Memórias e praticas caiçaras

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MEMÓRIAS E PRÁTICAS caiçaras DA PENÍNSULA DA JUATINGA - RAÍZES E FRUTOS

MEMÓRIAS E PRÁTICAS caiçaras DA PENÍNSULA DA JUATINGA 3



MEMÓRIAS E PRÁTICAS caiçaras DA PENÍNSULA DA JUATINGA Realização:

Apoio:


É permitida a reprodução parcial e total da obra desde que citada a fonte: Projeto de Extensão Universitária UFRJ Raízes e Frutos - Uma Vivência nas Comunidades Caiçaras da Península da Juatinga/2016. Email: raizesefrutos@gmail.com http://raizesefrutos.blogspot.com.br/ http://raizesefrutos.wordpress.com/ Pesquisa – Pedro Chaloub, Alice Worcman, Thúlio Moreira, Manuela Giacomo, Thales Browne, Breno Campitelli, Luisa Sader, Mascos Vinícius M. Pereira, Tainá Mie Soares, Jéssica Figueiredo, Dayane Uchoa e Antônio Brandâo Ilustraçôes – Manuela Giacomo Textos – Tainá Mie Soares, Marcos Vinicius M. Pereira e Manuela Giácomo 'HVLJQ *Ui¿ FR ± 0DQXHOD *LDFRPR Diagramação – Cesar Okada Revisão – Marcos Vinicius M. Pereira Orientador: Prof. Dr. Evaristo de Castro Júnior Patrocínio: Proext 2015

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) _____________________________________________________________________ ISBN 978-85-65003-72-8 Índice para Catálogo Sistemático: 1. Cultura Caiçara 2. Patrimônio Imaterial 3. Permacultura

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Em memĂłria de Evaristo de Castro JĂşnior, nosso orientador, mestre e amigo.

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“Aos que falam e não calam; Aos que sonham e não dormem; Aos que suspeitam que não são livres; Aos que sabem que falta algo e que esse algo não se compra; Aos que resistem, que não fogem da briga, agradecemos. Agradecemos por tratarem de atacar os motivos e não as consequências; E por nos ensinarem que um livro não é sapiência elitista, mas sim, ferramenta popular; Por demonstrarem que somos todos iguais nas nossas diferenças; Por lutarem contra os preconceitos; Por reconhecerem e não negá-los. Agradeço.” Joaquín Guíllen

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Aos Mestres: Dona Dica, Seu Altamiro, Seu Maneco, Ticote, Manequinho, Francino, Cláudio, Manelzinho e Dona Anita, por compartilharem seus saberes, memórias, práticas e sabedorias. Ao Instituto de Permacultura e Educação Caiçara (IPECA) Ao Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) À Pró-Reitoria de Extensão e Pesquisa (PR5-UFRJ) Ao Ponto de Cultura Caiçara À ONG Verde Cidadania Ao Fórum das Comunidades Tradicionais de Angra, Paraty e Ubatuba.

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Foto: Fernanda Bigaton


O projeto de extensão universitária Raízes e Frutos: Uma Vivência nas Comunidades Caiçaras da Península da Juatinga – Parati/RJ atua desde 2007 tendo como base a Ecologia dos Saberes, de Boaventura de Souza Santos, propondo um diálogo entre o conhecimento científico e os saberes caiçaras. O foco do Raízes e Frutos é resgatar e (re)valorizar os saberes e o patrimônio cultural caiçara, pautando o direito à autonomia dessas comunidades. Vinculado ao Departamento de Geografia da UFRJ, o projeto adota as perspectivas da Agroecologia e a da Permacultura como ferramentas fundamentais para o reconhecimento e o aprimoramento das relações entre a cultura caiçara e a gestão dos ecossistemas e territórios que habitam. Memórias e Práticas Caiçaras da Península da Juatinga foi elaborado junto aos mestres do saber tradicional caiçara da região da Península da Juatinga, município de Parati, sul do Estado do Rio de Janeiro. Essa publicação é resultado de um trabalho coletivo de dois anos, a partir da elaboração de um projeto prévio, submetido ao edital PROEXT/MEC 2013 e 2015, principal fonte de financiamento para a execução da proposta. Para o levantamento de informações e a obtenção de material audiovisual sobre as memórias, saberes e práticas caiçaras, além da longa vivência na região da Juatinga, podemos acrescentar a pesquisa bibliográfica sobre a cultura caiçara, a comunicação à distância com os mestres e/ou suas famílias e as visitas preliminares que culminaram, posteriormente, com a realização de um trabalho de campo principal, geralmente em torno de três dias, para a realização de uma atividade prática, guiada e executada pelos mestres locais com a participação de integrantes do Raízes e Frutos e a equipe de audiovisual, sobre cada uma das práticas caiçaras elencadas pelo projeto de extensão. O material reunido foi analisado e tratado nos meses seguintes, resultando em vídeos e no presente trabalho, sobre o qual devemos ainda dizer que buscamos privilegiar o vocabulário caiçara e uma redação simples, tendo em vista que o principal público são as próprias comunidades da Juatinga e, particularmente, o uso didáticopedagógico para o ensino fundamental das escolas da região. Esperamos contribuir com o registro e a valorização desses conhecimentos e práticas, ainda que sob novos significados. Nossa visão é que a extensão universitária é também espaço de dialogo entre o conhecimento científico e os conhecimentos tradicionais com relação ao patrimônio cultural caiçara e outras questões que atingem diretamente essas comunidades, como implementação de Unidades de Conservação e a necessidade da oferta de ensino básico na costeira adequado à realidade local (Educação Diferenciada), sendo estes últimos mais latentes atualmente na realidade abarcada.

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CONTEXTUALIZAÇÃO

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MEMÓRIAS E PRÁTICAS

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PAU-A-PIQUE

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TELHADO DE SAPÊ

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FARINHA DE MANDIOCA

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ESTEIRA DE TABOA

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BALAIO

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CANOA CAIÇARA E REMO

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ARRASTO DE PRAIA

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CERCO FLUTUANTE

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

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AGRADECIMENTOS FINAIS

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BIBLIOGRAFIA

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Foto: AndrĂŠ Telles 16


Os caiçaras da Península da Juatinga habitam um território que no passado foi ocupado pela tribo Tupinambá, dos quais herdaram além da genética, muitos de seus saberes e práticas. Antes dos indígenas, o mesmo território era habitado pelos povos sambaquieiros, há pelo menos quatro mil anos atrás. Os registros mais conhecidos são do Ilhote do Aventureiro, localizado na Ilha Grande, que demonstram a ligação entre os povos sambaquieiros do Costão do Santinho, em Santa Catarina, e os habitantes da Ilha Grande. Exímios remadores, os sambaquieiros percorriam longas distâncias em grandes canoas que, segundo vestígios arqueológicos, eram muitas vezes produzidas do Guapuruvu (Schizolobium Parahyba), mesma madeira que até hoje são feitas muitas canoas caiçaras. Com o processo de colonização portuguesa, os conhecimentos dos povos indígenas passaram a fazer parte do conjunto de saberes populares locais e, atualmente, muitos deles, podem estar em vias de extinção. A influência da cultura africana foi marcante em algumas comunidades, onde a presença de descendentes de escravos marca as narrativas locais. A cultura caiçara é fruto dessa rica interação entre a cultura indígena, a européia e a africana. Há ainda casos específicos da participação de outros estrangeiros como piratas e viajantes.

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Hoje, o caiçara desse trecho do litoral é muito associado à pesca, devido sua importância econômica e social. Entretanto, os conhecimentos dessas comunidades englobam aqueles relacionados à agricultura de roça e um grande conjunto de saberes sobre as variedades de plantas da Mata Atlântica. Seu uso para fins medicinais, artesanato com cipós, palhas, taquaras e as melhores madeiras para a construção de suas casas e canoas vem se perdendo lentamente, apesar de resistências culturais. Saberes sobre o clima e a geografia local se juntam à conhecimentos associados ao mar, como as diferentes espécies de peixe, as épocas de maior ocorrência, os locais mais adequados para posicionar suas redes e as diferentes técnicas de pesca. Além disso, sua cultura também engloba as festas e músicas como a Ciranda Caiçara, a Bandeira do Divino, a Folia de Reis, entre outros. Parte dos saberes acumulados ainda é conservada por um considerável número de caiçaras – mesmo aqueles que migraram para as áreas urbanas –, embora algumas das práticas correspondentes se tornem menos presente, sendo mantidas por um número cada vez menor de caiçaras. Os conflitos fundiários e ambientais, o turismo, o maior contato com os valores urbanoindustriais, entre outros fatores, contribuem para alterar as formas de reprodução social dessas comunidades, colocando em risco o patrimônio cultural acumulado. O impacto antrópico do modo de vida caiçara é pouco significativo, permitindo uma regeneração muito rápida do meio biótico. As formas de manejo florestal e os saberes associados aos ciclos da natureza fizeram com que o caiçara deixasse as áreas de seu território conservadas. Isso foi motivo para a transformação de muitas áreas desse trecho do litoral em Unidades de Conservação, o que também aconteceu na Península da Juatinga. O turismo se apresenta hoje como uma alternativa econômica bem difundida, sendo a principal fonte de renda em algumas localidades da Juatinga. Nesse cenário, os valores urbanos são cada vez mais incorporados às comunidades caiçaras. Por outro lado, serviços públicos como saúde e educação são, em geral, oferecidos de forma precária, o que contribui para a migração para os centros urbanos.

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No território caiçara da Península da Juatinga, foi criada em 1983, a Área de Proteção Ambiental (APA) Cairuçu, atualmente sob a responsabilidade federal do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A partir do contexto de conflitos fundiários envolvendo grileiros e as comunidades caiçaras, foi decretada em 1992, a Reserva Ecológica da Juatinga (REJ), cujo objetivo é “aliar a preservação do ecossistema local ao fomento da cultura caiçara, combinando o uso dos recursos naturais com os preceitos conservacionistas”. A Reserva da Juatinga é uma unidade de conservação estadual, atualmente sob a gestão do Instituto Estadual do Ambiente (INEA). A presença de conflitos fundiários, ao longo das últimas décadas, foi marcante na paisagem de algumas comunidades, em especial na Praia Grande da Cajaíba, Praia do Sono e Martim de Sá. As investidas de grileiros, através da violência física e psicológica, resultaram no êxodo de muitos caiçaras, que foram para áreas periféricas de Parati, como a Ilha das Cobras, Mangueira e Pantanal. Os seus direitos civis acabam sendo seriamente violados, já que seu direito à cultura e a permanência nas terras onde suas famílias vivem há séculos são ameaçados de forma violenta. Nos últimos anos, os moradores da Reserva Ecológica da Juatinga, passam por um momento importante no que diz respeito à gestão e ao controle dos seus territórios. A categoria de Reserva Ecológica não é contemplada no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), criado em 2000, através da lei 9.985. Por isso, é necessária a mudança de categoria da unidade de conservação para que se enquadre nesse sistema. No mês de outubro de 2013 foi apresentada pelo INEA, em consulta pública, uma proposta diferente à elaborada no estudo participativo com as comunidades, que redefiniria 83% da área da REJ como Parque Estadual e os outros 17%, áreas de moradia da maioria da população local e áreas subjacentes, como Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS). A política de criação dos parques, Unidades de Conservação de Proteção Integral, causa em toda a região muitos conflitos com as populações locais, devido à restrição ao uso direto dos recursos naturais e aos seus direitos territoriais. As principais lideranças locais se articulam junto ao Fórum das Comunidades Tradicionais, que apresentou ao INEA o pedido de criação de uma Unidade de Uso Sustentável, com a proposta de redefinir 100% da área da REJ como Reserva de Desenvolvimento Sustentável Caiçara (RDS Caiçara), já que hoje não existe legislação que regule a demarcação de seus territórios tradicionais.

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Foto: AndrĂŠ Telles 20


MEMÓRIAS E PRÁTICAS

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Foto: Diego Amorim


“Meu pai fazia nossas casas. Eu ajudei meu pai fazer, ajudei meu tio, sempre a gente tava fazendo mutirão pra fazer o pau a pique. (...) Justamente isso tem um valor, coisa que a gente tava achando coisa pobre...” (Ticote Franscisco Xavier Sobrinho, Pouso da Cajaíba)


O pau a pique, taipa de mão ou estuque, é uma das principais técnicas de construção tradicional brasileira, utilizada desde o início do período colonial. É usado o barro, a taquara, madeira e tradicionalmente é coberta por um telhado de palha de sapê. Essa técnica ecológica de construção é importante por ter um baixo impacto local e foi durante muitos anos condenada por ser moradia dos insetos conhecidos como Barbeiros, transmissores da Doença de Chagas. Hoje, a técnica é revalorizada, além das madeiras e das taquaras tramadas e tapadas, o emboço pode ser feito com uma mistura de barro e cimento, conferindo uma maior resistência ao acabamento. O Instituto de Permacultura e Edução Caiçara (IPECA), do Pouso da Cajaíba, utiliza uma porcentagem de 70% de argila e 30% de areia, juntando à massa, palha seca para diminuir as rachaduras das paredes.

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Foto: André Telles

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Foto: André Telles


Foto: Diego Amorim

Uma das principais vantagens dessa técnica é o conforto térmico, pois as variações de temperatura percebidas dentro da casa são mais frescas do que dentro das construções de alvenaria, que esquentam e esfriam mais facilmente. Além disso, são compostas de materiais naturais, que podem ser facilmente reincorporados à natureza.

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A origem do pau a pique se deve ao contato entre colonizadores portugueses e certas tribos africanas alcançando até hoje, em áreas isoladas e rurais, uma ampla utilização. Originalmente, “As ripas eram de palmito jussara. As cordas, que substituíam os pregos para fixar a trama eram feitas de imbé, timbopeva e guanxuma, também utilizadas para fazer cabos para pesca. As madeiras eram cortadas no início da lua nova. Não se deixava cortá-las na lua cheia, para não bicharem. Depois eram deixadas no local por um tempo para murcharem.” In Galdino

Foto: Vitor Sader

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Foto: Diego Amorim

Geralmente, corte das madeiras era feito em lua nova e, de preferência, nos meses sem “R”, que em nosso clima tropical são os meses menos chuvosos, de modo a que a madeira estivesse mais seca e com menor tendência a apodrecer. Com relação à fundação das casas, pelo fato da madeira se deteriorar facilmente em contato com a água, os caiçaras elevam o terreno, deitando paus grossos no perímetro que se pretende construir e enchendo de terra a parte de dentro. Os paus da casa partem daí, não ficando em contado direto com o solo. Por essa razão, a maior parte das casas caiçaras possuem um ou mais degraus para se entrar nelas. Nas comunidades da Península da Juatinga, um número considerável de construções ainda é feita de pau a pique, como na Praia

Foto: André Telles

Grande da Cajaíba onde a totalidade das moradias caiçaras são feitas dessa forma. Pela comunidade ainda é possível encontrar os vestígios das casas de pau a pique antigas, que foram destruídas no processo da grilagem de terras no local, ou algumas poucas que se mantém nas diferentes localidades.

Foto: Diego Amorim

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Para começar, marque a fundação da casa;

Em seguida, suba os esteios e as travessas que irão dar estrutura, com atenção ao prumo;

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Para estruturar a parede, um bambu inteiro deve ser pregado junto a cada coluna;

Amarra-se duas ripas de bambu em cima e embaixo na horizontal e, a partir disso, podem ser colocados os bambus na vertical. Por Ăşltimo, prendem-se as ripas nas horizontais;

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#OM CIPÄ OU ARAME Vµ AMARRANDO A ESTRUTURA PARA QUE kQUE BEM kRME /S ESPA”OS ENTRE AS RIPAS NºO PODEM SER MUITO GRANDES PARA O BARRO kCAR kRME NA PAREDE

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A casa, assim, estarรก pronta para ser embarreada;

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A massa molhada deve ser preparada com o pisoteio da terra, areia e palha. A medida Ê de 3 de barro para 1 de areia. No passado, essa etapa era acompanhada por música: dançava-se no barro;

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Para terminar, embarreie o envaro tirando o excesso. A perede estarรก pronta apรณs secar.

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Foto: Vitor Sader


“Aqui na Sumaca eu to trocando o telhado pro sapê, é muito mais qualidade. Pra mim, ai que eu vi vantagem.” (Manequinho Xavier Sobrinho, Sumaca)


A utilização do sapê (Imperata brasilienses) para a cobertura das casas é bastante tradicional nas comunidades caiçaras, sendo muito utilizada no passado. Hoje em dia, sua utilização é mais presente nos ranchos e bares na beira da praia, embora algumas casas ainda sejam cobertas com esse tipo de palha. O manejo tradicional do sapê é feito através da técnica indígena da queimada

Foto: Vitor Sader

controlada (Coivara), garantindo que o capim cresça de forma adequada. O uso da coivara por populações tradicionais é garantida pela Resolução Estadual nº 86/2014 do INEA. A queimada é feita com um aceiro, no qual se limpa completamente toda a vegetação ao redor de 1m da área onde se pretende queimar e ou cavando pequenas valas para que o fogo não se alastre. Além disso, o fogo é colocado contra a direção do vento, para que não cresça e saia do controle.

Foto: Vitor Sader

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Após a queimada, o sapê demora em torno de um ano para que cresça e fique bom para sua colheita. Geralmente, a colheita é feita entre maio e julho, meses mais secos, quando o capim é colhido e deixado ao sol por alguns dias para secar e ser utilizado. Para fazer o telhado, são necessárias ripas,


Foto: Vitor Sader

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Foto: Vitor Sader

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geralmente de bambu ou taquara e juçara (Euterpe Edulis) e arame para a amarração, que também pode ser feita com cipós. Essa técnica ecológica, que utiliza materiais locais, garante conforto térmico e rápida absorção dos materiais na natureza, no entanto, acaba sendo motivo de discordância entre seus praticantes e os órgãos ambientais gestores de áreas protegidas. Dessa forma, moradores tradicionais deixam de praticar esse manejo, não conseguindo usar o sapê em algumas de suas benfeitorias e casas.

Foto: Vitor Sader

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Quando o sapĂŞ estiver com o tamanho adequado, pode ser colhido e deixado ao sol por alguns dias para secar;

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/ SAP¼ SECO » RECOLHIDO EM feixes, para facilitar que seja levado ao local da construção;

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Para um trabalho caprichado, corta-se a parte de baixo do capim, deixando-o reto;

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As ripas de bambu devem estar pregadas nos esteios do telhado. / SAP¼ PODE ENTºO SER COLOCADO sobre essas ripas;

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Um nova ripa ou cipó é coloca sobre o sapê e AMARRADA COM ARAME NA RIPA DE BAIXO / SAP¼ ASSIM kCA PRESO PRENSADO ENTRE AS DUAS RIPAS / processo é repetido até cobrir todo o telhado.

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“Aaah, Forneá farinha é bom dia de chuva fininha, mais fresco. O calor do forno não estrova a gente...” (Dona Dica, Praia Grande da Cajaíba)


A Farinha de Mandioca (Manihoc Esculenta), é uma das bases da alimentação caiçara, herança dos antepassados indígenas. É feita ainda hoje, na Península da Juatinga, com métodos tradicionais, que constituem a Casa de Farinha: a casa de pau a pique, o telhado de sapê, a prensa, as pedras, os tapitis, o engenho e o forno. A palavra mandioca é de origem indígena. A lenda mais conhecida conta sobre uma menina muito clara, chamada Mani, que ao morrer e ser enterrada em sua casa, fez brotar uma planta, que ficou chamada de Mani-oca, ou seja “casa de Mani”. A palavra “aipim”, por sua vez, origina-se do termo tupi “ai’pi”. A feitura artesanal de farinha de mandioca ainda é praticada por algumas famílias da península, embora esse número seja bastante reduzido se comparado à expressão que a prática

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Foto: Fernanda Caiado


teve no passado. Toda a atividade é de caráter familiar e, assim, era comum que cada família tivesse a sua casa de farinha. Se no passado grande parte da produção excedente era vendida, sendo importante na obtenção de renda das muitas famílias, hoje, em geral, a farinha produzida é destinada apenas ao consumo próprio. Sua marca são as roças

Foto: André Telles

Foto: Clara Facuri

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de mandioca e as casas de farinha que ainda existem nas comunidades. Quando a mandioca já está com tamanho adequado, deve ser colhida e tratada de modo a ser utilizada na produção de farinha. Existem diversas variedades da planta e muitas delas apresentam uma toxina que é retirada da massa com sua colocação em uma prensa. Junto com o líquido que é retirado da massa sai essa substância tóxica, o que permite o consumo seguro da farinha produzida. Essas variedades, que podem ser generalizadas como mandioca brava, são utilizadas preferencialmente na produção de farinha, enquanto que a mandioca doce (também chamada de aipim), livre dessa toxina, tem a possibilidade de ser consumida de outras maneiras, o que não impede que possa ser usada na feitura de farinha.

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Foto: Fernanda Caiado


Foto: Fernanda Caiado

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Quando a mandioca estiver com tamanho adequado, pode ser colhida para o fabrico da farinha;

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As manivas de mandioca recolhidas podem ser REPLANTADAS / SOLO DEVE SER revolvido e a colocação das manivas garantirå uma nova planta no futuro;

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Antes de levar a mandioca ao ralador, ela deve ser raspada (para tirar sua casca) e lavada;

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/ RALADOR » MOVIMENTADO PELO RODETE QUE » GIRADO MANUALMENTE /UTRA PESSOA CEVA A MANDIOCA PRESSIONANDO A AO RALADOR E A massa cai no coxo, depositado embaixo da mesa;

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A massa, então, é levada à prensa no tapiti, para tirar sua água (e o veneno, no caso da mandioca brava). A massa, estando seca, é peneirada e levada ao forno, sendo mexida até a farinha estar boa.

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Foto: Fernanda Caiado


“A Dona Maria, do Seu Filhinho, que é a irmã da Dona Dica, ela adorava fazer uma esteira. Eu gosto muito de fazer esteira em dia de chuva.” (Seu Altamiro, Praia Grande da Cajaíba)


No passado, o colchão dos caiçaras era a esteira feita com a taboa (Typha Domingensis), objeto utilizado durante seu sono. Essa forma de artesanato ainda é praticada por alguns moradores da península da Juatinga, que a comercializam eventualmente. A tecelagem das palhas é uma das técnicas mais antigas de produção que se conhece e atualmente se encontra quase extinta na região. A taboa é uma planta de brejo que, para ser utilizada na confecção da esteira, deve ser cortada e deixada ao sol secando, de cinco a sete dias, em tempo bom. Depois de seca é levada a um tear, feito por quatro pedaços de madeira, onde é amarrada e a esteira é feita. A taboa demanda manejo, pois deve ser cortada de tempos em tempos e deve-se evitar que outras espécies a substituam. Esse manejo, no entanto, também já foi alvo de desentendimentos entre artesãos que ainda fazem a esteira e o INEA, órgão gestor da REJ. Em ação do órgão, um dos últimos artesões caiçaras que ainda mantém a prática, foi informado que não deveria manejar a área para que a planta pudesse ter um melhor desenvolvimento, apesar de ser uma zona tradicional de colheita da palha e um dos últimos resquícios da presença da planta na península.

Foto: Fernanda Caiado 70


Foto: Clara Facuri71


Foto: Clara Facuri 72


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Geralmente o tear é montado na casa de farinha como espaçamento de aproximadamente um palmo entre as linhas. 12 palmos é a medida confortável de um colchão de taboa para dormir.

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Detalhe da amarraçâo.

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A cada mĂŁo de taboa seca pelo sol sĂŁo feitas as carreiras horizontais. Sempre prendendo com o nĂł em cada encontro com as linhas verticais.

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Após tecer cada uma das carreiras horizontais de encontro com as linhas verticais caprichando nas amarrações a esteira esta pronta para ser usada para um descanso depois do almoço até mesmo uma boa noite de sono

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Foto: Felipe Xavier Neto


“Olha, eu tô feliz, tô contente com o que aprendi, gosto do meu trabalho, gosto do artesanato. A gente sempre valoriza o que a gente sabe fazer. Mas tem pessoas que às vezes não valorizam o que fazem, não dão valor. Tem uma coisa também que eu queria fazer: ensinar aos outros, ensinar as crianças, principalmente, aquele que se interessa.” (Seu Francino, Cairuçu das Pedras)


O balaio é uma forma de artesanato com cipó e taquaras que, no passado, era muito praticada nas comunidades caiçaras. Os cestos produzidos eram muito utilizados para a pescaria e nas colheitas de mandioca. Hoje, os utensílios de plástico acabam substituindo esse tipo de cesto na pesca e passa, então, a ser produzido por um número menor de artesãos. Seus usos atendem a diversos fins, como fruteiras, luminárias, lixeiras, portaguardanapo, entre outros. Os artesãos geralmente produzem para uso próprio e também para venda. Os cipós mais utilizados são o timbopeba, o imbé, o cipó caboclo e o cipó balaio, que devem ser manejados de forma adequada para que a planta não morra e outros cipós sejam retirados futuramente. O segredo é não colher o troncomãe que é o mais importante para a sobrevivência da planta.

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Foto: Fernanda Caiado


Foto: Fernanda Caiado 83


Foto: Fernanda Bigaton


“Antigamente vendia muito. Tinha cara que comprava pra revender. Comprava e vendia pra pesca, pras traineiras. Mas hoje não faz mais cesto de balaio assim porque não vendem mais, não compram.” (Baieco).

Foto: Fernanda Caiado

Foto: André Telles


Se o cipรณ nรฃo for usado inteiro, ele deve SER DESCASCADO E CORTADO EM kOS MAIS kNOS DO TAMANHO QUE SE DESEJA

/S kOS DEVEM SE CRUZAR EM SUA METADE PARA QUE kQUEM COM O MESMO TAMANHO PARA OS DOIS LADOS Comeรงa-se a tranรงar o balaio com um novo cipรณ, o capitรฃo, prendendo bem os outros para que este INยฟCIO kQUE BEM kRME

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Comeรงa-se a dividir o balaio, sendo fundamental deixar um nรบmero ยฟMPAR DE kOS QUE SUSTENTARยบO O CESTO / CAPITยบO DEVE PASSAR ORA POR cima e ora por baixo, fazendo o tranรงado inicial;

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Para que as paredes do cesto sejam feitas, deve-se pressionar os CIPร S PARA CIMA E CONTINUAR TRANย ANDO COM O CAPITยบO / CESTO VAI ganhando forma, deixado com a dimensรฃo desejada pelo artesรฃo.

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Foto: JoĂŁo Pascoli


“A gente termina a canoa, faz ela bem caprichada, quanto mais caprichada ficar, você é mais gravado porque você é carpinteiro profissional. E nós aprendemos por nossa conta própria. Eu aprendi, passei pros filhos...” (Seu Maneco Manoel dos Remédios, Praia do Martim de Sá)


Foto: Clara Facuri 94


A canoa caiçara é um patrimônio cultural brasileiro e herança do conhecimento indígena. Os vestígios mais antigos desse tipo de embarcação datam de dois mil anos atrás, tendo sido utilizada pelos povos sambaquieiros que habitavam o litoral antes dos indígenas. Essa embarcação é esculpida no tronco de uma única árvore e marca bastante a cultura caiçara. A canoa e o remo caiçaras podem ser considerados os principais símbolos dessa cultura. Deve-se ressaltar que um conjunto de diferentes canoas foi desenvolvido, como as tradicionais canoas de voga, que possuíam velas e podiam transportar um número grande de pessoas. No passado, foi o principal meio de transporte caiçara e eram utilizadas para percorrer grandes distâncias. Os caiçaras iam às cidades vender parte de sua produção e com o dinheiro compravam artigos básicos que não produziam como o sal e as velas.

Foto: Ricardo Martins Monge

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Foto: André Telles

A construção de uma canoa envolve um processo demorado, iniciado com a escolha de uma árvore adequada e que só é finalizado com os acabamentos feitos na praia, após a canoa ser empurrada desde o local de retirada da árvore, onde é esculpida. Algumas madeiras conhecidas popularmente como Timbuíba, Ingá, Jequitibá, Cedro, Canela e o Guapuruvu são as mais usadas, considerando que a árvore necessita de um trecho reto considerável para ser feita a canoa. Esse trabalho era feito com machado e enxó. Hoje, também pode ser feito com motosserra, que diminui o tempo e o esforço físico. A árvore, preferencialmente deve estar morta ou morrendo, para que assim sua madeira esteja mais seca. O corte é feito na lua nova ou minguante e em seguida é feito um andaime onde se trabalha com o tronco estabilizado, esculpindo-o na forma da canoa.

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Foto: Clara Facuri 97


Esse trabalho de esculpir é todo feito na mata, onde a árvore foi derrubada e após esse processo a canoa é então levada até a praia, onde recebe o acabamento. A puxada da canoa de dentro da mata, demanda um número considerável de pessoas e era marcado tradicionalmente pela festa, reunindo familiares e amigos, com comida e música, festejando a conclusão do trabalho.

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Foto: Cesar Okada

Foto: Ricardo Martins Monge


Foto: Ricardo Martins Monge

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Na construção do remo são utilizadas madeiras mais moles, como Guacá, Bicuíba e Caxeta. O facão passa a ser a principal ferramenta. O remo caiçara possui diferentes entalhes de acordo com as famílias e comunidades onde é feito, atestando a qualidade e a identidade do artesão.

Foto: 100 Cesar Okada


Foto: Cesar Okada

Foto: Cesar Okada

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A escolha da árvore é muito importante. A árvore, além de ser de boa madeira, deve estar seca e ter um trecho de caule extenso e reto.

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Depois da derrubada (antigamente se usava machado, hoje em dia com o avanço da tecnologia alguns caiçaras usam a motosserra a diesel) é necessário deixar o tronco pousado em cima de um estaleiro feito de madeira com o prumo correto. As medidas são feitas em palmos, e geralmente o comprimento consiste em 7 vezes a largura da boca.

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Depois é só esculpir a madeira, começando pela parte de dentro e posteriormente a parte externa.É importante prestar atenção na simetria para que a canoa navegue com facilidade.

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A escolha da ĂĄrvore do remo diz respeito a largura do tronco da ĂĄrvore e a consistĂŞncia de sua madeira.

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“Não vamos deixar acabar isso aí não. Tô vendo meus netos puxar rede, né, uma coisa muito maravilhosa é a gente estar com os netos aqui juntinho.” (Seu Altamiro, Praia Grande da Cajaíba)

Foto: Sander Maurano 113


A pesca com a rede de arrasto de praia é uma técnica portuguesa, difundida desde o período colonial, que ainda é praticada em trechos do litoral brasileiro. A rede é lançada ao mar a centenas de metros da praia e é puxada por dois cabos, um em cada extremidade da rede, na areia, sendo utilizada na captura de cardumes que se distribuem próximos à costa.

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Foto: Sander Maurano

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Foto: Sander Maurano 116


A rede do arrasto de praia é confeccionada de modo que suas extremidades laterais (mangas) sejam menores que seu centro, o que permite que a rede forme um saco ao ser puxada e é neste saco onde se acumulam os peixes capturados. Além disso, são colocadas bóias na tralha superior da rede e pesos de chumbo em sua tralha inferior, o que faz com que a rede se mantenha na vertical durante a puxada e que sua parte inferior se mantenha junto ao fundo. Essa técnica permite a devolução dos peixes menores, favorecendo a reprodução das espécies. Apesar de causar um baixo impacto ambiental em comparação à pesca industrial, muitas comunidades tradicionais da região enfrentam dificuldades legais para manutenção da prática por conta da forma das leis ambientais.

Foto: Flávio Galvão

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Na praia, a rede ĂŠ colocada na canoa (ou bote) e, assim, ĂŠ levada para o mar;

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A ponta de um dos cabos deve ser deixada na praia e, em seguida, rema-se para o fundo atĂŠ que o cabo esteja todo esticado;

A rede, entĂŁo, ĂŠ largada acompanhando a linha da praia, e a canoa retorna com a ponta do outro cabo;

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/S DOIS CABOS DEVEM SER PUXADOS SIMULTANEAMENTE aos poucos. A rede forma um saco onde vĂŁo kCANDO OS PEIXES CAPTURADOS / TRABALHO DEMANDA um bom nĂşmero de pessoas em cada cabo para trazer a rede Ă praia;

A rede chega Ă praia e os peixes devem ser recolhidos. Neste momento, os peixes pequenos podem ser devolvidos ao mar, jĂĄ que nĂŁo servirĂŁo de alimento ou para o comĂŠrcio.

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Foto: JoĂŁo Pascoli 124


“Eu gosto de ser pescador. E a vida do mar é boa, né, a vida do mar é boa pra saúde. Eu tinha mais saúde no mar do que em terra às vezes, em terra sempre saía às vezes chocado, mas no mar...” (Seu Manelzinho, Calhaus)

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O Cerco Flutuante foi introduzido no litoral brasileiro por imigrantes japoneses. Nas redondezas de Parati, o japonês Oda, foi quem trouxe essa técnica, no período da Segunda Guerra Mundial. Ele e sua família começaram a confeccionar as redes na comunidade da Ponta da Juatinga, no Pouso e no Calhaus. Nesta última comunidade ainda vivem muitos de seus descendentes, incluindo netos e bisnetos. O cerco é uma das técnicas de pesca mais sustentáveis que existe, já que os peixes pequenos podem escapar da rede ou ser devolvidos na hora da visita. Na pescaria de cerco são usadas duas redes: o caminho e o rodo (ou casa). O rodo pode ter uma ou duas aberturas chamadas de bocas e os peixes que

Foto: Flávio Galvão

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batem no caminho são assim são conduzidos para dentro dessa rede, entrando pela boca. As redes são deixadas no mar por um período de oito a doze dias e são realizadas de duas a quatro visitas por dia para que se retirem os peixes capturados. Após esse período, elas são levadas de volta para a praia de modo que possa ser feita uma limpeza e remendo, o que dura em torno de três dias. Além disso, o cuidado com as redes também exige que sejam aplicados banhos periódicos com tinturas naturais extraídas da casca de árvores como a tingicuia, a aroeira, o mangue ou o cajueiro, que impermeabilizam a rede e lhe conferem mais resistência ao limo e uma cor que dificulta que o peixe a veja.


A eficácia dessa forma de pesca está na forma de captura dos peixes e é um dos principais motivos para a sua ampla incorporação pelas populações caiçaras. Mesmo que algumas visitas ao cerco não sejam tão fartas, são como colheitas diárias e algumas puxadas também podem surpreender e possibilitar a captura de uma quantidade de peixes esperada para um mês inteiro que, em geral, pode ser usada para seu sustento, dividida com a comunidade ou comercializada. O que acontece hoje, no entanto, é que os estoques pesqueiros vêm sendo drasticamente reduzidos pela pesca industrial, praticada por grandes embarcações, e, dessa maneira, a fartura de que se lembram os pescadores artesanais passa cada vez mais a dar lugar a um cenário de insegurança quanto à manutenção dessa atividade. Passo a passo 1) Após as redes serem confeccionadas, são levadas para o mar e amarradas na armação que fica no ponto do cerco. Enquanto uma canoa prende o rodo, a outra vai colocando o caminho e no final, este deve ser amarrado no fundo da outra rede. O cabo no qual é amarrado o caminho fica preso na costeira e os do cerco, em pedras colocadas no mar.

Visitando o cerco: 2) O primeiro passo para se fechar o cerco é fechar as bocas, para que nenhum peixe saia da rede; 3) Em seguida, a outra canoa começa a fechar a rede a partir de uma copiada; 4) A rede vai sendo puxada até que se alcance o seu fundo e continua sendo progressivamente fechada; 5) No final, as duas canoas vão terminando de fechar o cerco e, neste momento, deve-se ter atenção para que não se deixe que os peixes fujam. Se algum trecho da parte fechada neste momento não estiver estendida fora d’água, os peixes podem sair da rede por este espaço e, assim, perde-se o cardume; 6) Por fim, chegando-se ao ensacador, os peixes devem ser depositados na maior canoa (ou até no barco, se a pesca for farta). 7) Após um período de oito a doze dias com as redes no mar, o cerco é retirado para terra onde pode-se limpar as redes e remendá-las, para que então sejam colocadas novamente no mar.

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Fotos: Sander Maurano 128


As redes precisam de constantes reparos. De duas em duas semanas, em média, o cerco é desmontado, deixando apenas as pedras e cordas que configuram sua “estrutura” submersa. A rede é levada para a praia onde precisa ser remendada devido a ação de diversos tipos de seres marinhos que ficam presos na trama e, volta e meia, escapam arrebentando os fios de nylon.

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Após as redes serem confeccionadas, são levadas para o mar e amarradas na armação, no ponto do cerco. Enquanto uma CANOA PRENDE O RODO A OUTRA COLOCA O CAMINHO E NO kNAL ESTE deve ser amarrado no fundo da outra rede;

Para se fechar o cerco, começa-se pela(s) boca(s), para que nenhum peixe saia da rede enquanto é fechada;

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Em seguida, a outra canoa começa a fechar a rede a partir da COPIADA kNA DO LADO OPOSTO DE ONDE ESTµ O ENSACADOR

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.O kNAL DEVE SE TER ATENย ยบO PARA NยบO DEIXAR OS PEIXES FUGIREM Se algum trecho desta parte estiver sendo fechada nรฃo for estendida fora dโ รกgua, os peixes podem sair da rede por este espaรงo;

/S PEIXES ENTยบO DEVEM SER DEPOSITADOS NA CANOA MAIOR OU mesmo no barco, caso a pesca seja farta. Apรณs um perรญodo de 8 a 12 dias no mar, o cerco รฉ retirado para sua limpeza e remendo na praia e, apรณs isso, retorna ao mar novamente.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS O conjunto de saberes e práticas apresentado é uma amostra do Patrimônio Cultural Caiçara das comunidades da Península da Juatinga. Também a caça, a culinária, as manifestações culturais como a ciranda, os bailes e a contação de histórias são, entre outros, elementos fundamentais da identidade e da cultura caiçara. A intenção do presente trabalho é apresentar um registro que expresse parte desse patrimônio e contribua para seu reconhecimento e valorização. A salvaguarda da cultura imaterial caiçara é essencial para que as políticas sociais e ambientais tragam justiça social, conservando ecossistemas diversos e os povos que os produziram. Aspectos do contexto atual, como a implementação de leis ambientais, podem colocar em risco a manutenção dessas práticas e conhecimentos. Portanto, é necessário criar condições para a reprodução cultural dessas comunidades e a permanência em seus territórios. O acesso aos serviços públicos básicos, como saúde e educação adequada à realidade local, regularização fundiária e transporte público fazem parte de seus direitos e sua garantia deve ser prevista nas diversas ações que o poder público deve desenvolver nessas áreas.

Foto: André Telles


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AGRADECIMENTOS FINAIS Kenzo Soares, Carmen Porto Lages, Thalles Olgador, Ana Paula Bastos e Eduardo Di Napoli pelas dicas, inspirações e todo tipo de ajuda artistica; Rejane e Ananias, do Pouso da Cajaíba; Seu Olímpio da Ponta da Juatinga pelos conselhos e conversas; Antônio, Yolanda, Renatinho, Cacaio, Chimbico, Alef, Adelino, Jandira e Lennon da Praia Grande da Cajaíba; Gislene Santos e Ana Daou, da Geografia; Ignacio Rojas e Franco Ulloa pelo intercambio de saberes latinoamericanos.

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BIBLIOGRAFIA ABREU, Regina. Patrimônio Cultural: tensões e disputas no contexto de uma nova ordem discursiva. In: LIMA FILHO, Manuel Ferreira; ECKERT, Cornélia; BELTRÃO, Jane (organizadores) Antropologia e Patrimônio Cultural - diálogos e desafios contemporâneos. Blumenau: Nova Letra, 2007. ADAMS, Cristina, Caiçaras na Mata Atlântica: pesquisa científica versus planejamento territorial e gestão ambiental, São Paulo: Annablume: FAPESP, 2000. 336p. CASTRO, Maria Laura Viveiros de, FONSECA; Maria Cecília Londres. Patrimônio imaterial no Brasil. Brasília: UNESCO, Educarte, 2008. CAVALIERI, Lúcia. Os caiçaras da Juatinga: cultura, conflitos e sonhos. Monografia de Graduação. São Paulo: USP/FFLCH/ Departamento de Geografia, 1999. CHAVES, M. do P. S. R. ; BINDÁ, F. M. L. Diálogo entre o saber popular e o conhecimento científico. In: VI Congresso Latino Americano de Sociologia Rural, 2002, Porto Alegre. CORRÊA, R. L. & ROSENDAHL, Z. (orgs) Paisagem, Tempo e Cultura. Rio de Janeiro, EDUERJ, 1998.

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CUNHA, L. H. Da ‘Tragédia dos Comuns’ à Ecologia Política: Perspectivas Analíticas para o Manejo Comunitário dos Recursos Naturais. Revista Raízes. Campina Grande, vol. 23 n°s 01 e 02, p. 10-26, jan./dez, 2004. DIEGUES, Antônio, C (organizador). Enciclopédia Caiçara, v.1. São Paulo : Hucitec : NUPAUB : CEC/USP, 2004. DIEGUES, Antônio, C. O Mito Moderno da Natureza Intocada. São Paulo: Hucitec. 1996. FRANCESCO, Ana Alves de. O território em disputa: o caso dos caiçaras da cajaíba. V Encontro Nacional da Anppas. Florianópolis – SC. 2010. FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa, São Paulo, Paz e Terra. GALDINO, Clayton. Casas de Mão de Barro: a arquitetura caiçara de São Sebastião. Cadernos do CEOM. Ano 23, nº 32 ETNICIDADES. GONÇALVES, José Reginaldo. “A identificação do Brasil”. In: A retórica da perda. Os discursos do patrimônio cultural no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ/IPHAN, 2002, 2ª ed., pp 37-61.


GONÇALVES, José Reginaldo Santos. O Patrimônio como categoria do pensamento. In: ABREU, Regina; CHAGAS, Mário (organizadores). Memória e Patrimônio ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: Lamparina, 2009. HAESBAERT, R. Territórios Alternativos. Rio de Janeiro: Editora Contexto e EdUFF, 2002. MUSSOLINI, Gioconda. Ensaio de Antropologia Indígena e Caiçara. Coleção Estudos Brasileiros. Paz e Terra, 1980. SOARES, Tainá Mie. É da Roça – Breve História dos Caiçaras da Península da Juatinga. UFRJ, 2006. SUZUKI, Júlio César. Território, Modo de Vida e Patrimônio Cultural em Sociedades Tradicionais Brasileiras. Revista Espaço e Geografia. Brasília: vol. 16, nº 2, (2013). TENÓRIO, Maria Cristina. Org. PréHistória da Terra Brasilis, Editora UFRJ, 2000. ZANIRATO, Silvia H.; RIBEIRO, Wagner Costa. Conhecimento tradicional e propriedade intelectual nas organizações multilaterais. Campinas: Ambiente e Sociedade, 2007.

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“MEMÓRIAS E PRÁTICAS CAIÇARAS DA PENÍNSULA DA JUATINGA” certamente falará alto ao coração dos que conhecem os caiçaras da Juatinga e atiçará a curiosidade daqueles que ainda não conhecem. Acima de tudo, serve de alerta para que a regulamentação dos povos caiçaras em seu local de origem se dê de forma pacífica e respaldada pelas ações de preservação cultural e ambiental. Vida longa às raízes e aos frutos dessa organização sociocultural tão rica que é a cultura caiçara! Manoel Vieira Gomes Júnior, Mestre em Ciência pelo Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.

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MEMÓRIAS E PRÁTICAS caiçaras DA PENÍNSULA DA JUATINGA - RAÍZES E FRUTOS

O trabalho que o leitor tem nas mãos é, ao mesmo tempo, um vislumbre do que é o modo de vida caiçara – traçado pelos seus costumes mais simbólicos e característicos – e uma visão crítica do seu status quo, nas suas interfaces complexas com o turismo predatório e a ortodoxia da defesa do meio ambiente.


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