

























































Caturo e o colar de ouro
Texto Ana Caramez | Jorge Araújo Ilustração Joana de Rosa
Design João Lobarinhas | Município de Esposende Coordenação Ana Paula Almeida | Município de Esposende
1º edição E-book (2022)
Editor Município de Esposende
ISBN 978-989-53568-3-6

© Copyright
É expressamente proibida a reprodução parcial ou integral deste livro por qualquer meio, incluindo microfilme, suporte analógico ou digital.
Ao “MESTRE”


Carlos Alberto Brochado de Almeida Professor Doutor
“Se consegui ver mais longe é porque estava aos ombros de gigantes” Isaac Newton
Presidente da Câmara Municipal de Esposende, Arquiteto Benjamim Pereira

“Caturo e o colar de ouro” foi criado a pensar em vocês!
Apesar de ter nascido no Castro de S. Lourenço há cerca de 2.000 anos, Caturo sempre conheceu as aldeias “encarrapitadas no cimo dos montes” mais próximos, fixadas em pontos altos e estratégicos do nosso território… o Castro de S. Lourenço, o Castro de N. Sra. da Paz, o Castro Cova da Bouça, a Cividade de Belinho, o Castro do Sr. dos Desamparados e o Castro do Outeiro dos Picoutos. No entanto, Caturo cresceu e agora enfrenta novos desafios que o fazem sonhar com o futuro…
“Um cidadão esclarecido, é um cidadão ativo!” é a máxima do Serviço Educativo do Centro Interpretativo de S. Lourenço. Sabes qual o seu significado? Que quanto mais conhecimento tiveres, maior poder decisão terás e melhor cidadão serás!
Ciente que o público mais jovem constitui o futuro, é ao nível da vossa formação que o Município de Esposende tem vindo a apostar. Espero que esta seja mais uma ferramenta de sensibilização e de criação do gosto pelo nosso Património e que ative a tua atitude cidadã. Aceita o desafio e embarca numa viagem no tempo, através de uma história envolta em mistério, onde despontam naufrágios, um precioso colar e um novo porto, num fascinante encontro intercultural… afinal “quem somos e de onde vimos é a génese humana… esta é a sua História! Esta é a nossa História!”

O dia surgiu com uma luz diferente. A chuva dos dias anteriores tinha parado e a claridade obrigou Caturo a fechar um bocadinho os olhos. Tinha acabado de se levantar e abrir a porta de sua casa, espreguiçando-se lentamente. O ar ainda estava frio e a sua respiração provocava pequenas nuvens que muito divertiam o rapaz. O ar fresco da manhã contrastava com o ar mais abafado da casa onde cozinhavam as refeições e onde dormiam todos os membros da família.


- Vou buscar mais lenha para a fogueira, mãe. – disse Caturo, virando-se para dentro de casa.

O caminho era curto. A casa que servia para os arrumos ficava mesmo ao lado. Destrancou rapidamente a porta e colocou nos braços alguns troncos de madeira que ele e o pai tinham cortado no dia anterior.
- Queres ajuda, Caturo?
Surpreendido, o jovem olhou para trás. Era o pai, com um sorriso aberto.
- Pareces atrapalhado, filho. Vem, eu ajudo-te com a porta. – acrescentou o pai. – Vamos lá ajudar a acender o lume que esta geada faz bem à terra, mas os meus ossos precisam do calor da lareira!
- Sim, pai. A mãe já quer aquecer o caldo e a minha barriga agradece! Que fome!
Quando entraram na casa grande, a mãe de Caturo já tinha arrumado os cobertores espessos de lã que usavam para se cobrirem durante a noite. Também já tinha recolhido, num canto, a palha que lhes tornava o chão da casa mais macio.
O avô de Caturo também já estava lá dentro, sentado no lugar dos mais velhos, num dos bancos de pedra que estavam encostados à parede.
- Bom dia, Caturo! Cheguei agora mesmo. Olha para ti, estás quase um homem!
- Avô, já chegaste! – gritou o rapaz, dando-lhe um forte abraço.
- Vamos, sentem-se que já vou distribuir a comida, seus esfomeados! – declarou a mãe, que trazia consigo uma grande panela com caldo quente.
- Caturo, ainda não disseste a novidade ao teu avô… - disse o pai.
- Pois não! Avô, terminei uma nova fíbula na forja! – exclamou o rapaz – E hoje vamos vender algumas ao castro do chefe Dovio.
- Muito bem, Caturo, estás um artesão de primeira! E o que vais lá comprar? – perguntou o avô.

- Bem, a ideia é trocar uma ou duas fíbulas de bronze por panos de linho e de lã.
- Pois, pois, cá para mim vais fazer negócio é com a filha do chefe… Sempre que falas dela, os teus olhos até brilham! Como é que ela se chama mesmo? – perguntou a mãe, com um olhar cúmplice.
- Chama-se Camala, mãe… – respondeu o rapaz, já a corar.
- Pois claro que se chama Camala, pois… Vê lá é se me trazes um daqueles vestidos coloridos que lá fazem tão bem, que eu já estou a precisar de roupa nova! – afirmou a mãe, virando as costas para esconder o seu grande sorriso.
- Pois claro, a filha do meu amigo Dovio… Isso vai de bom vento, pelo que parece. – disse o pai, com ar trocista. - Mas a maior parte das peças vão ser vendidas no novo porto que os romanos estão a construir na foz do rio Celanus. – acrescentou.
- Sim, os barcos dos romanos chegam cada vez em maior número. Qualquer um consegue ver as suas velas a passarem lá em baixo, no grande mar! – exclamou o avô, de olhos arregalados.
- É uma coisa boa, avô. Os romanos trazem muitos produtos que nós não temos. – disse Caturo, recuperando a postura e levando mais uma grande golada de caldo à boca.
- Ora, têm a mania de nos impingir aquela pasta de peixe salgado, o garum! Credo, que aquilo empesta a língua durante uma lua inteira! – afirmou o avô, fazendo uma careta com a língua de fora.
- Pois, mas o vinho que trazem é bem forte e mais do que conseguimos beber! – contrapôs o pai.
- Dizem que eles o misturam com água, para ficar mais suave. – replicou Caturo.
- É porque não têm de aturar as nossas mulheres, rapaz! –sentenciou o avô.
As gargalhadas dos três foram cortadas rapidamente com um baque violento. A mãe de Caturo tinha pousado com força um jarro no banco.

- Bebam água, se quiserem, seus ingratos! Agora vou arranjar ali mais dois pesos de tear e vou fiar! – gritou a mãe, furiosa. Os três, envergonhados, pediram desculpa e terminaram a refeição em silêncio.
- Bom, – retomou o pai – então se calhar, podemos aproveitar e ir também ao porto romano. Que dizes Caturo?
- Acho uma excelente ideia, pai. Mas para isso, é melhor também levar uma ou duas falcatas. Pode ser que encontremos algo de interessante. E uma falcata sempre vale mais do que uma fíbula.
- Parece que tens jeito para o negócio! Assim vais prosperar, rapaz! – sentenciou o avô.



Caturo gostava do cheiro do mar que sempre conhecera. Adorava ir com a família recolher o sal que ficava nas pedras salineiras que exploravam e olhar para aquela espuma branca que as ondas faziam quando encontravam a praia. Adorava o ar fresco das terras planas viradas ao mar.
- Estamos a chegar, Caturo. Já se vêm ali os mastros dos navios.
- Sim, pai. E parece que estão a atrair cada vez mais gente. Olha ali mais um grupo de homens que se dirige para lá! – exclamou Caturo. Ao aproximarem-se, aperceberam-se que o novo porto fervilhava de gente. Verificaram também que os habitantes locais continuavam a lançar as suas redes ao mar, fazendo agora uso de pequenas embarcações ao estilo romano, mais seguras. O pequeno porto estava cheio de gente, sendo muitos vizinhos da família de Caturo e outros de castros mais distantes.
- Olha, Caturo, estão aqui dois navios romanos. O que terão trazido?
- Cá para mim deve ser o garum que o avô tanto gosta. Olha a quantidade de ânforas que estão a ser descarregadas! – exclamou Caturo, sorrindo.
- Olha, pai. Eu disse-te. Repara nas ânforas que estão a sair daquele navio. Será vinho? – perguntou Caturo.
- Sim, pode ser. Mas também podem trazer azeite. Ouvi dizer que os romanos o utilizam para a comida e para a iluminação nas suas casas! – declarou o pai.
- Bem-vindos, amigos! – exclamou uma voz. Caturo e o pai viraram-se para trás e depararam-se com um romano muito bem vestido e com os dedos cheios de anéis reluzentes.

- Não se assustem. O meu nome é Lucius Valerius e sou o dono daquele barco além. Venho de Itálica e acabo de chegar com mercadorias que talvez vos agradem. Venham ver! – disse o romano, convidando-os a segui-lo com um aceno do braço. Caturo e o pai entreolharam-se.
- Bem, não temos nada a perder. Foi para isto que viemos, não é verdade? Algumas pessoas acotovelavam-se junto da banca do mercador, vigiadas por dois guardas do porto.
- Venham, amigos! – incentivou o romano, tentando abrir caminho para os possíveis clientes. - Então, têm moedas?
- Moedas, não. Mas trazemos algumas coisas que te podem interessar. – disse o pai de Caturo, com seriedade.
- Muito bem. Vejam primeiro os meus produtos, são de primeira qualidade!
A banca do mercador estava bem composta. Apresentava pequenos objetos cerâmicos a que chamou de lucernas, dizendo que era o futuro da iluminação nos povoados. Era só colocar um pouco de azeite e acender uma mecha para a noite se transformar em dia!

- Venham. Provem também o meu vinho, muito melhor do que o dos gregos! Este provém do sul da Hispânia e até os deuses se babam por ele!
Caturo torceu o nariz, lembrando-se da conversa do vinho forte, em casa.
- O que têm para trocar? – perguntou o romano.
- Bem, trouxemos fíbulas e alguns tecidos. – respondeu o pai.
- Pois, se é só isso, bem podem ir à tenda do Severus… Ele tem produtos mais baratos… – disse o romano, desanimado.
- Romano, vi os anéis que tens nos dedos. Tens mais joias? –perguntou Caturo, um pouco envergonhado.

O pai olhou para ele, surpreendido.
- Claro que tenho, meu jovem! – assegurou vivamente – Só não as posso ter aqui em exposição, porque os guardas não chegam para tudo!
O mercador convidou-os para o interior da sua tenda.
- Esperem aqui, por favor.
Andou uns passos e passou para uma segunda divisão. Pouco tempo depois, regressou, transportando nas mãos uma pequena arca em madeira, com incrustações de marfim.
- Meus amigos, não demorei nada, pois não? Então vejam o que trouxe!
Abriu cuidadosamente a arca, com um ar muito sério.
Calmamente, foi depositando à frente de Caturo e do pai dois pares de brincos, uma bracelete de prata e um colar feito com contas de vidro e ouro.
- Estes são os meus maiores tesouros! – sentenciou o mercador –
Foram produzidos pelos melhores ourives!
Os olhos de Caturo brilhavam intensamente.
- Então, Caturo, parece que o vinho está fora de questão, é isso? –perguntou o pai.


- Pai, desculpa, mas desde o início do dia, quando falaste na visita ao porto, que pensei em poder comprar algo de especial para a Camala… Ela é muito especial para mim… - disse Caturo, tentando esconder o seu nervosismo.
O pai de Caturo olhou para ele fixamente. A Caturo, pareceu-lhe uma eternidade, até que o pai esboçou um sorriso.
- Já me tinha apercebido disso, filho. Muito bem. Mas a tua decisão terá um preço. Tens agora o negócio com o romano nas mãos. –concluiu o pai, dando-lhe alento.
Caturo olhou fixamente o mercador.
- Quero o colar com as contas de vidro e ouro! – afirmou.

- Certo, rapaz… E o que tens para me dar em troca? Olha que panos não chegam para levares esta preciosidade! – exclamou o mercador. Caturo abriu o seu saco e, com solenidade, depositou na mesa as duas falcatas que tinha produzido com tanto trabalho.
- Isto chega, romano? – questionou. O mercador avaliou as armas com cuidado.
- Foste tu que as fizeste? – perguntou.
- Sim. – disse Caturo, com orgulho.
- Um grande trabalho, rapaz! Isto pode-me dar bom dinheiro noutras paragens. Valem bem o colar… Negócio fechado! –sentenciou o romano.
Levantaram-se os três e selaram a troca com um forte aperto de mãos.
- Excelente negócio, Caturo – disse o pai – espero que a Camala aprecie o teu esforço!

Caturo não conseguia dormir, inquieto. O vento soprava forte, agitando o arvoredo e assustando os animais no curral. Além disso, não parava de pensar qual seria a reação de Camala ao receber aquele presente tão bonito, o colar de vidro e ouro. Caturo queria-lhe bem, feliz, gostava dela, mas sabia o quão difícil era arrancar-lhe um sorriso. Camala era muito reservada. Agitado com estes pensamentos, levantou-se ainda todos dormiam e saiu. Precisava estar sozinho. Tal como o avô, Caturo acreditava que as boas ideias surgem com o romper da aurora e assim esperava que acontecesse. O ar fresco da manhã e o nascer do sol, trariam a calma que necessitava para preparar o encontro com Camala. Por agora, uma boa caminhada até ao ponto mais alto do povoado seria revigorante.
- Ouve-se o mar! - disse em voz alta. – E está zangado. Sentou-se na penedia e ali ficou, olhando fixamente o imenso oceano, pensando no que poderia existir para além das terras que conhecia.

Os pensamentos de Caturo foram interrompidos pelo raiar da manhã e o som estrondoso de um trovão. Deu um salto, assustado e, para espanto seu, algo despertou a sua atenção, lá longe.
- Está ali alguma coisa! Está ali a acontecer alguma coisa! Está mesmo! – exclamou, desatando a correr em direção a casa.
- Pai! Pai! Avô! Ó Avô! Ó Pai!
- O que foi rapaz? De onde vens tão agitado? Aliás, de onde vens a esta hora? Aliás, porque saíste de casa, Caturo? –perguntou o pai, preocupado.

- Pai, aconteceu alguma coisa, pai! Eu vi agora ali em cima. –respondeu apressadamente.
- Calma Caturo. – disse o avô. – O que viste afinal?
- Eu não sei bem o que é mas até acho que sei. Quer dizer, eu acho que vi um barco. A afundar. Quer dizer, eu vi umas ondas gigantes a engolir um barco e depois não vi mais nada. –respondeu, ofegante.
- Onde, rapaz? – perguntou o pai.
- Ali, no cimo do monte, eu vi um barco, para as bandas do norte. E o mar estava revolto e deu um grande trovão e…
- E não sonhaste acordado, Caturo? – perguntou o avô que conhecia bem o espírito aventureiro do rapaz.
- Não, eu vi pai. – respondeu Caturo, olhando para o pai.
- Então, vamos lá ver o que se passa. Podem precisar de nós. –disse o pai.
- E podem trazer problemas também. – afirmou o avô, preocupado.
- Pois. Mas o melhor será lá ir ver o que realmente aconteceu. Pode ser mesmo uma embarcação em apuros. Com o temporal que fez esta noite, é bem capaz. – afirmou o pai, convictamente.
- Mas com cuidado, sim!? Não sabem quem são nem porque aqui vieram. – lembrou a mãe de Caturo, muito aflita. Caturo e o pai, acompanhados por mais alguns vizinhos, partiram ao encontro daquele lugar onde alguma coisa acontecera, de facto, mas que não sabiam bem o que seria. Enquanto caminhavam, Caturo e o pai conversavam sobre a sorte que tinham em viver no alto do monte, de onde podiam avistar todos os perigos vindos de outros lados, inclusive do mar. Por isso, estavam sempre mais protegidos e podiam defender-se muito melhor quando atacados.


Entretanto, o vento norte acalmara e a fúria do mar parecia ter adormecido. Bandos de galhetas planavam a costa como que em busca de algo para comer.
Escondidos no meio da vegetação, para perceberem realmente o que ali se passava, Caturo sussurra:
- Vês, pai, ali ao fundo, homens a falar e a gesticular. Parece que estão aflitos.
- Sim, encalharam nos rochedos. – respondeu o pai.
- E o barco tem velas redondas, como as do barco do comerciante das contas de ouro.
- Sim, são romanos, Caturo. Romanos que naufragaram com o temporal desta noite. Vamos, podem precisar de ajuda. Aproximaram-se cuidadosamente do lugar e viram uma grande embarcação encalhada nas rochas com uma grande abertura no casco. Os homens estavam exaltados e desorientados.

- Bons dias. Vimos em paz. Precisam de ajuda? Somos d’além e vimos o que vos aconteceu. – disse o pai de Caturo.
- Avé César! – respondeu um dos romanos. – Em boa hora chegastes. O temporal dificultou-nos as manobras e acabamos por embater nas rochas. Seguimos rumo a norte com um carregamento de vinho e mais umas miudezas. Precisamos de ajuda para concertar o casco e prosseguir viagem!
- Nós ajudamos! – respondeu prontamente Caturo.
- Sim, mas vamos precisar de mais braços para trabalhar, de madeiras e ferramentas. A nossa aldeia fica perto daqui. – disse o pai.
- Por César, obrigado! – disse o romano, mais aliviado - Chamo-me Adrianus, sou comerciante de vinho, venho do sul da Hispânia e tenho de chegar à Gália. Já tinha ouvido falar destas gentes daqui, que vivem no alto dos montes, ao contrário de nós romanos que preferimos as planícies. E vocês, como se chamam? – perguntou.
- Sou Caturo e este é o meu pai, Dovius. Feitas as apresentações, começaram por recolher, para um lugar seguro, a carga que andava à deriva no mar e a que restava dentro do porão.

- Agora que a carga está a salvo, será melhor ir buscar ajuda. –disse o pai de Caturo.
- Vinde connosco e ficais a conhecer a nossa gente. – convidou o pai. Assim foi.
Caturo, o pai e Adrianus partiram em direção à aldeia. À chegada, todos olharam para o romano com muita curiosidade. Quem é? De onde vem? O que traz? O que quer daqui? – foram muitas das perguntas que se ouviram e a todos Adrianus respondeu.
Enquanto comiam o caldo quentinho preparado pela mãe de Caturo, Adrianus falou-lhes da grandiosidade do Império que Octávio César Augusto estava a criar. Descreveu-lhes as cidades romanas, como eram belas e organizadas, com casas quadradas e retangulares, muito cómodas, e como é que os romanos ocupavam os seus dias. Falou-lhes nas inúmeras conquistas que o
exército estava a realizar e de como, aos bocadinhos, todos se iam convertendo à maneira de viver dos romanos. Partilhou com todos os produtos que consumiam e o que vendiam, até onde navegavam porque, como ele dizia, o Mare Nostrum!

Sabiam que para lá do Celanus, havia uma grande povoação, Bracara Augusta, que Adrianus confirmou que iria ser uma grandiosa cidade, tal como eram as cidades construídas pelo seu povo.
Como anoiteceu, Adrianus ficou na aldeia, agradecido pelo acolhimento mas um tanto constrangido com a forma como esta gente vivia.
- Casas redondas com teto de palha! – pensava Adrianus ao aconchegar-se junto do lume. – Há tanto para conheceres, Caturo! –disse, por fim, adormecendo de cansaço.
Com o romper da aurora, um grupo de homens, apetrechado com madeiras e ferramentas, acompanhou Adrianus até ao local do naufrágio. Demoraram quatro luas a arranjar a embarcação e lançá-la novamente ao mar. Durante esse tempo, Caturo tentou absorver tudo o que aqueles homens diferentes partilhavam, numa ânsia de conhecer novo mundo. Sempre atento e curioso, sonhava partilhar com Camala esta grande aventura. Quem sabe se juntos iriam conhecer Bracara Augusta.

- Como recompensa pela vossa ajuda, deixo-vos ânforas deste vinho e estes sestércios, a nossa moeda. Com elas podem fazer grandes negócios no porto. – disse Adrianus.
- Levai estas arrecadas para a vossa filha. É o que de mais bonito temos para vos oferecer e para que não vos esqueçais de nós, Adrianus! – exclamou o pai. Despediam-se. Talvez um dia se voltassem a ver, pensava Caturo no regresso a casa. Nos dias seguintes, vive-se grande azáfama na aldeia do Caturo. O temporal que provocou o naufrágio da embarcação de Adrianus, destruiu também algumas habitações. Eram necessárias obras de reconstrução urgentes pois o inverno ainda estava para durar. Caturo lembrou-se do que Adrianus tinha explicado acerca da técnica de construção das casas quadradas e retangulares, cobertas com telha.


- Vão tentar! – disse desafiando o pai. – Vamos construir casas à maneira dos romanos.
- O quê? E tu lembras-te de tudo o que Adrianus contou? As pedras têm de ser alinhadas, perfeitas, quase iguais e entre elas, é necessária uma argamassa para dar robustez ao edifício. –contrapôs o pai.
- Lembro sim. E, aqui, podemos pavimentar este acesso com lajes grandes. Ficava tão bonito, não achas!? – argumentou Caturo. E assim passaram muitas luas e muitos sóis, em obras de construção, um trabalho intenso que não dava tréguas aos pedreiros da aldeia.
Sempre que era necessário ir ao porto fazer trocas, Caturo e o pai procuravam também recolher mais informações sobre técnicas de construção. Os comerciantes, vaidosos, partilhavam o seu conhecimento, orgulhosos da grande civilização romana. Na verdade, Caturo desejava que Camala viesse para a aldeia, que formassem família e, tanto melhor, se lhe pudesse proporcionar mais conforto.
Semana após semana, as habitações destruídas davam lugar a novas casas, mais amplas, arejadas e seguras, devidamente apetrechadas de adornos que os negócios no porto proporcionavam. Agora, só faltava ir buscar Camala.



Camala, é para ti. Gostava que viesses comigo. Podíamos formar família. Tenho uma casa para nós… Enquanto caminhava, Caturo pensava na forma de entregar o colar de ouro a Camala e como lhe dizer que gostava que viesse com ele para a sua aldeia. Camala pertencia à aldeia de Picoutos. Para lá chegar, era necessário passar o rio Celanus. Caturo ia sempre acompanhado pelo pai. Longe ia o tempo em que o avô era o seu companheiro de aventuras. A velhice obrigava-o a ficar na aldeia e a ocupar o tempo a contar histórias aos mais novos.
O dia estava bonito, com um sol aberto e uma pequena brisa suave. A paisagem verdejante fora renovada pelos dias mais quentes. À chegada a Outeiro dos Picoutos, o ancião esperava-os, acompanhado pelo pai de Camala. Este encontro estava previsto desde o início da estação das chuvas, mas as obras nas habitações da aldeia do Caturo, atrasaram o acontecimento.
- Sejam bem-vindos. – disse o ancião olhando atentamente para Caturo.
- Gratidão por sermos recebidos. – respondeu o pai de Caturo.

– O meu filho desejava falar com Camala se… - e foi abruptamente interrompido pelo filho.
- Gosto dela! Gosto dela! E, se ela estiver de acordo, gostava que viesse comigo, para a nossa aldeia. E… e… e trago-lhe isto. – disse, mostrando o colar de contas perante o espanto de todos que o ouviam, boquiabertos.

- Eu gosto. Quer dizer, eu quero. Quer dizer, eu concordo!
– disse uma voz que saía de um esconderijo. Era Camala, envergonhada e muito corada que se aproximava. Primeiro, um silêncio. Depois, uma gargalhada geral.

- Parece que concorda, rapaz! – disse o ancião. Camala aproximou-se de Caturo e ele colocou-lhe o colar no seu belo pescoço. – Estás linda, Camala. – disse o jovem rapaz, embebecido por aquele olhar vivo. Era um colar de vinte e sete contas, feitas em vidro e folha de ouro, uma peça belíssima para a mulher com quem ia dividir o resto dos seus dias.
- Fica decidido: daqui a quatro luas celebraremos a festa da união das nossas famílias. Daí para a frente, Camala acompanharás Caturo e com ele terás abrigo e proteção. Irão gerar filhos que serão a continuidade do nosso povo. – proferiu o ancião. – Festejemos! Nessa noite, houve festa. Em volta da enorme fogueira acesa no centro do povoado, danças e cantares, pão de bolota e muita cerveja animaram a noite. Caturo e o pai partilharam com os aldeãos notícias do naufrágio, de como ajudaram Adrianus e de tudo o que ele lhes tinha contado sobre o mundo romano.
- E nós já experimentamos fazer casas à maneira romana! – disse Caturo orgulhoso enquanto olhava para Camala.
- E são seguras, meu rapaz? – perguntou o pai da rapariga.
- Muito. – respondeu o pai de Caturo. Instalamo-nos lá há dias e ainda não caiu em cima de nós. – acrescentou, provocando gargalhada geral.
- Há uma para nós, Camala. – disse Caturo, olhando ternamente para a sua bonita mulher. Camala sorriu. Nesse momento, teve certeza de que iriam ser felizes.

Com o romper do dia, Caturo e Camala, juntamente com o pai, regressaram à sua aldeia. Era tempo de apresentar a jovem à mãe, ao avô e aos restantes parentes e vizinhos. Caturo estava ansioso por lhe mostrar a nova casa. Na passagem do rio Celanus, Caturo falou-lhe de Bracara Augusta, a grande cidade que os romanos estavam a construir para lá das montanhas e prometeu-lhe que um dia viajariam até lá, subindo o rio pois era lá que estava o FUTURO.


Ação integrada na operação “DO FERRO AO OURO”, apresentada à autoridade de gestão do NORTE 2020 Programa Operacional Regional do Norte no âmbito do Aviso N.º Norte-14-2020-25, sendo cofinanciada no âmbito do programa operacional NORTE 2020 PORTUGAL 2020 e Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER)

























































