Revista Vallis Longus N.º 3 - II Série

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Ficha Técnica

Título: Revista Vallis Longus. História. Arte. Cultura. Património. Identidade. Cidadania

Numeração: Série II n.º 3 2025

Proprietário: Câmara Municipal de Valongo

Sede de Redação: Arquivo Histórico de Valongo/CMV

Diretor: Joel Mata

Comissão Científica: Francisco Castelo Branco, Lino Tavares Dias, José Manuel Pereira, José Manuel Tedim, Manuel Pinto, Paulo Amorim. Depósito legal: 6154/84

ISSN: 2975-979X

Página web: https://www.revistavallislongus.pt Local: Valongo

Ano: 2025

Periodicidade: anual

Conceção gráfica: Ricardo Durão Designer

Impressão e acabamento: C-Print

Tiragem: 200 ex.

I Congresso de História

História. 50 Anos de Municipalismo: novos caminhos para o poder autárquico, entre a regionalização e a descentralização

Auditório

Dr. António Macedo

8 de Novembro

Câmara Municipal de Valongo 2024

ATAS DO I CONGRESSO DE HISTÓRIA

História. 50 Anos de Municipalismo: novos caminhos para o poder autárquico, entre a regionalização e a descentralização

Edição

Município de Valongo

Abril 2025

Sumário

Sessão de abertura

13 JOSÉ MANUEL RIBEIRO

19 JOEL SILVA FERREIRA MATA

23

Programa Geral do Congresso

Comunicações

25 JOSÉ CADIMA RIBEIRO, Regionalização e descentralização em Portugal: algumas notas

ANDREIA BARBOSA (comunicação oral)

FILIPE TELES (comunicação oral)

37 CARLOS MIGUEL, Descentralizar para Regionalizar

40 ISABEL SANTOS, A Mulher na ciência, na cultura e na política

MARISA ALMEIDA, O Papel do feminismo na luta pelos direitos das mulheres em Portugal (comunicação oral)

46 HELENA MENDES PEREIRA, A Cultura e o exemplo: dados e factos sobre a representatividade e liderança no feminino no setor

55 FRANCISCO CASTELO BRANCO, A Relação entre Autarquias e IPSS: Fortalecimento da Intervenção Social Local

59 RUI LEANDRO MAIA, A Importância da História Local: do que existe e do que pode existir…

JOEL CLETO, Alminhas de Valongo. Dimensão material e imaterial da religiosidade e mentalidade popular (comunicação oral)

73 JOEL SILVA FERREIRA MATA, O Municipalismo português: da tradição à inovação

97 Notas biográficas dos conferencistas e moderadores

Comissão de honra

José Pedro de Aguiar Branco

Presidente da Assembleia da República

José Manuel Ribeiro

Presidente da Câmara Municipal de Valongo

Luísa Salgueiro

Presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses

Cardeal Américo Alves Aguiar

Bispo da Diocese de Setúbal

António M. Cunha

Presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte

PRESIDENTE

Joel Mata

Universidade Lusíada (CEJEIA)

Filipe Macedo

Universidade Fernando Pessoa

José Manuel Tedim

Universidade Portucalense

Manuel Pinto

Universidade do Minho

Paulo Amorim

Universidade Lusíada (CEJEIA)

Lino Tavares Dias

ISPGAYA (CEAU)

Joel Cleto

Instituto Superior de Administração e Gestão

Rui Maia

Universidade Fernando Pessoa

Comissão científica

Comissão executiva

PRESIDENTE

José Manuel Ribeiro

Susana Gomes

Directora do Departamento de Cultura e Cidadania

João Rosas

Chefe de Divisão, Património, Cultura, Bibliotecas, Arquivo e Documentação

André Teixeira

Chefe da Unidade Arquivo e Documentação

Cristina Madureira

Técnica Superior da Divisão do Ambiente, CMV

Manuela Ribeiro

Técnica Superior do AHVAL/CMVLG

Isabel Oliveira

Técnica Superior do AHVAL/CMVLG

Ilda Correia

Técnica Superior do AHVAL/CMVLG

Sessão de abertura

Confiança no conhecimento, na proximidade e na participação. E no papel das mulheres

IEste terceiro número da nova série da Vallis Longus – a revista de estudo académico e especializado de história, artes, cultura, património e cidadania do município de Valongo – é um novo e valioso contributo para a valorização da atividade social, económica, cultural, política e administrativa que tem lugar no território valonguense.

Tal como o número anterior, esta edição é publicada no ano em que o município assinala os 50 anos de Poder Local Democrático, compilando as atas do I Congresso de História de Valongo realizado em 8 de novembro de 2024. O I Congresso de História teve a coordenar a sua comissão científica Joel Mata, diretor desta revista, a quem Valongo ficou a dever, uma vez mais, a sua exigência académica e a sua capacidade para pôr a refletir em conjunto personalidades de grande valor intelectual e cívico.

Para estas personalidades cujo pensamento poderemos revisitar nas páginas que se seguem, quero, tal como fiz durante os trabalhos do congresso, renovar-lhe o reconhecimento pelo elevado contributo que trouxeram à reflexão histórica e política dos valonguenses sobre o seu passado recente. O tema “50 anos de municipalismo: novos caminhos para o poder autárquico,

entre a regionalização e a descentralização”, tal como o tema “A mulher na ciência, na cultura e na política”, estão no centro do debate político e social contemporâneo e são tópicos fundamentais para a qualificação e renovação da democracia portuguesa.

Os 50 anos do Poder Local Democrático em Portugal convocam-nos a sublinhar quanto a democracia é uma construção notável das sociedades humanas. A democracia permite fazer escolhas individuais e coletivas em paz, mesmo quando as pessoas estão em conflito. A democracia é representação quando elege; mas também é participação quando escolhe. É por isso que os mecanismos de participação democrática dos cidadãos nas decisões dos políticos eleitos melhoram, e melhoram muito, a qualidade das escolhas finais.

Em Portugal, muitas autarquias têm intensificado a utilização de diversos mecanismos de participação cidadã, envolvendo as populações na definição de políticas setoriais e na hierarquização das prioridades do orçamento público. A democracia requer uma dedicação permanente, nunca pode ser dada por concluída. Pelo contrário: as formas de participação devem ser alargadas e intensificadas porque essa é a principal forma de os sistemas democráticos se manterem saudáveis e representativos. É pela proximidade entre eleitores e eleitos que a democracia ganha o coração das pessoas.

Na 23ª Conferência do Observatório Internacional da Democracia Participativa – que decorreu em Valongo em outubro de 2024 sob o tema “Ameaças populistas: Construir a Resiliência Democrática com Comunidades Participativas” – defendi que a proximidade, a intervenção dos cidadãos nas decisões políticas dos governos locais e regionais, são o melhor antídoto para derivas populistas autoritárias baseadas na desinformação.

Nessa mesma conferência, o filósofo politólogo neerlandês Cas Mudde chamou a atenção aos políticos locais para que o seu trabalho diário não fique reduzido ao lado tecnocrático, produtivo e eficiente das democracias.

É verdade que é este lado – eficiente e prático – que nos permite tirar pessoas da pobreza, ter avanços na saúde, na educação, no bem-estar das populações ou na defesa do ambiente. Mas ser competente nesta matéria – ou seja: conseguir resultados concretos para melhorar a vida das pessoas –

não nos pode afastar do lado idealista da democracia, da dimensão poética da política.

As pessoas precisam de ter sonhos coletivos por que lutar. Precisam de ter “poesia política”, ideais em que acreditem, para elevar os seus espíritos e os seus ânimos. Ou seja, como Cas Mudde exortou em Valongo, as comunidades políticas democráticas precisam de voltar a ter trabalho ideológico. Precisam de voltar à filosofia política para construir as novas narrativas ideológicas que são necessárias para fazer frente aos populismos. Precisam de ter novas ideias, novas propostas ideológicas para fazer frente aos extremistas de direita e de esquerda, aos nativistas, aos racistas, aos negacionistas das alterações climáticas.

Para superar a crise atual das democracias – crise essa que se agravou a partir de janeiro de 2025, quando o presidente norte-americano Donald Trump tomou posse e decidiu romper com décadas de cooperação estratégica entre os Estados Unidos da América e os países europeus – precisamos, dizia, de mais política, de mais ideologia, de mais filosofia e de mais poesia para construir cidades melhores e regiões melhores.

II

Nesta emergência de uma densificação da política contemporânea, o aumento da participação das mulheres nos negócios públicos é absolutamente crucial. Como as atas do I Congresso de História de Valongo sublinham, a participação das mulheres nas dinâmicas atuais da ciência e na cultura é notoriamente preponderante em quase todo o mundo. Com o acesso à educação formal que as meninas passaram a ter um pouco por todo o mundo ao longo dos séculos XX e XXI, a capacidade individual e coletiva das mulheres logo sobressaiu – e são elas hoje a liderar a maioria dos processos de inovação e transformação das sociedades.

Este equilíbrio entre géneros que hoje já se verifica em boa parte dos domínios da vida contemporânea, tarda, no entanto, a alcançar uma dimensão equivalente nos diversos patamares da política, seja dentro dos partidos, seja na chefia de estados ou de governos. Em Portugal os avanços das políticas

de género têm sido muito sensíveis nas últimas décadas, mas falta ainda normalizar patamares que se mantêm exclusivos do mundo patriarcal.

Portugal ainda não teve uma mulher na Presidência da República. Em mais de 50 anos de vida democrática, a única mulher primeiro-ministro (Maria de Lurdes Pintassilgo) governou pouco mais de 100 dias. O partido que mais anos foi governo neste meio século, o Partido Socialista, ainda não teve uma secretária-geral na sua liderança. Há um trabalho cívico e político a fazer nesta matéria, sendo que esta matéria responsabiliza tanto homens como mulheres para alcançar um avanço civilizacional que tarda em afirmar-se.

III

O I Congresso de História de Valongo debruçou-se também sobre a dicotomia entre Descentralização e Regionalização – e ainda bem que o fez: o centralismo é uma doença grave que limita o potencial de desenvolvimento de Portugal e, tanto a descentralização, como a regionalização, são boas respostas combater essa doença: o centralismo não possui o exclusivo das boas ideias para as partes do todo.

O problema é que em Portugal apenas uma destas dinâmicas está em marcha, a descentralização, enquanto a ausência de regionalização no seu território continental mantém Portugal como o único país de grande dimensão da União Europeia que não tem um patamar político-administrativo entre os presidentes de câmara municipal e os ministros do Governo da República.

Quanto à descentralização – a transferência em curso de competências e meios do Governo central para as autarquias – está a fazer o seu caminho com grandes ganhos para as populações. A proximidade dos problemas, e dos beneficiários da sua resolução, produz maravilhas na qualidade de vida dos portugueses, seja nas cidades, seja nas vilas ou aldeias. As autarquias, com a eficácia a que habituaram os portugueses ao longo de cinco décadas, estão a responder exemplarmente às competências cada vez mais exigentes que lhes cabem exercer.

A questão da regionalização – eleger órgãos regionais de poder executivo –é outra coisa. Na Europa das regiões, estas significaram, sempre, mais coesão territorial, menos assimetrias, maior riqueza e, por via desta, contas públicas mais equilibradas. Não se conhece um único país onde a criação de governos regionais tenha produzido maus resultados. Os Açores e a Madeira são, aliás, um bom exemplo disso mesmo.

Na Europa das regiões ou no Portugal insular, a defesa do interesse regional, não só não prejudicou, como manifestamente beneficiou o interesse nacional, a boa gestão dos recursos comuns e a promoção do desenvolvimento económico do país como um todo. Esta é a principal razão por que os regionalistas defendem a regionalização: a autonomia políticoadministrativa regional defende e promove o bem comum dos países em que está implantada.

Ora, se promove o bem comum, os regionalistas não podem desistir da sua luta. O seu trabalho político tem de continuar, porque a regionalização tem um potencial único para transformar e acelerar a competitividade regional e nacional do país. É preciso transmitir aos cidadãos a confiança numa mudança que, segundo todos os dados objetivos ao dispor, os irá beneficiar.

IV

O poder da confiança – da confiança no conhecimento independente, na ciência, na autoridade do Estado, nos serviços públicos, nas autarquias ou na informação transmitida pelos média que se regem pelos princípios deontológicos dos jornalistas – é fundamental para a revitalização dos regimes democráticos.

As democracias são por natureza frágeis e requerem dedicação permanente. A confiança interpessoal e a confiança entre as pessoas e as instituições constituem um cimento decisivo para o equilíbrio, para a resistência e resiliência de um sistema político que não pode prescindir, nem da proximidade, nem da participação. A confiança resulta da afirmação dos moderados, dos que procuram agir com base em conhecimento e em evidências. A confiança é a base das democracias.

Fortalecer o vínculo de confiança entre os eleitores e os eleitos é o grande desafio democrático da década 2020-2030. É o desafio de Portugal. É o desafio da União Europeia. E é também o desafio dos Estados Unidos da América, cujas instituições e pesos e contrapesos do seu sistema constitucional estão a ser sujeitos a um teste de stress.

Este desafio global, não é um desafio dos outros. É um desafio nosso, de cada cidadão individual disposto a ouvir os outros, a considerar os seus interesses e a agir em comum com eles.

Presidente da Câmara Municipal de Valongo

Ex.mo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Valongo

Ex.ma Senhora Vereadora da Cultura e restante Executivo

Ex.mo Senhor Presidente da Assembleia Municipal

Ex.ma Comissão de Honra

Ex.ma Comissão Científica

Ex.ma Comissão Executiva

Ex.mas Autoridades Religiosas e Civis

Universidades Seniores do Município de Valongo

Academias e Estudantes

Associações Culturais

Colaboradores

Ex.mas Senhoras e Senhores Convidados

Minhas Senhoras e meus Senhores,

A realização deste evento científico enquadra-se no conjunto das acções levadas a cabo, por este município, no âmbito das Comemorações dos 50 Anos da Democracia portuguesa conquistada pela Revolução de 25 de Abril de 1974.

O 25 de Abril de 1974 e o 25 de Novembro de 1975 trouxeram a liberdade e, com ela, a capacidade para desenvolver o País a partir do município para o Estado – tradicionalmente centralizador, Estado que na origem dos municípios portugueses estava ausente, mas ao longo da Idade Média vai paulatinamente penetrando a sua mão bem visível, na administração local, através dos corregedores de comarca e dos juízes de fora.

A Idade Moderna teve em D. Manuel o grande obreiro centralizador que nos primeiros 20 anos do século XVI, retirou aos concelhos a liberdade para gerirem as suas mais elementares vocações: defender direitos, liberdades e garantias, transformando-os em circunscrições administrativas de natureza económica ao serviço dos grandes senhores e da Coroa.

A vocação do Estado absoluto deixou os municípios desamparados e moribundos, cuja administração era muitas vezes contrária aos interesses das populações.

O absolutismo político caiu com a Revolução de 1820 e a Constituição de 1822, deu lugar ao nascimento do Portugal moderno, do ponto de vista administrativo e marca a aurora de uma nova municipalidade, romântica na sua essência, que pretendia enveredar o País pelo caminho do progresso e do bem-estar geral das populações.

Porém, essa visão amplamente democratizada, deu lugar aos chamados “decretos tirânicos” ou da “ilha Terceira” que saíram da mão do ministro Mouzinho da Silveira, entre 1830-1832.

Era o início do pesadelo para os municípios. O Antigo Regime deu ao liberalismo 808 concelhos que progressivamente foram reduzidos pelos liberais, de reforma em reforma, com base não isenta de censura, pelos mais iluminados da área da política e da intelectualidade que continuavam agarrados à visão romântica e jus naturalista.

Outros, mais atentos, mais lúcidos quanto ao porvir, percebem que a descentralização exacerbada, baseada nos valores históricos, é uma quimera que não podia resultar numa divisão administrativa eficaz.

Actualmente, o território está dividido em 308 municípios, que tremeram aquando da reforma administrativa de 2013, que embora tentada, ficou apenas pela união de um elevado número de freguesias.

Põe-se, entretanto, a questão cada vez mais urgente: como caminhará o municipalismo num futuro próximo, que está tanto mais próximo, quanto maior é a aceleração de fenómenos de índole diversa que se conjugam para alterar, modificar, unir, anexar territórios para a sobrevivência das populações num processo democrático – e a lei é democrática – estamos ou estaremos abertos para fundir municípios perante os chamados efeitos das alterações climáticas e do envelhecimento da população que exigirão, a breve prazo, profundas alterações em todos os sentidos da vida do quotidiano dos cidadãos; como responderão democraticamente os municípios ao pavor do esvaziamento demográfico porque o município significa pessoas activas e

reivindicativas e nunca poderá representar espaços silenciosos, depósito de memórias, numa municipalidade sem perspectivas de vida social.

Encontramo-nos hoje, aqui e agora, um conjunto de especialistas que irão reflectir sobre as diversas formas de fortalecer o municipalismo numa perspectiva histórica, actual e numa dimensão prospectiva, porque como diz Santo Agostinho, há apenas um presente-passado, um presente-presente e um presente-futuro.

E, naturalmente o presente-futuro há-de ser aquele que o presentepresente quiser, da sua consciência colectiva que reflecte uma expressão de memória, tanto individual como colectiva, conservada pelas instituições municipais, por vezes frágil e falível, fundada na imagem das coisas percebidas pelo sentido social, na memória enquanto mecanismo identificador.

E, no meio da multiplicidade das memórias, aparece um denominador comum: mais município, mais desenvolvimento económico, mais apoio social, mais dignidade humana que não se compadece com um municipalismo pálido, agarrado a desígnios materialmente políticos, quando a democracia gerida pela rotatividade das pessoas deve garantir patamares de exigência e de excelência no domínio dos poderes públicos.

Caras e caros Congressistas, ilustres convidados,

Atravessamos um tempo global particularmente incerto, complicadamente desmesurado, que nos poderá afectar. No nosso País, os níveis de pobreza material não se podem esconder, mas também a dignidade moral e emocional não podem ser ignoradas.

Cabe a todos e a cada um de nós, reflectir, fazer uso do verbo para fortalecer a democracia na condução da elevação dos valores de cidadania, que devem ser encarados muito seriamente para incutir democraticamente o sentido do respeito mútuo, da solidariedade voluntarista, mas sobretudo, uma solidariedade de compromissos sociais, que pratique os valores que a democracia trouxe até nós.

Nem tudo está por fazer, mas é ainda muito o que podemos e devemos fazer, para evitar o colapso social e, com ele, a ideia terna de municipalismo bairrista.

O futuro trará fatalmente alterações administrativas territoriais, porque a memória, a história e a sociabilidade locais estão a desaparecer, à medida que as cidades e municípios se deslocalizam demograficamente que, por razão dos chamados dormitórios, ou outros fenómenos podem trazer consequências que deteriorem o fortalecimento de um padrão comum de desenvolvimento através de práticas municipais que, de acordo com a Carta Europeia de Autonomia Local, é no município que se encontram as principais bases da democracia e, com este debate científico que reúne conferenciastes da academia e da área da política, damos mais um contributo para reforçar a cidadania e os seus valores.

Bem haja a todos.

Joel Mata

1º Painel

10h30-12H30

Programa Geral do Congresso

Regionalização e Descentralização

Moderador:

Paulo Lopes (Jornalista)

José Cadima

(Universidade do Minho

Andreia Barbosa

(Universidade do Minho)

Filipe Teles

(Universidade de Aveiro)

Carlos Miguel

(Ex-Secretário de Estado da Administração)

2.º Painel

14h30-15H45

A Mulher na Ciência, na Cultura e na Política

Moderadora:

Inês Cardoso

(Directora do JN)

Isabel Santos

(Câmara Municipal de Valongo)

Marisa Almeida

(Universidade Lusíada)

Helena Mendes Pereira

(Diretora Geral e Curadora da ZET Gallery)

15h45 – Coffee Break

3.º Painel

16H00-17H30

História Social, Económica e Institucional

Moderador:

Miguel Videira (Observador)

Francisco Castelo Branco (Universidade Lusíada)

Rui Maia (Universidade Fernando Pessoa)

Joel Cleto (TACITUS)

Joel Silva Ferreira Mata (Universidade Lusíada)

ENCERRAMENTO

17h30

Regionalização e descentralização em

Portugal: algumas notas

NIPE e Lab2PT, Universidade do Minho jcadima@eeg.uminho.pt

1. Uma Europa de regiões

Olhando para o mapa da Europa, estamos habituados a ver aí traçados os contornos de países, mas, querendo ir mais além, podemos ver identidades regionais, dotadas ou não de poderes de governação de nível intermédio, como se ilustra na Figura 1, que se refere a data remota. No caso da generalidade dos países, a existência dessa instância de governação é uma realidade, sendo Portugal uma exceção, se tirarmos os casos das regiões autónomas dos Açores e da Madeira.

Figura 1 – Regiões históricas da Europa

Fonte: página do Facebook “History Cool Kids” (Consultada em: 12/09/2024).

Como se vê na Figura 1, à semelhança dos demais países, Portugal também não aparece como entidade única, quer dizer, indiferenciada, porque nunca o foi, embora as identidades regionais possam ter fronteiras que não são necessariamente espaços de rutura, e realidades indiferentes à passagem do tempo.

Reproduzindo em grande medida o que está desenhado na Figura 1, a Figura 2 dá-nos uma imagem mais facilmente percetível das comunidades histórico-culturais nacionais, muito marcadas pelo processo de construção da nação e da conquista do território aos Árabes (Mouros). Em relação a este último aspeto, a designação Extremadura tem aí a sua génese e, como se vê, estendia-se por uma faixa litoral centro-sul muito abrangente.

Figura 2 – Identidades histórico-culturais nacionais tal como representadas em mapa do Continente datado de 1901

Fonte: mapa da autoria de José de Madureira Beça, publicado no final do ano de 1901, disponível na Biblioteca Nacional de Portugal (Biblioteca Nacional Digital) [Consultado em: 12/09/2024].

Tendo como entidade distribuidora a Tabacaria Rodrigues e autoria atribuída a José de Madureira Beça, estando disponível na Biblioteca Nacional de Portugal (Biblioteca Nacional Digital), o mapa da Figura 2 é datado dos primeiros anos do século XX (final do ano de 1901). Na falta de outro dado, essa data poderia inferir-se dos números de população aí registados, que são, grosso modo, os que decorrem

do Censos populacional realizado em 1900. Segundo os dados do INE (Instituto Nacional de Estatística), existe uma pequena diferença nos totais do país, que é de 4 927, isto é, a população total do país atingiria os 5 423 132 indivíduos (INE, 2025). Essa diferença pode decorrer de se estar a indicar dados provisórios do recenseamento ou por se ter usado a população presente ao invés da população residente.

A este propósito, procurando dados sobre as divisões administrativas de Portugal ao longo dos tempos, mais pode acrescentar-se que, grosso modo, a Figura 2 remete para o traçado das Províncias e Comarcas estabelecido em 1832 pelo governo liberal (cf. AUDACES, 2008). A reforma da organização administrativo do país de 1832 manteve, aproximadamente, as províncias até então existentes. Apenas é criada uma nova província, a do Douro.

Conforme pode ler-se em Audaces - Vexologia, Heráldica e História, em entrada de 2008/08/11 (https://audaces.blogs.sapo.pt/2585. html), “Ao contrário do que vinha acontecendo desde o século XVII, as províncias de 1832, ou prefeituras, passam a ser uma unidade

administrativa, chefiadas por um prefeito - representante do governo central - assistido por uma junta geral - órgão de governo local, eleito pelos cidadãos da província”. O território passa, também, a estar integralmente dividido em concelhos.

A remissão que se faz para esta realidade histórica julga-se ser pertinente posto que, quando hoje se discute a regionalização do país e, consequentemente, a definição das fronteiras político-administrativas dos territórios, algumas entidades têm tido tendência a sublinhar i) a reduzida diferenciação existente entre as parcelas do território continental nacional e ii) a presença de entidades de desconcentração do poder central que têm alguma “tradição” e que, enquanto tal, na sua expressão geográfica, estariam vocacionadas para serem o elemento de referência das regiões administrativas a instituir, quando esse passo for dado. Em documento público muito invocado por alguns autores isso é claramente assumido. O documento que se invoca é o produzido por um grupo de trabalho criado por iniciativo do Parlamento Nacional do final da segunda década do

século XXI e que assumiu a designação de Comissão Independente para a Descentralização (COMISSÃO INDEPENDENTE PARA A DESCENTRALIZAÇÃO, 2019).

A esse respeito, importa deixar claro que, por mais reduzidas que sejam as diferenças existentes entre as partes do território continental, um elemento central da estruturação de quaisquer entidades de governação terá que ser o da respetiva identidade histórico-cultural, aplicável a qualquer nível que se considere (CADIMA RIBEIRO, 2023a). Isto é, importa materializar circunscrições territoriais que vão ao encontro do sentimento de pertença das comunidades humanas. Por outro lado, quando se olha para os territórios de intervenção das atualmente designadas por Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDRs) e se quer ir aí buscar fundamento histórico para eventuais zonamentos, será bom que se recorde que as entidades que lhes antecederam mais remotamente foram criadas pelo Estado Novo, em 1969, enquanto estruturas de planeamento (AUDACES, 2008), no quadro do III Plano de Fomento Nacional, que previa a execução de políticas de

desenvolvimento regional. “Cada região de planeamento foi dotada de uma comissão consultiva regional, composta por representantes das juntas gerais e juntas distritais dos distritos incluídos na região” (AUDACES, 2008).

2. Antecedentes do retomar do debate da regionalização

O retomar recente do debate público sobre a regionalização aconteceu em razão da conjugação de três circunstâncias principais, a saber: por um lado, a inclusão dessa temática no Programa do XXIII Governo, definindo-se aí o objetivo de realização de um novo referendo em 2024; por outro lado, a implementação da Lei nº 50/2018, de 16 de agosto, que estabeleceu a transferência, gradual de um conjunto alargado de competências para as “autarquias locais” e as “entidades intermunicipais”; e, ainda, iii) a passagem de 25 anos da realização do referendo à população sobre a institucionalização de regiões no Continente, que, como é sabido, se exprimiu numa tomada de posição negativa, e, mais do que isso, em razão do quadro legal

em que foi concretizado, gerou um bloqueio do processo de regionalização do país (cf.: ROCHA & BARBOSA, 2023; CÂNDIDO DE OLIVEIRA, 2023) que está longe de estar ultrapassado, ainda. Aliás, a data constituiu pretexto para a produção de um livro coletivo, sugestivamente intitulado “(Re)vistar a regionalização 25 anos depois” (CARMO et al., 2023).

No caso do autor desta comunicação o seu retomar recente da problemática da regionalização prendeu-se com as duas circunstâncias primeiramente referidas, conjugadas com a também recente reorganização das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos de nível II (NUTS II) do Continente. Decorrente dessa revisão, entraram em vigor em janeiro de 2024 as novas NUTS II. Aparte a sua valência estatística, as NUTS são o quadro territorial de referência para a gestão de verbas transferidas para o país pela União Europeia.

Como primeira peça estruturada da reflexão mantida pelo signatário foi produzido um texto que veio a integrar o livro “Estudos de Homenagem a José da Silva Costa”.

Tratou-se de um livro de homenagem póstuma a José da Silva Costa

(TEIXEIRA et al., 2023), um dos professores que mais marcou a vida da Faculdade de Economia do Porto durante as últimas décadas e que tomou como foco da respetiva investigação temas da Ciência Regional, incluídas aí as problemáticas das finanças públicas locais, e da descentralização e regionalização. A obra foi editada por um conjunto de académicos dessa Faculdade da Universidade do Porto. O meu contributo para o livro antes citado intitulou-se “Regionalização em Portugal: o Retorno do Debate” (CADIMA RIBEIRO, 2023a).

Tomando como ponto de partida esse texto, parti nesse mesmo ano para a edição do livro “Regionalização e Descentralização em Portugal: Reforma do Estado, Aprofundamento da Democracia e Desenvolvimento”, também uma obra coletiva mas, neste caso, exclusivamente dedicada ao debate dos temas da descentralização político-administrativa e da regionalização (CADIMA RIBEIRO, 2023b).

Contei para o efeito com a colaboração de um ilustre painel de autores, 14 académicos portugueses (de todo o país) e 1 espanhol, que abordaram as problemáticas da regionalização e da descentra-

lização seguindo diferentes enfoques científicos e temáticos. O livro está acessível, de forma gratuita, em acesso aberto. Pretendeu-se assim propiciar uma melhor informação do cidadão comum sobre porque importa avançar na regionalização de Portugal continental.

3. Sobre a motivação para explorar o tema

Como se disse em secção precedente, por detrás do retomar do meu interesse em debater o tema em referência começaram por estar:

i) a inclusão dessa problemática no Programa do XXIII Governo (2º Governo de António Costa); e ii) as sequelas da implementação da Lei nº 50/2018, lei quadro do processo de descentralização.

Sobre a Lei nº 50/2018, anote-se que a entidade sobre a qual incide o essencial do processo de descentralização que se pretendeu concretizar é o Município, tendo as Comunidades Intermunicipais (CIM) e Áreas Metropolitanas (AM) um papel subsidiário. Na ausên-

cia de estrutura intermédia, isto é, regional, percebe-se que tenha sido atribuída às CIM e às AM esse papel de coordenação, planeamento e gestão de recursos. Entretanto, é claro que em muitas situações essa escala oferece-se inadequada (subdimensionada), para além de se tratar de entidades desprovidas de legitimidade política direta, e, portanto, estarem dependentes da capacidade de concertação interna dos municípios participantes.

A ausência de eleição direta dos dirigentes das Comunidades Intermunicipais e das Áreas Metropolitanas levanta sérios problemas de representação e capacidade de atuação das ditas entidades, como a realidade quotidiana não deixa de evidenciar.

Adicionalmente, o processo de descentralização de atribuições para os municípios levantou e continua a suscitar outras reservas, como a que se prende com o envelope financeiro e o quadro de recursos humanos associados às atribuições transferidas, conforme é sublinhado e circunstanciado, entre outros autores, por Isabel Fonseca (FONSECA, 2024). Compreensivelmente, os autarcas foram levados a questionar em que

medida uma e outras dimensões estariam convenientemente balanceadas para que os Municípios e Comunidades Intermunicipais fossem capazes de dar respostas locais de qualidade no âmbito dessas novas competências.

A respeito da realidade decorrente da implementação da Lei nº 50/2018, Isabel Fonseca (FONSECA, 2024) defende que a descentralização “em curso” resulta numa redução e reorganização do aparelho do Estado e de esvaziamento de funções por parte deste (Estado Central), mais do que um verdadeiro reforço de competências e poderes da governação pública local. Até porque muitos assuntos que passam a estar a cargo dos municípios “são assuntos públicos não exclusivamente locais” (FONSECA, 2024: 24). A questão do balanço entre competências e atribuições transferidas e recursos financeiros e humanos transferidos, e a existência de “eventuais intromissões” da administração central, mereceram também a atenção da autora (FONSECA, 2024).

Tudo considerado, Isabel Fonseca (FONSECA, 2024) conclui a sua aproximação à problemática em análise interrogando-se sobre

quanto há de autonomia local para a proteção de territórios e recursos naturais e como realizar políticas públicas de saúde, de habitação e de educação locais, entre outras, neste “Estreito de Messina”.

No que se refere à intenção de António Costa levar por diante um novo referendo da Regionalização, a queda do XXIII Governo “resolveu” o desafio que estava enunciado no programa desse governo, sendo que a evolução da conjuntura política e económica que se vinha registando já levantava a dúvida sobre a viabilidade de se avançar com esse referendo no horizonte temporal definido.

A mudança de governo que se seguiu e as respetivas orientações de política, marcadas por profundo conservadorismo e inércia, se encarregaram de, rapidamente, colocar no baú das coisas esquecidas o tema da regionalização do país. Não é por isso que se deverá desistir de manter o tema vivo, aproveitando para tal, nomeadamente, os momentos em que as forças partidárias acham bem falar no assunto em mensagens destinadas a “renovar a esperança dos eleitores mais distantes da capital”, como escreveu José Mendes em

contributo incluído em livro sobre a regionalização e a descentralização em Portugal editado pelo signatário deste texto (MENDES, 2023:127).

Como antes assinalado, neste olhar sobre o estado da Regionalização do país teve-se também presente a alteração das NUTS II apresentada pelo Governo Português a Bruxelas no início de 2022, entretanto aprovada, e que configura as NUTS II em vigor desde janeiro de 2024.

Vê-se aí um potencial de pensar a reorganização da gestão do território continental que vá mais ao encontro das comunidades socioculturais existentes, e que pode conferir às regiões a instituir a autonomia político-administrativa de que carecem para atacarem com eficácia os múltiplos problemas e desafios com que se confrontam.

4. Os fundamentos da regionalização

Na exploração do tema partiu-se dos conceitos associados e dos fundamentos dos processos de regionalização, recuperando da literatura as principais linhas de força do debate mantido.

Há duas dimensões que são centrais em qualquer processo de regionalização:

i) a primeira é a da devolução do poder aos cidadãos, isto é, aproximar o poder dos cidadãos e criar contexto para uma melhor perceção por parte dos atores políticos das realidades dos territórios (CAETANO et al., 1982; MOZZICAFREDDO, 2003);

ii) a segunda dimensão é a do desenvolvimento, na medida em que se perceba os territórios e os seus agentes como sede primeira de recursos, capacidades e iniciativas que ditarão a afirmação económica de lugares e regiões (CADIMA RIBEIRO, 2023a; CADIMA RIBEIRO, 2023b).

Daí decorre, nomeadamente, a recusa que se assume de uma regionalização remetendo para um fundamento orgânico de partição do poder, a reboque de inércias que se foram instalando.

Mesmo que se admita não ser seguro que a regionalização dará resposta a todos os problemas e desafios que os países enfrentam, a verdade é que, no caso português, parece ser muito questionável que alguém (aparte a minoria

instalada nas sedes partidárias nacionais) considere aceitável a situação existente no país em termos de (in)equidade de desenvolvimento regional e oportunidades de realização humana.

Contextos de crise económica e social como os que têm sido enfrentados nas duas derradeiras décadas podem até ter servido para tornar mais patente a necessidade de uma efetiva reforma do Estado.

A esse título, a regionalização poderá ser expressão substantiva de mudança estrutural. No dizer de Mozzicafreddo (MOZZICAFREDDO, 2003), que subscrevo integralmente, este poderá mesmo ser um dos elementos-chave da modernização do Estado. Não por acaso, o livro que o signatário desta comunicação editou em 2023 (CADIMA RIBEIRO, 2023b) evidencia no subtítulo essa dimensão (Regionalização e Descentralização em Portugal: Reforma do Estado...).

5. Da revisão das NUTS II ao esboço de um princípio de desenho da regionalização de Portugal continental Aceite que está a alteração das NUTS II que o Governo Português submeteu a Bruxelas, abre-se espaço para desmontar as certezas de muita gente, muitos dos quais declarados opositores da regionalização, para olhar para as áreas metropolitanas (não apenas a de Lisboa) como potenciais circunscrições regionais, a que não falta nem identidade nem massa crítica.

Fora daquelas, fica também espaço para a procura de soluções mais orientadas pela ideia de instituir espaços regionais que se identifiquem com as comunidades, e sejam estruturados com preocupações de funcionalidade e maior coesão interna.

Conforme se apresenta na Figura 3, as NUTS II 2024 deram origem a 7 NUTS II no Continente, com evidência para autonomização da Península de Setúbal da anteriormente definida Área Metropolitana de Lisboa, que assume agora a designação de Grande Lisboa, e a criação de uma outra unidade

configurada pelo Oeste e Vale do Tejo (Oeste, Médio Tejo e Lezíria do Tejo), que implicou a redefinição, também, dos territórios afetos às NUTS II Centro e Alentejo.

Figura 3 – NUTS II do Continente em vigor desde janeiro de 2024

Fonte: CONSELHO SUPERIOR DE ESTATÍSTICA, 2023.

Estranhamente, da proposta de revisão de NUTS II apresentada em 2022 a Bruxelas não constou a da autonomização da Área Metropolitana do Porto da NUTS II norte, apesar desta NUTS II não cumprir os critérios do EUROSTAT em matéria de limites populacionais, a saber: mí-

nimo 800 000 indivíduos; máximo 3 000 000 indivíduos (CONSELHO SUPERIOR DE ESTATÍSTICA, 2023).

Questiona-se que razões “fortes” terão estado por detrás deste tratamento desigual de territórios do Continente, se bem que se possa imaginar quais tenham sido. Certo é que os territórios fora da Área Metropolitana do Porto não têm nada a ganhar com isso. Entretanto, isso não obsta a que numa futura proposta de regionalização se dê tratamento equitativo às áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, e, subsidiariamente, se reforce a capacidade da regionalização se constituir em instrumento de coesão social e económica. Mal iremos se assim não for!

Referências

AUDACES - Vexologia, Heráldica e História (2008). 1832-Prefeituras e Subprefeituras. [Disponível em: https://audaces. blogs.sapo. pt/2585.html, entrada datada de 11/08/2008]. [Consultado em: 21/01/2025].

CADIMA RIBEIRO, J. (2023a). «Regionalização em Portugal: o Retorno do Debate». In Estudos de Homenagem a José da Silva Costa [pp. 352-366]. Teixeira, A., Delgado, A., Carvalho, L., Mota, I., e Castro e Silva, M. (Eds.). Porto: U.Porto Press e Faculdade de Economia do Porto.

CADIMA RIBEIRO, J. (Ed.) (2023b). Regionalização e Descentralização em Portugal: Reforma do Estado, Aprofundamento da Democracia e Desenvolvimento. Braga: UMinho Editora e Fundação Mestre Casais [Livro disponível em: https:// ebooks.uminho. pt/index.php/ uminho/catalog/book/132].

CAETANO, M., MARTINS BARATA, J., ESTEVES, M. C., & PESSOA, V. (1982). Regionalização e poder local em Portugal. Lisboa: Instituto de Estudos para o Desenvolvimento.

CÂNDIDO DE OLIVEIRA, A. (2023).

«Constituição, descentralização e regionalização». In Regionalização e Descentralização em Portugal: Reforma do Estado, Aprofundamento da Democracia e Desenvolvimento [pp. 129-144]. Cadima Ribeiro, J. (Ed.). Braga: UMinho Editora e Fundação Mestre Casais.

CARMO, A., REGO, C., BRANCO, M., & BALTAZAR, M. (Eds.) (2023).

(Re)vistar a regionalização 25 anos depois. Coimbra: Almedina.

COMISSÃO INDEPENDENTE PARA A DESCENTRALIZAÇÃO (2019). Avaliação independente sobre a organização e funções do Estado. Cravinho, J., Ferrão J., Pimpão, A., João Jardim, A., Moura, P.H., Carmona-Rodrigues, A., e Fontainhas-Fernandes, A. (Coord.). Lisboa: Assembleia da República.

CONSELHO SUPERIOR DE ESTATÍSTICA (2023). A implementação das NUTS 2024. 35ª Reunião Plenária do Conselho Superior de Estatística (12 de julho 2023). Lisboa: CSE.

FONSECA, I. C. (2024). Desafios Atuais das Autarquias Locais: a governação pública local sob o impacto da descentralização e da transição digital; entre Cila e Caríbdis. Coimbra: Gestlegal.

INE (2025). Censos em Portugal de 1864 a 2011. Lisboa: Instituto Nacional de Estatística. [Disponível em https://censos.ine. pt/xportal/ xmain?xpid= CENSOS&xpgid=censos_historia_pt]. [Consultado em: 14/01/2025].

MENDES, J. (2023). «Regionalizar Portugal a norte e a sul». In Regionalização e Descentralização em Portugal: Reforma do Estado, Aprofundamento da Democracia e Desenvolvimento [pp. 117-128]. Cadima Ribeiro, J. (Ed.). Braga: UMinho Editora e Fundação Mestre Casais.

MOZZICAFREDDO, J. (2003). «La décentralisation administrative et les innovations en matière de politiques régionales au Portugal». Sociologia, Problemas e Práticas, nº 41, pp.151-179.

ROCHA, J. F., & BARBOSA, A. (2023). «O estado do Estado: a regionalização no quadro da Constituição Portuguesa e da abertura à União Europeia». In Regionalização e Descentralização em Portugal: Reforma do Estado, Aprofundamento da Democracia e Desenvolvimento [pp. 41-62]. Cadima Ribeiro, J. (Ed.). Braga: UMinho Editora e Fundação Mestre Casais.

TEIXEIRA, A., DELGADO, A., CARVALHO, L., MOTA, I., & CASTRO E SILVA, M. (Eds.) (2023). Estudos de Homenagem a José da Silva Costa. Porto: U.Porto Press e Faculdade de Economia do Porto.

Descentralizar para Regionalizar

Sei que é um mau princípio, mas começo a minha intervenção pela conclusão: a Regionalização é inevitável!

Digo isto, não por ser um imperativo constitucional, nada disso.

Digo dada a incapacidade da Administração Central tratar de modo diferente o que é diferente, estando viciada a aplicar uma mesma fórmula a todo o país, sendo incapaz de discernir que uma boa solução para Almeirim não é necessariamente uma boa solução para Montalegre, que o Alentejo é diferente do Norte e assim sucessivamente.

Digo pela gritante falta de capacidade da Administração Central em desenvolver projectos e/ou lançar obra. Exemplo disso é a execução do PRR que, sendo um programa desenhado pela Administração Central, a sua

execução passa por parcerias com os Municípios. É o caso da construção de Escolas do segundo e terceiro ciclo como do secundário ou os Centros de Saúde que, sendo da responsabilidade do Governo, são as Câmaras Municipais que estão a desenvolver projecto e a fazer obra.

Digo pela inépcia da Administração Central em encontrar respostas para o quotidiano das populações, viciada que está em encontrar obstáculos nas iniciativas privadas e mesmo nas obras da Administração Local.

Qualquer um de nós que tenha tido a necessidade de consultar ou obter parecer da Agência Portuguesa para o Ambiente, do Instituto da Conservação da Natureza, da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, da Direcção Geral do Património Cultural e de outras tantas, sabe do que estou a falar.

E quando procura superar a ausência de resposta destas instituições centrais, a solução não é aperfeiçoar, simplificando, os processos existentes mas sim criar uma nova instituição ao lado da existente, duplicando recursos e competências, não se sabendo bem quem faz o quê.

Veja-se o que aconteceu com os fogos em que ao lado da ANEPC foi constituída a AGIF e mais tarde esta foi integrada no ICNF.

Veja-se a profusão de Estruturas de Missão existentes cuja dimensão é difícil de contabilizar.

Conforme diz a voz popular, é preciso “baralhar para dar de novo”.

Este “baralhar para dar de novo” só é possível com a Regionalização, criando estruturas intermédias da Administração Pública que tratem de modo diferente o que é diferente, respeitando a singularidade e as necessidades específicas de cada Região e as suas prioridades de desenvolvimento.

Para chegarmos à desejada Regionalização, são vários os caminhos possíveis, mas dois deles são os que têm sido mais debatidos em Portugal.

Um passará por aprovar uma Lei da Regionalização, sem esquecer o constitucional referendo e, uma vez aprovada a legislação, transferir competências para cada uma das Regiões.

Este é o caminho preconizado, nomeadamente, pelo PCP e pelo BE.

Lembro que o PCP votou contra a descentralização de competências para os municípios alegando que tal iria entravar a Regionalização, como se nós quiséssemos ou precisássemos de Regiões para garantir a manutenção das escolas e centros de Saúde ou para fiscalizar o estacionamento automóvel.

Um outro caminho, que o PS perfilha e eu subscrevo, passa por uma robusta descentralização de competências para as Autarquias, aprofundando e alargando as transferidas através da L 50/2018. Fazendo-se o mesmo com as CCDR com um alargamento das competências já transferidas pelo DL 36/2023, dando-lhes corpo e músculo.

Hoje, com a descentralização de competências e serviços para as CCDR, estas têm uma operacionalidade totalmente diferente da que tinham.

Olhando para a CCDR-N esta tem, aos dias de hoje, cerca de mil funcionários e um orçamento de cinquenta e seis milhões de Euros. Trata-se de uma estrutura regional, funcional com dimensão e peso político no espaço regional em que opera.

Mas se a Regionalização é inevitável, questiona-se que mapa deverá ter.

Mal estaremos se começarmos a inventar e ignorarmos que um dos factores preponderantes para que o referendo de 08/Novembro/98 tivesse o desfecho negativo que teve, foi a discussão de um mapa irreal, sem ligação forte ao território e que respondia aos caprichos regionalistas de uns tantos, sem olhar ao interesse nacional.

O mapa só pode ser um !

O existente !

Isto é, cinco regiões plano: Norte, Centro, Lisboa, Oeste e Vale do Tejo, Alentejo e Algarve.

Porém, não nos podemos esquecer das duas Áreas Metropolitanas, Porto e Lisboa, que têm um tratamento constitucional diferente (art. 236, nº 3 da CRP) e, como tal, devem ser autonomizadas fun-

cional e administrativamente das CCDR respectivas, com competências próprias, mas contribuindo para os fins e desenvolvimento da sua Região e integrando o Plano Regional.

Em resumo e conclusão, pelos factos descritos e segundo o processo que privilegio, no futuro, devemos chegar a um cenário de cinco Regiões Plano em que duas delas integram duas Áreas Metropolitanas.

Áreas Metropolitanas, com órgãos e competências próprias, cabendo às CCDR a coordenação das políticas territoriais de toda a Região.

Agradeço a vossa atenção e o vosso acolhimento!

A Mulher na ciência, na cultura e na política

Técnica Superior da Câmara Municipal de Valongo

Muito obrigada pelo amável convite que me dirigiram para participar neste painel do Iº Congresso de História de Valongo, na qualidade de mulher com um percurso político ao nível local, nacional e internacional. Centrarei a minha intervenção na dimensão da mulher na política.

Gostaria de começar por pontuar que o facto de entre os oradores deste painel só figurarem mulheres, não faz deste tema um assunto de mulheres. A igualdade de género, a participação mais equilibrada das mulheres nas mais diversas áreas da sociedade, é um tema que diz respeito a todos- homens e mulheres. Esta é, na verdade, uma questão de direitos humanos e um tema central para a construção de sociedades mais abertas, desenvolvidas, justas e solidárias.

Porque este é um Congresso de História, fazendo uma reflexão retrospetiva, devemos dizer que estamos bem longe da realidade

das nossas antecessoras sufragistas do final do séc. XIX e início do séc. XX e aqui não podemos esquecer de referir a importância que o 25 de abril teve na emancipação da mulher portuguesa e num processo que não foi apenas político- foi e ainda é também social e de mentalidades- mas, ao mesmo tempo, estamos ainda muito longe da plena paridade na participação política que aspiramos ver atingida no séc. XXI.

O voto universal, o acesso ao exercício profissional sem restrições e a consagração legal da igualdade foram decisivos para a marcha que, apesar de lenta face áquilo que todos almejamos, representa um salto enorme se compararmos estes 50 anos com os 800 anos de história do nosso país.

Se é verdade que a sociedade não muda por decreto, não é menos verdade que as leis têm um papel importante enquanto motores de mudança.

O ano de 2005 marcou a chegada de um número significativo de mulheres à Assembleia da República em resultado da introdução de uma quota de género de 33,3% nos regulamentos internos do Partido Socialista. E foi muito por ação destas mulheres que se fez o caminho que levou a uma aceleração da ascensão das mulheres ao desempenho das mais diversas funções políticas.

Assim aconteceu com a aprovação, em 2006, da denominada Lei da Paridade (Lei Orgânica 3/2006, 21 agosto)1 que estabeleceu 33,3% como quota mínima de representação de género e com a Lei Orgânica 1/2019, 29 de março2 que fez passar o limiar mínimo de representação género para 40%.

É incontestável que tanto em Portugal como na Europa e no Mundo este tipo de legislação tem-se mostrado uma ferramenta fundamental no acelerar de um maior equilíbrio de género no exercício de funções políticas. Se olharmos para os resultados das eleições legislativas em todo mundo no ano de 2023, verificamos que nos países onde não estão instituídas quotas de género as mulheres representam 23,2% dos

eleitos, enquanto nos países onde o sistema de quotas está instituído a percentagem global é de 28,8%.3 Contudo, a consagração legal das quotas de género não é a panaceia de todos os males e o caminho não tem sido sempre ascendente. Pelo contrário, confrontamo-nos com quebras que nos mostram que este não é um processo linear e que exige uma constante vigilância e intervenção na correção de desvios.

O que tem acontecido em Portugal é bem ilustrativo de uma realidade complexa, cheia de altos e baixos e discrepâncias.

O atual governo é o mais próximo da paridade nestes 50 anos de democracia em Portugal, contando com 24 mulheres entre os 59 membros que o compõem4; contudo se olharmos para o Parlamento verificamos que temos uma representação de 33,04%5 de mulheres, ou seja, abaixo dos 33,33 inscritos na lei de 2006 e muito abaixo dos 40% estipulados pela lei de 2019- este é, aliás, o nível mais baixo registado desde 2015.

Por vezes os cidadãos questionam-se sobre esta discrepância entre o estabelecido pela lei e a percentagem de mandatos.

Há vários fatores que o justificam. Um deles tem a ver com o facto de haver mais homens cabeças de lista que mulheres. Nos círculos eleitorais mais pequenos, que elegem poucos deputados, os partidos mais votados por vezes elegem apenas o cabeça de lista, o que gera um desequilíbrio geral. Esta situação tende a piorar com o aumento da fragmentação do espectro partidário e isso torna-se claro com o surgimento de novos partidos nos últimos anos sobretudo com a presença do Chega nas eleições de 2023 que elegeu um pouco por todo o país, mas sobretudo os candidatos que ocupavam os primeiros lugares das listas.

A somar a isto, há que ter em conta o modelo de ordenação das listas inscrito na lei e as entorses que este cria e permite. É um facto incontestado que o denominado modelo de ordenação das listas em zebra (2+1) não é eficiente quando se pretende garantir uma quota de género para lá dos 33,3%.

Ao estabelecermos uma quota de género de 40%, como aconteceu na Lei Orgânica 1/2019, não temos forma de o salvaguardar a não ser através do apelo à boa consciência e ao compromisso das lideranças

partidárias – algo muito subjetivo, vago e manifestamente insuficiente para refrear as dinâmicas do conhecimento pessoal e da enraizada solidariedade masculina, no momento de selecionar quem integra as listas apresentadas a sufrágio e a ordenação das mesmas. À medida que procuramos aproximar-nos da paridade plena, ou seja, os 50% só poderemos ser minimamente consequentes se adotarmos o denominado modelo de ordenação em fecho éclair (1+1), como tive oportunidade de alertar na qualidade deputada à Assembleia da República aquando do debate da atual lei no seio do Grupo Parlamentar que integrava à época.

Tudo isto mostra que apesar da evolução significativa registada durante as últimas décadas e do muito que foi feito, muito há ainda a fazer no que diz respeito a uma maior igualdade de oportunidades de participação das mulheres na política. Algo que se torna ainda mais impactante se voltarmos o nosso olhar para os cargos uninominais ou para as lideranças executivas como são os casos das presidências de Juntas de Freguesia, Câmaras e Assembleias Municipais, Primeiro-Ministro- posto

ocupado apenas uma vez por uma mulher, Maria de Lourdes Pintassilgo, num governo de gestão de 100 dias- e de Presidente da República, cargo nunca ocupado por uma mulher. Esta análise permite-nos verificar o quanto se mostra difícil evoluir em áreas para lá da possibilidade de regulação pela lei.

A título de exemplo, detenhamos o nosso olhar no que aconteceu ao longo do tempo em relação ao exercício do cargo de Presidente de Câmara.

Apesar da evolução registada desde 1976, ano das primeiras eleições locais livres e democráticas, em que foram eleitas 5 mulheres, que ficariam conhecidas como “as 5 magníficas” e de ter havido, ao longo dos anos, um aumento, lento, mas contínuo, do número de mulheres presidentes de câmara verificamos que em 2021 houve uma quebra ao serem eleitas apenas 29 mulheres presidentes de câmara, em contraste com as 32 eleitas em 2017. Sublinho este facto, porque é importante que o faça, sobretudo num momento em que nos aproximamos de um novo período eleitoral autárquico, em 2017 ano em que se elegeu o maior número mulheres presidentes de

Câmara chegamos apenas às 32 entre 308 Presidentes de Câmaras, ou seja, a presença feminina no exercício desta função ficou apenas a rondar os 10%.

Os contrastes que encontramos quando analisamos este tema não são apenas uma realidade nacional. Na verdade, este é um quadro alargado. Se olharmos para o panorama global, verificamos que o mais recente relatório da União Interparlamentar sobre este assunto revela que em janeiro de 2023 houve uma melhoria global de 0,4 na percentagem de mulheres com assento nos parlamentos nacionais- o que é positivo, mas se a velocidade continuasse a ser esta demoraríamos mais de 80 anos a atingir a paridade, ou seja, a plena paridade seria atingida apenas no sec. XXII, destacando-se como um dos maiores entraves o clima de sexismo, assédio, e violência contra as mulheres em todo o mundo.3

O ano em que a nível global se registou um record de mulheres parlamentares foi também o ano em que muitas mulheres abandonaram o exercício de cargos políticos alegando amiúde cansaço após o esforço dos anos COVID, a prolongada e exigente exposição

mediática, e a questão da violência online de que são frequentemente alvo. São disso exemplo: Jacinda Arden – ex-Primeira- ministra da Nova Zelândia, que alegou cansaço depois de lidar com o covid e a vontade de estar com a família; Sanna Marin – ex-Primeira-ministra da Finlândia- a quem críticas e a divulgação de imagens em festas levaram a abandonar o cargo depois de ter liderado a entrada da Finlândia na NATO; Sigrid Kaag - vice-Primeira Ministra dos Países Baixos- que diante de ameaças de morte e temendo os efeitos na família também abandonou o cargo; Lian-den-Haan (parlamentar) por alegados ataques populistas e misóginos; Carola Shonten- Vice-Primeira-Ministra provisional para a pobreza e Suzana CaputováPresidente da Eslováquia que anunciou que não se recandidatava devido a ameaças de morte num ambiente de forte polarização política.

São diversas as causas que levam a uma menor participação das mulheres na política: culturais, sociais e históricas.

As mulheres dão frequentemente eco de diversos constrangimentos na conciliação entre a vida

pessoal, profissional e familiar e a participação cívica e política. Para além dos constrangimentos inerentes ao facto de o meio político ser fortemente masculinizado e assente em lógicas de solidariedade sedimentadas durante séculos que continuam a pesar no momento da seleção para o desempenho de diferentes cargos, as mulheres vivem com maiores constrangimentos económicos que os homens – não podemos esquecer que apesar de ser menor que na média da EU o diferencial salarial em Portugal é ainda de 13,2%6 o que reduz os recursos disponíveis e expõem as mulheres a um maior esforço de conciliação das diferentes esferas da vida quotidiana fazendo com que trabalhem em média mais 1h15/dia que os homens em tarefas não remuneradas e são 84%7 dos cuidadores pessoais. Os partidos políticos geralmente justificam uma menor presença de mulheres com a dificuldade de recrutamento das mesmas devido à sua indisponibilidade.

A verdade é que enquanto não se mudarem este tipo de condições e o próprio modo de funcionamento das estruturas e das instituições políticas será muito

difícil haver mais mulheres disponíveis. Quem tem de enfrentar diariamente uma jornada de trabalho de 7h00 e mais e, por vezes, devido aos baixos salários tem de manter um duplo emprego, e no final disso tudo ainda trabalha mais 1h158 que qualquer elemento masculino do seu agregado familiar ou que qualquer um dos seus colegas de trabalho, em tarefas não remuneradas, dificilmente terá disponibilidade para participar em reuniões políticas que geralmente se estendem horas a fio.

Se a todas estas dificuldades, aliarmos a crescente polarização do ambiente político e a violência a que as mulheres com maior exposição pública estão cada vez mais sujeitas nas redes sociais, facilmente poderemos concluir que se nada mudar poderemos chegar a um ponto em que talvez se queiram mulheres para ocupar cargos políticos e estas verdadeiramente não estejam nada interessadas.

Referências:

1 Lei Orgânica n.º 3/2006 | DR (diariodarepublica.pt)

2 https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/ lei-organica/1-2019-121712770

3 https://www.bing.com/search?q=las+mujeres+en+el+parlamento+en+2023-+union+Inteerparlament%C3%A1ria&form=ANNH01&refig=db6bf2b8e64d4d0a8a855f0da72adbab&pc=U531

4 https://www.portugal.gov.pt/pt/gc24/ governo/composicao

5 https://www.publico.pt/2024/03/26/ politica/noticia/mulheres-repetentes-estreantes-assim-novo-parlamento-2084830

6 https://www.cig.gov.pt/wp-content/ uploads/2024/12/IC2024_Paginados-A4_ v6.pdf

7 Portugal tem quase 15 mil cuidadores informais e a maioria são mulheres - SIC Notícias (sicnoticias.pt)

8 https://sicnoticias.pt/pais/ 2021-03-04-Mulheres-portuguesas-trabalham-mais-uma-hora-e-13-minutos-que-os-homens

A Cultura e o exemplo: dados e factos

sobre a representatividade e liderança no feminino no setor

Em 2017, tive o enorme privilégio de trabalhar com Paula Rego (Portugal, 1935-2022), tendo sido curadora de uma exposição de homenagem, integrada na XIX Bienal Internacional de Arte de Cerveira. Em “Paula Rego e a transnarratividade biográfica da pintura”, interessou-me a dimensão ativista desta prestigiada artista, o seu feminismo, a forma como nos alerta para o machismo endémico, que se esconde dentro das nossas casas e na nossa cultura judaico-cristã, e a forma como a sua obra esteve ao serviço de lutas, como foi o caso da despenalização da interrupção voluntária da gravidez em Portugal em 2007.

Entre 8 de junho e 16 de setembro de 2023, a zet gallery apresentou “aura_invisibilidade do feminino”, exposição individual de Fernanda Fragateiro (Portugal, 1962), em que a artista apresen-

tava obras recentes e inéditas que evocavam artistas, designers e arquitetas que, pela condição de serem mulheres, não conseguiram inscrever o seu nome da História. Com esta exposição e na sua obra, de uma forma transversal, Fernanda Fragateiro procura a reparação, reescrita ou reconstituição de uma História da Arte que devolva o lugar às mulheres, sendo que a artista é, também, uma investigadora e uma devoradora de arquivos que sustentam esta urgência de justiça representacional de género.

Com enfoque no modernismo, Agnes Martin (Canadá, 19122004), artista; Alison Smithson (UK, 1928-1993), arquiteta; Anni Albers (Alemanha, 1899-1994), artista; Charlotte Perriand (França, 19031999), arquiteta e designer; Clara Porset (Cuba, 1895-1981), designer; Dara Birnbaum (EUA, 1946), artista; Denise Scott Brown (Zâmbia, 1931),

arquiteta; Eileen Gray (Irlanda, 1878-1976), arquiteta e designer; Judith Shea (EUA, 1948), artista; Lilly Reich (Alemanha, 1885-1947), arquiteta e designer; Lina Bo Bardi (Itália, 1914-1992), arquiteta; Lotte Stam-Beese (Polónia, 1903-1988), arquiteta; Otti Berger (Croácia, 1898-1944), designer; ou Ray Eames (EUA, 1912-1988), são apenas algumas das autoras, mulheres, cujas obras e estórias de vida movem e inspiram Fernanda Fragateiro.

Esta exposição de Fernanda Fragateiro, alinha-se com o programa curatorial da zet gallery que, ao longo dos anos, tem procurado esta representatividade, expondo, maioritariamente, mulheres artistas e abordando temáticas pós-coloniais, bem como outras que procuram um equilíbrio de forças entre Norte e Sul e que são essenciais para a construção de um mundo melhor. Estas nossas orientações programáticas acompanham, talvez na última década, uma tendência transversal das estruturas de criação e programação artística do dito mundo ocidental, que fazem eco de um processo que teve já vários tempos históricos, dando-nos a sensação de que esta é uma luta com avanços e recuos, nunca acabada.

Jenny Holzer (EUA, 1950) é uma artista neoconceptual, cuja prática artística tem como grande recurso o texto e a exposição em espaço público. Entre as suas obras, de grande diversidade em termos de materiais e tecnologias, incluem-se instalações de grande escala, outdoors e outros formatos recorrentes da publicidade, video mapping, expositores eletrónicos e/ou iluminados. A artista pertence a uma geração de artistas feministas que marca as vanguardas da década de 1980, tendo sido membro ativo do Colab (Collaborative Projects) e feito parte do histórico Times Square Show.

A cena artística de Nova Iorque foi, neste período, marcada por um grupo de artistas de diferentes disciplinas que defendiam e impulsionavam formas de ativismo cultual. Este grupo criou obras de arte, negociou espaços de habitação e atelier, organizou concertos e protagonizou discursos que respondiam aos temas políticos do seu tempo. Ontem (como hoje), falávamos de um período marcado pelas recessões da década anterior (1970), pela era de Ronald Reagan (EUA, 1911-2004), dos cortes orçamentais e do armamento nu-

clear; pela crise imobiliária geral, pelas lutas por direitos, liberdades e garantias das mulheres e da comunidade LGBT e pelo combate ao HIV, enorme problema de saúde pública à época. Entre 198385, Holzer desenvolve e apresenta a série “Men don’t protect you anymore”. A frase aparecia no letreiro do Liberty Theater e tornou-se no statement de uma geração que reclamava para as mulheres, nomeadamente, para as mulheres artistas, palcos e espaços de apresentação.

Em 1989, o Public Art Fund de Nova Iorque contratou as Guerrilla Girls, um coletivo de artistas feministas que mantêm o seu anonimato, usando máscaras de gorila em público e focando a sua prática na arte em espaço público. Para dar resposta a este desafio, o coletivo visitou o MET (Metropolitan Museum of Art) para comparar o número de mulheres artistas representadas com o número de corpos femininos nus apresentados nas obras de arte em exposição. Incluíam as estatísticas num cartaz que perguntava: “Do women have to be naked to get into the Met.Museum? Less than 5% of the artists in the Modern Art Sec-

tions are women, but 85% of the nudes are female.” O Public Art Fund acabou por rejeitá-lo como outdoor, alegando falta de clareza, pelo que as Guerrilla Girls encontraram um local público alternativo para o seu projeto: os autocarros da cidade de Nova Iorque. O cartaz alcançou o estatuto de ícone, pelo seu design gráfico ousado e atraente, e faz uma apropriação e releitura da obra de Jean-Auguste-Dominique Ingres (França, 17801867), “A Grande Odalisca” (1841), em que a personagem central usa, também, uma máscara de gorila. A mensagem acabou por causar um impacto ainda maior no final da década de 1980, alertando para falta de diversidade na representatividade de género nos museus e no mundo da arte, de uma forma geral.

Numa entrevista a Maura Reilly (EUA, 1950), em 2015, Linda Nochlin (EUA, 1931-2017) afirmou que, “no Ocidente, a grandeza foi definida desde a antiguidade como branca, ocidental, privilegiada e sobretudo, masculina.” Mas a constatação de que os cânones da História da Arte no Ocidente são problemáticos não é nova. No seu ensaio de 1971, Why Have There

Been No Great Women Artists?1, a mesma Linda Nochlin alertou as mulheres (investigadoras, historiadoras) que tentam nomear Michelangelos ou Picassos femininos:

Não há equivalentes femininos para Rembrandt, Delacroix ou Cézanne, Picasso ou Matisse. Tal como não há equivalentes negros americanos para o mesmo. O problema é sistémico: não está nas nossas hormonas, se formos mulheres, ou na cor da nossa pele, se formos pessoas de cor - mas nas nossas instituições e na nossa educação. A questão da igualdade centra-se na própria natureza das estruturas institucionais, no patriarcado e na prerrogativa branca e masculina que é assumida como “natural”. É precisamente esta fortaleza ideológica sobre as mulheres e as pessoas não brancas que as tem impedido de ter sucesso historicamente.

Maura Reilly é diretora do Zimmerli Art Museum da Rutgers University e tem dedicado toda a sua carreira, como autora e curadora, a artistas sub-representados, especialmente mulheres. No livro “Curatorial Activism, towards 1 https://www.artnews.com/art-news/ retrospective/why-have-there-been-no-great-women-artists-4201/ em 17 de maio de 2023.

an ethics of curating”2, expõe o seguinte:

As estatísticas demonstram que a luta pela igualdade de género e raça no mundo da arte está longe de concluída. Apesar de décadas de reflexão e ativismo pós-colonial, feminista, antirracista e queer, o mundo da arte continua a excluir os “Outros” artistas - aqueles que são mulheres, de cor e da comunidade LGBTQ3. A discriminação contra estes artistas invade todos os aspetos do mundo da arte, desde a representação em galerias, diferenças de preços em leilões e cobertura dos media até à inclusão em coleções permanentes e programas de exposições individuais. (...) como podemos levar as pessoas no mundo da arte a pensar sobre género, raça e sexualidade, a compreender que estas são preocupações constantes que exigem ação? Como podemos todos contribuir para garantir que o mundo da arte se torne mais inclusivo?

Vários curadores de todo o mundo estão a abordar, ou abordaram, esta questão da discriminação. (...)

Estes curadores – e outros como eles, interessados nas injustiças do mundo da arte – têm sido curadores de tudo, desde bienais e retrospetivas a exposições temáticas de grande escala, centran-

2 REILLY, Maura - Curatorial Activism, towards an ethics of curating. London: Thames & Hudson, 2018, p.17.

3 A sigla, em 2023, atualizou-se para LGBTQIA+.

do-se tanto no material histórico como no contemporâneo. Alguns abordaram o cânone histórico, ao inserir artistas em narrativas que até então tinham sido omitidas devido ao seu sexo e/ ou sexualidade. Outros organizaram grandes exposições monográficas de artistas que foram historicamente ignorados, enquanto outros ainda fizeram a curadoria de exposições temáticas de arte moderna e contemporânea que abrangem um leque mais vasto de obras expostas, alargando assim o cânone histórico e/ou o discurso da arte contemporânea em geral.

As mulheres ainda estão longe de ser o “futuro do homem”, para usar a célebre expressão do poeta Louis Aragon (França, 1897-1982). Ainda não ocupamos, tão pouco, o lugar que nos é devido na reconstituição, na reescrita no passado da Humanidade4. A solução para este défice informacional de sexo e de género é, por isso, clara: temos de aumentar a representação feminina.

Quando há mulheres envolvidas nas tomadas de decisão, na investigação, na produção de conhecimento, as mulheres não são esquecidas. As vidas e as perspetivas das mulheres saem da

4 SAND, Shlomo – Breve História Mundial da Esquerda (2022). Lisboa: Livros Zigurate, 2023, p.225.

sombra. Isto beneficia as mulheres em toda a parte e, como mostra a história de Taimina, a professora de matemática que gostava de croché, muitas vezes beneficia a humanidade por inteiro. E, por isso, voltando ao “enigma da feminilidade” de Freud, afinal a resposta esteve sempre à nossa frente o tempo todo. Tudo o que as “pessoas” precisavam de fazer era perguntar às mulheres.5

Conclui-se que, para cumprir a representatividade, precisamos de mais e melhores mulheres envolvidas no ecossistema da programação cultural, da curadoria e da produção de conhecimento em História da Arte e, sobretudo, nas tomadas de decisão das estruturas de criação e programação artística e cultural, bem como de mais mulheres sem medo de assumir posições e cargos públicos e políticos. Em 2022, foi nomeada, após 15 anos consecutivos de colaboração com esta instituição em paralelo com a construção de um currículo fervoroso e rico, tanto em termos de experiências profissionais como de mérito académico, a primeira

5 PEREZ, Carolina Criado – Mulheres Invisíveis: Como os Dados Configuram o Mundo Feito para os Homens (2019). Lisboa: Relógio Louis Aragon D’Água Editores, 2020, p.333 e 334.

diretora artística mulher da Fundação Bienal de Arte de Cerveira, estrutura que organiza as Bienais Internacionais de Arte de Cerveira.

As Bienais Internacionais de Arte de Cerveira surgem em 1978, no contexto dos acontecimentos que marcam os anos pós-25 de abril de 1974, ou seja, a Revolução dos Cravos que pôs fim ao Estado Novo, dando início a um período de construção democrática em Portugal. Pretendia-se uma descentralização cultural que se constituísse como um elogio à vanguarda e à Liberdade, contribuindo para a aproximação dos públicos às demandas do contemporâneo. Tratando-se da bienal mais antiga da Península Ibérica e uma das mais antigas do mundo, já com 23 edições realizadas, não deixa de ser curioso que, com tantas mulheres que foram fazendo parte das suas estórias, tenha tido a sua primeira diretora artística mulher após 44 anos de História. Esta coincidência pessoal acicatou o meu interesse por perceber, mais a fundo, qual é o lugar das mulheres em lugares de liderança do ecossistema cultural. Dados de outubro de 2023, indicam-nos uma enorme disparidade na representação de mulheres em

posições de liderança no sector cultural, no contexto dos países da União Europeia, sendo que apenas 30% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres, o que não acompanha a força do trabalho feminino, com as mulheres a representarem aproximadamente 60% do total de trabalhadores do setor cultural e criativo na EU, segundo o Instituto Europeu para a Igualdade de Gênero (EIGE, www.eige. europa.eu). Não obstante os progressos feitos ao longo dos últimos anos, do ponto de vista dos direitos, liberdades e garantias para as mulheres, o setor não é alheio ao peso da História e ao impacto dos papéis que, tradicionalmente, a sociedade atribuiu e distribui por género. É também notável que, a maior presença (ainda que ainda muito curta) de mulheres em cargos de liderança no setor cultural tenha tido como consequência o início de um processo de representatividade de artistas e criativas nas programações de museus, teatros, festivais de música ou de cinema, bem como uma reescrita da História que pretende afirmar o papel das mulheres na criação artística, questionando a sua tendência patriarcal. Do muito que há

a fazer, interessa conhecer e analisar os factos e obrigar o setor a questionar-se, considerando que as estruturas de criação e programação artísticas não podem estar em cima do muro, mas devem estar na luta pela igualdade, em toda a linha, e pela representatividade. Esse é um contributo essencial para o presente e para o futuro, em termos globais.

No caso específico dos museus, a representação feminina em cargos de direção varia, se considerarmos os países da EU e Reino Unido, com alguns a demonstrarem progressos maiores em direção à igualdade de género do que outros:

• A percentagem média na União Europeia diz-nos que cerca de 25% a 35% dos cargos de direção de museus são ocupados por mulheres.

• Suécia e Finlândia são os países com maior representação feminina: aproximadamente 50% ou mais dos diretores de museus são mulheres.

• França e Reino Unido: cerca de 40%.

• Entre os países com menor representação feminina estão a Alemanha e a Itália, com menos de 25%.

• Espanha e Portugal: entre 20% e 30%.6

Centrando, agora, a questão em equipamentos como teatros e cineteatros, bem como na organização de festivais de música e cinema, até outubro de 2023, a representação de mulheres em cargos de liderança países da União Europeia (EU) e Reino Unido também apresenta disparidades significativas de género, semelhantes às observadas nos museus.

Representação Geral em Teatros:

• Direção Artística e Administrativa: as mulheres ocupam cerca de 25% a 35% dos cargos de direção em teatros na UE.

• Numa variação por país, os países nórdicos (Suécia, Noruega, Dinamarca) até 45% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres.

• Na Europa Central e Oriental, menos de 20% de representação feminina.7

6 Rede de Organizações de Museus Europeus (NEMO), www.ne-mo.org

7 European Theatre Convention (ETC): www.europeantheatre.eu; Relatórios da European Festivals Association (EFA): www.efa-aef.eu

Festivais de Música:

• Na direção de Festivais, a percentagem média na UE diz-nos que as mulheres ocupam aproximadamente 15% a 25% dos cargos de direção em festivais de música.

• Géneros Musicais: música clássica com maior representação feminina em comparação com outros géneros; música popular e eletrónica com uma representação feminina menor, frequentemente abaixo de 15%.

• Programação Artística: artistas mulheres são menos de 20% dos artistas programados em festivais.8

Festivais de Cinema:

• Se falamos de direção e curadoria, a percentagem média na UE é de penas 10% a 20%, em que os festivais de cinema europeus são dirigidos por mulheres.

• Considerando as variações por países: França e Alemanha com uma representação feminina um pouco maior, cerca de 20% e nos demais

• Participação de Diretoras/ Realizadoras: os filmes dirigidos por mulheres representam cerca de 20% a 25% das seleções em festivais e, naturalmente, em termos de prémios e reconhecimento, há uma menor proporção de mulheres galardoadas, nos principais em festivais.9

Devemos concluir que, apesar do setor cultural ser dominado por Mulheres, o mesmo não se verifica na Liderança. Embora as mulheres representem uma parcela significativa dos profissionais em museus, raramente ocupam os cargos de chefia e direção, sendo que fatores como estereótipos de género e barreiras institucionais contribuem para essa disparidade.10

9 European Women’s Audiovisual Network (EWA): www.ewawomen.com; European Audiovisual Observatory: www. obs.coe.int

10 Relatórios e Estudos: Instituto Europeu para a Igualdade de Gênero (EIGE): O EIGE tem produzido relatórios que destacam a sub-representação de mulheres em posições de tomada de decisão no setor cultural, www.eige. europa.eu; Publicações da UNESCO ressaltam a necessidade de promover a igualdade de género em todos os níveis do setor cultural globalmente, www.

8 European Music Council (EMC): www. emc-imc.org; Keychange Initiative: www.keychange.eu países, muitas vezes abaixo de 15%.

Além da sub-representação em cargos de liderança, as mulheres também enfrentam disparidades salariais no setor cultural e, sabemos, fatores como falta de políticas de igualdade de género, estereótipos e o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal afetam o avanço das mulheres. Há, ainda, uma persistência das perceções tradicionais que dificultam a ascensão das mulheres a posições de liderança e um menor reconhecimento de mulheres em papéis criativos de destaque. E, naturalmente, que o peso da vida familiar faz como que as mulheres tenham um acesso limitado às redes profissionais e às oportunidades de mentoria, considerando que as expectativas sociais sobre responsabilidades domésticas continuam a afetar desproporcionalmente as mulheres.

Esperando-se do setor cultural o exemplo, percebemos o muito, o tudo que há ainda por fazer em matéria de igualdade de género, em questões de representatividade, quer de criadoras, quer de líderes. O feminismo é, por tudo isto, indispensável, porque defenunesco.org; Conselho da Europa - Igualdade de Gênero: www.coe.int; Conselho Internacional de Museus (ICOM), www. icom.museum

der os direitos, liberdades e garantias para as mulheres é defender os Direitos Humanos, de uma forma geral. Cabe-nos a todas, a todos, a cada uma, a cada um, ser mais que ativistas de sofá e fazer da ação diária, a luta. E, para mim, a curadoria é uma forma de ativismo e de ativação da ação coletiva, faz parte do meu exercício de poder em prol da mudança: por menos desigualdades de género, pelo fim de uma mentalidade colonial e racista, pela sustentabilidade ambiental, pelo trabalho digno e pela luta contra a pobreza, a primeira e mais primária forma de discriminação. Estes são os valores que têm pautado a ação da zet gallery ao longo dos últimos anos e que são a marca da nossa extensa programação. Termino com uma citação de Flora Tristan (França, 1803-1844), na sua intervenção no âmbito das ações da União Operária, de 184311:

Cabe-vos, portanto, a vós, operários, que sois as vítimas da desigualdade e da injustiça, cabe-vos a vós estabelecer por fim sobre a terra o regime de justiça e de igualdade absoluta entre a mulher e o homem.

11 Citado em SAND, Shlomo – Breve História Mundial da Esquerda (2022). Lisboa: Livros Zigurate, 2023, p.212.

A Relação entre Autarquias e IPSS: Fortalecimento da Intervenção Social

Local

Introdução

A intervenção social nunca ocorre no vácuo.

Há todo um contexto multiproblemático que é necessário ter em atenção e devidamente dissecado antes da implementação de uma qualquer resposta, correndo o risco de, na ausência de uma avaliação ajustada, ocorrer um desperdício de recursos e um processo de geração de problema adicionais. Desde logo, é importante atentar à problemática social em análise. Esta deve ser entendida como um objeto pluridimensional e dinâmico. Neste sentido, as soluções encontradas hoje, não serão, certamente, as de amanhã. Este dinamismo social, no entanto, não é, na maior parte das vezes, compaginável com a estrutura mais perene e rígida do Estado central e das suas políticas públicas.

Importa, assim, centrar esta análise no contexto local. No território proximal.

Importa, assim, que as políticas a desenvolver tenham uma lógica bottom-up que as enforme e legitime.

Parece-nos ser neste contexto que a relação entre as autarquias e as Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) ganham particular relevância. O desenvolvimento e consolidação desta parceria (numa lógica crescente de relação simbiótica) dever-se-á destacar pela capacidade de ajustar as medidas operacionais aos contextos locais, permitindo diagnósticos mais finos, mais atentos, que espelhem as idiossincrasias territoriais. Este enfoque na realidade de cada região deverá potenciar a criação de estratégias mais efica-

zes e representativas da diversidade social e cultural do território.

Delegação de Competências

do Instituto de Segurança Social para as Autarquias

Esta relação é inevitável. Mas, fundamentalmente, esta relação deverá ser desejável.

A nível nacional, encontramo-nos num processo de profunda reestruturação das políticas públicas nacionais de intervenção social. Nos últimos anos assistimos ao processo de delegação de competências do Instituto de Segurança Social para as autarquias. Este processo revelou-se altamente exigente. Contudo, revelou, igualmente, uma oportunidade. Uma oportunidade de operacionalizar uma intervenção mais descentralizada. E, na maior parte das autarquias nacionais, as IPSS assumiram-se como parceiros indispensáveis na implementação destas políticas nacionais e regionais.

Não poderemos esquecer que Portugal é, assumidamente, um Estado Social. Contudo, é o que chamamos de um “Estado Social delegado”. São as IPSS que, de norte a sul do país, implementam esta função social. O Estado, pela

sua natureza, encontra-se limitado na sua capacidade de intervir diretamente em todos os territórios de forma eficaz, razão pela qual recorre à rede de IPSS para assegurar o bem-estar social. Contudo, está, também, a recorrer às autarquias para o papel de financiador e supervisor. O que se está a passar nos Serviços de Atendimento e Acompanhamento Social (SAAS) poderá, eventualmente, servir de tubo de ensaio para estratégias futuras de reenquadramento político-social, eventualmente mais eficazes e proximais.

Trata-se, no fundo, da assunção evidente de que a proximidade entre os agentes locais é crucial. As autarquias, por estarem mais próximas das comunidades, conseguem identificar com precisão as necessidades e particularidades dos seus territórios, enquanto as IPSS oferecem uma intervenção flexível e adaptada. Este modelo colaborativo permite mais facilmente que as políticas sociais nacionais sejam traduzidas em práticas locais, atendendo à especificidade de cada contexto.

Papel das Redes Sociais Locais

Neste processo parece-nos igualmente relevante sublinhar o papel das redes sociais de intervenção, como a Rede Social do Porto, como exemplos de coordenação e mobilização coletiva em torno de objetivos comuns no âmbito social.

Estas redes, que deverão congregar todos os agentes sociais do território, constituem-se como plataformas fundamentais, quer para a definição de estratégias, quer para a partilha de recursos, promovendo sinergias entre diferentes entidades e evitando a duplicação de esforços.

O trabalho em rede permite que as autarquias e as IPSS tenham uma visão mais completa e detalhada dos desafios locais, facilitando a criação de soluções inovadoras e colaborativas que respondam a esses desafios de forma articulada.

Benefícios da Colaboração

Como facilmente interpretado do referido anteriormente, a parceria entre as autarquias e as IPSS proporciona serviços mais ajustados às necessidades da comunidade, promovendo uma maior eficácia na resposta social.

Esta dinâmica entre os deciso -

res políticos e os implementadores sociais promove (diríamos que quase inevitavelmente), um processo de aprofundamento destas relações, conduzindo os intervenientes a uma espiral de reflexão-ação, podendo, aqui, as autarquias assumirem-se como financiadores sociais de respostas inovadoras. Este financiamento de projetos locais, possibilita que iniciativas bem-sucedidas, após avaliação de impacto, possam servir de base para políticas públicas em escala nacional.

Ao financiar projetos de inovação social que atendem problemas específicos de uma região, as autarquias não só fomentam o desenvolvimento local, como também criam condições para que essas soluções sejam replicadas em outras regiões, contribuindo para a evolução das políticas sociais em Portugal.

Conclusão e Perspetivas Futuras

A colaboração estreita entre autarquias e IPSS assume-se como um pilar essencial para o desenvolvimento social local e nacional, proporcionando um modelo de intervenção social que deverá

combinar eficácia e proximidade. Este trabalho conjunto permite uma adaptação constante às necessidades emergentes, promovendo a inovação e a flexibilidade nas respostas sociais.

Parece-nos crucial que o futuro traga um fortalecimento desta relação, através da criação de mecanismos de avaliação que permitam medir o impacto das intervenções e a sua aplicabilidade em políticas públicas. A valorização das redes sociais locais e o incentivo ao financiamento de projetos sociais inovadores são passos fundamentais para consolidar esta parceria, promovendo um modelo de intervenção social capaz de responder aos desafios sociais. Presentes e futuros.

A importância da História Local: do que existe e do que pode existir…

CITCEM - Centro de Investigação Transdiciplinar Cultura, Espaço e Memória - FLUP

Introdução

O reconhecimento social da História Local advém, também, do papel assumido pelos municípios na construção de Portugal, num quadro sociopolítico, que, na génese, permitiu a afirmação da monarquia e do povo, muito suportado na ação da burguesia, dinamizadora económica na senda da estabilização fronteiriça e da afirmação das cidades.

Apesar da dimensão documental e do detalhe explicativo provenientes, com expressão, do século XIX, sobretudo pela contribuição de Alexandre Herculano, a História Local foi-se fazendo, o que persiste, pelo autodidatismo, sendo embora cada vez mais evidentes as condições e os justificativos para que a sua construção se afirme pelo academismo.

Assumindo as Autarquias Locais papel de relevo, importa darem uma contribuição mais efetiva para a construção da História Local pela conjugação de saberes, mediante organização e disponibilização de recursos documentais e técnicos que, em aproveitamento múltiplo, estejam em permanência ao serviço dos investigadores e, em geral, das populações.

O estado de limbo em que se encontra a História Local, no caminho para o academismo, resulta do benefício que a revolução epistemológica da disciplina emprestou, em dimensão macro, ao longo de boa parte do século XX, quando a sua construção foi, progressivamente, transferida dos “especialistas” para os “anónimos comuns”, realidade a que não foi alheia uma nova conceção de “fabrico” do passado a partir da utilização de fon-

tes múltiplas e da dessacralização de singularidades, ou seja, de uma História apenas fundada em grandes feitos e, particularmente na dimensão política, em protagonistas.

São diversos os representantes associados a uma nova forma de conceber a História. A afirmação das ciências, sejam francamente novas, sejam surgidas há décadas, mas que atravessam então o limiar da divulgação universitária, como a Sociológica, a Demografia, a Antropologia, a Etnologia, a Etiologia, ...; a renovação das problemáticas, sejam ao nível do ensino, sejam ao nível das ciências tradicionais, numa mutação que foi acompanhada pela junção do epíteto “novo” ou “moderno”; a interdisciplinaridade que promoveu, num processo em curso, a criação de ciências compósitas (LE GOFF 1998: 25-64).

Foi, ao mesmo tempo, imensa a ampliação do universo documental versando o passado de todos, abrindo os campos de observação, de medição e de descrição sobre aspetos da vida quotidiana. A disponibilização de recursos acontece a notável ritmo graças à organização dos arquivos e, obviamente, aos meios técnicos e informáticos de que dispomos. O acesso aos do -

cumentos foi, como nunca, vulgarizado, sendo possível a eles chegar sem deslocação dos interessados aos respetivos repositórios físicos.

A universalização no acesso aos documentos criou, por sua vez, um vasto conjunto de possibilidades de cruzamento e de tratamento e abriu perspetivas de trabalho que importa considerar com o envolvimento comprometido das Autarquias Locais.

Em “Histoire, science sociale; la durée, l’espace et l’homme à l’époque moderne”, Pierre CHAUNU (1974) faz uma reflexão metodológica em que descreve o futuro com os elementos do presente. Integra a História Económica que tem em conta os problemas dos métodos, bem como a Demografia Histórica, que permite uma medição do comportamento dos homens, tentando incorporar uma História Cultural, numa proeminência que traduz a mudança epistemológica da ciência, ancorada noutros representantes, a qual está ainda em curso e que mal chegou ao local, embora, como aqui se quer refletir, se possa fazer no e pelo local. A História Social é uma história de utilização de fontes comuns, que abrangem os incógnitos, o todo social, e não

apenas as elites. Uma História de todas as fontes que, na essência, faz jus ao sentido do ser Historiador: trabalhar com fontes, todas as fontes, que tendo sido embora construídas para fins diversos, lhe servem para descrever o passado. Uma História da Longa Duração, estrutural, capaz de, no tempo secular, identificar regularidades e perceber ruturas, nas causas e nas consequências, associando fenómenos e deslindando homeostasias. A História e a Sociologia, na longa duração, não só se juntam, apoiam-se, mas acabam mesmo por se confundir. .... O tempo da História presta-se menos ao hábil jogo da sincronia e da diacronia: não permite imaginar a vida como mecanismo em que se pode fazer o movimento parar para o apresentar pausadamente. Fernand Braudel foi o obreiro e o cultor, in extremis, desse tempo estrutural. A história do acontecimento cabe e, por vezes, provoca a história da conjuntura, que se inscreve num mesmo tempo: o tempo das estruturas, aquelas densas realidades humanas que se alteram de forma quase impercetível e que só o ofício do historiador, ao reconstruir o tempo numa desdobrável e contínua meada, pode apreender. O conceito de estrutura temporal deu à História a capacidade de incluir no passado o presente, embora não o explicando inteiramente: isso será ofício para o sociólogo. É o próprio Braudel que chama a atenção para este especto: “Uma noção cada vez mais precisa da multiplicidade do tempo e do valor excecional do tempo longo, vai abrindo caminho - consciente ou não, aceite ou não –a partir das experiências e das tentativas recentes da história.” (1976: 11). Objetiva: “Essa duração social, esses tempos múltiplos e contraditórios da vida dos homens, que não são somente a substância do passado, mas também a matéria da vida social atual …uma consciência clara dessa pluralidade do tempo social é indispensável para uma metodologia comum das ciências do homem … A explicação do social em toda sua realidade” (BRAUDEL 1958: 726-738).

O tempo estrutural braudeliano deu à História, nesta perspetiva, a capacidade de explicar até que ponto o presente é prisioneiro do passado, trazendo-a, por isso, para o espaço da aplicabilidade: o que se é está intimamente associado ao que se foi.

Não há forma de explicar e de entender cada um dos territórios, que, administrativamente, se singularizam na classificação de municípios, senão pela imersão nas suas raízes históricas, pelo coletivo, pelas suas gentes e pelas suas incursões no todo regional, nacional ou mesmo internacional. E é por isso que a promoção da História Local, pela disponibilização de meios, de recursos, numa perspetiva de saber non finito, se impõe enquanto elemento primeiro da respetiva explicação identitária dos municípios, importando fomentar o seu academismo, pelo cultivo do rigor, da sistematização e do “purismo” classificatório e interpretativo do passado fundado exploração e no tratamento de fontes. (Cf. CAETANO 1993; MORENO 1986).

A História Local, a “pequena história” encontra, tradicionalmente, nos autodidatas locais os melhores cultores e reprodutores em textos monográficos de grande valor discursivo e identificativo de fontes, de atores, de contextos espácio-temporais que cristalizam o heroico capaz de identificar, sobrelevar e distinguir o território dos demais e, no tempo, de lhe ampliar o valor pela identidade. Trata-

-se, em muitos casos, de incluir a nacional ou mesmo o supranacional no local porque o representante aí pertence, aí nasceu, daí partiu para a glorificação que o Tribunal da História lhe concedeu. É este o estado mais ou menos comum que grassa na História Local do ponto de vista da apropriação social e também da utilização que, por reprodução em diversos contextos, dela se faz.

“Pai, para que serve a história?”

Eis a questão colocada pela criança, a que o livro de Marc Bloch, “Introdução à História”, procura responder. Ela tem, em dimensão emocional, nos locais os melhores interlocutores (BLOCH 1987). E aí começa, desde logo, o valor da História Local, exemplo de vida permanente que os pretéritos emprestam ao futuro: “no meu tempo é que era…”

Não é este, porém, o estado em que deveremos, apenas, situar a “Petit Histoire”, sem que, no entanto, lhe neguemos a existência e o valor. Não: reclama-se que a História Local beneficie o local e que, por isso, beneficie igualmente do local.

Poderá caber, cada vez mais, às Autarquias Locais assumirem o

papel de parceiros privilegiados na criação de condições para a sua construção em dimensão académica, revisionista, em permanente avaliação, disponível para leituras múltiplas, História Social, Económica e Institucional”, mas também, História Cultural e das Mentalidades.

História Local: fontes, tratamentos, usos e caminhos a percorrer

Uma apreciação sobre a importância das fontes na construção de conhecimento, com particular benefício para a História, remete para o considerável progresso que os países e as entidades supranacionais alcançaram em termos de produção e de qualidade ao longo das últimas décadas num horizonte temporal que, continuadamente, se estende desde a Segunda Guerra Mundial. Cada vez mais os organismos responsáveis, nacionais ou internacionais, investem na recolha de informações sobre características das sociedades e das comunidades. Os repositórios disponibilizam informações de qualidade com uma grande diversidade de temas incorporados em matrizes comuns, viabilizando, nomea-

damente, a construção de bases de dados específicas segundo os interesses de exploração de cada utilizador. As estruturas nacionais articulam com as estruturas supranacionais, responsáveis, umas e outras, pela disponibilização de fontes que, em escalas distintas, entre si definem procedimentos que permitem comparar, no tempo e no espaço, as realidades retratadas.

A democratização no acesso a informações ocorre em tempo real, sob o patrocínio de repositórios institucionais, mediante disponibilização organizada em ficheiros diversos de programas informáticos compatíveis e de uso universal.

A capacidade de dispormos de informações de qualidade, com detalhe, veio, naturalmente, robustecer a dimensão nomotética das análises, potenciando a apreensão de regularidades e de relações de causa e efeito ou de (in)dependência entre variáveis tradutoras de realidades sociais (GOLDTHORPE 2016: 70-84). As fontes existem com abrangente cobertura temática, abrindo cada vez mais a possibilidade de caracterização e de estudo por conjugação de fatores. Por uma questão de inteli-

gibilidade e de operacionalização, que as torna viáveis, a recolha de informações, nomeadamente com tradução numérica, expressa em estatísticas disponibilizadas, faz-se parcelarmente, embora, é esse hoje, porventura, o maior desafio, a sua utilização tenda cada vez mais a ser por conjugação, porque, justamente, a realidade social e os comportamentos que cada uma delas encerram não ocorrem estanques uns dos outros. Quer isto dizer que tendemos a utilizar as fontes porque as possibilidades de acesso existem, numa perspetiva de associação, de relações de causa e efeito, de testagem de modelos comportamentais. Ao acedermos a uma imensidão de fontes somos, em contrapartida, convocados, ainda mais, para a necessidade de seriarmos, em cada contexto, o que é adequado (LEVITAS 1996a). As fontes disponibilizadas por entidades oficiais são uma das bases da criação de conhecimento que sustentam a existência de sociedades organizadas. São fundamentais nas dimensões de cidadania, de atividade das organizações estatais e não estatais, de planeamento para o bom funcionamento global e servem, as fundamentais, para a

comparação com outras geografias (ROSADO 2003: vi). Traduzem múltiplas realidades, que, interagindo entre si, ajudam a explicar o conjunto, racionalizando recursos e informações, permitindo criar cenários e antecipar desafios: são suporte na previsão de comportamentos sociais na análise temporal e espacial, na análise pré e pós-teste, na análise de padrões. Em qualquer escala territorial, deverá estar presente um modelo de gestão de informação que suporte a atuação de quem tem a responsabilidade de criar conhecimentos. Desafio de onde decorre, assumida a importância social das fontes, e, bem assim, a consciência de que nenhuma por si responde de forma absoluta a interrogações e a dúvidas inerentes ao processo de descoberta, a necessidade de se repensar a sua própria natureza para que a exploração que delas se faz possa ser mais profícua, detalhada, relacional com outras que as expliquem e as completem, alargando o problema para o campo da ciência da informação, capaz de criar “pontes”, neste tempo de geração constante de dados, entre informações estruturadas e informações não estruturadas. Muitas

das respostas ao que se pretende conhecer não podem ser encontradas senão pela recolha, organização e tratamento de informações adquiridas em “fontes adormecidas”, de tal forma que se possam observar tendências e padrões pela aplicação de procedimentos de quantificação ao conjunto de informações nelas contidas: assumindo ou modificando a forma, impõe-se uma primeira observação sobre a sua variabilidade. Os dados trabalhados potenciam leituras da realidade que, para correto discernimento, com graus de complexidade, implicam a existência de conhecimentos metodológicos e técnicos, que, nomeadamente, minimizem abusos de representação ou de interpretação. As fontes podem ser encaradas segundo patamares de utilização que progressivamente concorram para a ampliação do conhecimento. São “arrumadas” nas áreas que caracterizam, sem que, no entanto, o façam de forma completa, existindo, quase sempre, uma realidade reportada e, na “sombra”, uma realidade não reportada (REINER 1996). A utilização de fontes, com vista à produção de conhecimento que possa ter aplicação de interes-

se social, percorre etapas que, em conjugação, nos podem permitir a construção de uma visão ampla dos fenómenos sociais.

As fontes comportam, porém, em muitas situações, subestimação e, por isso, a caracterização do ocorrido não se faz só por elas: há uma diferença entre o que acontece, de facto, e o que é registado (AA.VV. 2008; LEVITAS 1996b). Donde a importância da utilização de outros processos de caracterização da realidade social consequentes da obtenção de informações alternativas e complementares. E isso a História faz muito bem. O conceito de fonte, para o conhecimento da realidade social, nomeadamente a local, tem ampla dimensão, estando profundamente associado ao trabalho do historiador que, para procurar reconstruir o passado, deita mão a todos os testemunhos que lhe surgem.

A necessidade de se conhecer as fontes advém, em parte, da consciência do potencial que lhes está subjacente, mas, também, das suas limitações (GONÇALVES 2004: 61-63). Uma delas, incontornável, resulta da impossibilidade de incorporarem informações das realidades retratadas que permitam,

por exemplo, observar, medir e descrever, em simultâneo, “causas” e “efeitos”, o que lhes atribui papel relativo no processo de construção de conhecimento. As fontes sustentam, de certa forma, a construção de conhecimento fundado no objetivo de explicar a realidade pelo estabelecimento de comportamentos específicos de grupos sociais por oposição a outros grupos, enjeitando quaisquer expressões de caráter individual (LESSARD-HÉBERT et al. 1994: 26-40). São criadas, por essa via, categorizações que conduzem, necessariamente, a uma visão uniformizada de comportamentos relativamente a cada um dos grupos ou atores sociais que sustentam as suas observações. É como se todos os indivíduos retratados pelas estatísticas tivessem idênticos percursos de vida e motivações, como se fossem idênticas as suas formas de entendimento a propósito das mais diversas questões. E, deste ponto de vista, é necessário separar a construção do conhecimento pela quantificação porque a uniformidade do real não é senão aparente, porque para cada classificação estabelecida, em predefinição, existe uma diversidade de situações e, na

perspetiva dos atores sociais, de sentidos e de interpretações para as suas ações e comportamentos, importando ter consciência de que informações e procedimentos de tratamento quantitativo não resultam, necessariamente, em conteúdos com profundidade social. Na discussão que faz entre o individuo e o conjunto, a parte e o todo, sobre uma certa confusão existente entre o conhecimento decorrente do tratamento de estatísticas e o conhecimento decorrente de processos sociais, ELIAS (2005: 77 e 144) criticamente esclarece: “Investigam o comportamento, as perspetivas e as experiências das pessoas individuais e submetem os seus resultados a processos estatístico …”. Importa, para a boa utilização das fontes históricas, ser capaz de as criticar duplamente. A crítica interna, que respeita às suas caraterísticas tendo em conta o potencial informativo e analítico consoante os atributos que encerram, permitindo, por si ou em associação com outras, chegar ao conhecimento.

A apreciação do seu valor intrínseco comporta subjetividade, porque, nomeadamente, depende de quem as utiliza e dos propósitos de utilização, podendo ter valorização

pelo recurso a ciências auxiliares e também a fontes de confronto que as completem. A crítica externa, que respeita às condições de produção, aquilata ou retira validade e independência na captação da realidade a que as mesmas se associam (TOWNSEND 1996). Verifica o seu valor extrínseco. A forma como as informações são agregados, a inclusão de características ou, em negação, a omissão intencional, podem levar a que existam distorções da realidade, retirando-lhes, por isso, valor de uso.

Pela crítica, em termos gerais, estamos em condições de, nomeadamente, perceber se, quanto ao tempo, as possíveis dimensões de análise podem ser, simultaneamente, sincrónicas e diacrónicas, o que é da maior importância para o estudo do passado das comunidades e das sociedades.

A construção de modelos explicativos do “funcionamento” da sociedade tem associação com a produção, a disponibilização e a utilização de fontes. Embora se reconheça a insuficiente e, por vezes, a desajustada utilização, a verdade é que a passagem de um modelo de explicação fundado no individuo para um modelo de explicação

fundado no social, no comum, no todo, nas estruturas de funcionamento compostas por partes que interagem, tem com as fontes e os repositórios documentais modernos, digitais, de fácil acessibilidade, profunda associação. É essa, aliás, uma das razões que fundamentam a sua existência: recolher informações para suportar conhecimento, ter capacidade de descrever o estado dos fenómenos sociais, numa espécie de caracterização em “fotografia”, e de, com base na descrição continuadamente disponibilizada, ter capacidade para, numa espécie de caracterização em “filme”, acompanhar no tempo esses mesmos fenómenos, de tal forma que se torne possível observar processos de rutura ou de permanência de comportamentos que importa manter ou tentar modificar. Cabe aos utilizadores, empregando meios computacionais, que, nomeadamente, permitem a associação de variáveis e o mapeamento da realidade, recolher, analisar e divulgar dados e conhecimentos, que, produto da observação contínua, na História, têm dimensão, retrospetiva. A utilização de fontes pelos repositórios tem crescido exponencialmente, o que remete para a

questão da procura, em exigência, de duas qualidades, a da validade das informações inerentes e a dos resultados. LISANA et al. (2019), por referência ao crescimento significativo do número de publicações científicas. Além dos repositórios e do software disponíveis, mais ou menos sofisticado, há uma série de competências que os utilizadores devem possuir para beneficiarem das fontes. A sua utilização, como contributo para a produção de “saber comunitário e social”, assenta nos pressupostos de que não se analisam casos isolados mas conjuntos expressivos, espacialmente delimitados, pela observação, pela medição e pela descrição da dimensão, da estrutura, segundo tipologias mais ou menos clássicas, e pela distribuição espacial; analisam-se também as mudanças ocorridas ao longo do tempo, as causas e as consequências dos fenómenos sociais, ou seja, os efeitos que sobre eles tem o sistema social e vice-versa.

Reflexão

A utilização das fontes, não apenas as históricas, pode assumir diversas aceções: quantitativa, subdivisível em descritiva, a mais

vulgar, centrada na descrição dos fenómenos sociais por referência a um espaço e a um tempo e, quando assente em informações padronizadas, decorrente de uma categorização “oficial”, e a teórica ou pura destinada a “construir leis” ou modelos explicativos da realidade sobre a qual se pode intervir; qualitativa, capaz de interpretar as diversas medidas quantitativas sendo, por isso, interdependente de n áreas de conhecimento, uma vez que os fenómenos que se observam e se medem carecem de descrição em função dos estados das estruturas social, económica, cultural…

Colocam-se, no quadro de uma sociedade organizada, um sentido conjunto de desafios aos utilizadores e beneficiários das fontes históricas: (i) A obtenção de ganhos em qualidade na produção e na disponibilização das informações alcançável pela definição de padrões rigorosos capazes de garantirem exatidão e coerência, sem omissões intencionais e sem interferências externas, em correspondência com as normas e as boas práticas internacionais. Isto é muito importante porque, nomeadamente, é necessário discutir

resultados, entre países e, no mesmo país, em momentos distintos, tendo em conta que as comparações se podem estabelecer apenas quando as categorizações permanecem e são fiáveis. Existem ainda áreas e subáreas com baixa cobertura ou mesmo ausentes de fontes (ABBERLEY 1996), o que conduz, em alternativa, à procura de outras fontes que, por exemplo, possas descrever contextos e especificidades igualmente importantes (NICHOLAS 1996). Estas insuficiências sempre existirão até porque a explicação para os comportamentos pela quantificação ocorre em dimensão distinta da que se obtém pela abordagem qualitativa, escassa em número de casos, mas rica em detalhes, o que é particularmente importante quando o que se pretende caracterizar está para além do factual (GUY 1996): será bem mais objetivo, por exemplo, descrever a mortalidade do que a morbilidade, flutuante, sensível a fatores culturais e comportamentais. (ii) A pormenorização, de detalhe informativo e de escala territorial, em recolha e divulgação, dos dados como suporte de construção de conhecimento aprofundado capaz de permitir encontrar

respostas locais para os problemas sociais concretos. (iii) A utilização de metodologias e de processos de harmonização e de cálculo que assegurem a comparação dos dados no tempo e no espaço.

Não será possível, sem investigação sistemática, obterem-se avanços significativos num sistema incompleto de informação local, municipal, sobre os mais diversos problemas de interesse para os territórios qualquer que seja a escala geográfica. É necessário fazer-se bastante mais do que se tem feito se se prender avançar para a fixação de um paradigma de produção académica de conhecimento histórico fundado na definição de modelos, criando-se, nomeadamente, estruturas capazes de coligirem, medirem e descreverem informações provenientes de entidades externas e de geração endógena, em contínuo, para poderem estabelecer comparações no tempo e no espaço, objetivo que implica a existência de um considerável substrato de dados que viabilize a análise causal, diacrónica, potenciadora da gestação de cenários com aplicação a espaços e a perfis societários (REIS 2006). O combinatório de fontes, produto da

integração de múltiplas variáveis, negando a explicação redutora, contribui para a construção de modelos explicativos, que, evidenciando a função das partes no todo, concorrem para a compreensão global da realidade social. Não se analisa, senão pela parcialidade, a realidade histórica apenas a partir de uma tipologia de fontes, mas, sim, a sua relação, equilibrada, com outras que traduzam comportamentos igualmente importantes para o conhecimento global.

Ao longo de boa parte do século XX, produto da revisão epistemológica empreendida pela chamada “Escola dos Annales” (BURKE 2003), foram-se encontrando, com cruzamentos mais ou menos evidentes, caminhos que confluíram na utilizam ampla e universal de fontes históricas comuns. Deu-se, por outro lado, um considerável e contínuo salto na profissionalização do processo de construção de conhecimento histórico, ao que se juntou a dimensão combinatória das fontes, patrocinada pela existência de bases de dados submetidas aos mesmos procedimentos de agregação, de disponibilização aberta, transpostas para software de utilização comum, que poten-

ciam cada vez mais leituras dos fenómenos sociais por mecanismos de homeostasia e por testagem de modelos com óbvios impactos nas formas como se podem ler comportamentos sociais e conhecer, de facto, em dimensão sociológica, o passado das comunidades produto da incorporação de saberes multidisciplinares, técnicos e metodológicos, que tendem a positivamente institucionalizar o academismo de que a História Local, em processo aberto, tem beneficiado e deverá, pela ação determinada dos decisores locais, continuar a beneficiar.

As Autarquias Locais assumem desafiantes responsabilidades na criação de condições para o fomento da História Local.

A História Local beneficia largamente dos recursos documentais disponíveis em diversos repositórios institucionais ou em arquivos organizados ou ad hoc, tendo um enorme potencial de constituir bases de dados compósitas, de utilização múltipla, porque, cada uma, sendo constituídas por elementos que se repetem, permitem, em curadoria, ampliar campos de observação, de medição, de descrição e de interpretação. São relevantes desafios: o de inventariar o

que existe com descrição técnica e conteúdo associada ao tempo dos documentos, o que, de facto, implica que o ofício seja entregue a quem o pode cumprir; o de se constituírem bases de dados temáticas de acesso aberto, democratizadas, capazes fazerem corresponder a História à sua condição de ciência interdisciplinar; o de, na existência de meios, abrir a História aos investigadores e, se possível, estabelecer acordos de colaboração com centros de investigação nacionais e internacionais.

Referências:

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O Municipalismo português: da tradição à inovação

1. A organização do poder local tem acalorado a hodierna historiografia portuguesa que desde o século XIX motivou reacções e paixões de lados opostos, em virtude das alterações políticas que fundamentaram uma nova visão para a organização administrativa do território.

O municipalismo, na sua génese, é anterior aos primórdios da nacionalidade e teve como objectivo uma série de vectores que, conjugados, permitiram defender os aglomerados populacionais locais, dando-lhes garantias, direitos e liberdades, a uns mais do que outros, que visivelmente se encontravam, nas primitivas cartas de foral1, que legitimaram o concelho, numa época em que os municípios se

1 REIS, Matos (2002) – Origens dos Municípios Portugueses, 2.ª edição. Lisboa: Livros Horizonte.

diferenciavam pela sua localização geográfica: uns eram de fronteira, outros litorâneos, outros conotados de agrícolas, destacando-se, pelo seu sentido reivindicativo, os do Norte e da Beira2.

Alexandre Herculano defende que os municípios portugueses tiveram a sua origem nos municípios romanos; posição contrária encontramos no historiador espanhol Hinojosa para quem os fundamentos da municipalidade medieval peninsular é de influência visigótica. Outros, porém, como Gama Barros ou Sanches Albornoz rejeitam as teses anteriores por considerarem que o município medievo “é uma instituição nova,

2 COELHO, Maria Helena da Cruz (1994) –«A Dinâmica concelhia portuguesa nos séculos XIV e XV», in Anais. I Colóquio de Estudos Históricos Brasil Portugal. Belo Horizonte: PUC.MG, p.32.

que aparece como produto das circunstâncias e das necessidades próprias da Reconquista, sem qualquer filiação no município romano”3.

A sua criação visou responder a três ordens de razões: aos problemas de povoamento, compensar os povoadores primitivos e atrair novos povoadores4, para áreas consideradas estratégicas não só para o alargamento do território agrícola, mas também para evitar o isolamento de núcleos populacionais5. Qualquer que tenha sido a sua classificação, todos, sem excepção e de acordo com os circunstancialismos atinentes a cada um, reivindicavam a defesa das suas liberdades e privilégios, autonomia em assuntos fiscais, a admi-

3 AMARAL, Diogo Freitas do (1988) –Curso de Direito Administrativo, Vol. I. Coimbra: Livraria Almedina, p.442.

4 MARQUES, José (1994) – «Os Municípios portugueses dos primórdios da Nacionalidade ao fim do reinado de D. Dinis», In Anais. I Colóquio de Estudos Históricos Brasil Portugal. Belo Horizonte: PUC. MG, p.9.

5 MATA, Joel Silva Ferreira (2005) – «O foral de 1205 outorgado a Vila Nova de Famalicão», in História de Vila Nova de Famalicão, coord. José Viriato Capela, José marques, Artur Sá da Costa e António Joaquim Pinto da Silva. Vila Nova de Famalicão: Edições Quasi, pp.109-128.

nistração das finanças municipais, a organização da defesa militar, a manutenção das condições conducentes ao desenvolvimento económico6, mas também liberdade para a realização de obras públicas, higiene, salários, preços e administração pública7. Eram caracterizados pela sua “irregularidade e variedade: não havia regras uniformes para a divisão do território nem quanto ao regime administrativo das várias circunscrições. […] Tudo variava de lugar para lugar, com uma frequência desconcertante”8.

Diogo Freitas do Amaral apresenta a evolução do município português em várias fases: a 1.ª (séculos XII a XIII), caracterizada pela emergência de concelhos de forma espontânea, que lentamente são reconhecidos pelo Rei e pelos senhores mediante a atribuição de cartas de foral; a 2.ª (séculos XIV

6 SILVA, Francisco Ribeiro da (1994) – «As Cortes seiscentistas e o seu significado nas relações entre os concelhos e o poder central», in Anais. Colóquio de Estudos Históricos Brasil Portugal. Belo Horizonte: PUC.MG, p.53.

7 COELHO, Maria Helena da Cruz (1994), p.30.

8 CAETANO, Marcelo (1981) – História do Direito Português. Vol. I. Fontes – Direito Público (1140-1495). Lisboa: Editorial Verbo, p.215.

a XV) que vê multiplicarem-se as instituições municipais e a divisão do território em concelhos; as câmaras são fiscalizadas pelos corregedores e juízes de fora; 3.ª fase (séculos XVI a XVII) rumo à centralização com a reforma dos forais iniciada em 1497, nos conhecidos «Pareceres de Saragoça»9, por D. Manuel, a publicação do Regimento dos oficiais das cidades, vilas e lugares destes Reinos (1504); 4.ª fase (revolução liberal) com a introdução das reformas a partir de 1820, caracterizada pela perda de funções jurisdicionais, às câmaras municipais, transformando-as em meros órgãos deliberativos; 5.ª fase (Monarquia Constitucional e I República), oscilante entre a centralização e a descentralização, com a promulgação de vários códigos administrativos, consagrando a eleição dos corpos administrativos que eram acompanhados por magistrados governamentais; 6.ª fase (Estado Novo) que limita a autonomia autárquica, passando o presidente de câmara a ser de

9 DIAS, Luiz Fernando de Carvalho (1962)

– Forais Manuelinos do Reino de Portugal e do Algarve. Estremadura conforme o exemplar do Arquivo Nacional da Torre do Tombo de Lisboa. Edição do Autor, pp.323-326.

nomeação do Governo; 7ª fase (25 de Abril) em que a totalidade dos órgãos são eleitos democraticamente; aumenta a autonomia e o município torna-se, de facto, uma instituição ao serviço e progresso local10.

O Estado era suportado, na sua base, por municípios, sem qualquer ligação entre si, incoerentes, individualistas, garantindo alguns direitos individuais, “mas era a negação de todos os princípios geraes de direito político, civil e criminal, a condemnação de toda a economia pública, a supressão de todo o viver nacional, o menospreso de todos os interesses geraes, e o impedimento de todo o progresso e civilização da sociedade”11.

Na sua evolução tendeu, até finais da Idade Média, para o aumento de municípios que se encontravam encravados entre as ambições da nobreza e do clero, entre as honras e os coutos e a apetência régia, para combater os excessos do clero e da nobreza. Nesse tempo, os pelouros eram distribuídos

10 AMARAL, Diogo Freitas do (1988), pp.444-445.

11 AVILLA, Joaquim Thomaz Lobo d’ (1874) – Estudos de Administração. Lisboa: Tipographia Universal, p.19.

pelos diferentes vereadores e a vida local era, toda ela, gerida pela sua administração.

Preludia-se já com as Ordenações Afonsinas12 e confirma-se com a reforma dos forais13 e consolida-se com as ordenações publicadas por D. Manuel em 152114, a centralização régia que cometeu aos concelhos apenas a matéria económica, colocando à frente das câmaras o juiz de fora15. Como diz Lobo d’Ávila, a “coroa, de conquista em conquista, foi ampliando a sua esfera de acção até abranger n’ella a vida social em todas as suas relações, convertendo uma monarchia essencialmente firmada no princípio municipal e temperada pela intervenção das cortes, n’um governo absoluto e pessoal”16.

A evolução da centralização foi

12 Ordenações Afonsinas (1984), Liv. 1.º, Tít. 23. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp.116-150.

13 MATA, Joel Silva Ferreira (2013) – O Foral da Terra de Baião. 500 Anos: 15131213. Baião: Câmara Municipal de Baião. Baião.

14 Ordenações Manuelinas (1984), liv. 1.º, tít.39. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp.247-270.

15 AVILLA, Joaquim Thomaz Lobo d’ (1874), p.15.

16 AVILLA, Joaquim Thomaz Lobo d’ (1874), p.16

ainda mais robustecida pelas Ordenações Filipinas17 e demais legislação avulsa. Recuperada a independência, em 1640, este compêndio jurídico foi mantido em vigor e a tendência seguiu o caminho do poder absoluto do rei paralisando a iniciativa municipal.

2. O século XIX, tempo de todas as paixões, de uma nova era, entre o romantismo e o pragmatismo da Revolução Francesa e legislação napoleónica sobre a administração territorial, animaram o debate nacional não só pela influência gaulesa, mas também pelo derrube do absolutismo. Mas os liberais também se perderam entre a centralização e a descentralização, esta mais amiga do poder local, das elites tradicionais e da burguesia letrada juridicamente e interessada no desenvolvimento das estruturas legislativas que permitissem uma maior abertura das suas actividades económicas e mercantis.

A monarquia absoluta adequou o seu aparelho administrativo ao controlo das populações18,

17 Ordenações Filipinas (1985), Liv. 2; liv. 1, tít. 65. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, pp.134-144.

18 RIBEIRO, Maria Manuela Tavares (1994) – «A Construção do Estado liberal – o poder e o municipalismo em Portugal»,

arquétipo que os liberais de 1820 rejeitaram, dando início a um longo percurso sinuoso da liberdade, consagrou o princípio da divisão e independência dos poderes19, mas os vintistas “occuparam-se antes de controvérsias políticas do que de questões administrativas e económicas”20. Nos tempos conturbados e de conflitualidade que arrasta liberais contra absolutistas, foi pensada uma nova organização municipal, baseada em princípios que divergiram da sua formação secular, optando-se, pois, por uma nova base administrativa que levou à extinção de centenas de municípios. Porém, e independentemente de um certo racionalismo e pragmatismo eivado pela influência da legislação napoleónica, os municípios portugueses renovaram-se até aos nossos dias21, num crescendo de importância na organização social e desenvolvimento local. Contrariando o regime adminisin Anais. Colóquio de Estudos Históricos Brasil Portugal. Belo Horizonte: PUC.MG, p.185.

19 «Constituição de 1822, Tit. III-IV», in Constituições Portuguesas. Lisboa: Assembleia da República.

20 ÁVILLA, Joaquim Thomaz Lobo d’ (1874), p.38.

21 COELHO, Maria Helena da Cruz (1994), pp.23-24.

trativo anterior, os liberais, desde cedo, moldaram e criaram aparelhos adequados às reformas relacionadas com o exercício do poder e controlo social, e, entre elas, a obediência dos agentes “às finalidades do processo escrito como forma administrativa dominantes, isto é, a codificação escrita das leis”22, procedimento logo aproveitado pelas vereações através da promulgação das posturas municipais em forma de códigos. Conhecemos, por exemplo, no concelho de Valongo, várias destas realizações, desde 1839, 1880, 1884, 1892 e191423. Este regime normativo permite, à semelhança da lei Geral do Reino, acompanhar o desenvolvimento municipal e a necessidade da sua regulamentação.

Durante a curta, mas profícua, regência de D. Pedro IV, em nome de D. Maria II, com o seu governo sediado na Ilha Terceira, nos Açores, foram publicados os chamados “decretos ditatoriais” que “foram o evangelho da cruzada

22 RIBEIRO, Maria Manuela Tavares (1994), p.186.

23 MATA, Joel Silva Ferreira (2023) –História Económica, Social e Administrativa do concelho de Valongo (1836-1926), Volume II. Valongo: Câmara Municipal de Valongo, pp.21-129.

liberal”24, cuja legislação então produzida pôs fim ao sistema absolutista, à abolição dos dízimos e direitos senhoriais, à supressão dos capitães-mores; à organizaram os tribunais de acordo com a Carta Constitucional; à separação das funções administrativas das judiciais; ao fim da venalidade dos empregos públicos, à abolição da censura; à redução do imposto de sisa e à extinção do monopólio do sabão, e da exportação do vinho do Porto25.

O grande reformista foi, sem dúvida, o ministro Mouzinho da Silveira que, já em 1830, pelos Decretos de 26 e 27 de Novembro, estabeleceu os fundamentos da nova administração pública com a criação das Juntas de Paróquia e das Câmaras Municipais, berço da concepção da “organização administrativa do liberalismo português”26, e que foram inspiradas nas “bases da organização administrativa napoleónica (Decreto 22-XII-

24 ÁVILLA, Joaquim Thomaz Lobo d’ (1874), p.40.

25 ÁVILLA, Joaquim Thomaz Lobo d’ (1874), pp.40-41.

26 SÁ, Víctor – A Reforma administrativa liberal que precedeu a de Mousinho da Silveira. [Disponível: ler.letras:up/ uloads/ficheiros/1950. pdf]. [Consultado em: 20/10/2024].

1798 e Constituição de 1791)27.

Foi, porém, o Decreto n.º 23 de 16 de Maio de 1832 que trouxe a modernização do sistema administrativo português, criando as bases da administração pública portuguesa, que colocou à frente da gestão do concelho a figura do provedor, de nomeação régia, coadjuvado por um conselho electivo28.

Alguns dos grandes nomes da cultura portuguesa, desse tempo, pronunciaram-se sobre a obra de Mouzinho da Silveira. Almeida Garrett diz que é um “grande movimento, é o termo onde verdadeiramente acaba o velho Portugal e de onde começa o novo”29; Alexandre Herculano tem uma posição oposta por não aceitar o decalque do modelo francês e considera “um erro prático e um contra-senso político”30 e, no fervor românico, escreve que “a instituição municipal

27 SÁ, Víctor, p.201.

28 ÁVILLA, Joaquim Thomaz Lobo d’ (1874), p.42.

29 GARRETT, Almeida (1963) – «Memória Histórica de José Xavier Mouzinho da Silveira», in Obras Completas de Almeida Garrett (Volume I – Ficção e outras prosas). Porto, p.994.

30 HERCULANO, Alexandre (1984) – Opúsculos, Tomo II. Questões Públicas. Sociedade – Economia – Direito. Lisboa: Bertrand Editora, p.194.

parece ter saído directamente das mãos de Deus”31 e Oliveira Martins, que comunga do pensamento de Herculano, considera a lei administrativa “a mais perigosa e a menos prática”32. É possível que o pomo de discórdia tenha sido movido pela disposição da Constituição de 1822 na qual “os corpos municipais gozavam de ampla autonomia, mas registam-se críticas dos liberais (…) ao facto de os presidentes de câmara não serem «da nomeação do Rei»”33.

A Carta Constitucional, de 29 de Março de 1826, que não tão liberal, manteve aberta a possibilidade de criação de câmara nas cidades e vilas existentes à época, com com-

31 SARAIVA, José Hermano (1956) –Evolução histórica dos municípios portugueses. Lisboa:, Biblioteca do Centro de Estudos Político-Sociais, pp.78-79 e 82-83. Na verdade, esta ideia já havia sido referida por Alexis Tocqueville (2002) – Da Democracia na América Cascais: Principia, Publicações Universitárias e Científica, Cap. V – Necessidade de estudar o que se passa nos diferentes Estados antes de falar do Governo da União: “a comunidade local parece emanar directamente das mãos de Deus”, p.100.

32 MARTINS, Oliveira (1976) – Portugal Contemporâneo, Vol. I. Lisboa: Guimarães Editora, pp.352-361.

33 RIBEIRO, Maria Manuela Tavares (1994), p.187.

petência dos domínios económico e municipal34.

O Decerto n.º 23, de 16 de Maio de 1832, determina a divisão do território continental e ilhas adjacentes em províncias, comarcas e concelhos (Tít. I, Cap. I, art. 1)35, cujas bases são tomadas na legislação da França, conforme se lê no preâmbulo e também se diz que “a administração é o governo doméstico aplicado ao bem comum [e] o bem comum exige que os cidadãos regulem por si os interesses locais, porque são domésticos, e de família”36. Vigorou cerca de três anos, por ser substituído logo em 1835, pela publicação da Carta de Lei de 25 de Abril e o Decreto de 18 de Julho que passaram a dividir o território em distritos e estes em concelhos, por sua vez subdivididos em freguesias, e o Decreto de 6 de Novembro de 1836 que

34 «Carta Constitucional da Monarchia Portugueza decretada, e dada pelo Rei de Portugal e Algarves D. Pedro imperador do Brasil», in Constituições Portuguesas 1822 | 1826 | 1838 | 1911| 1933. Lisboa: Assembleia da República, pp.136-137.

35 PORTUGAL. Decreto de 16 Maio de 1832. [Disponível em https://www. ministeriopublico.pt/documentos, pdf, p.10]. [Consultado em: 24/10/2024].

36 PORTUGAL.  Decreto de 16 de Maio de 1832, p.3.

consagra a nova divisão administrativa constituída por 17 distritos e 351 concelhos, suprimindo mais de 400 concelhos37, seguindo-se a publicação a 31 de Dezembro deste ano, o novo Código Administrativo, que decretou a divisão territorial em distritos, subdivididos em concelhos com uma ou mais freguesias38, assim como retira amplos poderes aos municípios, particularmente o judicial39.

Dá, pois, ao concelho uma matriz centralizadora transformando-o num “concelho dependente, do modelo napoleónico, muito diferente do modelo independente, de formação histórica como o modelo inglês”40, onde agora as câmara municipais são órgãos deliberativos e consultivos perdendo a sua autonomia sobre matérias impor-

37 ROCHA, Joaquim Freitas da e SILVA, Pedro Cruz e – «Breve história dos municípios portugueses», in Municípios de Portugal. [Disponível em: https://repositorium.sdum.uminho.pt]. [Consultado em: 24/10/2024], p.171.

38 Código Administrativo (1837), Tít. I, Cap. I, art. 1. Lisboa: Imprensa da Rua de S. Julião, p.1.

39 CAPELA, Viriato – A Historiografia da administração local. Breve perspectiva histórica. [Disponível em: https:// books.openedition.org/cidelus/1108 ]. [Consultado em: 14/10/2024], p.24.

40 AMARAL, Diogo Freitas do (1988), p.437.

tantes como a eleição dos procuradores às comarcas, a repartição das contribuições directas, a possibilidade de contrair empréstimos para financiar obras públicas de relevância local, examinar as contas sobre rendimentos próprios, votar sobre compras, vendas e aforamento dos bens municipais e fazer livremente posturas41. Neste último aspecto, por exemplo, a vereação do concelho de Valongo, presidida por João Rodrigues Alves, viu o código de posturas reprovado na sua primeira versão, tendo a Junta Geral do Distrito do Porto alterado a redacção de inúmeros artigos e suprimido parágrafos e artigos, por não estarem de acordo com a lei geral.

Este modelo “imposto por via legislativa ou mesmo por força estadual”42 foi fortemente contestado pelas câmaras municipais e pela Câmara dos Deputados onde os parlamentares mostraram as desvantagens de tal modelo, assim como não mereceu a melhor aceitação dos intelectuais.

Aponta-se, assim, a inconstitucionalidade do Decreto n.º 23, de 16 de Maio de 1832, porque, nos

41 RIBEIRO, Maria Manuela Tavares (1994), p.189.

42 AMARAL, Diogo Freitas do (1988), p.437.

termos da Carta Constitucional de 29 de Abril de 1826, é da competência das câmaras “todo o governo económico e municipal das cidades e das vilas (Cap. II, art. 13)43, que não se compatibiliza com a separação das funções deliberativas e executivas, de onde resulta uma clara limitação dos poderes municipais44, conferindo-se às câmara atribuições administrativas no domínio da instrução pública e da sua inspecção, sem comprometer a liberdade de ensino, pedagogia e didáctica, escolha dos professores; garantia da moralidade, segurança e salubridade; o socorro comum; proteger os expostos e abandonados; constranger e a punir os ociosos que desprezavam o trabalho; dirigir e vigiar os hospícios e hospitais; e tratar os presos com humanidade45.

A administração municipal é confiada a um Provedor (art. 5.º) e todas as autoridades são de nomeação régia (art. 6.º). Algumas autoridades de nomeação governamental, nem sempre cumpriam o requisito de naturalidade local, quando a lei previa que os cargos deviam ser ocupados por naturais dos respectivos concelhos. A oposição critica severamente o racionalismo e o pragmatismo de Mouzinho da Silveira. São sintomáticas as palavras de desencanto de Alexandre Herculano que considera a vida municipal “apenas um vão simulacro”46, e defende que “a descentralização bem caracterizada seria o remédio natural e completo contra os excessos do executivo”47.

43 «Carta Constitucional da Monarchia Portugueza decretada, e dada, pelo Rei de Portugal e Algarves D. Pedro, Imperador do Brasil», in Constituições Portuguesas. Lisboa: Assembleia da República, p.136.

44 RIBEIRO, Maria Manuela Tavares (1994), p.190.

45 PORTUGAL.  Decreto de 16 de Maio de 18 32 (n.º 23). [Disponível em: https://www. ministeriopublico.>documentos,pdf, p.5]. [Consultado em: 24/10/2024].

Na Carta aos Eleitores do Círculo de Sintra, de 22 de Maio de 1858: “não receeis que a descentralização seja a desagregação. O governo central há-de e deve ter sempre uma acção poderosa na administração pública; há-de e deve cingi-la; mas cumpre restringir-lhe a esfera dentro de justos limites, e os seus justos limites são aqueles em que a razão pública e as demonstrações das experiências provarem que a

46 HERCULANO, Alexandre (1984), p.351.

47 HERCULANO, Alexandre (1984), p.353.

sua acção é inevitável. O âmbito desta não deve dilatar-se mais”48.

Numa carta, que mais tarde dirigiu a Almeida Garrett, sobre a propriedade literária, refere ainda que o desenvolvimento “só se realizará pela descentralização administrativa e por forte organização municipal”49, defendendo a ampliação dos poderes municipais50.

A centralização provocada pelas sucessivas reformas administrativas, desde o século XIX, teve como consequência a incontornável redução de concelhos. O liberalismo herdou 841 (1802), mas já em 1826 eram só 816; o Decreto n.º 65, de 28 de Junho de 1833 contempla somente 796; a reforma de Passos Manuel, de 1836, extingue 498, mas criou 21, e entre eles, o de Valongo, por Decreto de 6 de Novembro de 1936, publicado em Diário do Governo de 29 de des-

48 HERCULANO, Alexandre (1858) – Carta aos Eleitores do Círculo de Sintra. Lisboa: Typographia do Jornal do Comércio.

49 HERCULANO, Alexandre (1984), p.553.

50 RIBEIRO, Maria Manuela Tavares (1991) –«Centralização – Descentralização. Uma polémica nos meados do século XIX», in Revista de Ciências Histórica Universidade Portucalense. Porto: universidade Portucalense Infante D. Henrique. Departamento de Publicações, p.345.

te mês51, mas perdeu logo no ano seguinte uma das suas freguesias52, concelho que numa reforma de 1867 foi extinto e incorporado no efémero concelho de Rio Tinto53, voltando à sua autonomia poucas semanas depois, e, após a queda do governo de Joaquim António de Aguiar, Valongo recuperou a sua autonomia administrativa54. Era, por essa altura constituído por 700 fogos55.

Com a reforma de Passos Manuel, o mapa administrativo ficou constituído por 351 concelhos. A seguir à Regeneração, o número de concelhos continuou a cair para 268; no início da I República, em 1911, cresce para 291, incluindo 29 dos Açores e Madeira; a

51 PORTUGAL, «Decreto de 6 de Novembro», in Suplemento ao Diário do Governo de 29 de Novembro, 1836.

52 AHVLG/CMVLG, B/A 1-2-3, fl.8.

53 PORTUGAL. Decreto de 10 de Dezembro de 1867.

54 Épocas Legislativas 1834-1901 para o uso da Comissão de Verificação de Poderes da Câmara dos Dignos Pares do Reino (1901). Lisboa: Imprensa Nacional, p.12; O Comércio do Porto, n.º 13, XV, de 17 de Janeiro de 1868.

55 REIS, P.e Joaquim Alves dos Reis (1904) – A Villa de Vallongo. Suas tradições e história, descripção, costumes e monumentos. Porto: Typographia Coelho, p.218.

democracia herda, do Estado Novo, 304 concelhos, que integravam 30 das ilhas adjacentes56.

Na verdade, a reforma de Mouzinho da Silveira vingou e constituiu a coluna dorsal da administração pública, apesar da curta experiência descentralizadora introduzida pelos setembristas (1836) que daria então lugar ao Código Administrativo da responsabilidade de Passos Manuel. O Código Administrativo de 1842, de Costa Cabral, volta ao modelo centralizador que subordina o poder local ao poder central. A contestação a este modelo fez ruído mas não tão impulsivo como a reacção que se assistiu à reforma de 1832, embora deixasse à administração do concelho o exercício de várias competências de natureza fiscal (art. 129), inspecção, vigilância, (art. 120)57. Não obstante, este compêndio jurídico vigorou até 1878 que, pela sua estabilidade permitiu a formação de um corpo administrativo, altamente burocratizado e traquejado, mas que não fugiu à prática de arbitrariedades, fraudes e corrupção administrativa e

56 AMARAL, Diogo Freitas do (1988), p.445.

57 Código Administrativo (1842). Lisboa: Imprensa Nacional, pp.31-32.

eleitoral58.

Na linha do pensamento descentralizador do historiador Alexandre Herculano encontramos

J. F. Henriques Nogueira que, por volta de 1855, discorda da poalha de pequenos concelhos, mas não apoia deliberadamente a descentralização. Porém, não deixa de referir que “para o futuro os concelhos ou municípios devem ser tudo ou quase tudo na nossa organização política (…). Nem é de estranhar que por uma reacção lógica contra os municípios tyranicamente centralisadores, o município se alevante do pó da terra, magestoso, cheio de vida respeitável!”59.

A vertigem do regime monárquico-constitucional que conduziu à drástica diminuição de concelhos foi mal recebida pelos defensores radicais da descentralização – à inglesa e americana –, por não atender aos interesses dos povos locais, eliminando “ou anexando o que a natureza e a história es-

58 RIBEIRO, Maria Manuela Tavares (1994), p.193.

59 NOGUEIRA, J. F. Henriques (1855) –Estudos sobre a reforma em Portugal Lisboa: Typographia do Progresso, pp.222-223.

pontaneamente teriam criado”60, porque os românticos consideravam que o município assim como a freguesia constituíam a “base e o elemento indispensável de toda a sociedade política”61. Era, pois, a defesa intransigente do jus naturalismo que combatia a política de arredondamento e anexação de municípios baseada no número mínimo de 3 000 fogos nas povoações urbanas e 500 nas rurais, política que motivou as mais vivas reacções62.

De facto, é exemplo, a Lei Eleitoral de 4 de Junho de 1836 que, para proceder à nova constituição da Câmara dos Deputados, dava instruções sobre a formação das assembleias paroquiais estabelecendo o número mínimo de 1 000

60 CATROGA, Fernando (2004) – «Natureza e história na fundamentação do municipalismo – da Revolução liberal ao Estado Novo (uma síntese)», in Estudos de homenagem a Luís António de Oliveira Ramos. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, p.410. [Disponível em: https://ler.letras.up.pt/ uploads/ficheiros/4980.pdf.]. [Consultado em:20/10/2024].

61 FREITAS, Justino António de (1851) – Instituições de Direito Administrativo Portuguez. Coimbra: Imprensa da Universidade, p.156.

62 ÁVILLA, Joaquim Thomaz Lobo d’ (1874), p.93.

fogos, reconhecendo-se que este era um problema real de administração territorial, provendo-se nestas circunstâncias a reunião de paróquias para atingir o número mínimo de fogos63.

Havia, pois, um número de municípios que estariam nas mesmas condições devendo unir-se freguesias mais pequenas cabendo ao município mais numeroso indicar aquelas que concorreriam para este objectivo. A união de municípios, pelas mesmas razões, era da competência dos governadores civis64.

Em 1855, Henriques Nogueira denunciava a continuidade de concelhos com áreas pequenas, sem recursos para suportar as instituições, definindo que a sua extensão devia ter por base o tempo gasto por qualquer cidadão

63 MATA, Joel Silva Ferreira (2021) – «Da Eleição da Câmara dos Deputados (Junho) às Eleições Gerais Extraordinárias e Constituintes (Novembro), em 1836», in Dois Séculos de Constitucionalismo Eleitoral 1820-2020, coord. Vital Moreira e José Domingues. Universidade Lusíada Editora, p.166.

64 PORTUGAL. «Decreto de 4 de Junho de 1836», in Collecção de Leis e outros documentos officiaes publicados desde o 1.º de Janeiro até 9 de Setembro de 1836. Lisboa: Imprensa Nacional pp.208-209.

em deslocar-se da periferia até à sede “considerada esta povoação como centro, o mínimo de um raio até à fronteira ou limites de outro município poderia ser de 2 ½ legoas portuguesas e o maximum“65, cerca de 15 km a 30 km66.

Lopes Mendonça é a favor da centralização por ser o único meio para atingir o desenvolvimento económico e industrial67. Em meados do século XIX, o panorama sobre o município era muito desfavorável. Henriques Nogueira considera que o município foi abandonado pelo Governo e por isso “definha na impotência, e na inactividade. Privado de professores e de funcionários ilustrados, elle não pode instruir a mocidade, nem ir avante em nenhuma obra para que se requeira sciência. Dependente das veleidades e caprichos ministeriais, tolhido em sua própria administração, elle estaciona na mais deplorável inércia”68 e porque

65 NOGUEIRA, J. F. Henriques (1855), p.223.

66 Calculada com base na descrição de «Léguas», in Dicionário da Língua Portuguesa. Academia das Ciências de Lisboa. [Disponível em: dicionário-acad – ciências.pt/pesquisa/légua]. [Consultado em: 25/10/2024].

67 RIBEIRO, Maria Manuela Tavares (1991), p.346.

68 NOGUEIRA, J. F. Henriques (1855), p.221.

não promove uma série de instituições que pertencem ao município desenvolver: escolas, associações de todos os ramos da indústria, oficinas de trabalho e colónias agrícolas, mercados seguros, abertura de estradas e caminhos vicinais; transportes de passageiros e de mercadorias, rápidos e baratos; imprensa e um periódico diário ou semanal; uma misericórdia; irrigação e arborização; granja – modelo para desenvolvimento agrícola e ensaio de tecnológico e instituições de distracção e recreio como o teatro, o ginásio, entre outros69.

O Decreto de 21 de Julho de 1870 anulou a concepção do jus naturalismo do município, atribuindo ao Governo a faculdade de alterar as circunscrições administrativas70. O seu sucesso foi limitado, mas as câmaras ficaram, agora, com a liberdade de contrair empréstimos e suas garantias, merecendo previamente a aprovação do Conselho de Distrito, até à quantia de 10 contos de réis, e do Governo acima desta importância71. Desta

69 NOGUEIRA, J. F. Henriques (1855), pp.225-226.

70 ÁVILLA, Joaquim Thomaz Lobo d’ (1874), p.94.

71 ÁVILLA, Joaquim Thomaz Lobo d’ (1874), p.94.

prerrogativa se aproveitou o município de Valongo, então presidido por João Rodrigues Alves, que em 1882 contraiu junto da Caixa Geral dos Depósitos um empréstimo no valor de 1,1 contos de réis, para introduzir a iluminação pública na vila de Valongo72. O debate sobre a natureza do município foi novamente levado à Câmara dos Deputados por António Rodrigues Sampaio que apresentou no relatório de proposta de lei, em 1872, onde professa que o “município não é uma associação natural”73.

3. No século XX, o grande teorizador foi Marcelo Caetano que subordinava o município aos interesses da Nação, una e indivisível, donde resultava que “os órgãos municipais só representariam os interesses específicos da comunidade se estivessem subordinados ao interesse geral da Nação”74, e rejeita, portanto, a origem jus naturalista do município: “se se pretende dizer que o concelho retira a sua origem e razão de ser da própria natureza e não da lei, se se preten-

72 AHVLG/CMVLG, B/A 16, fl.154v.

73 CATROGA, Fernando (2004), p.411.

74 CAETANO, Marcelo (1937) – O Município no Estado Novo. Lisboa: União Nacional, p.323.

de ressuscitar a doutrina da anterioridade e primazia dos direitos dos municípios sobre os direitos da Nação; se se pretende afirmar que cada concelho é inatingível na sua existência e na sua circunscrição, será fazer violência à realidade dos princípios”75.

De influência italiana, a expressão «autarquia local», entra no ordenamento jurídico português, que a consagra na Constituição da República de 193376 (Tit. VI, art. 126.º), mas não considera “as autarquias locais de administração indirecta do estado- administração porque não prosseguem fins do Estado e, antes os interesses próprios das populações respectivas, mas não acolhe no conteúdo da noção a eleição dos órgãos destas pessoas colectivas públicas”77. A Constituição de 1933 “abre espaço à autonomia das autarquias locais, entendendo que o que era de inte -

75 CAETANO, Marcelo (1930) – O Município na reforma administrativa. Lisboa: Imprensa Universitária, pp.12-13.

76 REBELO, Marta (2007) – Descentralização e justa repartição de recursos entre o Estado e as Autarquias Locais. Coimbra: Almedina, p.155.

77 OLIVEIRA, António Cândido de (2013) – O Direito das Autarquias Locais, 2.ª edição. Coimbra: Coimbra Editora, p.127.

resse local competia às autarquias e o que era de interesse nacional competia ao Estado”78. O Código Administrativo de 1936-1940 contrariou esta nomenclatura por colocar os órgãos administrativos autárquicos na dependência dos Ministérios das Finanças e do Interior, podendo ser substituídos por comissões administrativas79.

O caminho municipal foi bastante atribulado, como podemos observar no quadro seguinte.

Evolução do municipalismo (criação/extinção de concelhos)

Ano concelhos n.º Extintos criados

1820 826* [785]** – –

1836 351* [466]** 498* [466]** 21*

1834 796* – –

1842 381* – –

A partir da Regeneração 268* – –

1911 262* – –

1974 274* – –

1988 275* – –

Fonte: *AMARAL (1988), p.444-445. **ÁVILLA, Joaquim Thomaz Lobo d’ (1874), pp.89-93.

O Código Administrativo

78 SILVA, Manuel Maio Gonçalves a (2017) – O Poder local e a organização política e administrativa do Estado português: evolução no regime político democrático vigente. Porto: Universidade Fernando Pessoa (polic.), p.21.

79 TAVARES, António F. – 50 Anos de poder local: da organização política original, à consolidação democrática. [Disponível em:  https:// repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/93434/1/13.%2050%20 ANOS%20DE%20PODER%20LOCAL. pdf.]. [Consultado em: 24/10/2024].

de Estado Novo (redacção de 1969, art. 2.º), classifica os concelhos em urbanos e rurais. São urbanos aqueles “cuja população da sede e dos núcleos urbanos com mais de 10 000 habitantes exceda o total de 25 000 habitantes”80, entre outros aspectos; os concelhos rurais dividem-se em três ordens: são de 1.ª ordem os concelhos com sede em capital de distrito; com 55 000 ou mais habitantes; de 80 PAIXÃO, J. da Silva: SEIA, J. Aragão (1983) – Código Administrativo actualizado e anotado. Legislação complementar, 3.ª edição. Coimbra, Almedina, p.20.

2.ª ordem os concelhos cuja população esteja compreendida entre 3 000 e 5 500 habitantes; são se 3.ª ordem os concelhos que não estejam compreendidos na ordens anteriores81. Durante o Estado Novo, Valongo era um concelho rural de 3.ª ordem82.

4. Finda a II Guerra Mundial, a Europa pronunciou-se a favor da defesa da autonomia local que é consagrada nas Constituições de muitos países europeus, caminhando-se para um entendimento comum, que deu os primeiros passos na reunião do Conselho dos Municípios da Europa, em Versalhes, em 1953, onde foi aprovada uma “Carta Europeia das Liberdades Municipais”83. Em 1985, na XX Sessão da Conferência Permanente dos Poderes Locais e Regionais da Europa, reunida em Estrasburgo foi assinada a Carta Europeia de Autonomia Local, adoptada pelo Comité de Ministros do Conselho da Europa no mesmo ano. Esta é “o primeiro

81 PAIXÃO, J. da Silva: SEIA, J. Aragão (1983), pp.20-21.

82 «Valongo», in Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, vol. XXXIV (s/d). Lisboa: Editorial Enciclopédia, p.44.

83 OLIVEIRA, António Cândido de (2013), p.111.

instrumento jurídico multilateral que define e que garante os princípios da autonomia local um dos pilares da democracia que o Conselho da Europa tem por missão defender e desenvolver”84. Com este instrumento comum, o Conselho Europeu pretende alcançar uma união mais estreita entre os seus membros, através da conclusão de acordos de domínio administrativo, considerando que as autarquias locais são um dos princípios fundamentais de todo o regime democrático, e em que o direito dos cidadãos de participar na gestão dos assuntos públicos faz parte dos princípios democráticos comuns a todos os Estados-membros85.

Ausente nesta primeira fase, Portugal ratificou a Carta Europeia de Autonomia Local por Resolução da Assembleia da República n.º28/90, de 23 de Outubro86,

84 OLIVEIRA, António Cândido de (2013), p.101.

85 RICARDO, Joaquim Fernando (2013) –Manual do Autarca, Vol. 1. O Poder local e os seus eleitos. Porto: Vida Económica, pp.24-27.

86 PORTUGAL. Diário da República n.º 245/1990, Série I de 1990-10-23, pp. 4344-4351.

e Decreto Presidencial n.º 58/90, de 23 de Outubro. Neste pressuposto, prosseguem, pois, a Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro – que estabelece o quadro de transferência de atribuições e competências para as autarquias locais, bem como de delimitação da intervenção da administração central e da administração local, concretizando os princípios da descentralização administrativa e da autonomia do poder local87, e a Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro88, alteradas pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de Janeiro89.

O Decreto-Lei n.º 135/99, de 22 de Abril, sobre os mecanismos de administração pública, respeita os princípios da Carta Europeia de Autonomia Local, ao ouvir a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e a Associação

87 PORTUGAL. Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro. [Disponível em:https:// pgdlisboa.pt/leis/lei_mostra_articulado.php?nid=1228&tabela=leis ]. [Consultado em: 24/10/2024].

88 PORTUGAL. Lei n.º 169/99, de 18 de Setembro. [Disponível em: Diário da República n.º 219/1999, Série I-A de 1999-09-18]. [Consultado em: 24/10/2024].

89 PORTUGAL. Lei n.º 5A/2002, de 11 de Janeiro. [Disponível em: https:// diariodarepublica.pt/dr/detalhe/lei/5a-2002-570504]. [Consultado em: 24/10/2024].

Nacional de Freguesias (ANAFRE) em matérias de administração pública local.

Não há, pois, dúvida, que em função dos instrumentos jurídicos produzidos, as autarquias locais adquirem completa liberdade democrática no quadro das suas competências no prosseguimento de políticas que beneficiem as populações. Mas, as dificuldades de muitos municípios poderão conduzir a uma nova realidade que a Constituição Portuguesa consagrou – a regionalização – que poderá trazer “evidentes vantagens sob o ponto de vista político e democrático com um espaço cívico adicional para o exercício da participação política dos cidadãos e maior possibilidade de controlo da acção dos políticos por parte dos cidadãos”90.

Em 50 anos de democracia, a regionalização esteve na agenda política, surgindo propostas dos partidos de esquerda, de regiões administrativas, baseadas nas províncias já existentes. O PSD e o CDS não apresentaram propostas neste sentido. Por referendo realizado a 8 de Novembro de 1998, a regiona-

90 TAVARES, António F., p.138.

lização foi rejeitada por 60,75%91. O Distrito do Porto pronunciou-se pela regionalização. O assunto não morreu, pois António Costa, em 2021, garantiu que se ganhasse as eleições legislativas de 2022, voltaria a referendar a regionalização92, alinhando neste projecto o Presidente da República93 e todos os partidos com assento parlamentar, excepto o CDS94.

A Constituição da República de 1974, na redacção de 1982, vem determinar a quem compete a criação, extinção ou modificação territorial das autarquias (art. 167.º, alínea j). A Lei n.º 11/82, de 2 Junho, art. 1.º atribui à Assembleia da República a capacidade de legislar sobre a criação ou extinção de au-

91 Referendo Nacional 98. Mapa Oficial n.º2/98, in Diário da República, 1.ª Série A – n.º 183 –10/08/98.

92 Costa promete dar “voz ao povo” sobre a regionalização em 2024. [Disponível em: https:// www.jornaldenegocios.pt/economia/politica/detalhe/costa-promete-dar-voz-ao-povo-sobre-a-regionalizacao-em-2024 ]. [Consultado em: 06/11/2024].

93 PR favorável à realização de referendo sobre a regionalização em 2024. [Disponível em: www.dn.pt]. [Consultado em: 2010/2024].

94 Regionalização: Partidos favoráveis a referendo, CDS contra qualquer modelo. [Disponível em: Regionalização: Partidos favoráveis a referendo, CDS contra qualquer modelo]. [Consultado em: 06/08/2024].

tarquias locais, e a Lei n.º 142/85, de 18 de Novembro, atribui à Assembleia da República a faculdade de tomar iniciativas para a criação, extinção e modificação de municípios, auscultada a população visada, “tendo em conta razões de ordem histórica e cultural e factores geográficos, demográficos, económicos, sociais, culturais e administrativos e, ainda, interesses de ordem nacional e regional ou local em causa”95. Ente outros requisitos aponta-se a existência de «farmácia, casa de espectáculos, transportes públicos colectivos, estação dos CTT, instalações de hotelaria, estabelecimentos de ensino dos vários níveis, corporações de bombeiros, agência bancária, parques e jardins públicos e posto de assistência médica com serviço de permanência ou posto médico permanente»96.

95 Criação de Municípios. [Disponível em:  https://app.parlamento.pt/comunicar/ V1/2021107/75/artigos/art3. html]. [Consultado em: 24/10/2024].

96 Criação de Municípios. [Disponível em:  https://app.parlamento.pt/comunicar/ V1/2021107/75/artigos/art3. html]. [Consultado em: 24/10/2024].

Na legislatura de 1976/1980 foi criado o município da Amadora97. Posteriormente foram apresentadas outras iniciativas para a criação dos municípios: Ericeira, Samora Correia, Canas de Senhorim, Carnaxide, Vizela e Loures, entre outros, não tendo a sua maioria chegado à sua discussão para aprovação98. Em 1998 foram criados os municípios de Vizela, Trofa e Odivelas. Nas legislaturas subsequentes foram apresentadas propostas de criação de novos municípios como Fátima, Canas de Senhorim, Amora, Sacavém, Esmoriz e Quarteira que não foram aprovadas99.

5. A capacidade financeira e o desenvolvimento económico dos municípios, levará a uma reflexão sobre a manutenção dos que, pelo seu despovoamento, deixem de ter razão para permanecerem como unidades administrativas.

97 PORTUGAL. Lei n.º 45/79, de 11 de Setembro, in Diário da República n.º 210/1979, Série I de 1979-09-11, pp.2261-2262.

98 Criação de Municípios. [Disponível em:  https://app.parlamento.pt/comunicar/ V1/2021107/75/artigos/art3. html]. [Consultado em: 24/10/2024].

99 Criação de Municípios. [Disponível em:  https://app.parlamento.pt/comunicar/ V1/2021107/75/artigos/art3. html]. [Consultado em: 24/10/2024].

E se não for a regionalização, será com certeza, a anexação ou a união a outros mais fortes, quanto mais não seja para obter economias de escala. O envelhecimento da população e o baixo índice demográfico estarão na origem de um processo de aglutinação administrativa. Os municípios existem para as pessoas, e é governado democraticamente pelas forças vivas locais. O esvaziamento populacional pode tornar desnecessária a estrutura municipal tal qual a conhecemos hoje e encaminhar a sua integração num espaço territorial mais amplo que promova iniciativas de escala no interesse do bem comum local.

Referências

Fontes arquivísticas:

AHVLG/CMVLG, B/A 16, fl.154v.

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Notas biográficas dos conferencistas e moderadores

Andreia Barbosa

Professora na Escola de Direito na Universidade do Minho e na Faculdade de Economia da Universidade do Porto. Doutora em Ciências Jurídicas Públicas e mestre em Direito tributário.

Carlos Manuel Soares Miguel

Advogado, licenciado pela UDL, no curso 1977/1982.

Membro da Assembleia Municipal de Torres Vedras entre 1986 e 2002, da qual foi Presidente.

Em 2002 integrou o executivo da Câmara Municipal de Torres Vedras, onde permaneceu até 2015, presidindo à mesma entre 2004 e 2015.

Renunciou ao mandato na CMTV em Novembro de 2015, para integrar o XXI Governo da República, mantendo-se no exercício de funções governativas no XXII e no XXIII Governos, com os cargo de Secretário de Estado, no primeiro Adjunto e Autarquias Locais, no segundo do Desenvolvimento Regional e no terceiro com a pasta das Autarquias Locais e Ordenamento do Território.

Atualmente, exerce advocacia em Torres Vedras.

Professor Associado de Ciência Política na Universidade de Aveiro.

Pró-reitor para o desenvolvimento regional e política de cidades.

Presidente da European Urban Research Association.

Membro da Unidade de Investigação em Governança, Competitividade e Políticas Públicas.

Coordenador da Plataforma de Inovação Territorial da RIS3 da Região Centro.

Consultor do Banco Mundial e da OCDE em temas de governação subnacional.

Foi o primeiro coordenador da Secção de Governação e Política Local da Associação Portuguesa de Ciência Política.

Francisco Castelo Branco

Licenciado em Direito pela Universidade Lusíada, o Prof. Doutor Francisco Castelo Branco prosseguiu os seus estudos com uma Pós-graduação e Mestrado em Administração Pública pela Universidade do Minho. Mais tarde, obteve o título de Doutor em Ciência Política e Administração pela Universidade de Santiago de Compostela.

Atualmente, desempenha várias funções académicas e de Investigação. É Investigador Integrado do Centro de Estudos Jurídicos, Económicos, Internacionais e Ambientais da Universidade Lusíada. Além disso, ocupa o cargo de Diretor dos Serviços Académicos do Centro Universitário Lusíada Norte.

Adicionalmente, o Prof. Doutor Francisco Castelo Branco tem uma importante função como Vice-Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto.

Helena Mendes Pereira (PT, 1985) é Doutora em Ciências da Comunicação (ICS – UMinho), com tese sobre a Curadoria enquanto processo de comunicação da Arte Contemporânea; mestre em Comunicação Arte e Cultura (ICS – UMinho); frequentou a especialização em Museologia (FLUP) e a pós-graduação em Gestão das Artes (UCP, Porto); licenciada em História da Arte (FLUP). Professora Convidada na Escola Superior de Design do IPCA, desenvolve a sua atividade profissional como gestora cultural, curadora, professora e investigadora em práticas e políticas culturais e artísticas contemporâneas. É, desde janeiro de 2017, diretora-geral e curadora da zet gallery, Braga, vinculada ao dstgroup. Neste contexto, assinou a curadoria e organização de todos os projetos da galeria, bem como expandiu o seu raio de ação para a curadoria de obras de arte e de programação para espaço público, ampliando, também, as suas competências do ponto de vista da gestão.

Iniciou a sua atividade profissional em 2007 na Bienal Internacional de Arte de Cerveira, entidade onde exerce atividade como curadora independente, tendo sido a primeira Diretora Artística mulher, em 2022, da XXII Bienal Internacional de Arte de Cerveira. Coordenou o serviço educativo do World of Discoveries (2013-2016). Foi diretora executiva do Tempos Cruzados, área de programação de Guimarães 2012 –Capital Europeia da Cultura (20102014).

Tem larga experiência em estudos de coleções, produzido e publicado extenso trabalho crítico sobre arte e artistas contemporâneos, onde se incluem catálogos e outros resultados de investigações mais profundas sobre artistas e contextos de curadoria. Fez a coordenação editorial de dezenas de catálogos e livros sobre arte e artistas.

Moderadora

Jornalista desde 1998, ano em que se estreou no “Jornal de Notícias”, Inês Cardoso integrou em 2009 a equipa fundadora do i. Regressou ao JN em 2014, para integrar a Direção, e é atualmente diretora-geral editorial da Notícias Ilimitadas, que detém o JN, a TSF e O Jogo, entre outros títulos. Já acompanhou diversas áreas, particularmente Administração Interna e Justiça. Comenta atualidade na RTP e na TSF, mas também diverge para mundos imaginários em livros infantis, o último dos quais bilingue, “De Londres ao Porto numa gaivota”.

Técnica Superior, Câmara Municipal de Valongo

Deputada ao Parlamento Europeu (IXª legislatura), 2019 a 2024

Deputada à Assembleia da República (Xª, XIIª, XIIª legislaturas), 2005 a 2009 e 2011 a 2019.

Vice-Presidente da Assembleia Parlamentar da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (AP OSCE), 2016 a 2019

Presidente da Comissão de Democracia, Direitos Humanos e Assuntos Humanitários da AP OSCE, 2012 a 2016

Governadora Civil do Porto de 2009 a 2011

Vereadora da Câmara de Gondomar de 2009 a 2013

Professor Catedrático aposentado da Escola de Economia e Gestão da Universidade do Minho. É autor e co-autor de artigos científicos, livros e capítulos de livros nas áreas do desenvolvimento regional, e da economia do turismo, entre outras. Integrou equipas responsáveis pela elaboração de planos de desenvolvimento regional e local, e estudos de impacte económico. É o Editor-chefe da Revista Portuguesa de Estudos Regionais, publicação científica da APDR (Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Regional).

Joel Cleto

Arqueólogo, Historiador e divulgador da História e Património. Nasceu no Porto em 1965. Licenciado em História (1987) e Mestre em Arqueologia (1994) pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Formador de Professores nas áreas de Arqueologia e História, acreditado pela Universidade do Minho (1997). Professor Convidado na European Business School/ISAG onde obteve o título de Especia-

lista (2015). Autor e apresentador, desde 2006, de programas semanais sobre História e Património na estação televisiva “Porto Canal”. Colaborador do Museu do Futebol Clube do Porto desde a sua concepção (2012). Integrou os quadros da Câmara Municipal de Matosinhos (1987 a 2014) onde foi Chefe da Divisão da Cultura e Museus, e dirigiu o Museu da Quinta de Santiago. Como arqueólogo integrou também o Campo Arqueológico da Serra da Aboboreira onde dirigiu escavações em monumentos megalíticos de Baião e Marco de Canaveses. Como formador de professores dirige regularmente cursos em Centros de Formação de Matosinhos, Porto, Gaia e Ponte de Lima. Integrou de 2017 a 2022 o Conselho Municipal de Cultura do Porto e, desde 2022, a Comissão Municipal de Toponímia do Porto. Autor de vários livros e dezenas de ensaios e estudos de investigação, é colaborador das revistas “O Tripeiro” (desde 2008). Recebeu das Autarquias do Porto (2017) e Matosinhos (2019) a Medalha Municipal de Mérito – Grau Ouro, e obteve dois prémios da Associação Portuguesa de Museologia (2016, Melhor Trabalho Media; e 2019, Informação turística).

Doutorado em História com Agregação pela Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Professor Associado da Universidade Lusíada.

Investigador Doutorado Integrado do CEJEIA (Centro de Estudos Jurídicos, Económicos, Internacionais e Ambientais).

Investigador colaborador do CEPESE.

Publicações recentes:

– História Económica e Social do concelho de Valongo entre 12581835. Perspectivas. Valongo: CMV, 2017.

– História Económica, Social e Administrativa do concelho de Valongo (1836-1826), Vols I e II. Valongo: CMV, 2021 e 2023.

– A Visitação à comenda de Sesimbra, da Ordem de Santiago (1516). Administração do território. Lisboa: Universidade Lusíada Editora, 2022.

– História da Cultura Portuguesa, 3.ª edição. Lisboa: Universidade Lusíada editora, 2023.

Marisa Almeida Araújo

Doutorada em Direito.

Professora Auxiliar da Faculdade de Direito da Universidade Lusíada e investigadora integrada do Centro de Estudos Jurídicos, Económicos, Internacionais e Ambientais (CEJEIA).

Membro do Comité Diretivo da Unidade da Universidade Lusíada para a Cátedra Internacional de Bioética (ICB).

Diretora Adjunta do CEJEIA e Adjunta da Direção do Instituto Lusíada de Investigação e Desenvolvimento (ILID).

Membro do Conselho Escolar e do Conselho Científico da Universidade Lusíada.

Advogada e Árbitro.

Foi eleita, em novembro de 2023, membro externo cooptado do Conselho Geral da Universidade do Minho, o órgão colegial máximo de governo e de decisão estratégica da instituição.

Moderador

Comecei a trabalhar como jornalista em 1999 num produtora de televisão - Duvídeo - que produzia um programa para a RTP - Hora

Viva Segurança em Directo - pioneiro das manhãs de informação. Em 2002, comecei a trabalhar noutra produtora, a Oficina das Ideias, responsável pelo programa “Sociedade Cívil” emitido na RTP2. Dois anos mais tarde, em 2004, cheguei ao meu habitat natural: a rádio. Comecei a trabalhar na Antena 1 onde estive até 2014. Fui enviado especial ao Kosovo em 2008 para fazer a cobertura da independência do país, aos incêndios na Grécia em 2009, à vaga de imigração do norte de África com destino a Lampedusa em 2011. Em 2015 comecei a trabalhar na TSF onde fiz, por exemplo, cobertura dos grandes incêndios de Pedrogão Grande em 2017. Em 2021, vim para a Rádio Observador onde estou até ao presente. Sou editor e actualmente apresento a Tarde Política emitida

todos os dias das 17h às 19h30. Um espaço de informação com entrevistas diárias a protagonistas da actualidade política.

Tem larga experiência em estudos de coleções, produzido e publicado extenso trabalho crítico sobre arte e artistas contemporâneos, onde se incluem catálogos e outros resultados de investigações mais profundas sobre artistas e contextos de curadoria. Fez a coordenação editorial de dezenas de catálogos e livros sobre arte e artistas.

Foi eleita, em novembro de 2023, membro externo cooptado do Conselho Geral da Universidade do Minho, o órgão colegial máximo de governo e de decisão estratégica da instituição.

I am leader, a good communicator and a problem solver. My professional career has been characterised above all by creating and supervising projects and teams, based on planned business objectives and strategic definition with management. As a creative, strategist, influencer and coach of several teams with different profiles, I’m ready for a new professional challenge.

Develop, execute and strategize media campaigns for information and entertainment in line with the company’s goals and objectives.

Lead, guide and manage high-performance journalism teams, promoting a collaborative and results-oriented working environment.

Controlling the growth of the company’s exposure in marketing channels and materials.

Rui Leandro Maia

Doutorado em Sociologia (2002), mestre em História das Populações (1995), licenciado em História (1988). Professor Associado Convidado da Universidade Fernando Pessoa, Porto, investigador no CITCEM - Centro de Investigação

Transdisciplinar “Cultura, Espaço e Memória”.

Principais domínios de investigação: História, Criminologia, Demografia, Sociologia, Segurança Alimentar, Meio Ambiente e Tratamento, Análise e Crítica de Fontes.

Produção científica traduzida em diversas publicações nacionais e internacionais.

1. Normas para apresentação de textos originais

Todos os textos propostos para publicação devem ser enviados em formato digital para o seguinte endereço electrónico: joelsmata@gmail.com

2. Sistema de arbitragem científica

O Director da Vallis Longus promoverá a arbitragem científica dos textos propostos para publicação, remetendo-os sob anonimato a dois membros da Comissão Científica da Revista para recolha dos respectivos pareceres que, no caso sejam unânimes na rejeição, serão vinculativos.

3. O Director da Revista Vallis Longus compromete-se a dar conhecimento da decisão de publicação, no prazo de 30 dias, após a recepção dos originais.

4. Revisão tipográfica

A revisão de provas tipográficas é da responsabilidade do Director, que garante a reprodução tipograficamente correcta dos textos de acordo com os originais remetidos por forma digital, adequando-os, caso se torne necessário, às normas de redacção admitidas pela Revista e abaixo indicadas.

5. Normas de redacção

a. Texto

O texto deve ser redigido em Microsoft Word, com as seguintes configurações:

Folhas A4;

Margens de 3 cm ( superior, inferior, esquerda e direita);

Texto justificado;

Fonte Arial, tamanho 12;

Espaço 1.5;

b. Material Gráfico e ilustrações

A legenda e a fonte (obrigatória) devem ser em Arial tamanho 10;

c. Autor(es):

Nome;

Endereço electrónico

d. Resumo + abstract: (500 caracteres)

Este conteúdo deve ser informativo e indicativo

e. Palavras-chave + keywords:

As palavras seleccionadas devem concentrar-se no assunto principal do texto (máximo: 5 palavras).

f. Capítulos e subcapítulos:

Os textos a apresentar devem ser compostos por: introdução, capítulos e no máximo um subcapítulo por capítulo (tamanho 12, negrito);

g. Numeração das páginas:

h. Os números das páginas devem ser inseridos no canto superior direito.

i. Abreviaturas, siglas e acrónimos

Não utilizar pontos nas siglas (ex. ONU em vez de O.N.U.)

j. Unidades de medida:

Deve ser deixado um espaço entre os numerais e as unidades de medida, que serão reproduzidas sempre em minúsculas (ex. 10 cm; 50 km2).

6. Citações e referências bibliográficas de acordo com a NP-495-1/4

a. Citações

As citações devem ser elaboradas de acordo com a NP-405-I, sistematizadas da seguinte forma:

As citações devem remeter para nota pé-de-página, numeradas sequencialmente, sendo a primeira citação completa e as seguintes (mesmo autor, obra) de forma abreviada:

1MATA, Joel Silva Ferreira (2018) – História Económica, Social e Administrativa do concelho de Valongo (1836-1926). Volume I. Valongo: Câmara Municipal de Valongo.

2 MATA, Joel Silva Ferreira (2018), p.325.

As citações até três linhas, dentro do corpo do texto devem ser identificadas por “ “1, remetendo para a nota pé-de-página; as citações com mais de três linhas devem ser apresentadas fora do texto, fonte 11, recuada para a linha do parágrafo, sem aspas, espaçamento 1.15, sem recuo da margem direita, remetendo para a nota pé-de-página.

7. Monografia:

Um autor:

MATA, Joel Silva Ferreira (2018) – História Económica, Social e Administrativa do concelho de Valongo (1836-1926). Volume I. Valongo: Câmara Municipal de Valongo, p.378.

Até três autores:

DULLIN, Sabine; JEANNESSON, Stanislas; TAMIATTO, Jérémie (2022) – Atlas da Guerra Fria. Lisboa: Guerra & Paz, p.74.

Mais de três autores:

FREIRE, Maria Raquel, et al. (2011) – Política Externa. As Relações Internacionais em Mudança. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, p.87.

8. Artigo científico citado de revista científica:

CERVO, Amado Luiz (2001) – «A Política externa brasileira dos anos 1990 e as relações com Portugal», in Revista de Relações Internacionais. Universidade Lusíada do Porto, n.º2 (2201). CEUL: Porto, pp.63-78.

9. Referência a actas apresentadas em congresso:

GOMES, Saul (2012) – «Leitura e espiritualidade nas Ordens Militares em Portugal Medieval», in Actas do VI Encontro sobre Ordens Militares. Palmela: Município de Palmela, 2012. pp.265-278.

10. Artigo de dicionário/enciclopédia:

Autor referenciado:

PASQUINO, Pasquale (1993) – «Augusto Wilhelm Rehberg. Pesquisas sobre a Revolução Francesa, 1793», in Dicionário das Obras Políticas, coord. F. Chatelet; O. Duhamel, E. Pisier. Rio de Janeiro: Civilização Editora, pp.983-991.

Autor não referenciado:

SOUSA, Fernando de (Dir.) (2005) – «Relações Internacionais e História Internacional», in Dicionário de Relações Internacionais. Porto: Edições Afrontamento, p.162.

11. Referência a um artigo electrónico:

GOMES, Manuel Carmo (2020) – História: os primeiros passos: da variolação a Edward Jenner. [Disponível em: https://webpages.ciencias-ulisbia.pr/~mcgomes/vacinacao/historia/index.html]. [Consultado em 21/08/2020].

12. Artigo de Jornal:

DIAS, Manuel Augusto (2018.07.31) – «Ermesinde foi elevada a vila há 80 Anos» in A Voz de Ermesinde, p.19.

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