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Transformar a Baixa em zona alTa… num processo cheio de alTos e Baixos

O município de Maputo quis criar uma revolução para devolver o brilho de outrora à Pérola do Índico, que tão baça anda. Principalmente na zona histórica da baixa, a mais cobiçada pelos turistas que Maputo pretende seduzir. Mas, o sonho é caro, e custa cerca de 500 milhões de dólares e por isso, parece cada vez mais impossível de realizar

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o plano parcial de urba-

nização (ppu), já delineado desde 2015, pretende injectar uma nova vitalidade, convertendo a urbe seminal, hoje em lenta agonia, num pólo de atracção também económico e residencial. Para viver, trabalhar e fruir. Agora, só falta a boa vontade dos políticos e a generosidade dos investidores – porque são precisos 500 milhões de dólares. Pelo menos. E para começar. “A Baixa será um destino multi-funcional, inclusivo e vibrante, limpo e verde, onde visitantes e residentes desfrutam do património histórico-cultural, do mar e do espaço público”, lê-se no intróito do PPU da Baixa, elaborado por técnicos do Conselho Municipal de Maputo e da Faculdade de Arquitectura da Universidade Eduardo Mondlane (UEM) com auxílio de cooperantes. O documento, enquadrado no PROMAPUTO II, colheu ainda subsídios resultantes de consultas e debates públicos ocorridos entretanto. Desse esforço nasceu a visão algo onírica de uma realidade que deveria materializar-se até 2025 e abarcando uma área quase tão grande como o sonho que o PPU enuncia e a verba que reclama: “Propõe-se a reordenar cerca de 650 quilómetros quadrados, entre parte do Bairro da Malanga, passando por parte do Alto Maé B e a totalidade do Bairro Central C”, enumera Elónio Cossa. Arquitecto do Departamento de Planeamento Urbano municipal, Cossa traduz a nomenclatura administrativa: “Estamos a falar da zona que parte da nova ponte para a Catembe (Rotunda da Toyota) até à Praça Robert Mugabe, fronteira à sede do BCI e, depois, mais ou menos até ao edifício do Conselho Municípal”. Uma vastidão cujo panorama actual implica, no Centro Histórico, um trânsito infernal nas ruas prenhes de lixo; passeios irregulares saturados de carros e colonizados pelo comércio ambulante de bens e prazeres (a Rua de Bagamoio é, agora como dantes, um lupanar, mas mais decrépito); edifícios alardeando outras eras e cabedais cobertos pelas marcas indeléveis do tempo e do desleixo; e a pobreza esmoler exposta à eventual generosidade dos que passam. Um postal decadente, enfim, no qual avulta, pela escala inusitada e arquitectura dissonante, o prédio que alberga o Banco de Moçambique, à face da Avenida 25 de Setembro. “Com este PPU em vigor e à luz das regras que estabelece, aquele edifício nunca seria possível de modo algum”, afirma Cossa. Talvez não.

500

MILHões de dóLares é o custo do projecto de reabILItação da baIxa de Maputo Lançado eM 2015 peLo MunIcípIo de Maputo. será que aLguM dIa o projecto saIrá do papeL?

negócios ajardinados Mas encaixaria perfeito no PPU tripartido cujo extremo Leste, onde borbulham já os prédios JAT, prevê a construção em altura e traça contemporânea, constituindo-se como futuro centro de negócios da cidade com 1,7 milhões de metros quadrados (m2) de escritórios. Para amenizar o betão instalado, o PPU preconiza converter num imenso jardim “as escadas da Maxaquene, na zona das Barreiras, que saem do Hotel Cardoso e

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Jardim dos Professores até perto das traseiras da TVM”, assinalou Cossa. A solução “verde” previa um corredor pedonal até ao mar, ladeado pelo Circuito de Manutenção António Repinga – pulmão sob assédio dos carros e amputado por edifícios governamentais (Ministério da Economia e Finanças, Gabinete do Primeiro-Ministro e Marinha de Guerra) – e pela envolvente ao projecto imobiliário que iria ocupar o aterro da antiga FACIM, o “Maputo Bay Waterfront”. Corolário do arranjo paisagista, os arquitectos imaginaram um elevador panorâmico ligando a zona do Museu de História Natural à Baixa. O fomento da clorofila é, de resto, um dos princípios inscritos no PPU da Baixa. Entre parques, jardins e reservas, seriam 425 mil m2 de flora para suavizar a atmosfera e a vida urbana. Com a recuperação do Jardim Tunduro (58 mil m2) e do Jardim dos Professores, já não falta tudo – mas quase.

ramblas africanas Com o propósito de tornar mais humana e turística a Baixa, o PPU visa converter algumas das artérias saturadas do tráfego automóvel, o qual só abranda quando a noite cai, em zona pedonal. Para privilegiar o passeio a pé dos visitantes, proporcionando assim, na cadência da passada, o tempo necessário não só à fruição dos 314 imóveis de interesse histórico-cultural alojados no berço da cidade, mas também a frescura da brisa marítima que a baía exala. Nesse contexto, estão nos planos do Conselho Municipal mais de 100 mil m2 de área exclusiva para peões, praticamente desde a Praça dos Trabalhadores, em frente à estação dos Caminhos de Ferro e com epicentro na granítica estátua evocativa dos mortos da I Grande Guerra, até à antiga FACIM. Vislumbram-se transeuntes circulando pelas ruas de Bagamoio, Timor-Leste, Fernão de Magalhães e Electricidade, preguiçando junto ao mar pela 10 de Novembro sem carros e rebaptizada de “Waterfront Promenade”. O zénite do idílio pedestre ocorre na “Boulevard Samora Machel”, descendo sem pressas do edifício do Conselho Municipal até à Praça 25 de Junho deserta de viaturas e sob o olhar de bronze do fundador da nação. “O modelo adoptado foi o das ‘ramblas’ de Barcelona (capital administrativa da Região da Catalunha, em Espanha)”, diz Cossa. Mas se os carros recuam, onde aparcá-los? Segundo o arquitecto municipal, “o plano prevê aproveitar alguns espaços para silos de estacionamento – só pode ser em altura – distanciados de tal forma que o peão não tenha de percorrer mais de 15 minutos até alcançar a sua viatura estacionada”. Cumprido o delineado, a nova Baixa ficará com 7 000 espaços adicionais de estacionamento não-permanente. Lugares para automóveis que sobejariam, deixando a Baixa respirar, caso a sugestão do PPU de criar uma estação multimodal – placa giratória de passageiros articulando autocarros, comboios e barcos – com ligações de transporte público entre a Baixa e a Maputo Metropolitana, fosse acolhida pelas autoridades do sector.

um projecTo demasiado amBicioso para se Tornar real?

Vivia-se no auge do crescimento económico dos últimos anos quando o projecto foi iniciado, tendo um custo que, para a época parecia reduzido, mas que em 2018, se afigura como quase inalcansável face à conjuntura actual

PoPulação: 44 911 ImóveIs: 314 ImóveIs PatrImónIo: 19 escrItórIos: 1,7 milhões de m² estacIonamento: 7 000

425

mil meTros quadrados É a área desTinada, nO PrOjecTO, a esPaçOs verdes

sangue novo em casco velho A possibilidade torna-se suspeita, porém, quando vista a partir da caixa aberta de um “my love” apinhado de gente.

Gente que falta à Baixa para tornar a zona viva e mais segura após o termo do expediente, dirimindo o deserto escuro, entregue a indigentes e meliantes, em que se converte assim que o sol declina. O objectivo é transformar o extremo Ocidental do PPU, dantes pleno de actividade industrial e comercial, como é notório pela sucessão de grandes armazéns que ali existem, em zona residencial por excelência. Para o PPU, a revitalização seria induzida através da construção de 15 mil residências, com cerca de 1400 unidades a custos controlados. A correr bem, a densidade populacional, hoje com um rácio de apenas 40 pessoas por hectare, saltaria para as 206 pessoas. As quais poderiam circular mais seguras com a instalação de “nova iluminação pública, de modo a que uma pessoa, com visão normal, possa identificar um rosto a cerca de 10 metros”. Não obstante, é para o turismo e o núcleo histórico que convergem todas as atenções. Ali, fora a Fortaleza, a sede do Standard Bank Moçambique e a Casa Amarela – que alberga o Museu Nacional da Moeda e é tida como a pimeira casa em alvenaria de Maputo – os edifícios que ostentam nas fachadas o desenho colonial do último quartel do século XIX e primeira metade da centúria seguinte perderam o esplendor de outrora.

parcerias redentoras Baços, ulcerados pela incúria e o vandalismo, vergados pela idade e maculados por enxertias sem critério que os adaptaram a novos usos, os imóveis reclamam obras. Urgentes, onerosas e incomportáveis para os cofres da Edilidade de Maputo. Até porque parte substantiva do orçamento geral (41%) teria de ser canalizada para a construção de infra-estruturas básicas, susceptíveis de suportar tamanha revolução e evitar, por exemplo, as cheias de Verão. “Na verdade, conta-se com a comparticipação de todos. O Município, por si só, não tem essa capacidade, pelo que vai ter de contar com parcerias, até porque alguns dos edifícios têm proprietário”, adianta Cossa, advogando a definição conjunta do devir. Assente, claro, em Parcerias Público-Privadas (PPP). E todos não serão demais para um investimento que, a preços actuais e para o tanto que há a fazer, precisa de pelo menos 500 milhões de dólares, segundo estimativa de Gaidar Chissane Lovane, especialista em urbanismo e rotinado na elaboração de termos de referência para a elaboração de PPU e pareceres. Lovane inquieta-se não tanto pela verba assustadora mas pela possibilidade de inércia. que ela equaciona “Falta, para que alguma coisa aconteça, aprovar a Secretaria de Desenvolvimento da Baixa”. O seu propósito seria coordenar todas as actividades respeitantes ao PPU da Baixa de Maputo. Sob alçada directa do Presidente do Município, representaria o Município em transacções e negociações com as partes interessadas – entidades governamentais, paraestatais, prestadores de serviços, ONGs e Organizações Comunitárias, instituições financeiras ou o sector privado. Há muito que o projecto está na Assembleia da República para análise e votação. Mas, enquanto que para a Baixa nada bule nem mexe, o mesmo organismo dedicado ao PPU da Catembe, muito mais recente, que foi já aprovado mas pode vir a conhecer o mesm odestino. Prioridades. Com a especulação imobiliária à vista.

texto Elmano madaíl fotografia istock

OPINIÃO

Desenvolvimento Económico Local e as diferentes abordagens em Moçambique

Salim Cripton Valá • PCA da Bolsa de Valores de Moçambique

escrevi, no passado, que não existe um Moçambique Rural, mas distintos Moçambique´s Rurais. Também defendi, que a agricultura se não devidamente conectada com a indústria, comércio, serviços, transportes, comunicações, energia, educação, saúde, entre outras áreas, dificilmente pode vingar. A heterogeneidade do país, das condições agro-climáticas, do solo e do subsolo, da cultura, das pessoas e das instituições, desaconselha uma estratégia de desenvolvimento única. A abordagem de Desenvolvimento Económico Local (DEL) assenta na ideia de que as localidades e territórios dispõem de recursos económicos, humanos, sociais, institucionais, ambientais e culturais, além de economias de escala não devidamente exploradas, o seu potencial de desenvolvimento. As estratégias e as iniciativas de DEL visam estimular a diversificação da base económica local, favorecem o surgimento e a expansão de empresas, cooperativas e associações e promovem a disseminação e o uso do conhecimento em prol do desenvolvimento económico, permitindo ultrapassar as arcaicas dicotomias urbano-rural e agrícola-não agrícola. Hoje em dia, o rural, está profundamente vinculado com o urbano que lhe é contíguo, ao ponto de já não mais poder falar-se em agricultura moderna sem mencionar máquina, fertilizantes, sistemas de irrigação e todas as actividades não agrícolas que lhe dão suporte. No passado, existiam territórios do país que eram conhecidos como locais de origem de certos produtos e bens, a tal ponto que quando se falasse de Gurué, logo éramos levados a pensar no chá, da mesma forma que falar do arroz fazia pensar no Chókwè, Mogovolas e Moma remetia-nos a pensar na castanha de caju e Montepuez era, como Namialo, o centro de produção de algodão. Ontem, como hoje, existem territórios que se tornaram conhecidos em virtude dos bens ou produtos emblemáticos ali produzidos, em que há uma relação directa entre eles. É por isso que hoje se fala do ananás de Muxunguè, cabrito de Tete, arroz e tomate do Chókwè, peixe pende (kapenta e malambe) do Vale do Zambeze, tabaco de Tsangano, batata-reno de Ulonguè, coco de Inhambane e da Zambézia, camarão do banco de Sofala, energia de Cahora Bassa, alumínio de Beluluane, areias pesadas de Moma, gás natural de Pande e Temane e da Bacia do Rovuma, bolinhos de sura de Inhambane, carvão de Moatize e Benga, piri-piri da Dona Rachida em Nhancoongo, “baby corn” de Vanduzi, entre outros territórios que são conhecidos também pelos produtos típicos. Como é óbvio, não há lugar algum de Moçambique sem potencial para coisa alguma O importante é que ele seja reconhecido e valorizado e que existam estratégias concretas delineadas para explorar o enorme potencial ainda dormente, e as vantagens competitivas que os territórios possuem, promovendo assim novos “nichos de mercado” e suas cadeias de valor. O DEL tem de estar, necessariamente, conectado com o marketing territorial, que é muito mais do que uma forma de sentir o mercado e adaptar produtos e serviços. No caso moçambicano, e com a ressalva das especificidades locais, cinco focos são importantes para o incremento dos territórios, a saber: (i) desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida das pessoas, através da implantação de infraestruturas e serviços essenciais; (ii) reforço das identidades, no sentido de pertença, crescente auto-estima e liderança local; (iii) planeamento estratégico da economia, ordenamento do território e qualificação da mão-de-obra; (iv) estratégias concretas de DEL baseada no potencial do território e nas capacidades e necessidades dos actores locais; (v) crescente empoderamento das pessoas e instituições do território combinando o conhecimento local e o científico. A abordagem de DEL, que tem um foco marcante no território, vai quebrar os paradigmas assentes na centralização, no dirigismo, nas posturas assentes em “solução única”, fazendo com que os cidadãos do território, as suas instituições e lideranças, sonhem com o seu futuro melhor e o implementewm com criatividade e sabedoria, e não fiquem a “espera de orientações que venham da Nação”.

Ontem, como hoje, existem territórios que se tornaram conhecidos em virtude dos bens ou produtos emblemáticos produzidos, em que há uma relação directa entre ambos

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