre1958 e1964,entendendo-acomoumaexperiênciatransformadora.Depoisda Bahiaedoencontrocomoobjetodaculturapopularentendidocomo umamontagemdedetritoseumnódetempos,BoBardidesenvolveum conceitodeimagemmaterialpróximodaimagemdialéticadeWalter BenjaminedoconceitodesobrevivênciadeAbyWarburg. Essateoriavai lhepermitirrealizarsuapráticaartística,arquitetônicaecuratorialatendendoaoutrosaspectosresiduaiseanônimosquenãonecessariamente têmavercomopopular.Tantoemsuasexposiçõessobreculturapopular quantonos“cavaletesdecristal”queconcebeuparaexporacoleçãopermanentedoMasp,assimcomonasexposiçõestardiascentradasnainfância,nanaturezaenosanimais,subjazumateoriadaimagemcomomontagemdetemposheterogêneosqueserátambémumateoriadaarquitetura. Apartirdeumaanálisedeseusdispositivoscuratoriaisdecolonizadores doespaçoexpositivoedeseusescritos,proponhoqueaimagemmaterial bobardianaseconvertenumobjetoteóricoquemodificaahistóriaemdireçãotantoaopassadoquantoaofuturo,forjandoumlimiar–umlugar menos–queéondeaconteceráohabitar.Os“intervalos”dasexposições tardiasretomamamargemdaalegriadocontodeGuimarãesRosapara proporumaarquitetura trans-bordada eoutrosmodosdeviverjunto.
Ocapítulo3,“Apalavracomocoisaeaalegriacoletiva:ocinema deEduardoCoutinhocomoprojetofilosófico”,sepropõeentendero cinemadeEduardoCoutinhocomoumacontinuaçãodaestéticada fomedeGlauberRocha,pensadaapartirdesuasraízesbobardianas.
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AlgunsanosdepoisdaexperiênciabaianadeBoBardi,naqualelabuscavauma“arquiteturapobre”tomandooobjetodaculturapopular comoummodelodeconstruçãoapartirdamontagemdemateriais descartadosecomoalternativaestéticatantoaumaculturadeconsumoquantoaumaperspectivafolclóricasobreaculturapopular, Rochaescreveuseufamosoensaio“Estéticadafome”,de1965.Nele, talcomoBoBardi,Rochaopõe-seaumaestéticadoespetáculo,assim comoaumaperspectivacondescendente,exóticaemiserabilista.Este paraleloentreRochaeBoBardidisparaumdiálogoimaginárioentre CoutinhoeBoBardi–ouentreocinemadocumentaleaarquitetura dasimagens–atravésdeumfiocomum:aconstruçãodeuma“imagemlixo”.Oeixodessecapítuloéumaanálisedodocumentário Boca delixo (1992)emvínculocomumfilmeposterior, Jogodecena (2007), queoperacomoleituraretrospectiva.Afastando-sedeumolharnaturalista,ocinemadeCoutinhoencontranarelaçãoentrepalavra, imagemecorpoumadistânciadatradiçãodaimagemcinematográfica comoilustraçãoparapensarocinemacomoprojetofilosófico.
Asegundapartedolivropropõeque“osossosdomundo”nãosó contamhistóriasereativamumamemóriavitaldascoisas,mastambémque,aofazê-lo,provocamumatransfiguraçãodoregimesensível, trazendonovasformasdeolharoudeler,novasformasdepensaras fronteirasentreovivoeoinerte.Osossossãooquetemdemaispróximo–demaisinterior–semdeixardeserexteriores;omaisíntimo mas,aomesmotempo,sobrevivemnoforacomoumcorpoestranho. Ocapítulo4,“Atrásdalinguagem:aexperiênciaamazônicadeFlávio deCarvalhoeaimanênciadafloresta”,concentra-senaanáliseconjuntadetrêsficçõesteóricasdeFláviodeCarvalho: Osossosdomundo (1934), OsgatosdeRoma/Notasparaareconstruçãodeummundoperdido (1957-8)e Diáriosamazônicos/OntheFrontiersofDanger (1958,inédito); esteúltimobaseadoemsua Experiêncian.4,umaexpediçãonafloresta. Nestepercursoacompanha-seumprojetoartísticoefilosófico“total”35 quepartedeumateoriaarqueológicadosresíduoshistóricos–ossos domundo–paraproporumaontologiaanimistaouumvitalismoque 35.MoreiraLeite,2008.
conduzirádepois,emsuaexpedição,asuafacetaexperimental.AconcepçãodeCarvalhodoprimitivocomoresíduoesobrevivência,enão comoalgopertencenteaumatemporalidadehistórica–istoé,como umaanterioridadelógicaquenãoestáantesdotempomas“atrásda linguagem”,comocondiçãodepossibilidade–,leva-oaprocuraresse resíduonumfragmentodetempoforadotempoounum“nãotempo”. Assim,elevaiparaaflorestacomoquemvaiverasipróprioemuma totalnudez.Vaiseencontrarcomum“laço”primárioemqueadistinçãoentresujeitoeobjetoeentreahumanidadeeomundojánão fazsentido.Aflorestaseráolugarneutroqueeleprocuraapartirdo estético:umaaberturaparaummundonovoeparaumaoutraordem decoisasquesósemanifestaráplenamentenaexperiênciaamazônica entendidacomoexperiênciaestética.Nafloresta,Carvalhoencontrará umapresençaimanenteeumabaseparaseuprogramafilosóficofuturo.
Ocapítulo5,oúltimo,“Ofuturocomoum déjàvu:acontinuidadeda guerraeossobreviventesdofimdomundo”,começacomumretorno àpolêmicasobreotempodaciênciaeotempofilosófico.Tomandoa reflexãotemporalpropostapelaobradoartistasul-africanoWilliamKentridge,aÁfricadoSuleoBrasilseenlaçamnum Sul-Sul –ouSulGlobal–pararepensaracontinuidadesemfrestasentretempomodernoetempo colonial.Aconsequênciadessemodelotemporaléumapolíticadeextermíniodavida,umanecropolítica,36 quesemanifestanumaarquitetura queretomaaarquiteturadoconfortodeBoBardiatravésdo Junkspace37 edeumatemporalidade24/7.38 Comoalternativasmenoresaesses temposcontínuosehomogêneos,surgemduasobras:ofilme Serrasda desordem (2006),deAndreaTonacci,eoromance Dentesnegros (2011), deAndrédeLeones,ambasentendidascomoreleiturascontemporâneas docontodeGuimarãesRosaanalisadonocapítulo1.Essasobrassão relatosdecatástrofeseseconcentramnumapersonagem-chave:osobrevivente.Assim,afiguradasobrevivênciamaterial,queatravessouos capítulosanteriorescomoumapresençaativaeanimada–comvida–, 36.Mbembe,2020. 37.Koolhaas,2002. 38.Crary,2016.
introdução:asuspensãodotempomoderno
nestecapítulonãoapenaspassadoinerteaovivo,masultrapassaafronteiradaespécie,deixandodeserumaimagem,umapalavraouumobjeto paraencarnarempersonagenshumanassobreviventesdecatástrofes.
Em Serrasdadesordem,trata-sedomassacredeumacomunidade indígenaqueaconteceudefatonosanos1970,eem Dentesnegros de umaepidemiaquedizimapopulaçõesinteirasnoBrasil,umaficçãoque poderiatersidoqualificadacomoficçãocientíficaháalgunsanos,mas quesetornouverossímilesetransformou,então,numaestéticarealista. Nasduasobras,asdiferentestemporalidadesestãoligadasdetalforma queosextermíniosemassacresdeumpassadocolonialsãopensados comoacontecimentosfuturos:aextinçãodaespécieemnívelplanetário.Assim,afiguradosobreviventecolocadanopresentetorna-seuma figuraderesistência,umvaga-lumequeviraotempodoavessoecoloca ofuturocomo déjàvu,suspendendootempohomogêneoecontínuo damodernidade,doextermínioedaguerra.Um instantejá emquea palavraeaimagemengravidamdefuturoeseiluminamnumavertigem.
Osfuturosmenoresretornamentãodomesmofuturoparanosdizer quenãoexistiaumtempocientíficotãolinearoumensurável;quenão éramos tãomodernoscomopensávamos eque,sequisermoscontinuar existindo,aestruturadoconhecimentonãopodedeixardeincluiresse saberquevemdaquiloquefogeeseinfiltraporentreosponteirosdo relógio.Nacodafinal,“Aterraeopé”,proponhoalgumaslinhasde leiturascontemporâneasparapensarofuturodosfuturosmenores,um fioquepodemoscontinuarpuxandoparadesmontaroparadigmado sentidofixo,evolutivoebinárioqueatéagoranosuniuenosseparou domundoedaquiloquecostumávamoschamardenatureza.

Olivrocomoimagemdomundoédetodamaneira umaideiainsípida.NaverdadenãobastadizerVivao múltiplo,gritoderestodifícildeemitir.Nenhuma habilidadetipográfica,lexicaloumesmosintática serásuficienteparafazê-loouvir.Éprecisofazero múltiplo,nãoacrescentandosempreumadimensão superior,mas,aocontrário,damaneiramaissimples, comforçadesobriedade,noníveldasdimensõesde quesedispõe,sempren-1(ésomenteassimqueo unofazpartedomúltiplo,estandosempresubtraído dele).Subtrairoúnicodamultiplicidadeaser constituída;escreveran-1.
GillesDeleuzeeFélixGuattari