Contribuição à Tomada de Subsídio nº13/2023 - ANATEL

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Essa contribuição foi elaborada com apoio da Coalizão Direitos na Rede, por meio do Edital Interno 34/2023 do GT Acesso

[Contribuiçõs às perguntas da Tomada de Subsídios]

3 Sumário
9 13 T o m a d a d e S u b s í d i o n ° 1 3 / 2 0 2 3A N A T E L Pergunta n º 17 Pergunta n º 21 14 15 Pergunta n º 22 16 Pergunta n º 23 18
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Resumo da Contribuição

O presente documento é a versão pública das contribuições dos Autores à Tomada de Subsídio n° 13/2023 da ANATEL. Sintetizando os principais aspectos levantados:

Os provedores de SVAs atualmente já contribuem para melhorar, expandir e manter a infraestrutura de rede que suporta os seus serviços, tanto direta quanto indiretamente, gerando inclusive impactos macroeconômicos substanciais.

A ANATEL deve manter uma neutralidade sob a ótica comercial, buscando sempre o interesse público e evitando o entendimento que beneficiar alguns atores empresariais em detrimento de outros atinge essa finalidade. Ao desejar mediar os conflitos desses atores privados, a ANATEL precisa aprimorar sua atual capacidade de promover e coordenar políticas públicas.

Dentre possibilidades de remuneração de rede, não há provas de ganhos para o consumidor ou para a sociedade amplamente considerada no estabelecimento de pagamento por acesso à rede ou por terminação de tráfego. A experiência da Coréia do Sul, na verdade, aponta categoricamente em sentido contrário.

Não há evidências de que as redes de telecomunicações estão com dificuldades para lidar com demanda de dados dos consumidores, observada a recente experiência pandêmica e o fato de que o custo de infraestrutura aumenta em ritmo muito inferior ao do aumento do tráfego na rede.

A ANATEL, antes de continuar a movimentação para expansão de suas competências, deve antes cumprir satisfatoriamente as que já são tradicionalmente suas Há hoje uma contradição da Agência sobre suas competências e capacidades entre essa tendência de expansão e em defesas de processos judiciais, a exemplo do seu entendimento sobre um poder de polícia quanto à violação de direitos autorais.

Essa falta de conhecimento específico e capacitação técnica ou jurídica aparece em interpretações claramente equivocadas sobre legislações que vão muito além dos serviços de telecomunicação, como a LDA e o MCI. Como maior exemplo, a neutralidade da rede ganha, para a ANATEL, um escopo reduzido e sem qualquer respaldo sólido na literatura ou jurisprudência sobre o tema, no Brasil e no mundo.

Quando a ANATEL de fato interage com outros atores especializados nas temáticas que que abordar, a exemplo da conversa com a sociedade civil para combater as chamadas automáticas de call centers, observa-se um resultado positivo. Quando não o faz, o que se observa é uma atuação insuficiente e lacunosa, como já apontado, com incisividade e em mais de uma ocasião, pelo Tribunal de Contas da União.

Também em relação às suas competências e capacidades, agora no âmbito concorrencial, deve a Anatel ser extremamente cuidadosa para não invadir a esfera de outros órgãos, em especial a do CADE, que é reconhecido como uma agência de excelência e também atua na esfera digital.

Hoje está consolidado que o ecossistema digital é marcado por diferentes falhas de mercado e que isso exige, em algum nível, uma atuação do regulador. A dificuldade e complexidade de regular esse campo, no entanto, exigem uma capacitação que a Anatel não aparenta ter atualmente, ensejando um risco de a tentativa de solucionar as falhas acabarem gerando mais danos que benefícios.

Há uma tendência global de propostas ex antes para regulação do direito à concorrência no ecossistema digital, que devem ser aliadas aos mecanismos ex post, em modelos dependentes de análises casuísticas. Porém, não parece caber à ANATEL encabeçar um processo nesse sentido, devendo contribuir somente dentro de suas competências.

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Pergunta nº 09

De que forma os provedores de SVA contribuem para melhorar, expandir e manter a infraestrutura de rede que suporta seus serviços?

Tais aportes e investimentos podem beneficiar prestadoras de telecomunicações, consumidores e a economia digital? Como é possível quantificar esses benefícios? 1 2 3

Os provedores de Serviço de Valor Adicionado contribuem de três principais maneiras

A primeira é que a busca pelos serviços ofertados pelos provedores de SVA se reflete positivamente na contratação dos serviços de infraestrutura. Inclusive, enquanto setores mais tradicionais das telecomunicações estão em decadência, os serviços/produtos digitais continuam em crescimento. A relação com a infraestrutura não é um jogo de soma zero em que há uma competição entre os agentes responsáveis pela estrutura e os de SVA, e sim uma relação simbiótica quase codependente

Em segundo lugar, provedores de SVA têm investido recursos significativos na melhoria da infraestrutura da Internet, para desenvolvimento de tecnologias de transmissão/distribuição, melhorias de data center e medidas integradas de redução de tráfego acumuladas por seus serviços. Há claros estímulos comerciais de obtenção de maior receita para que provedores de SVAs melhorem o acesso ao conteúdo do usuário final.

Em terceiro, esses investimentos pelos provedores de SVA em infraestrutura local resultam em diferentes benefícios macroeconômicos, inclusive na redução nos custos para as prestadoras de telecomunicação. Estima-se que os investimentos em redes de transporte e entrega de conteúdo gera uma economia anual na casa das dezenas de bilhões de reais para as provedoras de telecomunicações. Nesse sentido, ressalta-se o que lista três grupos principais de benefícios macroeconômicos resultantes desses investimentos: aumento do PIB, criação de empregos e maior eficiência dos recursos, com possibilidade de quantificação demonstrada em relatórios como o da Analsys Manson

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Pergunta nº 10

Se diferentes modelos de remuneração de rede forem considerados, que medidas correspondentes seriam necessárias ou deveriam ser adotadas para garantir que esses recursos sejam investidos efetivamente na infraestrutura de telecomunicações e não desviadas para outros aspectos da operação de telecomunicações?

A pergunta só pode ser satisfatoriamente respondida após à apresentação de quais seriam esses diferentes modelos. Na falta dela, é possível fazer apenas uma resposta relativamente genérica, que segue abaixo.

Modelos de remuneração de redes que envolvem uma simples transferência de recursos entre gigantes empresariais de diferentes setores, ainda que com fortes relações entre si, não devem ser vistos como alternativas aceitáveis. A ANATEL e outros órgãos públicos não podem se tornar um instrumento de determinados agentes de mercado em relação a outros, devendo manter uma neutralidade também sob a ótica comercial, agindo apenas quando isso de fato se reverter em favor do consumidor ou do interesse público, dentro de suas competências regulatórias e balizada por políticas públicas bem definidas. É imprescindível aqui evitar confundir ações que beneficiarão o público, baseadas em dados e experiências, com meras alegações provenientes de conhecidas práticas de lobby para influenciar medidas do setor de telecomunicações.

Constatamos indícios no sentido de ser indispensável um diálogo multissetorial e um encaminhamento de ações de amplas políticas públicas governamentais, indo além da agência reguladora, que parece atualmente encontrar dificuldades em promover e coordenar políticas em prol do interesse público de forma eficiente e transparente Há apontamentos recorrentes do Tribunal de Contas da União nesse sentido, a exemplo do recente Acórdão 740/2023-Plenário, em que se orientou que fosse comunicado o Ministério das Comunicações para promover uma melhor coordenação e corrigir algumas das falhas que estavam ocorrendo no âmbito da implementação das políticas públicas pela ANATEL

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A ANATEL e outros órgãos públicos não podem se tornar um instrumento de determinados agentes de mercado em relação a outros, devendo manter uma neutralidade também sob a ótica comercial
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Pergunta nº 11

Quais seriam os prós e contras do estabelecimento de distintos modelos de remuneração de rede, seja de pagamento por acesso à rede (access fees) ou por terminação de tráfego (termination fees), pelas prestadoras de telecomunicações frente aos provedores de SVA?

Inicialmente, ressalta-se que existe uma enorme dificuldade em comprovar as alegações de benefícios aos consumidores nos debates acerca das alterações regulatórias relacionadas aos modelos de remuneração de redes. Pelo contrário, na hipótese de estabelecimento de remuneração adicional por parte de provedores de SVA a serviços telecomunicações, o que se observa é uma imposição de uma agenda dominante apenas dentre as grandes operadoras de telecomunicações.

A título de exemplo da multiplicidade de relatórios profundamente críticos a esses modelos, vários deles mencionados nas referências desta contribuição, as conclusões do estudo realizado pelo BEREC explicitam as falhas destas propostas, concluindo que não há justificativas plausíveis para implementação de tal modelo, ao passo que essa mudança poderia possa causar danos significativos ao ecossistema da Internet.

Para melhor ilustrar, ao debater compartilhamento de custos é imprescindível referenciar o caso prático da Coreia do Sul, exemplo de país que implementou tal política Há certo consenso dos efeitos negativos do caso sulcoreano, em razão das evidências da falha dos objetivos da proposta regulatória. O país introduziu o modelo que ficou conhecido como “sendingparty-network-pays” (SPNP) No entanto, após sua implementação em 2016, o preço final repassado ao consumidor aumentou significativamente, enquanto a oferta de conteúdo tornou-se menos diversificada e a Internet mais lenta. Como resultado, a política de compartilhamento de custos aplicada no país levou diversos provedores de conteúdo e aplicativos a abandonarem o mercado coreano e transferirem seus data centers para o exterior, causando prejuízos a todos os envolvidos. Opinião da European Internet Exchange Association (Euro-IX), concluiu que as consequências aos usuários foram principalmente uma redução de qualidade e segurança dos serviços.

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Modelos comumente sugeridos como formas alternativas de remuneração de rede implicam na necessidade de cada provedor de conteúdo negociar direta e separadamente com os provedores de rede ao redor do mundo, causando uma burocracia na entrega do tráfego que está em conflito direto com a própria essência da Internet como conhecemos. Especialistas apontam riscos de fragmentação da Internet, estimulando relações contratuais potencialmente excludentes que cada provedor de conteúdo firmaria em detrimento de uma Internet aberta e global. Inclusive, ressalta-se a falha por trás da lógica de que o tráfego nas redes seria “gerado” por esses grandes provedores e, portanto, eles também deveriam contribuir com a infraestrutura. Ocorre que o tráfego proveniente de provedores de conteúdo é largamente oriundo do acesso dos usuários individuais utilizando os serviços, que contratam provedores de rede para ter acesso à Internet.

Os modelos de contratações entre os atores que possibilitam o acesso à Internet podem também levar a um tratamento preferencial para as empresas de grande porte em detrimento daquelas que não podem pagar tais taxas ou tem menor poder de barganha. A imposição deste modelo na prática se torna um exercício custoso e demorado, representando um retrocesso em relação aos resultados dos investimentos realizados voluntariamente a partir da relação de interdependência entre as partes.

Sintetizando a resposta, algumas das possíveis sequelas deste modelo são a:

Redução do acesso, variedade e qualidade dos conteúdos online; 1 2 3 4

Parcial ou total exclusão digital de uma parcela de usuários, a partir da possibilidade de perder provedores de SVA que atuam na região;

Violação do princípio da neutralidade da rede;

Aumento do preço final repassado ao consumidor;

Desequilíbrio no mercado de telecomunicações, com benefícios revertidos principalmente às grandes empresas de telecomunicações. 5

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Pergunta nº 12

Existe alguma evidência de que as redes de telecomunicações estão com dificuldades para lidar com a demanda de dados dos consumidores? Qual é a capacidade média da atual utilização das redes de telecomunicações, as projeções de tráfego futuras e os custos de rede associados?

Esse é possivelmente o argumento mais controverso que aparece na Tomada de Subsídio, ao menos na forma em que foi colocado.

Em primeiro, não se deve confundir um crescimento menor que aquele de plataformas digitais ou provedores de SVA com uma dificuldade, ou um risco à sobrevivência do setor de telecomunicações. Como apontado na pergunta 9, os atores responsáveis pela infraestrutura se beneficiam do crescimento dos provedores de SVA, ainda que não no mesmo ritmo, algo normal em relações de mercado em que um tipo de serviço é um meio para que outro seja possível, como a diferença de crescimento da indústria de produção de peças de celulares e das que vendem o produto final.

Em segundo, a pandemia gerou um aumento na compra e uso de produtos e serviços digitais de forma excepcional A volta à normalidade no período pós-pandemia e no interregno até que o 5G atinja todo o seu potencial resulta em um período de relativa estagnação dos serviços de telecomunicação, sem que isso signifique que há uma real dificuldade estrutural ou risco grave às empresas do setor.

Em terceiro, sobre a capacidade das redes em lidar com o fluxo de dados, quaisquer argumentos atemorizadores nesse sentido não encontram maior respaldo na realidade, pela verificação factual da resiliência da rede global durante a pandemia. Embora o uso dos serviços de telecomunicações e SVAs possa ultrapassar os níveis pandêmicos em algum momento do futuro, não há riscos imediatos nesse sentido, sendo razoável presumir que permanecerá a tendência de desenvolvimento tecnológico dos serviços de infraestrutura de rede acompanhando o desenvolvimento tecnológico dos serviços e produtos que utilizam essas redes

Vale notar, por fim, que os argumentos das grandes empresas de telecomunicações levam a crer que suas operações estão cada vez mais enfraquecidas, necessitando de investimentos para lidar com o crescimento exponencial do tráfego gerado pelos provedores de conteúdo. Contudo, os dados contrariam essa linha de raciocínio, demonstrando que os custos de infraestrutura da rede tendem a permanecer estáveis, mesmo com o aumento do tráfego No período de 2018 e 2021, os custos totais com a infraestrutura de rede dos provedores de telecomunicações tiveram um aumento de 3%, enquanto o tráfego de rede aumentou mais de 160%.

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1º 2º 3º

Pergunta nº 15

Uso indevido das redes de telecomunicações é vedado na LGT, porém, é verificado em diversas atividades irregulares, como, por exemplo, o uso massivo sem intuito de comunicação, a pirataria de conteúdo audiovisual, entre outros. Nesse contexto, que aspectos do uso das redes de telecomunicações devem ser observados no estabelecimento da regulamentação sobre o uso indevido das redes?

Neste ponto é imprescindível delimitar, antes de entrar na resposta em si, a competência da ANATEL, em relação à qual a contextualização da Tomada de Subsídio parece gerar diversas confusões, ampliando-a muito além do que se pode depreender da legislação.

Apesar da ANATEL poder regulamentar as obrigações dos usuários expressas no art. 4º da LGT, a interpretação mais adequada desse dispositivo não é alargada como a se faz parecer na contextualização. Ainda que os prestadores de SVA sejam usuários dos serviços de telecomunicações, não cabe à ANATEL regulálos e instituir novas obrigações específicas, como se depreende da Norma n. 04/95 (e Portaria 148 do MCom) e o art. 61 da LGT. Em realidade, o entendimento se dá no sentido contrário, com a interpretação mais razoável firmando um dever de exercer seus atos de forma isonômica para todos os usuários de serviços de telecomunicações e uma exclusão dos SVAs do espaço de atuação da ANATEL, apesar das movimentações como a Resolução n. 693 de 17/07/2018, que não encontra respaldo na legislação específica sobre o tema.

Vale notar que, estando vedado o comportamento contraditório da Administração Pública, a própria ANATEL se manifestou recentemente sobre a sua competência nessa seara.

No âmbito do processo 5016536-77.2023.4.04.7200, a agência fez, em 05 de junho de 2023, uma delimitação precisa ao analisar os dispositivos relevantes da (i) LGT; (ii) o Marco Civil da Internet e seu decreto regulamentador; e (iii) as suas próprias normativas internas.

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Trecho retirado do processo 5016536-77.2023.4.04.7200:

4. Nesse sentido, a Agência Reguladora não possui meios fáticos e legais para promover, por si só, a retirada ou bloqueio de sítio eletrônico mencionados, por exemplo, em uma determinação judicial, pois tal medida diz respeito ao campo de atuação das próprias prestadoras de serviços que detêm a gestão das suas redes de telecomunicações. Entretanto, no intuito de apoiar o devido cumprimento de uma decisão judicial, a ANATEL tem sido demandada a encaminhá-las às entidades atuantes no setor regulado para que estas adotem todas as medidas necessárias ao seu integral cumprimento, solicitando, inclusive, tratamento sigiloso da matéria.

5. Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao exercício do poder de polícia pela ANATEL, mencionado pelo autor em sua petição inicial. A legislação em vigor limitou a atuação da ANATEL à regulação e à fiscalização de aspectos técnicos dos serviços de conexão à internet, nas estritas hipóteses previstas da Lei nº 12.965 de 23 de abril de 2014 (Marco Civil da Internet) e no Decreto nº 8.771, de 11 de maio de 2016, inexistindo previsão legal que autorize a Agência a determinar o bloqueio administrativo de conteúdo que podem ser acessados por meio de um terminal conectado à internet quando não envolva, por exemplo, tratamento de questões de segurança de redes, conforme expõe o artigo 5º do decreto supracitado.

Sublinha-se que o entendimento apresentado pela ANATEL foi corroborado pelo juízo ao indeferir a liminar solicitada pela parte contrária à Agência.

Porém, de forma curiosa, na contextualização da Tomada de Subsídio a posição da ANATEL parece ter sido substancialmente diversa, avaliando que o princípio da neutralidade da rede não poderia ser aplicado para proteger sites destinados à prática de irregularidades, que não seria hipótese de censura prévia e que a neutralidade da rede só recairia sobre provedores de conexão, mas não sobre o Estado, com base no art. 9º do MCI. É notadamente frágil a argumentação apresentada nessa contextualização.

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Apenas para mencionar alguns exemplos:

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Há uma aparente confusão na menção feita à doutrina dom confusão de conceitos técnicos de tratamento não-discriminatório de pacotes de dados com conceitos de responsabilização jurídica. Vale ressaltar que o princípio está na verdade previsto de forma geral no art 3º do MCI, e que o art. 9º é uma de suas facetas, como se percebe sem maiores margens para dúvidas a partir da regulamentação dada pelos artigos 3º a 10 do Decreto n 8 771/2016

2

O julgamento do STF não se aplicaria ao caso porque não há regulamentação de mercado legítima aplicável a este contexto, e a própria manifestação da ANATEL no processo supracitado mostra que está além do escopo do seu poder de polícia, tornando contraditórias as outras referências à doutrina especializada feitas logo a seguir.

3

A alegação de que “não configura uma sanção administrativa, mas sim uma medida de cessação ou de contenção de danos” é estranha, por serem categorias absolutamente diferente Uma medida de contenção de danos pode ser implementada por meio de uma sanção, como é o caso, algo explicitado pela própria referência ao art. 83 da LGT que a Tomada de Subsídio faz na sequência

4

O parecer mencionado peca ao apontar que não adentrará “nos aspectos relacionados aos limites aplicáveis ao exercício dessa competência”, afastando justamente o aspecto mais importante da discussão

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O MCI e a Lei de Direitos Autorais parecem estar fora da competência de interpretação pela ANATEL, sendo uma situação totalmente diversa da que observamos no Acórdão 2090/2022, do Plenário do TCU, em que se aponta a legitimidade da Agência para interpretar a LGT Essa legitimidade, evidentemente, não se estende para outras legislações que não versam especificamente sobre telecomunicações.

O que se observa é uma construção argumentativa, inclusive na sua faceta jurídica, pouco convincente em favor de uma interpretação que é extralegal e exageradamente expansiva das competências da Agência, em um campo em que essa atuação é vedada por leituras diretas de normas como aquelas presentes no MCI e da Norma 04/05. O que se observa é uma intenção de justificar a posteriori a adoção um ato contrário aos dispositivos da legislação vigente por parte da Agência.

Aqui, ressalta-se que essa atuação contra a pirataria digital do audiovisual foi antes tentada no âmbito da Instrução Normativa da ANCINE A Consulta Pública da agência responsável pelo audiovisual recebeu respostas profundamente negativas (exemplos i, II, III), sendo alvo inclusive de um requerimento de informações proveniente da Câmara de Deputados, resultando em um recuo momentâneo. Porém, a mesma proposta regulatória, ainda que modificada, aparece alguns meses depois, agora sob a competência da ANATEL. Dessa vez, sem qualquer consulta ao público, indicando um receio de receber as mesmas crítica direcionadas à ANCINE, até porque parte dos fundamentos apresentados são exatamente os mesmos

Observa-se, por exemplo, a mesmíssima (má) escolha dos relatórios que supostamente dariam embasamento factual e econômico à medida, mas aparentemente não foram corretamente lidos e que são inadequados ao ponto de um deles não adentrar relevantemente em questões de propriedade intelectual e o outro sugerir soluções totalmente diversas da proposta regulatória. Essa falta de transparência é significativa, e caberia à ANATEL uma simples releitura dos apontamentos feitos nas contribuições à consulta da ANCINE (indicados em nota de rodapé desta página) para evitar alguns dos equívocos mais graves cometidos

O movimento para bloquear os conteúdos audiovisuais é possivelmente o melhor exemplo de toda a Tomada de Subsídio sobre os potenciais problemas no objetivo da ANATEL em assumir alguns dos papéis que almeja. Esse procedimento foi implementado de forma pouco transparente, com aparente intencionalidade na ausência de consulta pública (ignorando material relevante previamente elaborado sobre a mesma temática), com alguns indícios de priorização de interesses privados e em uma cristalina extrapolação de suas competências institucionais.

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O MCI e a Lei de Direitos Autorais parecem estar fora da competência de interpretação pela ANATEL
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Pergunta nº 16

O uso massivo de recursos de redes de telecomunicações tem provocado discussões sobre as obrigações dos grandes usuários utilizadores das redes. Quais aspectos devem ser abordados para buscar uma utilização racional dos recursos?

A contextualização da Tomada de Subsídio pode gerar uma confusão entre o que está exposto nela e outras possíveis interpretações da pergunta n. 16.

Enquanto o item 2.3.3 da contextualização trata essencialmente sobre chamadas abusivas, a pergunta pode ter implicações no sentido de flexibilizar ou eliminar a neutralidade da rede no Brasil.

Nesse ponto, embora tente dar a entender o oposto, cumpre evidenciar que a ANATEL, ao abordar questões relacionados à Internet, deve seguir o princípio da neutralidade da rede, previsto expressamente no art. 3º, IV do Marco Civil da Internet. Chamamos a atenção neste ponto em razão da curiosa tentativa de interpretação restritiva que a Tomada de Subsídio dá ao art. 9º do MCI, em sentido oposto à amplitude dada pela regulamentação dos artigos 3º a 10 no Decreto nº 8.771/2016.

Ainda, caso a ANATEL realmente deseje promover um diálogo eficaz e amplo com os diferentes setores da sociedade que debatem a melhor forma de regular a Internet, parece ser uma opção equivocada continuar insistindo na erosão de um dos princípios do decálogo do CGI.br para governança e uso da Internet. Ainda que tal princípio também apresente alguns efeitos negativos, concretos ou em potencial, as soluções propostas pela ANATEL reiteradamente parecem entender que esses prejuízos ultrapassariam os efeitos benéficos.

Reitera-se a preocupação específica com a capacidade técnica e de gestão da ANATEL, conforme críticas depreendidas dos acórdãos do TCU, e as reiteradas movimentações em sentido contrário de princípios fundamentais da governança da Internet no Brasil. Por essa dificuldade regulatória, inclusive, alguns relatórios pontuam uma preocupação quanto à escolha de distinção com base no critério de tamanho dos usuários.

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Porém, voltando à Tomada de Subsídio da ANATEL, os grandes usuários são caracterizados como os que demandam tratamento regulatório especial, não se limitando apenas a aqueles que geram grandes volumes de tráfego na rede. Nesse sentido, a Agência destaca o combate às abusivas e massivas chamadas automáticas realizadas por call centers, feito por meio de recursos tecnológicos que visam identificar o disparo de chamadas robotizados, e que são feitos por meios de serviços de telecomunicação mais tradicionais, inexistindo maiores controvérsias sobre a competência da Agência.

Esse esforço da ANATEL, ainda, é bem fundamentado pelo nítido prejuízo causado ao usuário final que vem sendo bombardeado com as ligações curtas, sem se configurar um outro lado com reivindicações legítimas. Aqui, diferentemente dos movimentos relacionados à Internet, a Agência acompanha organizações de inegável competência técnica no campo (no caso, a proteção consumerista), sendo menos refratária às contribuições da sociedade civil (algo que infelizmente marca o histórico da ANATEL), com efeitos quantificáveis que denotam um grande benefício à população brasileira.

Pergunta nº 17

Quais aspectos do uso abusivo de recursos das redes de telecomunicações por usuários de serviços de telecomunicações devem ser tratados?

Conforme apontado na pergunta n 16 e nas outras perguntas respondidas na presente contribuição à Tomada de Subsídio, o principal aspecto a ser observado em relação ao uso abusivo de recursos das redes de telecomunicações é relativo à competência da ANATEL, que não se estende aos SVAs na forma em que a Agência tenta agora avançar, sendo indevido a tentativa de expansão de competências sem uma expressa previsão normativa

Seria possível argumentar, e ainda assim apenas a nível material, a favor dessa expansão se a Agência já fosse capaz de cumprir adequadamente suas funções em relação à população brasileira. Não parece ser essa a atual situação, como se depreende dos já referidos recentes do TCU sobre a atuação da ANATEL.

A própria Tomada de Subsídio dá dois exemplos categóricos para responder essa pergunta. Por um lado, como exemplo positivo, o combate às chamadas massivas. Por outro, como exemplo negativo, a atuação em relação à pirataria do setor audiovisual. Esses dois casos mostram exatamente a diferença de qualidade e capacidade de análise da Agência em um campo no qual detém inegável conhecimento e capacidade técnica, e outro em que se inseriu de forma incongruente, apressada e pouco transparente.

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Pergunta nº 21

Quais as diferenças que você identifica entre mercados digitais e os mercados tradicionais para justificar tratamentos de defesa da concorrência e regulatórios destes diferenciados daqueles?

No campo digital, as análises concorrenciais não devem seguir métodos tradicionais. Para além de aspectos conhecidos e comuns dessas plataformas como a dinamicidade, baixos custos marginais em uma economia de escala, preço zero, externalidades de rede, dentre outros, vale destacar duas características particularmente importantes.

1

A oferta de multi-produtos e multiserviços sob um mesmo conglomerado

2

Essa oferta não raramente ocorre de forma coordenada (inclusive com outros parceiros externos ao conglomerado) para agregar valor ao aliar esses diferentes produtos e serviços.

A partir disso, torna-se necessário entender agentes do mercado digital dentro de um conceito de ecossistema, o que exige, se não a criação de métodos novos, pelo menos a escolha intencional daqueles que melhor reflitam o funcionamento dessas interações de mercado e seu impacto no público, em especial os consumidores.

As particularidades dos mercados digitais estão bastante consolidadas na literatura sobre o tema, como está extensivamente detalhado nos relatórios institucionais no primeiro parágrafo da resposta à pergunta n 22 No âmbito do Brasil, o relatório do CADE de 2021 sobre mercados digitais abordou algumas características destes mercados (mais especificamente, das plataformas), seguindo apontamentos anteriormente feitos no Documento de Trabalho 005/2020, mas considera-se necessário consultar a doutrina específica capaz de complementá-lo em melhor grau de detalhamento.

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No entanto, o que nos parece mais importante para essa Tomada de Subsídio é aquilo que pode ser depreendido da íntegra do Acórdão 2090/2022, do Plenário do TCU, sobre a relação entre diferentes agências reguladoras (ANATEL, CADE e ANCINE) de regulação do ambiente concorrencial Apesar do TCU ter exercido sua autocontenção nesse julgamento, tanto a análise feita pela área técnica quanto a resolução do relator, Min. Bruno Dantas, evidenciam que a competência da ANATEL no aspecto concorrencial é restrita aos tópicos diretamente relacionadas às telecomunicações (recordando-se aqui dos limites estabelecidos pela Norma 04/95). A tentativa de ampliar sua competência para o campo da concorrência nos mercados digitais corre o risco de esbarrar nos espaços reservados para atuação mais genérica do CADE, agência cuja atuação é marcada por elevado reconhecimento por diferentes setores da sociedade.

Pergunta nº 22

No novo ecossistema digital, existe alguma falha de mercado que ensejaria atuação do regulador? Quais são? Em que estrutura industrial se aplicaria as medidas necessárias?

É bem consolidado que o ecossistema digital é marcado por diversas falhas de mercado, em seu conceito amplo (abarcando também as imperfeições), com relatórios detalhados de diferentes governos-referência abordando o tema. Concentração do poder de mercado, vieses comportamentais, barreiras às trocas entre serviços/produtos diferentes, assimetrias de informação e externalidades de diferentes tipos são exemplos conhecidos dessas falhas de mercado A questão da diferença na forma em como identificar e lidar com essas falhas é mais relevante, tendo sido objeto da pergunta n. 21.

Porém, há um aspecto mais relevante da pergunta de n. 22 para esta Tomada de Subsídio: os mesmos relatórios que expõem as falhas de mercados ressaltam a necessidade de atenção para evitar falhas regulatórias. Estas falhas regulatórias seriam provenientes de regulações apressadas, inadequadas ou provenientes de entidades sem competência adequada para tal, seja no nível institucional, seja no nível técnico. Há, inclusive, diversas orientações sobre como elaborar esse tipo de norma de maneira adequada.

Esse risco parece estar visivelmente caracterizado nas propostas regulatórias provenientes da ANATEL, quando estas fogem do âmbito estrito das telecomunicações

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Afinal, a Agência é recorrentemente objeto de críticas pela reiterada inércia no cumprimento com suas funções legais mais fundamentais, como o aumento do acesso significativo à Internet ou a proteção da função pública de bens da infraestrutura de telecomunicações nacionais. Essas críticas vieram de forma contundente em julgamento do Plenário do TCU:

Neste voto, explicitei várias das condutas censuráveis da ANATEL, dentre as quais haver se omitido em todo o processo, não cumprindo as obrigações que lhe foram impostas pela LGT. Depois, instituir procedimento absolutamente ineficaz de controle de bens, com base em interpretação contrária à norma legal, aos contratos e ao seu próprio regulamento, fazendo prevalecer as convicções pessoais de alguns agentes, em detrimento dos termos expressos da lei (...) 17. Por outro lado, esta Corte de Contas não pode assistir passivamente o absoluto descaso da agência reguladora, por mais de vinte anos, com suas obrigações legais, contratuais e regimentais. Assim sendo, o TCU deve atuar da forma o mais possível eficiente, empregando tempo e recursos disponíveis na obtenção de informações úteis e sobre os bens reversíveis com maior risco de dissipação. (Acórdão 2142/2019 - Plenário, rel. Walton Alencar Rodrigues, j. 11/09/2019)

Enquanto outros atores acabam tendo que assumir o papel de promover medidas mais eficazes na persecução desse objetivo, inclusive junto ao Poder Público, a ANATEL pretende ampliar suas competências para uma área em que não desponta como detentora de profundo conhecimento e capacidade técnica. Os equívocos neste campo aparecem recorrentemente em atos da ANATEL, como as já mencionadas medidas contra a neutralidade da rede e as propostas de erosão da Norma 04/95, amplamente repudiadas por entidades que representam a comunidade especialista da governança da Internet.

17 " T o m a d a d e S u b s í d i o n ° 1 3 / 2 0 2 3A N A T E L

Pergunta nº 23

Qual tipo de abordagem é mais eficaz para preservar o direito à concorrência frente às atividades das grandes plataformas digitais: a abordagem ex-post, típica das leis antitruste, ou a abordagem ex-ante, típica das normas de regulação? Qual é a tendência mundial das novas legislações sobre plataformas digitais?

A pergunta pode induzir o respondente em erro. Os problemas do ecossistema digital relativos à concorrência não são uniformes e, dessa forma, exigem respostas que são altamente dependentes do tipo de problema. O que se pode observar, por outro lado, é que uma visão mais clássica de intervenções mínimas nos mercados digitais, reduzindo-as a possibilidade expost, está perdendo espaço no debate público, que crescentemente passa a favorecer mais consistentemente pelo menos algum nível de regulação ex-ante, com complementações e avaliações ex-post.

Nesse sentido, a conclusão de nota da Organização Europeia de Consumidores (BEUC) para a OCDE, em defesa da DMA (que é um símbolo da onda de propostas regulatórias ex-ante), sintetiza bem a questão:

A regulamentação ex ante e a lei de concorrência são essenciais nos mercados digitais (...). Elas são ferramentas essenciais complementares, não substitutas, como foi demonstrado em outros setores. Elas devem ser entendidas como diferentes flechas em uma aljava para atingir objetivos diferentes, mas não antagônicos, com cada uma delas utilizando seus pontos fortes específicos, que, em última análise, beneficiam os consumidores e a sociedade como um todo.

A tendência mundial parece estar caminhando nessa direção. Como uma lista exemplificativa interessante, ressaltamos que a OCDE organiza um inventário comparativo de regulações e propostas de legislação concorrencial para o mercado digital na Alemanha, União Europeia, Japão, Reino Unido e Estados Unidos. China, Austrália, Taiwan e Coreia do Sul são outros exemplos.

Vale notar que essa tendência não deve ser interpretada como um argumento a favor do estabelecimento de novas regulações pela ANATEL para além de seu escopo institucional no espaço das telecomunicações, que é bem menor do que a Tomada de Subsídio apresenta em sua interpretação da legislação vigente. O que a Agência pode e deve fazer é contribuir, dentro de suas competências, para a elaboração de normas reguladoras, preferencialmente provenientes do legislativo.

Disclaimer: Essa contribuição é feita a nível pessoal pelos seus autores, não representando necessariamente a opinião das organizações da qual fazem parte.

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