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CONTACTUM 2023 MAIS E MELHOR CONTACTOLOGIA!

A 18ª Jornada Científico-Técnica de Contactologia da Universidade do Minho arrebatou recordes ao envolver mais de 350 profissionais. Entre estudantes e investigadores e especialistas no ativo das mais recentes evoluções em lentes de contacto por parte da indústria e ainda a evolução da adaptação das mesmas a nível nacional e internacional. O encontro fez-se virtualmente, a 14 de fevereiro, com um painel de qualidade e as habituais rubricas que apelam à participação ativa.

O diretor do curso de licenciatura em Optometria e Ciências da Visão, Paulo Fernandes, abriu o ContactUM de 2023, louvando o interesse crescente tanto das empresas como de participantes na conferência. Entre as temáticas expostas, destacamos aqui a palestra que abriu a 18ª edição do evento dedicado às lentes de contacto da Universidade do Minho.

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As Lentes De Contacto Em Perspetiva Hist Rica

António López Alemany, oftalmologista e docente e investigador na Universidade de Valência, Espanha, conduziu os participantes pela experiência muito próxima de ver o desenvolvimento das lentes de contacto. O médico explicou que, de facto, no ano 1976, enquanto tirava o seu curso de ótica e optometria na Universidade

Complutense de Madrid, a Contactologia não existia como matéria independente. Estava integrada no tema Optometria. “Imperavam” as rígidas não permeáveis ao gás e introduziam-se as lentes hidrófilas de desenho centrifugado sob patente do químico checoslovaco Otto Wichterle, a quem se atribui a responsabilidade pela invenção das lentes de contacto modernas. Foi o espanhol Miguel Refojo, químico e membro do Instituto de Investigação do Olho Schepens, da Universidade de Harvard, que desenhou um polímero em 1974, o Crofilcon A, que deu lugar a uma lente de contacto comercializável, a CSI (Corneal Science Incorporated) e que acumulava menos depósito.

“No fundo procurava-se o uso prolongado das lentes, o chamado “El Dorado” da contactologia”, assinalou o investigador. Parecia uma utopia e a primeira tentativa neste âmbito foi com as Permalens, nos anos ’70, as lentes de hidrogel de alta hidratação de John de Carle. Teve que se desistir. Faltavam propriedades físico-químicas importantes para atingir o objetivo do uso prolongado. “Nos anos ’80, adaptávamos muitas lentes rígidas permeáveis ao gás, com excelente performance visual e fisiologia e que a pouco se foram perdendo, por muitas razões discutíveis. Tínhamos poucas alternativas e os pacientes eram muito receptivos a esse tipo de lentes. Com adaptação mais minoritária tínhamos as esclerais, lentes de contacto de colagénio, que cumpriam uma função terapêutica e depois desapareciam do olho por decomposição, para casos de patologia corneal. Nesse mesmo período ainda se tentou a adaptação das lentes multifocais Echelon, mas eram frágeis."

António Alemany disse ainda que o papel dos profissionais da visão ligados à contactologia era importante para os pacientes com catarata. Esta era extraída sem colocação de lente intra-ocular e tinha que se atribuir uma compensação ótica. As lentes intraoculares só se estabeleceram mais no fim dos anos ’80, início dos ’90. "Usávamos muito a lente que já não existe Bausch and Lomb CW 79 para afáquicos e que melhorava muitos aspetos nos doentes. A manutenção das lentes na altura era feita com unidades de desinfeção, ou aparelhos que faziam a desinfeção física através de calor ou ultra-som e raios UV." Naqueles momentos a indústria passava aos profissionais as lentes e aparelhos desinfetantes que chegavam assim aos clientes que nem sabiam marcas, nem potências nem nada, porque era o optometrista que decidia. “Isso mudou no fim dos anos ’80 quando surgiram aquilo a que chamo as “caixitas”, com a J&J na frente. As pessoas podiam assim gerir a compra e decisão sobre as suas lentes, prescindindo muitas vezes da opinião profissional. Introduziu ainda a mudança na frequência de uso com lentes descartáveis. Voltou-se ao “el dorado” que era o uso prolongado. Enquanto as descartáveis, por se trocarem frequentemente, acumulavam menos depósitos, o uso prolongado diminuiria a manipulação e não precisaria de manutenção. As descartáveis demonstraram diminuir casos de olho vermelho agudo e infeções, mas aumentavam os casos associados à fisiologia da córnea. Tinham hipoxia crónica, porque não aportavam oxigénio necessário a um uso prolongado.

A solução passava por fabricar lentes mais finas. A indústria remediou o problema com a troca mais frequente das lentes de 15 dias a um mês. Mesmo assim questiono-me como organismos como a Food and Drug Administration permitiu que saíssem para o mercado, havendo evidência científica que os materiais não permitiam a passagem suficiente de oxigénio para o olho. Os perigos da retirada do profissional do âmbito das compras das lentes trouxe muitos efeitos indesejados nos resultados do uso”, dissertou o investigador. Nos anos ’90 lidou-se com os problemas advindos das cirurgias refrativas cuja solução esteve nas lentes de contacto de geometria inversa para compensar as ametropias residuais destes doentes. Daqui retomou-se o tema da ortoqueratologia com melhores resultados e mais rápido e desenhavam-se em materiais com alta transmissibilidade de oxigénio.

Já no fim dos anos ’90 aconteceu aqui- lo que revolucionou a contactologia: o aparecimento dos materiais de siloxano-hidrogel (não silicone porque na sua composição há zonas com silício que permitem a passagem do oxigénio). Equivaleram a comodidade, mobilidade e passagem de oxigénio. Faltava-lhes a manutenção da humectabilidade debaixo da lente que trouxe complicações, apesar de ter maior oxigénio. A indústria assumiu a mesma estratégias das primeiras lentes descartáveis e foi abandonando o siloxano hidrogel e diminuindo o tempo de uso destas lentes. “Acredito mesmo que só melhoraremos a questão do uso prolongado quando melhorarmos a questão do fluxo lacrimal. A permeabilidade hidráulica é o ponto chave da investigação na contactologia. Chegados ao século XXI melhorámos apenas a transmissibilidade do oxigénio”, continuou o médico. O envelhecimento da população fez a indústria virar-se para a presbiopia. Voltou-se também a pensar mais nas lentes esclerais e semi esclerais para pessoas com córneas irregulares, sobretudo com querotocone. A indústria tenta porém que, estas lentes cheguem a mais pessoas mesmo sem alterações morfológicas, só ametrópicas. Voltou-se também às lentes híbridas, com zona central semi-rígida e extremidades hidrófilas. Ainda assim o conforto ainda é um tema quente. “Organizou-se, inclusive, um grupo internacional para analisar a causa de desconforto e para prevenir o abandono das lentes de contacto. Entre as conclusões, o mais importante seria o usuário seguir sempre as indicações de manutenção das lentes”, acrescentou Alemany.

A evolução nos materiais e produção permitiu preços de fabrico muito mais baixos e deu origem às lentes diárias, garantindo melhor uso, mais conforto e menor manutenção. Têm, porém o revés do preço alto e a menor atenção ambiental. Aliás, os fabricantes já começam a criar formas de reciclar e educam os usuários a descartar as lentes em locais adequados. Mais recentemente, surgiu a questão do aumento a miopia na população infantil e como preveni-la, retomando a questão da adaptação das lentes em crianças. O futuro das lentes de contacto? “Melhor biocompatibilidade humana e ambiental e aplicarem-se em situações para além da correção visual, de onde se destacam, por exemplo as smart lenses”, conclui o António Alemany.

Evolu O Da Adapta O Lentes De Contacto

2007-2023

Rute Macedo-de-Araújo, investigadora da Universidade do Minho, tomou a dianteira desta importante atualização anual. Através de um inquérito voluntário direcionado a todos os profissionais, reúnem-se desde 2007 informações sobre a adaptação das lentes de contacto num conjunto de muitos países que aderiram a este projeto liderado pela Universidade de Manchester, no Reino Unido. Os resultados são divulgados na revista Contact Lens Spectrum, limitados aos mercados que conseguiram recolher informações de 100 ou mais adaptações.

Em 2022 foram 22 os países que conseguiram atingir as 100, com um total de 13.136 adaptações, menos 1000 que em 2021. Portugal aumentou o número de adaptações reportadas, registando 298. Em análise e para comparação anual, a estudiosa Rute Macedo-de-Araújo explicou que usam apenas os 11 países mais representativos na adaptação de lentes de contacto. Posto isto, as novas adaptações aumentarem em 2022, com a média dos 11 países a situar-se nos 39 por cento do total das adaptações, mais três por cento que em 2021, e Portugal a registar 50 por cento de novas adaptações, mais cinco por centro que no ano transato, estando no topo três dos principais países, com Espanha e Reino Unido. A maioria das adaptações são feitas em mulheres. Quanto à idade, há um aumento, talvez devido à adaptação de lentes multifocais, embora não muito significativo também devido à adaptação cada vez mais precoce de lentes, nomeadamente as de controlo da miopia em crianças e adolescentes. O material mais em voga foi o silicone hidrogel e Portugal esteve quase sempre bem acima da média global no que diz respeito a este âmbito. “Em 2021 baixou, mas em 2022 registámos a maior percentagem de sempre com 84 por cento”, explanou a investigadora. As descartáveis diárias também têm aumentado em adaptações, e Portugal não foi muito recetivo no início, mas vai acompanhando. As de substituição mensal têm decrescido, por sua vez, embora Portugal se mantenha superior à média, mas também com tendência para decrescer. As tóricas têm em Portugal uma bandeira que se mantém bem acima das adaptações globais, embora com ligeiro decréscimo de 2021 para 2022. “Aliás, adaptamos quase 35 por cento do total de lentes hidrófilas tóricas”, disse Rute Macedo-de-Araújo. As multifocais assumem a mesma tendência. A Millioneyes vai publicar o estudo na íntegra em breve, mas a participação dos profissionais continua a ser vital para a manutenção da imagem portuguesa neste estudo multinacional.

Mitos E Preconceitos Na Contactologia

A habitual palestra sobre os mitos e preconceitos na Contactologia sob luz da evidência científica, teve voz no professor e investigador José González-Méijome. Este é também um momento em que os participantes da ContactUM interagem com o evento, dando a sua opinião sobre as questões levantadas. Entre as várias questões surgiu a ideia de que as lentes esclerais aumentariam a pressão intraocular. Os vários estudos com várias metodologias dizem que não se pode afirmar que, ao dia de hoje, elas aumentem a pressão intraocular de forma clinicamente significativa, mas se considerarmos o valor do desvio padrão em alguns casos, pode ter havido alterações ligadas à colocação da lente de contacto. É necessária atenção e fazer parte da adaptação a medição frequente da pressão intraocular. E um tema em voga e que foi colocado perante a “plateia” centra-se na aplicabilidade das smartlenses. “De facto, é plausível o seu uso como referiu o professor António Alemany, mas ainda está num plano pouco definido, porque apesar de ser um gadget não deixa de ser uma lente de contacto. Que outras implicações teria? Onde se poderá vender? Como se adapta? Precisa de carregador?... É uma realidade que vai instalar-se mas a médio/longo prazo”, defendeu baseado nas discussões dos estudiosos, José González-Méijome. Paralelamente a estas apresentações, as empresas também tiveram espaço para divulgarem os seus trabalhos, avanços e produtos, tornando a jornada rica e interessante. Em 2024 haverá mais novidades ao ritmo de um segmento de enorme potencial para a ótica.

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