
11 minute read
TURISMO ROTA CÊNICA ILHA SC
from MURAL 84
Novas atrações para os caminhos de Floripa
CARLOS BORTOLOTTI fotos
Advertisement



CARLOS BORTOLOTTI foto texto FERNANDO BOND fotos CARLOS BORTOLOTTI, DARIO LINS e MARCO CEZAR
Você já imaginou percorrer os deslumbrantes caminhos da Ilha e, durante o percurso, poder curtir atrações como mirantes e paradouros, áreas de escape e descanso, trilhas, ciclovias, lugares para comprar a produção local, como artesanato e gastronomia? E além disso encontrar pelo caminho centros de visitantes, parques de campismo, estacionamentos – tudo isso com sinalização informativa e educativa?
Algo assim como a famosa 49 Cenic Drive – criada em 1938 em São Francisco, na Califórnia –, um roteiro de experiências inesquecíveis para quem percorre as 49 milhas que dão nome a essa Rota Cênica conhecida em todo o Planeta.
São caminhos e atrações muito parecidos com os da Ilha de Santa Catarina – e, afinal, se eles têm isso há 83 anos e fica cada vez melhor, por que nós manezinhos não podemos ter também e oferecer aos milhões de turistas que nos visitam anualmente?
E tem mais um fator que conta muito a nosso favor: o “pai” das Rotas Cênicas no Brasil é catarinense, o ambientalista e empresário Ike Gevaerd, manezinho adotado pela Ilha, mas que hoje vive cercado por uma pequena floresta na vila de pescadores no Canto Grande, em Bombinhas.
Nessa mini reserva da natureza, Ike cuida das gralhas, sabiás, garapuvus e paineiras, com a ajuda companheira da mulher, Clarice. E passa parte do dia trabalhando num estúdio incrustado nas pedras, que hoje é a sede home office da Biosphera Empreendimentos Ambientais. Um dos projetos que agora estão sobre a mesa de trabalho do Ike é o Rotas Cênicas SP, desenvolvido para estradas paulistas a pedido de outro catarinense, o secretário estadual de Turismo daquele estado, Vinícius Lummertz. Numa primeira etapa, as RCs estão sendo implantadas em quatro regiões e todas elas – Vale do Ribeira, Mantiqueira Paulista, Litoral Norte e Circuito das águas – já ganharam seus cadernos técnicos/masterplans.


DARIO LINS foto
DARIO LINS foto
Mas vamos voltar ao começo: o que são Rotas Cênicas? Segundo Ike, “são caminhos que já têm qualidades paisagísticas, naturais, culturais e geológicas – ou seja, construídas pelas mãos de Deus – que recebem discretas intervenções para proteger e valorizar essas características. Para resumir, transformar caminhos onde mal se veem coisas, em caminhos onde se fazem coisas, que é o slogan dos nossos projetos”.
Ike Gevaerd começou a se interessar por Rotas Cênicas há mais de 20 anos. Nas viagens que fazia ao redor do planeta, sempre buscou focar nessas rotas e também nas estruturas e gestão de parques ambientais. Depois de conhecer e explorar, entre diversas outras, RCs na Nova Zelândia, Alemanha, França, Estados Unidos – onde está a famosa Rota 66, que liga Los Angeles, na Califórnia, a Chicago, Illinois – e na América do Sul, especialmente a Carretera Astral, que vai de Puerto Montt à cidade de Cochrane, na Patagônia chilena, Ike Gevaerd foi à Noruega em 2015.

foto CARLOS BORTOLOTTI
foto DARIO LINS
Lá ele conheceu a exemplar Rede de Rotas Cênicas Turísticas que corta desde Jaren, no extremo sul do país, até Varanger, no norte, onde o território norueguês se encontra com a Rússia, a Suécia e a Finlândia. “Para conhecer as 18 Rotas Cênicas consideradas referência em todo o mundo, viajei por mais de 2 mil quilômetros durante um mês. Per Ritzer, o coordenador de comunicação das RCs junto ao Ministério dos Transportes da Noruega, foi meu cicerone e, depois da viagem, me disse que até aquela época, fui a primeira pessoa a fazer esse percurso completo.”
Desde 2010, Ike Gevaerd vem lutando para colocar as Rotas Cênicas na pauta catarinense – e parece que agora, finalmente, vai ter sucesso. Numa primeira etapa, a Biosphera fez um caderno técnico/masterplan para a Serra Catarinense, o chamado “Caminho das Montanhas”, que envolvia à época – há seis anos –, oito cidades, com cerca de 400 quilômetros. Isso, agora, com Mané Ferrari à frente da Santur, parece que vai sair do papel – a Santur e a Biosphera assinaram um termo de cooperação técnica para apoio institucional ao trabalho.
Amante incondicional de Florianópolis, Ike Gevaerd acredita que também em breve vai sair do papel o projeto Rotas Cênicas Ilha SC, tendo como referência a 49 Cenic Drive californiana. Para isso, já conta com apoio de entidades representativas da comunidade e está prospectando o setor produtivo em busca de interessados em apoiar o projeto.
E a gente fica na torcida desse boa-praça, sempre atarefado entre garapuvus, projetos e sonhos de oferecer uma natureza preservada hoje e no futuro, para nós, nossos filhos e netos.


foto MARCO CEZAR

MARCO CEZAR foto

Ike Gevaerd é um personagem de Floripa. Vindo do Vale do Itajaí – ele nasceu em Rio do Sul – fez parte das turmas que migraram, entre os anos 1970 e 80, para a Joaquina dos primórdios do surfe, das ‘galeras’ bronzeadas, rapazes de cabelos ao vento, moças de biquínis cada vez menores – sob a égide dos hinos e slogans da juventude da época, em busca de paz, amor e de uma vida mais despojada, junto à natureza. O cosmopolita Beto Stodieck era a mais perfeita tradução desta cidade e, com ele, muitos daquela geração tiveram um espelho para se posicionar com relação à política, meio ambiente, sexo e a muitas outras questões que ainda eram intransponíveis tabus. Ike Gevaerd escolheu o caminho da política ambiental – e assim foi um dos protagonistas da fundação do Partido Verde, o PV, no Brasil e na América, sigla cujo ícone foi, sem dúvida, Fernando Gabeira. “Pouca gente dá importância aos movimentos que aconteceram de 70 até o final dos anos 90, mas foi naquele momento que o país amadureceu muitos dos sonhos que teve com o fim do regime de 64, em meados dos anos 80”, defende ele. E Ike também amadureceu, buscando o caminho da sustentabilidade na defesa do meio ambiente, quando poucos falavam nisso. Viajante inveterado, colecionador de lembranças, livros e memórias do Brasil e de todo o planeta, Ike encontrou nas Rotas Cênicas uma razão para continuar lutando. Sobre essa trajetória e o sonho da Rota Cênica na sua amada Ilha de Santa Catarina, ele fala à Mural.
Revista Mural | Na sua concepção, quais os caminhos da Ilha poderiam ser contemplados com Rotas Cênicas? Ike Gevaerd | A Ilha já é uma Rota Cênica maravilhosa. Começando pela ponte Hercílio Luz, passando pelo Centro Histórico, é um belo começo. Depois, em direção a Cacupé, Santo Antônio de Lisboa e Moçambique, vamos para o norte em direção a Jurerê até a Praia do Forte, depois Canasvieiras com sua nova praia, Ponta das Canas, Cachoeira do Bom Jesus, até a urbanizada e bela Praia Brava. Saindo da SC-401 em direção aos Ingleses, passamos pela Praia do Santinho e seus costões e sua pré-história contada nas inscrições rupestres. A rodovia que atravessa o histórico Rio Vermelho, cortando o parque que a separa da Praia do Moçambique, se junta à Barra da Lagoa, com seu canal que serve de entrada e saída para os ainda resistentes pescadores artesanais. Seguindo pela mesma estrada temos a Galheta e a Praia Mole, e então costeamos a Lagoa com vistas cinematográficas, chegamos à Joaquina de muitas histórias. Mas tem muito mais...

RM | Para o outro lado, né? Gevaerd | Sim, outro bom caminho para ser realizado, tendo também a Ponte como ponto de partida, seguindo pela Beira-Mar Norte, passando pela Reta das Três Pontes, ou Avenida da Saudade, em direção ao Morro da Lagoa, onde do seu mirante podemos observar de longe a beleza, infelizmente hoje aviltada, do nosso cartão postal. Descendo a estrada, uma das mais belas da Ilha, chegamos ao Centrinho – e depois temos o primeiro contato próximo com a magia da Lagoa, passando pela ponte sobre o canal e um pouco adiante dobramos pela Osni Ortiga, em direção ao Campeche. Assim podemos continuar seguindo por caminhos exuberantes que cortam a Ilha de norte a sul, passando pelo Morro das Pedras, Armação, Pântano do Sul e Solidão. Muitas das suas belezas naturais ainda resistem, suas belezas cênicas estão ali para serem desfrutadas. Precisamos agora e sempre tratar com o carinho que merece este “pedacinho de terra perdido no mar”. RM | Florianópolis é conhecida como “a cidade do não pode”. Você tem receio de que sejam criados obstáculos para a implantação das Rotas Cênicas? Gevaerd | Não temos que ter medo. Obstáculos sempre existirão e serão ultrapassados, pois este projeto irá valorizar as qualidades paisagísticas, naturais, culturais e geológicas que existem no percurso da estrada, e que se encontram propícias para receber intervenções que visam proteger e qualificar ainda mais essas características, fomentando o desenvolvimento econômico por meio do turismo e fazendo com que ela possa ser visualizada não só como um caminho, mas como parte do destino. Dificuldades não me amedrontam: quando secretário de Meio Ambiente de Balneário Camboriú, decidimos implantar o programa internacional de qualidade de praias, o Bandeira Azul, e recebemos críticas. O negócio é enfrentar e mostrar a importância desse tipo de programa para o futuro social e econômico de nossas cidades e região. Hoje, Balneário Camboriú detém três selos de Bandeira Azul, que são orgulho para a cidade e um exemplo para o Estado.


MARCO CEZAR foto
RM | Você é um otimista com relação à implantação de Rotas Cênicas em SC, mas essa luta já vem de longe. Quem foram os atores que acreditaram nesse projeto? Gevaerd | Num primeiro momento, o Murilo Flores, que era secretário de Planejamento do Estado em 2015, e o Cássio Taniguchi, exprefeito de Curitiba, que fez parte do famoso grupo de arquitetos e urbanistas de Jaime Lerner, e que era responsável pelo planejamento da Região Metropolitana da Grande Florianópolis. Ao mesmo tempo, o Vinícius Lummertz, que sempre foi um visionário e adotou práticas de inovação na gestão pública – e que era na época presidente da Embratur. Nunca desistimos do sonho, tanto assim que ele me convidou para ir implantar as Rotas Cênica no Estado de São Paulo. Aliás, um fato histórico importante: no dia 5 de abril foi publicado o primeiro Decreto do país, no Diário Oficial de São Paulo, tratando de Rotas Cênicas. Isso é uma vitória para a história do turismo brasileiro, da qual o ex-ministro Vinícius Lummertz é protagonista. Outro que abraçou a ideia foi o Mané Ferrari, hoje presidente da Santur, com quem a gente assinou um termo de cooperação que começa a sair do papel. Tem muito mais gente, técnicos, turismólogos, secretários municipais, representantes de entidades e conselhos ligados ao turismo. Para não cometer injustiças, em nome do Leandro Bertoli Neto – arquiteto, integrante da equipe técnica da Santur e professor, um aliado de primeira hora – vou agradecer a todos. RM | As Rotas Cênicas e os parques ambientais transformaram tua vida numa grande aventura pelo planeta. Quais são os cenários marcantes dessa tua história? Gevaerd | Desde a década de 90 venho percorrendo o planeta em busca de experiências bem-sucedidas nos temas que envolvem turismo e meio ambiente, principalmente no que se refere a parques naturais e belas estradas. Dentre as inúmeras rotas percorridas, destaco as 18 Rotas Cênicas Turísticas da Noruega, um exemplo de planejamento e respeito ao patrimônio natural e cultural daquele país nórdico, que foi uma das referências para o desenvolvimento do projeto aqui no Brasil. Outra foi a Carretera Astral, no sul do Chile, onde fui a convite de Douglas Tompkins (in memoriam), o milionário verde, incansável batalhador pela conservação da Patagônia. Por meio da “Tompkins Conservation”, ele criou a Ruta de los Parques, considerada o caminho mais espetacular da América do Sul. As estradas que cortam as duas Ilhas da Nova Zelândia, as históricas estradas da Europa com suas paisagens e gastronomia, e a icônica Rota 66, que corta os Estados Unidos, país criador das estradas parques, que depois se transformaram em Rotas Cênicas, são apenas alguns dos exemplos e referências que há mais de duas décadas me fizeram pensar em implantar algo semelhante aqui no Brasil. E que, agora, estão se transformando em realidade. Ou seja: “Transformar caminhos onde mal se veem coisas em caminhos onde se fazem coisas”.
