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OPINIÃO

Manuel Junior • Consultor Gestão da Qualidade e Segurança dos Alimentos

Porque “Somos o que Comemos”, a Segurança Alimentar é Essencial

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“N ós somos o que comemos” disse Ludwig Feuerbach em 1848. Esta frase revela o impacto que os alimentos têm na vida das pessoas, enquanto estudos recentes demonstram que a segurança dos alimentos (Food Safety) tem um papel crucial no desenvolvimento da economia dos países.

Para além de serem adequados e nutritivos para a sobrevivência do homem, os alimentos devem estar seguros para o consumo.

De acordo com a Codex Alimentarius, a segurança dos alimentos refere-se à garantia de que um alimento não causará efeitos adversos à saúde dos consumidores quando preparado e/ou ingerido de acordo com a utilização prevista.

Face ao exposto, é facto que garantir alimentos seguros para todos é indiscutivelmente um dos principais pontos da agenda dos governantes e um dos desafios de saúde pública nos dias de hoje.

Por isso, é também parte integrante dos 17 objectivos de desenvolvimento sustentável até 2030. dos pela INAE (Inspeção Nacional das Actividades Económicas). Por exemplo, os “Ovos Kinder” retirados das prateleiras por conterem Salmonella, ou os chocolates “KitKat” e sumos de maçã retirados por conterem pedaços de vidro e toxinas, respectivamente.

O custo de situações relacionadas com a introdução de alimentos não seguros no mercado é elevado, principalmente em relação aos aspectos sociais e económicos. Nomeadamente, pela redução considerável da saúde e produtividade, aumento da pressão no Sistema Nacional de Saúde, destruição de produtos alimentares contaminados, custos com tribunais, encerramento de estabelecimentos alimentares, publicidade negativa e aumento de risco para os investidores, com consequente redução do investimento que, por sua vez, contribuirá para o aumento do desemprego.

Embora não existam dados recentes e precisos sobre o impacto destes efeitos na economia nacional, as informações disponibilizadas em 2007 pelo Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e Nutricional que apontam uma redução da produtividade devido a desnutrição na ordem dos 2 a 3% do PIB, o equivalente aa quase 107 milhões de dólares americanos por ano, considerando o PIB da época, deixam claras as consequências que as fragilidades/desafios existentes no sector alimentar podem ter sobre a economia do país.

Com a globalização, o contínuo crescimento das cadeias de fornecimento de alimentos e o surgimento de novos perigos alimentares, a necessidade de fortalecer os sistemas de segurança dos alimentos dentro, e entre os países é cada vez mais crítica.

A integração dos países em desenvolvimento nas cadeias de valor globais é crucial para garantir a eficiência e eficácia dos sistemas de segurança dos alimentos. Em paralelo, a pressão por parte dos clientes, consumidores, autorida-

As implicações económicas de alimentos “não seguros” são claras e têm sido documentadas de forma extensiva. A OMS (Organização Mundial da Saúde), num estudo recente estimou que, a nível mundial, a cada ano os alimentos contaminados causam 600 milhões de casos de Doenças Transmitidas por Alimentos (DTAs) e 420,000 mortes, das quais, 30% ocorrem em crianças abaixo de 5 anos de idade. Estima-se ainda que em todo o mundo, anualmente, 33 milhões de pessoas saudáveis morrem devido ao consumo de alimentos de algum modo contaminados. Numa análise isolada, Moçambique, de 2017 a 2022 registou vários casos de alimentos impróprios para o consumo, detectados e notifica-

O custo de situações relacionadas com a introdução de alimentos não seguros no mercado é elevado, principalmente em relação aos aspectos sociais e económicos

Moçambique tem dificuldades de implementar sistemas de gestão da segurança alimentar

des legais e associações de protecção dos consumidores exige que as organizações adoptem novas estratégias para demonstrarem a sua capacidade para produzir e fornecer alimentos seguros.

Neste sentido, para as organizações que operam no sector alimentar, a implementação de sistemas de gestão da segurança dos alimentos (SGSA) tem provado ser uma estratégia chave na prevenção e/ ou redução dos riscos de contaminação dos alimentos, bem como na garantia da sua capacidade para disponibilizar alimentos seguros.

Actualmente existem diversas normas que auxiliam as organizações na gestão da segurança dos alimentos. Nomeadamente, e entre muitos outros referenciais, o HACCP (Hazard Analisys and Critical Control Points, que em português significa Analise de Perigos e Pontos Críticos de Controlo), uma ferramenta para avaliar os riscos associados aos perigos identificados e estabelecer medidas de controlo para os perigos significativos ao longo da cadeia alimentar; e a ISO 22000, um referencial para a implementação de um SGSA aplicável a todas as organizações na cadeia alimentar (desde produtores primários a processadores, transportadores, armazenistas e retalhistas) independentemente da sua dimensão.

O principal objectivo destas normas é o de harmonizar conceitos e formas de operar, de modo que a segurança dos alimentos seja garantida de um modo universal em todos os países /regiões do mundo. Assim, a sua implementação traz consigo vários benefícios, tais como, o reconhecimento internacional, que permite eliminar as barreiras técnicas e facilita o comércio internacional (exportações/importações); maior cumprimento dos requisitos legais; aumento da segurança dos alimentos, que se reflecte na melhoria da satisfação dos clientes; melhoria da rastreabilidade dos produtos; otimização de recursos e processos e diminuição do desperdício de alimentos ao longo da cadeia alimentar.

No caso particular dos países em desenvolvimento, como é o caso de Moçambique, a implementação destas normas, porém, tende a ser um desafio tanto devido à falta de maturidade dos mercados na área da segurança dos alimentos, como à falta de recursos/infraestruturas adequadas.

Nomeadamente, factores como a dificuldade em cumprir com os requisitos legais e normativos relativos a infraestrutura, fraca capacidade de investimento e a falta de pessoas com formação e conhecimento adequado sobre segurança dos alimentos, dificultam a implementação pelas Pequenas e Médias Empresas, que são as Organizações com maior necessidade deste tipo de sistemas.

Adicionalmente, outros aspectos relacionados com a falta de legislação adequada e actualizada sobre a segurança dos alimentos, fraca capacidade de fiscalização e elevados níveis de corrupção, acabam por causar fenómenos de concorrência desleal que finalmente desmotivam muitos dos operadores que optam pela implementação e certificação de suas empresas.

Por isso, a boa colaboração entre o governo, a cadeia de valor da indústria alimentar, consumidores e outras partes interessadas, é crítica na medida em que vai contribuir significativamente para colmatar boa parte dos desafios anteriormente citados.

Por cá, instituições estatais em parceria com o sector privado e organizações não governamentais têm envidado esforços de forma a promover a qualidade e segurança dos alimentos. A título de exemplo, em 2015 Moçambique foi o anfitrião do primeiro fórum de segurança dos alimentos em Africa, evento organizado com o objectivo de enfatizar os múltiplos benefícios dos alimentos seguros para a inclusão social, sustentabilidade e desenvolvimento industrial, durante o qual se destacou a importância das normas, da certificação e da capacitação para o fortalecimento do sistema nacional de inocuidade dos alimentos e a garantia do fornecimento de produtos seguros.

Adicionalmente, iniciativas levadas a cabo tanto pelo sector Público, como Privado, como o programa “Competir com Qualidade”, “ProMove Comércio” e “Qualificar” têm advogado e incentivado a melhoraria dos produtos e serviços nacionais como factor promotor da competitividade e economia de Moçambique.

Porém, no final, para uma gestão eficiente e eficaz da segurança dos alimentos, é preciso que as sociedades (incluindo o sector público e privado, organizações não-governamentais e sociedade civil), assumam a segurança dos alimentos como uma questão global e crítica para o bem comum.

Nesse sentido, é preciso investir em melhorar a comunicação entre as partes interessadas para permitir uma colaboração activa a todos os níveis da cadeia alimentar, o que vai contribuir para a partilha de conhecimentos sobre segurança dos alimentos, métodos de gestão de riscos e novas tecnologias a favor do sucesso na cadeia alimentar global.

Paralelamente, a nível interno, é preciso investir na melhoria e criação de políticas, regulamentos e normas sobre segurança dos alimentos, intensificar a fiscalização às actividades no sector alimentar, assegurar adequada capacitação das entidades reguladoras, investir na melhoria/desenvolvimento da rede de infraestruturas de suporte (por exemplo, laboratórios de análise de água e alimentos) e promover a implementação e certificação em segurança dos alimentos.

Reconhecidamente um enorme desafio que será, no entanto, certamente recompensado pela melhoria da quantidade de alimentos disponíveis para consumo seguro pela população e, consequentemente, pela melhoria da condição nutricional da população e, bem assim, dos índices de produtividade e competitividade do País.

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