É tudo da roça

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É TUDO DA ROÇA! História Ambiental dos Caiçaras da Península da Juatinga TAINA MIE SETO SOARES

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É TUDO DA ROÇA! História Ambiental dos Caiçaras da Península da Juatinga TAINA MIE SETO SOARES

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Copyleft – Cópia e reprodução autorizada desde que citada a fonte. Soares, Taina É Tudo da Roça! História Ambiental dos Caiçaras da Península da Juatinga. Taina Mie Seto Soares. ProExt Cultura Edital 2015 MEC. Rio de Janeiro, 2016. Índice para catálogo sistemático ISBN 978-85-65003-69-8 1. História Ambiental 2. Caiçaras 3. Unidades de Conservação

Financiamento - Proext Cultura Edital 2015 Texto e pesquisa - Tainá Mie Seto Soares Fotos - André Telles, Cesar Okada, Clara Facuri, Fernanda Bigaton, Fernanda Caiado Design Gráfico - Manuela Giácomo Revisor - Tadzia de Oliva Maya Orientador - Prof. Dr. Evaristo de Castro

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˜Até que os leões tenham seus próprios historiadores, as histórias de caçadas continuarão glorificando o caçador.˜ Eduardo Galeano

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“No lugar que havia mata, hoje há perseguição. Grileiro mata posseiro, Só pra lhe roubar seu chão. (...) Zé da Nana tá de prova, naquele lugar tem cova Gente enterrada no chão.”¹

¹ Saga da Amazônia. Elomar. http://www.letras.com.br/#!elomar/saga-da-amazonia 12/10/2015.

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Ao matuto Castor, que me levou pelos caminhos das matas e das histórias dos antigos da roça. Para Célia, que me ensinou a amar os matutos, em suas intermináveis conversas nos povoados de nossas viagens. E aos grandes mestres Seu Filhinho, Seu Olímpio, Dona Dica, Altamiro, Seu Maneco e ao meu amigo ticote e ao exemplo de resistência da Rejiane. Peço desculpas aos leitores, porque a escrita foi feita nas madrugadas, apos reuniões, planilhas, estradas esburacadas e viagens de barco. Mesmo sem tempo para forma ideal, as histórias irromperam e rebeldes, quiseram sair de casa e ganhar o mundo. Não tive escolha.

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Índice A Herança Indígena Caiçara

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A Roça

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A Caça

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Manejo Caiçara

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Práticas Extintas

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O Sobrenatural e a Espiritualidade

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A Resistência Política

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Paraty

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Península da Juatinga

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Caiçaras

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Unidades de Conservação

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Principais Informantes

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Agradecimentos

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Bibliografia

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Capítulo I A Herança Indígena Caiçara “Minha Bisavó por parte de pai, ela é descendente de uma tribo que tinha aqui na Juatinga, no passado. O cacique daqui da Juatinga, o regente daqui da Juatinga chamava-se cacique Edu. É isso que a história conta, né.” -S.Olímpio/Ponta da Juatinga.2

Cairuçu das Pedras A herança das técnicas tradicionais de pesca trazida com os portugueses se fundiram com as locais, bem como as tradições e sementes agrícolas de origem africana. Os caiçaras da Península da Juatinga são descendentes dos povos indígenas que habitavam a costa fluminense, dos quais herdaram muitas práticas e formas de vida. A cultura trazida pelos escravos africanos, os europeus colonizadores, os árabes caixeiros viajantes e recentemente, novas migrações - como a dos japoneses que trouxeram a técnica do cerco - também formaram a cultura caiçara local. 2 Pesquisa de campo nº1. Comunidade da Ponta da Juatinga / maio 2005

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Ao longo dos séculos, os povos presentes no território foram se misturando e diferentes tribos se miscigenaram dando origem aos caiçaras atuais. O litoral sul costeiro, do que hoje é o estado do Rio de Janeiro, no momento da colonização portuguesa, era território principalmente das tribos Tupinambá, que popularmente ficaram conhecidos como Tamoios, que não era nome de nenhuma tribo indígena. Na verdade, a Confederação dos Tamoios foi uma aliança militar revoltosa formada através da união de diversas tribos, principalmente Tupinambás, mas também outras etnias, que através da liderança de Aimberê, Cunhambebe e outros, alcançaram o domínio de seus territórios por muito tempo após a chegada dos europeus e infringiram duras derrotas aos colonizadores. Os Tupinambás, principal grupo étnico da confederação, eram uma tribo guerreira, de antropófagos, que dentro de uma complexa relação ritual e identitária com aqueles que comiam, tinham prisioneiros de guerra e suas mulheres também iam à guerra, acompanhando a luta.

“a principal arma de choque (…) era o tacape (tipo de porrete de madeira), empregada no combate corpo a corpo quanto nos sacrifícios rituais.” -Florestan Fernandes in A Função Social da Guerra na Sociedade Tupinambá. Os Tupinambás são um dos principais ancestrais dos povos caiçaras fluminenses, mas também podemos citar os Guaianases e Tupiniquins. As tribos Tupinambás se organizavam politicamente através de assembléias, onde juntavam os chefes das tribos aliadas e decidiam coletivamente os rumos da luta.

“Dentro das aldeias, também haviam assembléias, onde as pessoas mais experientes, em geral mais velhas, decidiam os rumos e escolhiam o tujuae (tuxaua) ou mburubixaba, dentre os mais hábeis e íntegros.”³ A Confederação dos Tamoios se extendeu por um período entre 1554 até 1567, abrangendo um território que ia de Bertioga a Cabo Frio, ³ Soares, Taina Mie. Uruçumirim - Nossa Terra e Suas Histórias. In https://urucumirim.wordpress.com 11-102015.

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incluindo importantes aldeias tupinambás como a de Coaquira em Ubatuba, as de Angra, Mangaratiba e Baía da Guanabara. Os Tupinambás de Paraty participaram da batalha final na Baía da Guanabara e, no auge da aliança, o movimento contou com tribos aliadas mais ao norte deste território, como os Goitacazes e os Aimorés. A partir da derrota da confederação, os territórios ocupados por esses povos foram sendo ocupados pelos núcleos da colonização e ao longo dos séculos, as populações foram se mesclando, formando os novos núcleos populacionais. Foi assim, que em toda a região hoje conhecida como Costa Verde Fluminense, as comunidades caiçaras se formaram, herdando de seus ancestrais indigenas e dos outros povos que chegaram através da colonização suas formas de vida e de organização social. Independente da herança indígena ter sido genética e/ou cultural e esses povos serem descendentes dos Tupinambás locais ou de outras tribos menores.É importante perceber que sua cultura material e imaterial tem fortes raízes indígenas. Práticas como fazer farinha de mandioca na casa de telhado de sapé, a queimada controlada, denominada coivara, as armadilhas de caça, os laços, as cuias, o tabaco, o cachimbo, os trançados, balaios, a cerâmica, a época dos plantios, o peixe seco, as sementes, as trilhas e a puxada de canoa que remonta práticas de habitantes pré-históricos. Podemos notar isso principalmente por meio da nominação: tapitis, coivara, cajaíba, cairuçu, taioba, urucum, parati, jussara, indaiá entre tantos outros nomes de armadilhas de pesca e caça bem como de alimentos e lugares. Práticas encontradas na Península são tidas como extintas em algumas regiões:

“os velhos descrevem como coisa de outra era, não apenas o tipiti (tapichi), o sistema de alavanca interpotente constituído pelo côcho e a tabua da prensa, mas a própria mandioca amarga ou, (...) atualmente desaparecida?”4

Os pesquisadores da temática caiçara como Carlos Diegues e

Soares, Taina Mie. Uruçumirim - Nossa Terra e Suas Histórias. In https://urucumirim.wordpress.com 11-102015. 4

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Paulo Nogara apontam para essa herança indígena, que começa a partir do nome ao qual se reconhecem: CAIÇARA, que segundo o dicionário de Tupi e outras fontes, significa a paliçada que cercava as aldeias tupi-guarani, também denominando seus habitantes. A prática desses cercamentos ainda é muito comum entre os habitantes da costeira. Os antigos moradores da isolada Rombuda tinham sua casa envolta por uma densa floresta na proximidade dos rochedos. Cercada para dificultar o acesso de animais da mata e, ao revés, o acesso das crianças à mata. Assim também acontece nas casas das vilas, como no Sono, onde a casa da família de Dona Baíca é toda cercada para evitar o acesso de estranhos e evitar a fuga dos animais domésticos. Segundo Schmidt, em seu livro Lavoura Caiçara, de 1958, a roça de mandioca é a marca da origem indígena nas relações de produção econômicas e sociais caiçaras. O nome das ramas, o processo de cultivo, colheita, processamento e escoamento da produção final, bem como os laços comunitários e o sistema de distribuição de terras são exemplos dessa herança. Um dos principais aspectos analisados é a presença de casas de farinha próximas às moradias, algumas até dentro das casas, como na Ponta da Juatinga.

Segundo o autor,

“a casa de farinha em íntima associação com a morada seria uma sobrevivência indígena na cultura atual de nossas populações caboclas.”5

Na costeira, entretanto, existem relatos que se referem a métodos ainda mais primitivos que os apresentados no livro. Segundo o autor, a mandioca colhida era ralada manualmente em raladores rústicos de lata ou em rodas de giro manuais, as vezes movidas a motor. Na costeira, os relatos se referem a bater a mandioca na pedra, prática também encontrada no processamento indígena para a obtenção da massa para a farinha. Além disso, muitos nomes das variedades genéticas são indígenas, representando um importante banco genético onde a qualidade da muda Schimidt, Carlos Borges. Lavoura Caiçara. Rio de Janeiro: Serviço de Informação Agrícola, 1958.

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guarda a denominação ancestral. Na memória dos moradores da Península da Juatinga moram histórias sobre os tempos passados e seus protagonistas, conhecidos como “os antigos”. Ainda hoje práticas milenares, citadas pelos mais velhos dentro de suas histórias, se misturam com atividades do mundo contemporâneo. Nas histórias dos antigos, a floresta é sempre citada como lugar principal da presença dos avós e bisavós, sendo até hoje um espaço vivo, onde a sobrevivência das comunidades caiçaras permanece e passado e presente se misturam cotidianamente. Na relação do caiçara e a mata sobrevivem muitas das tecnologias indígenas que herdaram de seus ancestrais, que os colocam em posição de destaque na adaptação que possuem ao meio ambiente que os envolve. O extrativismo de cocos da palmeira Indaiá (Attalea dubia), as frutas da mata, as plantas medicinais, o palmito (Euterpe edulis), os cipós dos balaios, as palhas, o sapê (Imperata brasiliensis), a madeira para as habitações, as árvores para o feitio de canoas, materiais para artesanato, a caça e animais de estimação são elementos que persistem na cultura material, apesar das severas restrições das leis ambientais.

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Capítulo II A Roça

Seu Altamiro da Praia Grande da Cajaíba “O conceito de cultura está intimamente ligado às expressões da autenticidade, da integridade e da liberdade. Ela é uma manifestação coletiva que reúne heranças do passado, modos de ser do presente e aspirações, isto é, o delineamento do futuro desejado. Por isso mesmo, tem de ser genuína, isto é, resultar das relações profundas dos homens com o seu meio, sendo por isso o grande cimento que defende as sociedades locais, regionais e nacionais contra as ameaças de deformação ou dissolução de que podem ser vítimas. Deformar uma cultura é uma maneira de abrir a porta para o enraizamento de novas necessidades e a criação de novos gostos e hábitos, subrepticiamente instalados na alma dos povos com o resultado final de corrompê-los, isto é, de fazer com que reneguem a sua autenticidade, deixando de ser eles próprios.” -In SANTOS, Milton. Da Cultura à Indústria Cultural. Periódico MAIS! Nacional, 19/03/2000. 18


O cultivo indígena de alimentos é marcado pela riqueza das variedades de plantas cultivadas, apresentando uma alta taxa de variedade genética para cada espécie cultivada em poli-cultivos ou consórcio, ou seja, um conjunto de plantas associadas para a produção. Oposta é a agricultura comercial das grandes fazendas que prioriza poucas espécies, cultivando mono-culturas, concentrando apenas uma qualidade de plantas e demandando adubos químicos e alta taxa de pesticidas, já que a fertilidade e a capacidade de resistência diminui totalmente quando há apenas um tipo de planta. Como resistência cultural e alimentar ao processo de industrialização da agricultura latinoamericana, encontramos os indios Guaranis, vizinhos dos caiçaras e moradores da Aldeia de Araponga e parceiros no Fórum das Comunidades Tradicionais. Em suas roças plantam milho vermelho, amarelo, preto, branco e rajado, abóbora, feijão e tabaco, realizando o batismo do milho, importante festejo que demonstra a força da resistência cultural desse povo. Suas sementes crioulas são plantadas há alguns anos na Praia Grande da Cajaíba, no sistema agroflorestal caiçara do Mestre Altamiro dos Santos. Os policultivos indígenas tradicionalmente usam girassóis que atraem os insetos para si, protegendo os vegetais e consorciando feijões, abóboras e amendoins que nitrogenam, adubam e afofam o solo, mantendo sua cobertura e humidade. Assim também os antigos caiçaras consorciavam suas plantas e alguns poucos resistiram ao processo de erosão cultural e genética da agricultura. Dona Maria da Praia Grande, conhecida como Maria Preta, irmã de Dona Dica foi uma das principais agricultoras da Penisula, antes de ser expulsa de seu território pela pressão política e psicológica do grileiro. Teve mais de duas casas derrubadas e seu companheiro, o famoso Seu Filhinho da Praia Grande, experimentado agricultor, também teve a grande casa de pau a pique do canto da praia derrubada, onde no passado cultivou muito agrião na biquinha d’agua ao lado da residência. Seu Olímpio da Ponta Juatinga, plantou durante muitos anos em sua roça, feijão vermelho graúdo, do pequeno, do marrom, marrom rajado de bege, bege e rajado de vermelho, bege rajado de marrom, preto e branco. Foram guardiões de sementes indígenas que o moderno 19


mercado de sementes liquidou. Também possuiam mamões amarelos, avermelhados e esbranquiçados, de uma variedade da Mata Atlântica que foi comercialmente sobrepujada pelo mamão papaia amazônico. Muitas outras espécies eram cultivadas com grande variedade genética e apresentando espécies praticamente raras se comparadas em número com as lavouras comerciais contemporâneas. O feijão guandu, muito apreciado na região, com fruteiras, abacaxis e batatas doces, guarda em si uma tecnologia empírica de conservação da fertilidade do solo através da troca de nutrientes e ainda são encontradas nas roças do Mestre Altamiro e no Pouso da Cajaíba. Essas práticas indígenas é que foram a base para as pesquisas agroecológicas de Miguel Altieri e Bill Mollison e são hoje a meta do Ministério do Desenvolvimento Rural para áreas de agricultura familiar, além de configurarem formas de cultivo permitidas por lei em áreas de Unidades de Conservação. Assim, as leis federais e estaduais em adequação aos acordos multilaterais internacionais de adequação da produção para a sustentabilidade, redução de insumos poluentes e controle da desertificação vão em direção a uma prática local, de raízes indígenas. No fundo, o que isso representa é que um processo histórico global está indo ao encontro da história local de uma prática transmitida ancestralmente geração por geração. O desprezo europeu pelas técnicas indígenas no momento da colonização, apesar do uso generalizado da coivara, ou queimada controlada, hoje passa por uma revisão. Os técnicos, pesquisadores e inclusive os órgãos ambientais de gestão trabalham com uma nova visão em que a cultura indígena e suas descendentes oferecem à contemporaneidade soluções empíricas para uma melhor adequação ao ecossistema Terra, que hoje sofre fortes impactos da degradação global. Um círculo se fecha no sentido de macropolíticas definirem usos que atingem microconjuntos e deles extraem sua base teórica, configurando uma rede de sistemas que se interconecta, segundo Morin, sendo o sistema simples, apenas “uma abstração didática”. 20


Entretanto, essas práticas locais sofrem o impacto cultural das lavouras comerciais monoculturais que desde a época colonial ocupam a região com engenhos de cana-de-açúcar, cafezais, bananais e de alimentos seguindo os ciclos produtivos nacionais. Muitos caiçaras plantam desde a época dos pais, mas não dos avós, as espécies separadas, milho com milho, feijão com feijão e mandioca separados. Essas práticas reduzem a fertilidade do solo, esgotando os nutrientes apresentando apenas uma variedade plantada no local. Há uma alteração do manejo tradicional, que apresenta soluções empíricas baseadas na observação dos ecossistemas naturais da Mata Atlântica, e soluções como o consórcio e a variedade genética que imitam as cooperações entre espécies na mata. Através da história local podemos perceber que essas mudanças foram anteriormente possibilitadas pela derrubada de áreas florestadas em método de coivara, a queimada controlada, que possibilitava a adubação e controle de fertilidade do solo. Com as leis ambientais que foram instituídas no local após a criação da Reserva da Juatinga, as queimadas foram proibidas, apesar de anualmente ainda ocorrerem, inclusive em áreas não agricultáveis apenas para manter o terreno “limpo”. Caso recorrente nas encostas da comunidade do Calhaus, onde conta a lenda que, aquele que não queimar sua área em agosto é considerado preguiçoso. Recentemente, moradores dessa comunidade passaram a se interessar pelo cultivo agroecológico praticado pelo Mestre Altamiro, na praia vizinha e um novo movimento de cultivo se inicia. A má interpretação das leis se deve ao trabalho ainda muito incipiente dos órgãos ambientais gestores de conscientização e educação ambiental, oferecendo técnicas de manejo alternativas como a compostagem e adubação orgânica. Assim os órgãos públicos esperam que práticas ancestralmente transmitidas desapareçam por ofício legislativo, exercendo durante anos o papel de execução das leis de forma punitiva ou de incentivo ao turismo. Esse histórico gerou uma forte imagem negativa dos nativos para com as leis ambientais, que não compreendem, alteram seu tipo de manejo agrícola e ainda se vêem marginalizados em situação de risco podendo ser autuados. Não há 21


programas de valorização do etnoconhecimento caiçara, como o de controle de pragas. Um método que pode ser considerado agroecológico presente na memória caiçara se perde, como:

“o caiçara consegue eliminar alguns formigueiros despejando nos olheiros o líquido resultante da prensagem da massa da mandioca - brava ralada (ácido cianídrico), nas ocasiões em que desmancha a mandioca.”5 Os grileiros historicamente também pressionaram pelo fim das roças. Para isso, se ampararam nas leis ambientais e em alguns de seus agentes. O controle do uso da terra para a agricultura modifica a maneira de se perceber a posse: a diminuição do espaço utilizado acarreta uma diminuição do limite do uso, que é o fator determinante da posse. Mesmo nas comunidades da Península que não vivem diretamente das roças, o conhecimento etnobotânico ainda está vivo na maioria dos adultos até a faixa dos trinta anos. Assim a imagem do caiçara exclusivamente pescador que vem sendo pouco a pouco forjada, nega parte da memória e da identidade coletiva, servindo muitas vezes a interesses urbanos. Assim sua ligação com a terra é apagada bem como seus direitos a produção na mesma que são substituídos agora pelo direito à pesca.

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SCHMIDT, Carlos Borges. Lavoura Caiçara. Rio de Janeiro: Serviço de Informação Agrícola, 1958.

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Capitulo III A Caça “Uma importante necessidade alimentar, como a carne, sofre severa restrição, pois a diminuição da caça não é compensada por um abastecimento regular de carne de vaca. O resultado duplamente restritivo é a atrofia de tecnologia venatória e, no plano nutritivo, de um elemento fundamental da dieta.” -CANDIDO, ANTONIO. Os Parceiros do Rio Bonito. Rio de Janeiro, José Olympio Editora (Coleção Documentos Brasileiros), 1964.p.64 A caça em geral é vista pela população urbana, inclusive os criadores de leis ambientais, como uma prática arcaica que deve ser banida para que as espécies da fauna possam sobreviver. Entretanto, questões como a função mágico-religiosa, a organização social e a transmissão de técnicas indígenas passam por todo universo da caça e seus métodos de percepção do mundo natural e interação homem-mata. Além disso, o papel protéico representado pela carne de caça no período de escassez da pesca e a solução de comprar carne de boi de áreas de pastagens, que ciclicamente queimam áreas da própria Mata Atlântica e Amazônia, não são analisados. A criação de viveiros de animais silvestres para consumo humano, como já existe em diversos países da América Latina quase não é visto no Brasil. As histórias de vida dos caiçaras antigos demonstram essa relação e servem de parâmetro para se avaliar as práticas dos caiçaras atuais. Segundo Antônio Candido, a questão da caça é mais complexa do que a simples necessidade alimentar:

“a caça, que tendo como ponto de partida a obtenção de carne, dá lugar a sistemas complexos, com repercussões afetivas, mágicas, artísticas, políticas – sabendo–se que em muitos casos a liderança política se esboça em função dela.” 24


Um dos antigos mais conhecido, inclusive pelos mais novos em várias praias da reserva é Seu Benedito Caçador, avô de Seu Maneco de Martim de Sá e pai do também famoso Roque Caçador. Segundo os depoimentos, era um exímio caçador, dormindo na mata por dias seguidos, sozinho sem temer onças ou outros animais. Segundo Seu Maneco, neto dele, Seu Benedito era filho de uma índia e mestre em armadilhas de caça. Os mais antigos não utilizavam armas de fogo, porque caçavam e pescavam em abundância, se servindo de armadilhas de cipós e taquaras. Esse conhecimento indígena conservou inclusive os nomes como mundéus, arapucas e aratacas. Os caiçaras antigos contam que essas armadilhas eram “coisa de índio”, assim como o feitio da farinha, da canoa e a coivara. Um morador do Cairuçu se lembrava do pai contar que houve uma época antes dos bisavós, em que os caiçaras e os índios viviam juntos naquela costeira, sem atrito e se casando uns com os outros. Segundo o morador não havia conflitos, porque nesse caso esses também seriam incluídos na mesma narrativa e o que era contado é que viviam em harmonia fugindo dos brancos e se isolando no interior das matas, caçando e vivendo nas tocas de pedras e abrigos na orla do mar nos tempos de pescaria. A caça é um dos principais fatores de interação do caiçara com a floresta. A procura do animal faz com que o caçador em silêncio entre cada vez mais fundo na mata seguindo rastros de animais, decodificando sons, imitando os bichos que quer caçar ou suas presas. O caçador sabe o local exato de árvores frutíferas, águas de beber e tocas de pedra, onde dorme. É uma atividade masculina - mesmo que haja algumas mulheres que rompam o tabu - fortalece os laços comunitários e familiares. Mas após a proibição é cada vez menos praticada e esse contato mais direto com as matas velhas do fundo dos vales tende a se extinguir caso não seja realizado um trabalho de valorização e reconhecimento do manejo tradicional das reservas de caça caiçara. Afinal, são os caiçaras caçadores que vigiam o território e mantém os caçadores urbanos e comerciais fora de seu território. O período de caça se inicia em agosto, no auge do inverno, quando há pouca pescaria. É possível diferenciar as fêmeas com filhotes, que são protegidas por uma série de interdições morais, através 25


de histórias e lendas sobre tragédias que aconteceram com caçadores que mataram femêas grávidas ou com filhotes. Também a tradição de possuir animais de estimação silvestres é uma das heranças mais antigas que a cultura caiçara guarda, hoje violentamente reprimida pelos órgãos ambientais, que permite então a criação de cachorros, gatos, patos e animais trazidos pelos colonizadores europeus.

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Capitulo IV Manejo Caiçara Muitos artefatos tradicionais ainda são produzidos, como o tapiti, o samburá e a canoa, porém mesmo que haja uma grande demanda, apenas S.Jovino, irmão de S.Maneco e seus filhos, produzem tapitis que abastecem seus vizinhos. O mesmo acontece com os cestos e samburás que Francino, irmão de D.Lorença, faz. Ele não dá conta das encomendas e abastece a costeira, alguns vão para Paraty e inclusive vão para São Paulo e o exterior. Francino ou França como é conhecido, explica sempre, inclusive nas oficinas que realiza para os turistas no verão, que existe um manejo para a retirada do cipó timbeva. Existe um cipó-mãe, que não deve nunca ser cortado, ou o pé morre. Existe também um número permitido de colheita de cipós por touceira, para que ela se recomponha sem danos, e por fim, existem áreas em pousio, que após o período de regeneração podem ser recolhidos novamente. Há uma grande procura pelos cestos de Francino e se espera tempo para conseguir um. Mesmo assim os mais jovens não se interessam em aprender esse tipo de conhecimento que consideram cansativo e entediante. A partir do trabalho do Ponto de Cultura Caiçara da Juatinga, foram realizadas oficinas de produção de balaios com os jovens do Pouso e do Sono, com os Mestres Artesãos, Dona Dica da Praia Grande da Cajaíba e Seu Jovino da Praia do Sono, processo através do qual foram percebidos possibilidades de salvaguarda dessa técnica indígena tão antiga e importante. Na Praia do Cairuçu das Pedras, o forno de farinha produz toda a farinha consumida no local, sendo muito valorizada nas comunidades vizinhas. O policultivo das espécies garante a sobrevivência da agricultura familiar e seus moradores com orgulho afirmam que a maioria da comida consumida é colhida ou pescada no local. Também lá, Seu Aplígio, cunhado de S.Maneco, conta a maioria das histórias da época em que os bichos falavam, do ciclo da onça e do macaco e das histórias de Curupira, Lobisomem, livro de S.Cipriano e Mãe do Ouro. Percebe-se que antigamente havia uma aura mística muito forte entre os moradores da 28


Casa de farinha da Dona Dica da Praia Grande da Cajaíba costeira, e que as histórias são elementos fundamentais na manutenção da organização das formas de uso e entendimento do território em que vivem. Através das lendas e causos, são passados aos mais novos os lugares e práticas permitidos e proibidos sendo parte determinante das formas de manejo caiçara. Acredita-se até hoje que na Praia do Martim de Sá está enterrado um grande tesouro e, submersas na altura do Pico do Cairuçu, estejam grandes jazidas de ouro, protegidas por fortes encantos e maldições. Muitos afirmaram que pesquisadores estrangeiros chegaram de barco e à noite se viam as luzinhas e os barulhos de perfuração e que foram embora dizendo que a mina é muito grande, porém os gastos seriam muito altos para a extração. Por isso é preciso cuidado ao entrar em determinadas zonas e matas, por estarem sujeitas a presença de entidades mágicas e suas traquinagens. O fato é que a região é muito marcada por tabus e segredos. Na época da escravidão, contam que havia uma grande fazenda em Martim de Sá e que nela havia muitos escravos. Estes eram comprados com o dinheiro dessa mina de ouro já que a venda dos produtos seria muito pouca em relação ao gasto do transporte. De fato, na praia existem ruínas 29


de uma casa grande, moendas e telheiros. Outra história muito popular sobre a praia, é que na época do Império, um alemão descobriu como falsificar o selo das notas de dinheiro e se refugiou em Martim, onde as produzia. Pagava seus escravos com uma certa quantidade de dinheiro para que não contassem a ninguém sobre a atividade falsária, porém exigia que as notas fossem envelhecidas antes de serem usadas no comércio de Paraty. Um dia, um escravo não resistiu e as usou todas novas e foi pego, já que as notas que chegavam a Paraty já estavam gastas. Assim seu dono foi descoberto e preso, indo para a Corte. Outra variação da lenda diz que o alemão ao ser descoberto teve uma das mãos cortada pela polícia e mesmo assim continuou a falsificar. Foi sucessivamente tendo a outra mão cortada, o braço e enfim, como não parava de falsificar as moedas cunhadas com o ouro contrabandiado pelo caminho do ouro, foi morto. Seus descendentes se encontram hoje na comunidade do Pouso e formam a famíia do Mestre Miguel e Alípio, com seus olhos azuis e seus cabelos loiros presentes em seus descendentes. Por conta dessas histórias e outras, não são muitos aqueles que se aventuram nas matas do Martim de Sá. Seu Maneco do Martim de Sá conta que no caminho da cachoeira do Poção, na cachoeira do meio do caminho, havia uma grande pedra redonda, com um imenso sulco, denominando o local de cachoeira da Pedra de Amolar. Sempre que passavam por lá aproveitavam para amolar suas facas, até que com a tomada da terra pelo grileiro Pacheco, a pedra foi removida e explodida para que pudesse servir de amoladores menores na sede. Outra pedra desta também existe no encontro do rio com o mar, coincidindo com os locais de amoladores de machado dos povos préhistóricos sambaquieiros da Ilha Grande, entretanto de menor tamanho. Percebe-se que os caiçaras são capazes de se relacionar com o território de forma que seu manejo se funde com as heranças culturais de seus ancestrais de uma maneira muito mais integrada que os agentes urbanos que passaram a ocupar o território a partir da década de 60, como grileiros e turistas, principalmente porque guardam em sua cultura a memória dos usos e tradições que dão sentido ao uso do ambiente de forma integrada aos seus costumes. 30


A herança indígena, seja ela por assimilação ou contato interétnico e mestiçagem, reflete a visão de mundo que o caiçara tem de si, como herdeiro natural da terra de seus ancestrais e na maneira como ele entende o mundo exterior que entra em contato com ele. A poluição que chega através do ar e da água, o entendimento que a terra é para os descendentes e dela se obtém o necessário para o sustento. A irracionalidade da acumulação de bens, a grilagem de terras enormes que não são habitadas por seu dono, são uma série de fatores que competem para que a diferença entre essas populações e os grupos urbanos que entram em contato sejam acentuados. A identidade que existe entre o caiçara morador da Península Juatinga e o território em que vive passa também por uma série de resquícios e permanências da cultura indígena que excepcionalmente conseguiu sobreviver nesta região. As práticas cotidianas desse grupo refletem um conjunto de saberes que eram praticados na maioria do território onde hoje está o Brasil e se extinguiram. Sobreviveram como práticas arcaicas, não no sentido de atrasadas, mas como uma forma de resistência cultural e inserção no mundo. Moradores de um território isolado, de difícil acesso e marcado pelas determinações poderosas do clima e da natureza, essa população manteve na sua vivência, conhecimentos que permitiram sua permanência na região. Essas práticas formadoras do manejo tradicional caiçara, hoje se tornam fundamentais na criação de estratégias de resistência ao aumento das pressões externas e na afirmação de seu direito à posse da terra de seus ancestrais. Também no contato com o turismo a ancestralidade se mostra útil, no sentido que cria vínculos de respeito do turista para com o nativo, reconhecendo este como mais adaptado, responsável e conhecedor dos mistérios e manejos locais. As práticas e heranças que tornaram esse grupo tão cheio de especificidades e possuidores de uma relação homem-natureza tão simbiótica, permitiram aos mesmos, serem reconhecidos como parte do que deveria ser preservado pelo decreto que criou a Reserva Ecológica da Juatinga e a Área de Proteção Ambiental do Cairuçu. 31


Capitulo V Práticas Extintas “Magia, medicina simpática,Invocação divina, exploração da fauna e da flora, conhecimentos agrícolas fundem-se deste modo num sistema que abrange na mesma continuidade, o campo,a mata, a semente, o ar, o bicho, a água e o próprio céu.” -Antonio Cândido - Os Parceiros do Rio Bonito. Caiçaras em muitas praias contaram que os antigos iam muito mais a mata que os atuais, como podemos perceber na história de Seu Benedito Caçador. Também o pai do falecido Careca, do Calheus, descreveu esse caçador com admiração, já que além de passar períodos prolongados na mata, não levava víveres e se alimentava do que caçava e dos alimentos que a mata oferecia. Conhecia toda a região da costeira, os caminhos interiores das encostas e os picos das serras. Outra personagem impressionante é da Ponta Negra, avó de uma imensa prole, que até o fim da vida morou em uma caverna que ficou conhecida como sua. Apesar dos pedidos dos filhos para que morasse em suas casas, insistiu em continuar em sua toca até o fim da vida, cuidando com zelo do local e costumeiramente sendo encontrada varrendo a entrada da caverna, que era cercada pela mata. Esse não é o único relato de moradores de tocas, que parece serem continuamente habitadas, sedentária ou sazonalmente. Atualmente os caiçaras as utilizam quando saem a caçar pelo interior da mata e dormem nelas como forma de abrigo. Os antigos tinham hábitos alimentares austeros. Em geral os pais, dos mais velhos moradores atuais, segundo estes, não comiam coisas compradas na cidade. Preferiam se alimentar de banana verde cozida com peixe seco, fina iguaria caiçara, ainda prato preferido pelos mais velhos, mas rejeitada por alguns jovens. Segundo D.Lorença, sua mãe só comia banana verde assada no café da manhã, cabeça de sorgo ou feijão 32


que ela tivesse plantado. Comidas compradas de maneira alguma. Para D.Lorença foram estes hábitos alimentares e a rotina de trabalho na roça e na pesca até morrer, que possibilitaram sua mãe chegar com muita saúde até uma idade avançada. São vários os relatos dos caiçaras velhos que ao se mudarem para a cidade com os filhos, morreram numa questão de semanas, ou contraíram graves doenças e derrames. Muitos atribuem as doenças à mudança da rotina de trabalho que os velhos seguiam até morrer, cuidando de suas roças e seus cercos de pesca, aliada a mudança dessa alimentação austera, porém saudável e rica em nutrientes. Os moradores da costeira se orgulham muito de seus antepassados, que chegavam a 100, 108 anos. Muitas foram as referências a pais, avós e tios que viveram até a casa dos cem em atividade e lucidez. Seu Maneco conta que seu pai, Roque Fermiano, a partir da década de 70, não conseguia mais comer o peixe pescado na arrebentação. Comia e cuspia, dizendo sentir um gosto insuportável de óleo. Além disso, comidas como a paçoca de banana com toucinho, o café de cana, o biju, a batata-doce assada, o amendoim, a raiz da taioba, a tainha cozida com feijão guandu, sobrevivem apenas nas comunidades mais isoladas ou em algumas famílias apenas. Além da mudança no regime das atividades, o fim das roças acarreta um problema de segurança alimentar, já que com dinheiro da pesca ou do turismo, os caiçaras ao fazerem as compras na cidade, não compram os produtos tradicionais como batatas-doces, amendoim e cará, que não são valorizados como produtos que valham a pena serem comprados. Ao invés disso, compram grandes quantidades de biscoitos de água e sal, roscas e recheados doces que servem de café e lanche, principalmente para as crianças. Entre os antigos caiçaras, eram freqüentes também os bailes rurais e as festas religiosas. Aconteciam quase que semanalmente, variando de praia em praia. Grandes bailes eram feitos pelos festeiros de cada praia, os bailes comentados como muito bons eram os do Mamanguá, na Praia do Cruzeiro, na Praia Grande, no Pouso e na Ponta Negra. Era um importante espaço de socialização em que os moradores das praias afastadas podiam encontrar-se, os jovens arranjarem namoros, os mais velhos passarem aos mais jovens conhecimentos, já que havia a dança dos 33


velhos, dos adultos, dos jovens e das crianças. Dançavam as cirandas, o bate-pé, o caranguejo, o lenço, a dança dos velhos, do arara, dos marujos, entre outras que são lembradas com nostalgia pelos mais velhos e pelos jovens que ainda viram seu final. Eram danças de roda, com troca de casais, em que a marcação era feita na batida do tamanco de madeira no chão de tábuas corridas. A dança ia até o amanhecer, grandes fogueiras eram acesas na época do São João. Batatas doce, milhos, aipins, bijus puvus eram assados na brasa e às 4 horas da manhã tradicionalmente era servido o café-de-cana com biju. Bebia-se cachaça, mas não havia disputas, os casais se separavam na contradança e bailavam com outros pares. Os músicos tocavam violas, pandeiros de couro de cutia, tambores e alaúdes. A bandeira do Divino Espírito Santo percorria todas as praias, do Saco do Mamanguá à praia do Sono, recolhendo doações e tocando seus instrumentos. Na Praia do Pouso, Seu Miguel violeiro se lembra das festas com saudade e diz pesaroso tocar sua viola, agora sozinho no quarto. Pode-se perceber que essas festas também trazem em parte a fusão da tradição ibérica, votiva, com a intensidade das festas indígenas e africanas, onde a festividade é uma manifestação do sagrado e da união do grupo, sendo utilizadas como marcadores temporais de processos coletivos.

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Capítulo VI O Sobrenatural e a Espiritualidade Dona Maria, Dona Dilma, Dona Dica, Seu Miguel e Dona Tetéia são os que guardam a memória viva das festas antigas relacionadas aos santos católicos. Essas manifestações culturais foram desaparecendo lentamente a partir da desorganização da Igreja Católica, a chegada dos modos de vida urbanos e do impacto das igrejas protestantes que foram se instalando a partir da década de 30. Muitos pastores das igrejas evangélicas, passaram a proíbir seus fiéis de participar das manifestações populares que classificavam como “coisas do mundo” ou “coisas do demônio”. Houve assim a separação dos bailes antigos em que todas as idades participavam, para os bailes onde o forró de raízes nordestinas e o brega nortista, eram o divertimento apenas de jovens e adultos. Atualmente, o funk, o reggae e a música eletrônica fazem parte das preferências musicais das festas locais. Dessa forma, não há mais nenhum evento comunitário de convívio em que todos os moradores da costeira participem, sendo os campeonatos de futebol os únicos espaços mais próximos de intercâmbio entre as praias. A ideologia protestante trazida com a chegada das igrejas evangélicas, afetou os laços de compadrio, separando em crentes e descrentes e atos evangélicos e demoníacos, influenciou a formação de grupos distintos dentro de uma mesma comunidade. Os ritos que aconteciam na época das colheitas, na época do São João e em culto a pescaria e a Iemanjá, foram rotulados de práticas demoníacas e foram pouco a pouco perdendo espaço. Assim as práticas tradicionais foram sumindo primeiro do imaginário para depois se perderem na prática. Outro importante impacto foi a utilização dos pastores evangélicos no convencimento dos caiçaras a assinarem documentos fornecidos por grileiros como no caso da Ponta Negra e da Praia Grande da Cajaíba. Uma crença protestante que ainda hoje implica em muitas conseqüências, é a da predestinação divina. Muitos caiçaras evangélicos 36


Praia Grande da Cajaíba acreditam que as coisas acontecem porque Deus assim determinou, não havendo motivos para resistir. É recorrente essa argumentação entre os evangélicos, não aparecendo no relato dos não-evangélicos. Ao mesmo tempo, hoje, muitas lideranças políticas são evangélicas e defendem que na ausência de políticas públicas de saúde, o protestantismo é a possibilidade de apoio e solução aos graves problemas de alcoolismo e vício em drogas como o crack e a cocaína. Na região do Saco do Mamanguá, as comunidades caiçaras têm uma presença negra muito forte. Cultos afro-americanos ocorriam em terreiros e a presença de “tentos”, ou sacis, foi muito relatada. Contou Seu Benedito, da Praia do Cruzeiro, que na época de seu pai, o último grande festeiro do Saco, ao se olhar a outra margem a noite, se avistavam incontáveis luzinhas vermelhas, dos cachimbos dos tentos. Bem diferentes das luzes verdes dos vaga-lumes, os tentos se “mudaram”, segundo Seu Benedito, após a conversão maciça ao protestantismo. Festas de Iemanjá permaneceram na região, devida a força do arquétipo que representa. Essa entidade afroamericana, ligada aos cultos de feminilidade e governança das águas, é muito reverenciada pelos 37


pescadores e aqueles que dependem do mar. Na Península, ocorrem rituais em sua homenagem, na passagem do ano. Na capela da praia da Itaoca, encontrava-se no centro do rústico altar, uma imagem de Iemanjá, cercada pelas outras imagens cristãs de Nossa Senhora, São Jorge, Jesus e São Cosme e Damião. Sobre essa capelinha também é importante comentar que guarda um enorme cruzeiro, que sustenta a capela e neste se encontra pendurado um tambor de folia, furado. Ainda é possível encontrar uma convivência entre pessoas e fenômenos sobrenaturais, como a Mãe do Ouro, muito conhecida na região. Contam que de sete em sete anos essa luz gigante sai de sua casa com um imenso estrondo indo do Pico do Frade, em Angra, para a Pedra da Arara, no Pouso. Existem variações que indicam outros trajetos como da Pedra da Arara para o Pico do Cairuçu. Navios encantados, Lobisomem corre sete praias, mulher de branco, homem de preto e a incrível história da Curupira. Essa personagem é descrita como um animal peludo, sombrio, comedor de carne humana, morador de tocas do fundo da mata. O relato mais comum começa, com a história de um homem que morava na costeira e um dia foi seqüestrado pela curupira e obrigado a ter um filho com ela. Por aí a historia vai. Os sonhos premonitórios também são formas de contato com o sobrenatural. Tamanha é a importância atribuída aos seus sonhos, que Seu Maneco do Martim de Sá conta que escolheu os seus advogados jovens e recém-formados ao invés de um prolixo advogado de Ubatuba, que dava a causa como ganha, por causa de um sonho. Estava sua casa sendo levada por um vendaval muito forte, quando parou na beira de um abismo. Estava preocupado e assustado quando uma criança, identificada como um de seus netos veio radiante e segurou em sua mão dizendo que não temesse. Havia sim um grande perigo, mas que Ele (Deus) mandaria bons anjos para lhe ajudar, anjos estes, que S.Maneco identificou como sendo seus jovens amigos advogados.

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Capítulo VII A Resistência Política “títulos fraudulentos sobre terras públicas – muitos dos quais atropelando direitos de ocupantes legítimos – foram amplamente legalizados já que os governos estaduais se mostravam em grande parte impotentes para evitar a apropriação pública. A arte da apropriação privada – grilagem, que vem de grilo, que salta sobre a terra de outros – tornou-se uma profissão. Roubo de papel timbrado oficial, (...) subterfúgios que os funcionários públicos quase sempre toleravam ou dos quais participavam. Monteiro Lobato, (...) cita o caso de um grileiro que “persuadiu” um tabelião a copiar um titulo em seu cartório como sendo sobre 22 em vez de 2 léguas de terra e fez com que a cópia fosse autenticada por um funcionário judicial, que não se deu ao trabalho de confronta-la com a original. O grileiro mandou então um amigo advogado tomar emprestado o original e “perde-lo”. Quando o advogado foi devidamente preso por essa ofensa, o grileiro prestimosamente apresentou-se com a cópia autenticada e mandou que o libertassem.” -Warren Dean – A Ferro e a Fogo. Os processos de grilagem na região foram, a partir da década de 70, impulsionados pelo turismo e na década de 90, em conseqüência da expansão do turismo na Baía da Ilha Grande. O maior agente da grilagem foi Gibrail Tannus, que agiu na Península em áreas oceânicas e da baía da Ilha Grande. Segundo Seu Antonio do Sono, importante líder comunitário, após o grileiro ter dado a ordem de destruir a roça de um morador, combinaram com as mulheres e crianças, que apenas estas seriam os agentes da lição e os homens ficariam observando caso algo saísse errado.

“Ele usou de mentira, de falsidade e depois ele mandou meter o trator na roça de mandioca de um homem que tinha aí, (...) aí o povo se alvoroçaram e achou que aquilo já era desaforo. Aí bateram nele, foi embora e nunca mais voltou aqui.”

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Ainda é contado pelos antigos, como o governador na época, Leonel Brizola, instituiu a Reserva Ecológica, que segundo seu Antônio, definiu a península como uma área protegida para os caiçaras viverem. Um dos casos relatados na Ponta Negra foi o do pai do Dedé, que estava construindo uma casa para a família no alto da Cachoeira das Pedras, divisa da Ponta Negra com atual condomínio de Laranjeiras. Após abrir um roçado, a polícia de Paraty, veio fardada e o levou preso para a cadeia de Paraty, sob a alegação de invasão de propriedade particular. O homem foi surrado violentamente, até que foi solto três dias depois. Muito afetado, principalmente pelas pancadas da cabeça, não conseguiu se recuperar sendo levado para o hospício da ilha da Gigóia, onde morreu. Seus muitos filhos foram criados com a ajuda da comunidade, já que a viúva não dava conta de alimentar a todos. Essa história foi amplamente relatada, na Ponta Negra e no Sono. Na Ponta Negra também, houve o caso de um caiçara bêbado que foi tirar satisfações com o capanga do Gibrail, porque os búfalos tinham destruído a plantação de seu primo. Este caiçara foi esfaqueado e morreu na hora, sendo episódio muito lembrado pelos moradores. Desde o início dos processos de grilagem até o atual momento, as populações caiçaras vivem um forte êxodo. Se hoje vemos Altamiros, Manecos, Marias e Dicas, na verdade, estes são os últimos de um grupo de centenas que habitavam as praias. Nas praias dos Antigos e Antiguinhos, onde muitos dos atuais antigos nasceram, não existe viv´alma. A alegação é de que isso causaria muito lixo e camping irregular, mas quanto à vontade de Francino e Jango de retornar a praia onde nasceram, mais uma vez a lei que garante aos caiçaras o direito de habitar os lugares de nascença não é respeitada. O caso da praia do Martim de Sá foi fundamental para a transformação dos processos de grilagem contra caiçaras. Na década de 60, a família moradora do local, Seu Roque Fermiano, Dona Capitulina dos Remédios e os filhos, entre eles o atual morador Seu Maneco, eram os 41


remanescentes de uma antiga ocupação que contava com outras famílias. Mesmo ocupando a praia desde a época do bisavô e sempre ensinando a grafia correta do nome da praia - Martim de Sá, nome do nobre que na época da colônia descobriu a trilha guaianá e segundo a lenda local esta seria sua praia preferida - a família de Seu Maneco foi expulsa por um homem que conheceu a praia quando caçava. Encantado, o militar perguntou se a praia tinha dono. Os moradores responderam que nunca tinham visto, mas que poderia haver. O homem, que se chamava Antonio Pacheco, já voltou da próxima vez com a certidão de posse, comprada de uma viúva possuidora de antigo leilão. Mesmo nessa época, a família já possuía o direito da posse da terra, já que como moradora há gerações, já havia adquirido o direito por uso capião, através do uso continuo de habitação única por 10 anos. Mas como não conheciam seus direitos, ao ver os documentos escritos, se resignaram a servir de empregados na sua própria terra, agora uma fazenda de gado. Os búfalos e bois entraram nas plantações da várzea, transformando a praia em um cenário de destruição. Após certo período, devido a desentendimentos, a família se retirou para o Cairuçu das Pedras, onde Seu Maneco conheceu Dona Lorença e se casaram. De lá, Seu Maneco foi habitar o Saco das Anchovas. As décadas passaram e os empreendimentos de carvão e criação de gado e búfalos do grileiro fracassaram. Mortes, brigas e falta de salário fizeram com que os funcionários abandonassem o local. Depois de vazia, uma aura de maldição recaiu sobre a praia, inclusive quando outras pessoas tentaram habitar a praia, sem sucesso. Na década de 90, Seu Maneco resolveu retornar a morar em Martim de Sá. Conta que a mãe sempre falava da praia e a vontade de voltar era muita. Foi reorganizando o espaço muito degradado pela ocupação do grileiro e reflorestando o entorno. Reconstruiu a casa de pau-a-pique sob a grande mangueira que plantou na juventude, no local da antiga casa dos pais. Arrumou o rancho da praia e limpou as trilhas. Nesse período foram chegando os primeiros turistas e Seu Maneco ia arrumando ranchinhos e conversando com os visitantes. Até que em 1999, uma reportagem do JB de domingo, popularizou a praia antes praticamente desconhecida. 42


Cariocas, niteroienses e paulistas chegaram às dezenas, montando suas barracas e cozinhando por toda parte, catando lenha verde, jogando garrafas de bebidas na areia e guimbas de cigarro. Com a chegada dos turistas, a Praia do Martim de Sá foi sendo valorizada e em 2000, foi aberto no Fórum de Paraty, um processo de reintegração de posse a pedido dos descendentes do grileiro, colocando Seu Maneco como réu. A dificuldade do acesso fez com que o oficial de justiça demorasse em entregar o mandato de reintegração de posse. Seu Maneco conta que pouco antes disso sonhou com muitos golfinhos encalhados na praia do Martim de Sá, o que estava lhe alertando sobre um perigo próximo. Após tomar conhecimento do processo, Seu Maneco resolveu permanecer na terra, recebendo duas propostas de defesa. Uma de um advogado de Ubatuba, especializado em causas de grilagem contra caiçaras. Este, que foi apresentado pela própria filha de Maneco, lhe prometeu vitória certa, mas cobrava como pagamento um terreno na praia. Vendo a situação de perigo que Seu Maneco e sua família estavam correndo, um grupo de freqüentadores da praia que se conheceram lá resolveram se juntar e pensar em uma forma de lutar pela permanência do amigo no lugar. O grupo que contava com alguns jovens advogados, propôs defendê-lo sem cobrarem honorários. A justificativa do grupo é a de que poder fazer algo contra tamanha injustiça, em meio a tantas outras que nos cercam, era o maior pagamento que poderiam ter, além da certeza de que Seu Maneco continuando em Martim de Sá, o meio ambiente seria manejado de forma a organizar a ocupação turística e integra-la ao universo caiçara. A justificativa aceita, ainda restava a questão de que os jovens advogados não possuíam nenhuma experiência na área de disputas territoriais. Mas, Seu Maneco também teve outro sonho, que o fez optar pelos jovens advogados. Assim, o grupo se organizou em forma de ONG, a qual chamaram Verde Cidadania, que nascia dessa forma diretamente ligada a necessidade de defender na Justiça o amigo Seu Maneco, da Praia do Martim de Sá. Em junho de 2012, através de um movimento 43


Praia do Martim de Sá que envolveu diversos grupos sociais, o julgamento do processo do Seu Maneco no Forum de Justiça do Rio de Janeiro foi um ato político que celebrou a vitória da luta dos caiçaras da Península da Juatinga e da força da mensagem de Seu Maneco dos Remédios. Dessa forma, foi dada a posse temporária da terra a família dos Remédios. Hoje, o processo corre no Supremo Tribunal Federal, porque o grileiro resolveu recorrer em última instancia. Com o tempo, outras casas foram construídas para os filhos, por segurança e também para assegurar o direito da praia ser herdada pelos descendentes. Como muitas famílias caiçaras, o casal já velho, possui duas casas, uma que a mulher cozinha e passa o dia e outra do marido. Na Praia Grande, a situação foi similar. O grande êxodo populacional foi precedido de anos de resistência. Os moradores contam que muitos resistiram o máximo que puderam, mas devido as pressões, a oferta de dinheiro, a destruição de casas, muitos não aguentaram e partiram. 44


Houve casos de moradores que quiseram voltar, mas foram impedidos pelos capangas dos grileiros. A paisagem da Praia Grande pareceu por um tempo como ao de um bombardeio. Muitas casas destruídas, demolidas, com os tijolos espalhados, mensagens de ameaça, roças em meio ao matagal. O cenário foi de intimidação e demonstração de poder. Hoje, as duas últimas famílias restantes parecem focos isolados de um povo que outrora habitou a região. Um dos exemplos da violência física de que são alvos os caiçaras, é o de Dona Dica. No caminho de volta para sua casa na encosta - já que sua casa próxima à praia há muito, havia sido destruída. Ao cruzar o rio a pé, uma vez que o grileiro derrubou a antiga ponte, encontrou um capanga. Este estava agachado bebendo água e ao ver a franzina senhora de 56 anos voltando com seu facão, se assustou. Mandou que D.Dica jogasse o facão na água, ao que a mulher argumentou que o facão era seu instrumento de trabalho. O homem puxou a arma e apontou para a senhora, dizendo que se não jogasse o facão, atiraria, e repetiu a sentença. D.Dica assim fez, por não ter outra alternativa e hoje corre na Câmara de Paraty, um processo contra o capanga. Em O Mito Moderno da Natureza Intocada, se encontra um trecho que resume bem o caso da Juatinga:

“Na maioria dos casos, as chamadas populações tradicionais encontram-se isoladas, vivendo em ecossistemas tidos até agora como marginais (mangues, restingas, florestas tropicais) são analfabetas e têm pouco poder político, além de não terem títulos de propriedade de terra.” Um dos marcos históricos dessa disputa entre caiçaras e grileiros foi a destruição em setembro de 2005, do rancho onde D.Maria vendia seus pastéis no verão e parte dos ranchos de D.Dica e S.Altamiro. A justificativa era de preservação ambiental e foi consumada pelo IEF e IBAMA, com responsáveis do Rio, inclusive. O ato arbitrário, porém, não conseguiu mascarar sua motivação política, sendo esta percebida pelo Ministério Público na condenação dos atos do IEF. Foi proibida sua ação 45


contra caiçaras e definida a punição de inquérito administrativo para os responsáveis, agora considerados réus.

“Alega o MPF que, no dia 25 e 26 de agosto de 2005, o IEF, representado pelos outros réus, demoliu três ranchos caiçaras, em afronta a diversos princípios constitucionais, dentre eles, o contraditório e a ampla defesa.” Por fim, requer a condenação dos servidores do IEF por improbidade administrativa, haja vista os indícios de desvio de poder, que indicam que a operação teve por objetivo fomentar interesses pessoais e não o fim preconizado pelas leis de proteção ambiental. É importante citar também o caso de D.Bidica, que era vice-presidente da Associação de Moradores. A reintegração de posse em benefício do grileiro foi emitida nas vésperas do natal anterior e só foi impugnada porque a certidão de posse apresentada não constava no cartório emissor. Fato depois questionado em juízo, pela alegação de que havia dois cartórios em Paraty sendo fundidos posteriormente e seus documentos embaralhados. Mas a certidão respectiva nunca foi apresentada, fato hoje esquecido, já que Bidica, cansada de tanta pressão, vendeu suas posses - dizem na praia que por 15 mil reais e foi com a família para um barraco na favela da Ilha das Cobras em Paraty. Sua casa foi demolida assim como a dos outros moradores, inclusive a igreja protestante e a escola, por ser um bem público. O processo mais crítico no momento, é o da família de Seu Altamiro e Dona Jandira. Moradores do morrote do canto direito da Praia Grande, eles estão sendo processados por descumprir o contrato de comodato. Entretanto, o comodato está assinado pelo casal, sendo que ambos são analfabetos na própria carteira de identidade. O nome de D.Jandira está escrito errado e o acusador é reconhecidamente um grileiro, a família Tannus, que consta inclusive no Atlas fundiário do Estado do Rio de Janeiro e sabe-se que o cartório de Paraty é um dos mais fraudulentos do Brasil. 46

Apesar de tudo isso, a juíza alega que é uma prática muito comum


dos caiçaras, receberem o dinheiro, assinar comodatos e depois dizer que são analfabetos. Talvez por causa dessa crença, que a mesma tenha dado reintegração de posse imediata para o grileiro no início do processo. Até mesmo em comunidades imobiliariamente menos cobiçadas, existem conflitos. No mesmo dia em que os funcionários do IEF, saídos da ação nos ranchos da Praia Grande, ancoraram em uma ilha e depois se dirigiram até a Praia dos Calheus. Lá destruíram o madeirame do telhado e as paredes prontas até a metade da casa da família da Dona Maria e do Careca, da Ponta da Juatinga. Esta família, de muitíssimos filhos, havia construído a casa para que no verão, as crianças pudessem ter acesso à praia, e também para a pescaria. Porém até lá na isolada Juatinga, um dos moradores antigos e seus filhos, fecharam com uma casa a parte do rochedo por onde subiam as canoas, faziam redes e se pescava de linha, principalmente as mulheres e as crianças. Percebe-se que até entre os caiçaras, os ideais de propriedade privada vêm recentemente transformando áreas antes comunitárias, em desentendimentos pela posse da terra. Essa também foi uma das causas para que a família do Careca tenha construído uma casa no terreno do pai, o velho fazedor de canoas do Calheus. Houve inclusive um assassinato na Juatinga, por causa de outra construção que agrediu o espaço coletivo. Um rapaz matou o próprio avô, porque esse se revoltou com a construção de uma casa no campo de futebol da comunidade. Essa desapropriação dos espaços reduziu o acesso aos lugares de uso coletivo, como no caso da Praia da Sumaca, criando uma sucessão de terrenos particulares. Mesmo terras que antes eram consideradas como sem dono, como as serras, as pedras da costeira, ou pixiricas, que são atracadouros de barcos, foram sendo vendidas, muitas baseadas em contratos fraudulentos. O processo de documentos falsificados que grassou no país desde sua formação, nesta região existiu e continua a existir. Os forasteiros, geralmente de São Paulo e Rio após negociarem com descendentes de antigos donos do século XIX, ou dos que haviam negociado com estes, fraudavam contratos anexando aos limites registrados, as áreas comunais. 47


Na verdade, Gibrail Tannus aparece em um documento público, o Atlas Fundiário do Estado do Rio de Janeiro, como sendo um famoso grileiro. Na bibliografia sobre o tema caiçara, seu nome também é muito conhecido, pois foi ele que vendeu o terreno da Trindade para a Incorporadora Brascan e o terreno onde hoje fica o Condomínio de Laranjeiras. O processo de expulsão dos caiçaras da Trindade foi um marco do movimento de expulsão dos caiçaras e também de sua resistência, aliados à grupos urbanos num movimento que ficou conhecido como Trindadeiros. A luta pela posse da terra, como conta bem o livro “Genocídio Caiçara”, teve diversos embates, manifestações públicas em Paraty e o filme Vento Contra, de Adriana Mattoso. Do lado dos grileiros, foram construídos portões que limitavam o acesso, uma enorme devastação de um manguezal para a construção de um gigantesco empreendimento turístico, derrubada de casas, búfalos, exploração de minérios e carvão. Houve casos de caiçaras que tiveram que morar com suas famílias em cavernas, como fotos antigas e relatos de antigos freqüentadores atestam. Por fim, um acordo entre grileiros e caiçaras definiu que os caiçaras ficariam com as posses na beira do mar, mas que todo o enorme terreno no interior da praia seria da BRASCAN. Esse mesmo processo foi e é vivido por muitos moradores da Reserva Ecológica da Juatinga. Hoje, não apenas a grilagem, mas a legislação ambiental imposta a tais áreas e o turismo sem planejamento, é capaz de violentamente descaracterizar grupos e promover perdas culturais, econômicas e sociais. Na comunidade do Pouso da Cajaíba, a liderança Franscisco Xavier Sobrinho, ou Ticote como é conhecido, se dedica a luta que considera fundamental para transformação real de sua comunidade: a Educação Diferenciada. Em 2009, fundou através do diálogo com os jovens do Projeto de Extensão Raizes e Frutos da Geografia da UFRJ, o Instituto de Permacultura Caiçara do Pouso da Cajaíba. Crítico aos processos de educação formal, que segundo ele muitas vezes desconsideram a cultura 48


caiçara, desmerecendo os saberes transmitidos oralmente e defendendo interesses políticos dos grupos economicos que fazem parte da disputa territorial da reserva. Em outubro de 2015, foi inaugurada a Escola de Vela Caiçara e a Casa da Cultura, que nascem com o desafio de colaborar para formação de uma Escola Caiçara Pública, onde a Pedagogia possa ser trabalhada como prática da liberdade e a autonomia das populações seja um fim para o processo de empoderamento gerado através de uma educação crítica.

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Capítulo VIII Paraty

Paraty Paraty é uma das cidades mais antigas do país. Foi ponto de embarque do ouro e desembarque de escravos e estrangeiros de todo o mundo que vinham tentar a sorte nas minas. Através do Caminho do Ouro da Piedade ou Estrada Velha de Minas, subiam as boiadas e alimentos, pelo que outrora fora a trilha guaianá para o Vale do Paraíba. Na época áurea dos engenhos, a região possuía uma produtividade relevante e durante o século XIX produziu quantidade de café, fumo e aguardente. No Saco do Mamanguá existe registro de cinco ruínas de engenhos. Os antigos moradores lembram-se das canoas de voga indo carregadas para Paraty, levando café, farinha e peixe seco. Hoje, com os barcos a motor, a comida vem de Paraty, empacotada em sacos plásticos que depois são queimados. 50


A decadência da região começou com a concorrência da estrada de Ferro D.Pedro II e a abolição dos escravos. Mesmo assim continuou a produzir a famosa cachaça Paraty e assistiu ao início de um novo ciclo, o da banana. Todos esses ciclos devastaram as encostas e hoje, em todas as áreas da Reserva, vêem-se grandes áreas degradadas. Mesmo que a técnica de cultivo indígena, caracterizada pelo uso da queimada (coivara), tenha sido utilizada em épocas pré-coloniais, não devia atingir o alto das serras, já que eram queimadas controladas. Além disso, utilizavam um sistema de pousio longo, o que não parece ter sido a regra dos colonizadores. Durante o processo de desenvolvimento econômico do Brasil, as técnicas de produção empregadas se basearam na utilização imprevidente e avassaladora dos recursos naturais. Essa região viveu o apogeu e decadência do ciclo do ouro, os engenhos e a transformação da produção em gêneros alimentícios, quando passou a prover os centros urbanos. Os sucessivos ciclos econômicos incluindo a pesca embarcada e as plantações de banana foram fatores de dispersão da população, mas segundo A.C. Diegues e Paulo Nogara, no livro “Nosso Luga Virou Parque,

“o esvaziamento importante da região se agravou com a construção da Via Dutra, em 1940, deslocando o eixo econômico para o Vale do Paraíba. A partir de 1955, a comunicação de Parati com o exterior se fazia cada vez menos de barco e canoas a voga e mais pela estrada de Cunha. Acentuou-se o processo de migração para outras áreas como, por exemplo, Angra dos Reis, onde, em 1950, se instalou o estaleiro Verolme, seguido, em 1974, pela implantação da Usina Nuclear que empregou 9.000 operários.” Mas foi com a construção da BR-101, na década de 70, que o contato com o mundo urbano se tornou massivo. Paralelo à degradação de trechos inteiros do recorte do litoral, os terrenos sofreram uma valorização abrupta que gerou um acirramento violento das disputas por terras da década anterior. 51


Capítulo IX A Península da Juatinga Inscrita na parte paratiense da Baía da Ilha Grande, encontra-se a Península da Juatinga, que constitui o último fragmento litorâneo de áreas continuas de mata atlântica do estado do Rio de Janeiro. A Reserva Ecológica, que toma toda a Península, está inserida dentro da Área de Proteção Ambiental do Cairuçu, que por sua vez se limita com o Parque Nacional da Serra da Bocaina, a Serra do Mar e outras áreas protegidas do litoral norte de São Paulo. É uma das mais belas e conservadas regiões litorâneas do país, mesmo se situando entre as duas maiores capitais. A área protegida vai de Parati-Mirim, na parte do mar interior e passa pelo Saco do Mamanguá, popularmente conhecido como único fiorde do hemisfério sul. Na Praia Grande da Cajaíba, assim como no Saco, há forte pressão da especulação imobiliária. As praias da Ipanema, Itaoca e Calheus são habitadas por comunidades caiçaras, com algumas casas veranistas. O Pouso da Cajaíba, aonde se chega após duas horas e meia de barco de Parati ou 40 minutos de lancha é bem turístico, com bares e casas para temporada. Nesta comunidade foi descoberto por arqueólogos do Museu Nacional/UFRJ um sítio arqueológico característico de aldeamentos de povos pré-históricos sambaquieros fazedores de machados de pedra, provavelmente relacionados aos sítios da Praia do Aventureiro, na Ilha Grande. Da Praia do Pouso sai a trilha de mais 2 horas até a Praia do Martim de Sá. No costão da Península, já na área do mar aberto, onde existe um importante farol. Neste local situa-se a comunidade de pescadores da Ponta da Juatinga, de difícil acesso. Após a comunidade da Ponta do Juatinga, abre-se a região oceânica, conhecida como costeira. Após o farol, fica a Ponta da Rombuda, habitada outrora apenas pelo casal Camuzinho, Creuseli e os filhos. A próxima praia é a Sumaca, nome de um antigo tipo de embarcação e também habitada por apenas um morador, Manequinho, que além de artesão, agricultor e pescador trabalha com técnicas permaculturais de bioconstrução, 52


através de oficinas em parceria com o Instituto de Permacultura Caiçara, fundado por seu irmão. Na apresentação dos mapas da Consulta Pública sobre a Recategorização da Reserva Ecológica da Juatinga, em 2013, a praia da Sumaca ficou incluída dentro da área proposta pelo órgão ambiental como Parque, ou seja, sem presença humana. A partir de então a presença de Manequinho e todas as relações que possui como guardião do local e anfitrião das comunidades vizinhas que frequentam a praia, como Pouso, Juatinga e Martim de Sá se colocou em perigo.

Praia do Sono A segunda praia depois do farol e realmente possuidora de uma enseada e de um rio é a Praia do Martim de Sá. Coberta de densa mata entre as altas montanhas do vale, tem apenas o rancho dos barcos de Seu Maneco, ou Manoel dos Remédios, entre as castanheiras da praia. No Saco das Anchovas, há parentes da família dos Remédios, e depois Cairuçu das Pedras, Ponta Negra, Antiguinhos, Antigos e Praia do Sono, onde acaba a área de conservação. Depois vem o condomínio de Laranjeiras, frequentado por multimilionários, e a famosa Praia da Trindade, onde os violentos processos de grilagem na década de setenta inseriram o tema caiçara na pauta de discussão dos movimentos sociais. Existem outras localidades caiçaras na Península, como o Saco das 53


Sardinhas, a Cela, o Saco Claro e habitações em pequenas enseadas. As “áreas verdes”, consideradas de grande beleza cênica e habitat de espécies importantes, são há milhares de anos território manejado. Desde as ocupações pré-históricas, indígenas, coloniais, até os dias atuais, a ocupação litorânea brasileira vem sendo estudada pelos pesquisadores. Além do sítio encontrado no Pouso, foram colhidos relatos de amoladores de pedra na Praia do Martim de Sá, onde foi encontrado um pingente de pedra e no Cairuçu das Pedras. Houve também um relato de um sítio cerâmico no interior da mata no local que pode vir a ser o sítio da antiga aldeia a que Hans Staden se refere como existente abaixo do Pico do Caeroçu.

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Capítulo X Caiçaras Afinal, quem são os caiçaras? É difícil saber quem se é e principalmente quem são os outros. Seguramente não há resposta certa para essa pergunta, pois cada grupo e cada indivíduo possui percepções próprias. Para alguns caiçaras, em geral lideranças, causa um cansaço e às vezes discordância, o interesse de algumas linhas de pesquisa da Academia, ou seja, universidades, centros de pesquisa e institutos em ver a produção de conhecimento sobre o tema que os abrange ser tratado como busca de informação quantitativa e não qualitativa. Ou seja, é muito comum a presença de pesquisadores e estudantes de graduação em fase de conclusão de monografias e trabalhos finais de curso, que fazem suas pesquisas nas comunidades, se formam, mas raramente devolvem os materiais que produziram. Além disso, essas formas de conhecimento registrado não colaboram com os processos políticos críticos da região transformando os moradores em meros objetos de pesquisa.

Manequinho da Sumaca 56


Pelos relatos históricos, podemos inferir que as matas da Península da Juatinga possuem uma ocupação de longuíssima data, que nos dias de hoje é feita pelos atuais caiçaras. Estes possuem um território intermitente, de roças em regeneração e áreas ocupadas por antepassados. Ao olhar do não nativo, apresenta-se apenas uma grande área verde, sem perceber as especificidades da ocupação. Existem demarcações que são feitas com árvores, de antigas casas dos pais e avós, que hoje estão cobertas pela mata. São mangueiras, jaqueiras, cambucás e jabuticabeiras que guardam a memória do local antes ocupado pelos antepassados. Os caiçaras, assim como outras sociedades tradicionais baseadas na oralidade, vivem no presente, uma crescente ruptura na transmissão de conhecimento, principalmente pelo afastamento das gerações. Segundo Schmidt: “os caiçaras são fruto da miscigenação entre índio, português e negro (em menos quantidade) que durante longo período ficaram relativamente isolados na Mata Atlântica e no litoral de São Paulo. Ainda que sejam etnicamente distintos, sua cultura apresenta influência muito grande da cultura indígena nos instrumentos de trabalho (coivara, canoas, fabricação de farinha), vocabulário diferenciado dos demais habitantes do estado, etc.”8 No caso da Península, existem complementações a essa descrição: a descendência de piratas, como é contado por diferentes moradores, a herança genética indígena nos traços físicos das pessoas e nas sementes que plantam, na genealogia do parentesco, na descrição de práticas antigas desaparecidas, além do consórcio de espécies nas roças também ser uma característica remanescente da cultura indígena. O enfoque histórico ao pesquisar as reminiscências, entre os caiçaras atuais, das práticas de seus antepassados indígenas, é importante por contribuir para o debate sobre a história indígena da região Sudeste, tão afetada pelo contato maciço e pela dizimação das tribos. Se realmente existe um povo remanescente indígena e que se considera como tal, 8

SCHMIDT, Carlos Borges. Lavoura Caiçara. Rio de Janeiro: Serviço de Informação Agrícola, 1958.

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muitos aspectos da história do Rio de Janeiro podem ser redesenhados. Esse modus vivendi que permanece no dia-a-dia dessas comunidades vem sendo valorizado como um recurso político para afirmação de sua identidade e pelo direito ao território em que habitam. Nesta relação, a identidade cultural da comunidade se constrói e reconstrói sobre uma herança indígena transmitida por meio das práticas caiçaras, além do resgate dessa identidade caiçara estrategicamente relacionada à legitimação da ocupação do território. Há uma emergência étnica, já que contemporaneamente a auto identificação como caiçara gera conseqüências positivas, em contraste ao passado de violências. Seu Maneco, recordando, afirma que seu pai nunca se interessou em fazer canoas. Foi ele, Seu Maneco, que foi aprender em outras praias e começou a ensinar aos seus, e agora envolve os freqüentadores na puxada de canoa. Portanto, a questão é como essas práticas reafirmadas influenciam a relação interna entre os caiçaras, destes com os agentes externos e a construção de parcerias com aliados na defesa de suas terras, como no caso da convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho que trata das populações nativas e a legislação das áreas ambientalmente protegidas em que habitam. Percebe-se que há um processo, embora lento, entre os caiçaras, de reconhecimento da importância das atividades tradicionais. Entretanto, essa lentidão permite que perdas genéticas aconteçam, já que a agricultura tradicional caiçara na península encontra-se praticamente extinta. Há também um esforço de agentes urbanos, legisladores, funcionários, pesquisadores e outros de reconstruir a identidade caiçara não mais como povo essencialmente agricultor e sim de pescadores. Porém, no livro de Schmidt, de 1958, é descrita a casa do caiçara, como tendo a porta voltada para a lavoura e não para o mar, mesmo que a casa fique perto deste. No livro, o autor aponta essa construção como uma evidência material da ligação do caiçara com a roça. Na Praia do Cairuçu das Pedras, onde ainda hoje moram a irmã e o irmão de Seu Maneco do Martim de Sá, encontra-se a antiga casa de Roque Caçador, patriarca da família. Após ser “grilado” da Praia do 58


Martim de Sá, sua última morada foi no Cairuçu. D. Dulcinéia, sua filha, ainda mora na antiga casa, em que, apesar da vista deslumbrante para o mar, a porta se encontra voltada para o pomar, a mata em regeneração e seus pés de café. Essa herança indígena caiçara, ancestral e/ou recriada como forma estratégica de afirmação do território em que habita, inclui a raiz indígena e se mostra fundamental para a consolidação dessa imagem do manejo tradicional bem adaptado ao meio ambiente, sendo essa afirmação plausível ou não. Seja a roça de abacaxis, a casa de farinha ou a puxada de canoa. Essas características também contribuem para uma afirmação do direito ancestral à terra em que vivem. Essa reconstrução identitária deve ser analisada de forma crítica. Afinal, os caiçaras são povos bem adaptados e dependentes de sua relação com a natureza, sem terem sido, historicamente, povos defensores do meio ambiente. Essa identidade por eles mesmos atribuída recentemente está ligada à necessidade de se criarem estratégias de permanência no território, já que as culturas tradicionais não são estáticas, estão em constante mudança.

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Capítulo XI Unidades de Conservação A Península da Juatinga faz parte de um conjunto de áreas sobre as quais foram criadas áreas protegidas, que formam o Mosaico de Unidades de Conservação da Bocaina. Entre as que se relacionam territorialmente estão a Reserva Ecológica da Juatinga, a Área de Proteção Ambiental do Cairuçu, o Território Indígena Mbyá Guarani de Paraty-Mirim e Saco do Mamanguá, o Quilombo do Campinho da Independência e o Parque de Lazer de Paraty-Mirim. As reservas brasileiras, excluindo as indígenas, extrativistas e de desenvolvimento sustentável adotam em geral um modelo de uso restritivo. Nesses casos, a exclusão, diminuição ou controle da presença humana nas áreas de reserva são formas de garantir a preservação. Há nesse modelo uma forte influência do paradigma do homem destruidor, que se percebe a partir do 2º pós-guerra, e se baseia na visão de que não há equilíbrio possível entre o homem e a natureza. Porém, na Reserva da Juatinga, pelo menos no texto do decreto que a cria, está expresso o objetivo de uma adaptação à realidade brasileira, propondo uma interação entre a utilização dos recursos naturais e os preceitos conservacionistas. Como se vê no texto da lei: “Art. 4º - A Fundação Instituto Estadual de Florestas IEF/RJ desenvolverá programa específico de Educação Ambiental, com o objetivo de fomentar a cultura caiçara local, compatibilizando a utilização dos recursos naturais com os preceitos conservacionistas estabelecidos neste Decreto.” Essa iniciativa legal contrasta, contudo, com as ações práticas dos órgãos ambientais. Um exemplo disto foi a destruição dos ranchos de pesca e de uma moradia caiçara na Praia dos Calheus e ranchos da Praia Grande.. Essa ação arbitrária motivou um processo de ação civil pública, no Ministério Público Federal, que se concluiu com o seguinte termo: “(...) determinando ao IEF/RJ que se abstenha de realizar qualquer operação que resulte na demolição ou destruição, ainda que parcial, de habitações, barracos, ranchos e similares das Comunidades Caiçaras, 60


onde quer que se encontrem, ou a demolição ou destruição parcial de quaisquer edificações, nos lindes da APA do Cairuçu.” “Esclarece o Ministério Público Federal que tais comunidades contribuíram para a conservação da biodiversidade, pelo conhecimento que possuem da flora e da fauna. Argumenta, ainda, que tais comunidades vivem preponderantemente do mar (...).” Apesar dessa decisão, os caiçaras encontram-se em uma posição paradoxal. Ao mesmo tempo em que são reconhecidos pela lei, são acusados de destruir o meio ambiente, e este é o principal argumento dos grileiros para retirá-los do local. Nesse ponto ocorre a interseção dos interesses dos órgãos ambientais e dos grileiros. A questão ambiental, na região, apresenta uma dupla face: de um lado ameaça a sobrevivência das populações, ao restringir as práticas tradicionais de produção e marginalizar os que persistem utilizando-as, o que serve de argumento para os processos de grilagem. Por outro lado, é responsável por um conjunto de leis que dificultam a expansão da especulação imobiliária, possibilitam ações integradas entre agentes urbanos, movimentos ambientais e caiçaras, além de oferecerem novas possibilidades de geração de renda e interação com o meio. A visão da ecologia como teia de ecossistemas integrados destaca a cultura como um dos pontos de ligação entre extremos, já que é por meio dela que a natureza, incluindo os próprios humanos, é percebida. Essa visão do homem como parte integrante da natureza, sujeito às suas transformações e também sujeito a transformá-la, caminha no sentido de equilibrar visões que durante muito tempo geraram conflitos exaustivos no debate científico. Tal debate também pode ser relacionado à questão dos que defendem a retirada dos humanos das áreas de proteção ambiental, e dos que tentam de todas as formas provar que os humanos podem ser agentes da biodiversidade florestal. A exclusão da cultura, como fator importante na análise ecossistêmica local, ainda está por ser mais considerada.

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Como podemos ver no artigo de Candice Mansano em Enciclopédia Caiçara: “Algumas vezes que os executores de leis ambientais foram interrogados sobre a situação difícil a que eles próprios levaram comunidades caiçaras inteiras, responderam, nas entrelinhas: “eles podem viver do turismo” ou “eles podem viver da pesca”. Talvez possam, mas este não é o ponto-chave da situação. O fato é que, para defenderem um modelo de Unidade de Conservação arraigado à preservação, o Estado tenta safar-se da responsabilidade de ter sido o causador da desintegração de toda uma cultura.” Dentro desse sistema de forças, uma das principais questões é a influência de um modelo de reservas naturais de uso restritivo. A criação de uma legitimidade no poder de implementação de tais áreas de proteção está relacionada a uma visão de recursos naturais renováveis. Este conceito moderno define a importância da natureza como fonte de matérias-primas para a produção industrial e disso deriva a necessidade de protegê-la. Esse capital bruto de um país, “essa articulação crescente da dependência (...) leva a uma transformação do mundo natural em mercadoria”. Tal visão da natureza contrasta brutalmente com a maneira cíclica como as comunidades tradicionais percebem a natureza. O conceito (abstrato) de recursos naturais é percebido pelas populações que dependem de um contato direto com os ecossistemas como algo do qual se vêem como parte integrante, ao qual estão ligados por lendas, tabus, rotinas de trabalho e lazer. E quanto ao manejo tradicional do ambiente em que vivem, Worster cita Altieri:

“Muitas práticas agrícolas, outrora consideradas primitivas ou mal orientadas, estão sendo reconhecidas como sofisticadas e apropriadas. Confrontados com problemas específicos de declives, enchentes, secas, pestes, doenças e baixa fertilidade do solo, pequenos agricultores em

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todo o mundo desenvolveram sistemas de gerenciamento único para superar essas restrições’. Uma das mais impressionantes e também mais usuais de tais técnicas gerenciais consiste em diversificar os produtos agrícolas em cultivo.”9 Se os caiçaras foram capazes de manter altas taxas de variedade genética em seus cultivos e áreas manejadas, como sua cultura não é também fator importante para a apreensão de técnicas agrícolas e de manejo florestal? Mesmo não compartilhando uma visão romântica dessas populações tradicionais, vistas como superprotetoras da natureza (este mito não procede, devido principalmente às queimadas), devese, contudo, atentar para a importância desses povos como guardiões de espécies geneticamente raras, sobretudo pelo avanço das culturas hibridas e transgênicas. É patente que as restrições das leis ambientais provocaram a diminuição das áreas cultivadas. Esse fato acarreta a extinção de espécies agrícolas e a quebra da segurança alimentar das comunidades. As recentes leis que incidem sobre as comunidades caiçaras já estabeleceram a necessária parceria com as próprias comunidades e a gestão das áreas protegidas compartilhada com seus moradores. Entretanto, a lei não está sendo cumprida pelos órgãos ambientais, como no atual caso da recategorização da Reserva Ecológica da Juatinga, categoria de área protegida que não existe mais no Sistema Nacional de Unidades de Conservação. O prazo de adequação expirou e foi prorrogado, sem que houvesse uma discussão ampla com os moradores da reserva. A maioria dos caiçaras presentes não foi informada sobre os processos de recategorização e simplesmente não compreendem o que está sendo discutido. Um questionamento frequente dos moradores é por que são fiscalizados pelos órgãos ambientais, proibidos de uma série de práticas, enquanto assistem aos barcos de arrasto entrarem no Saco WORSTER, Donald. Transformações da terra: para uma perspectiva agroecológica na história. ANPPAS – UNICAMP. Sítio Ambiente e soc. v.5 n.2 / v.6 n.1 Campinas 2003. http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S1414-753X2003000200003&lng=es&nrm=iso&tlng=pt, 2006. 9

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do Mamamguá, as mansões, o condomínio de Laranjeiras e percebem que, para a fiscalização, tais empreendimentos não são considerados prejudiciais à natureza. São muitas as histórias de propinas, policiais a serviço de grileiros e ações ilegais dos órgãos ambientais, que hoje fazem parte dos causos locais.

Segundo Warren Dean, “o decreto que proibia toda derrubada

ulterior de floresta nativa provocou imediatamente um terrível desgaste: a despeito de seus protestos de solidariedade, os ambientalistas não consideravam nem um pouco a difícil situação dos ocupantes tradicionais das reservas. Os fabricantes de canoas, os coletores de palmito, os cesteiros que trabalhavam com bambu e cipós e os cortadores de samambaias gigantes e sassafrás ficavam todos agora fora da lei.”10

Mas o processo histórico de formação das áreas ambientalmente protegidas no Brasil ainda está engatinhando nessa direção. Warren Dean, ao analisar esse processo, ressalta que, na história recente, tais processos não têm ocorrido de forma satisfatória:

“As unidades de conservação adicionadas nos anos 80 e início dos 90 eram uma miscelânea: vinte classes diferentes de reserva, criadas por uma multiplicidade de instrumentos legais (...) além de algumas unidades sem referência legal reconhecida. Era uma fragilidade estratégica(...).”11 A Convenção 169, aprovada em 1989 pela Organização Internacional do Trabalho, faz parte dos acordos internacionais pelos direitos humanos e revisou parcialmente a Convenção 107 sobre Populações Tribais e Indígenas, de 1957. É importante ressaltar que essa convenção abrange as populações tradicionais nativas, já que a tradução do texto para o português não foi correta. A palavra inglesa indigenous não significa apenas indígena mas também significa nativo. O que os define como tal é: “o fato de descenderem de populações que habitavam o país ou uma região geográfica pertencente ao país na época da conquista ou DEAN, Warren. A Ferro e a Fogo. A História e a Devastação da Mata Atlântica Brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 11 Idem. 10

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da colonização ou do estabelecimento das atuais fronteiras estatais e que, seja qual for sua situação jurídica, conservam todas as suas próprias instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte delas.”12 No ano de 2006 foi criada a Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais, na qual a liderança do Sono, Leila Conceição participa representando os caiçaras da Juatinga. Em 2013 foi criada na comunidade da Trindade, a Coordenação Nacional Caiçara, com a presença de lideranças dos estados do Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro. Através da articulação do Fórum de Comunidades Tradicionais: Caiçaras, Quilombolas e Guaranis, de Angra, Paraty e Ubatuba, se organiza o movimento de lideranças na construção de um novo horizonte na gestão dos territórios tradicionais. Através da Educação Diferenciada, do Turismo de Base Comunitária, da Agroecologia e da Permacultura o movimento se ampara nas legislações vigentes na busca pela garantia de seus direitos territoriais e culturais. A luta por um território caiçara reconhecido e demarcado a exemplo dos territórios indigenas e quilombolas é uma das principais bandeiras da recém criada Coordenação Nacional Caiçara.

Como se lê no Artigo 14 da Convenção 169:

“1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais, tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes.

Convenção 169 OIT http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=959:convencao-169-da-oit&catid=65&Itemid=571 12/10/2015. 12

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23.1 - O artesanato, as indústrias rurais e comunitárias e as atividades tradicionais e relacionadas com a economia de subsistência dos povos interessados, tais como a caça, a pesca com armadilhas e a colheita, deverão ser reconhecidas como fatores importantes da manutenção de sua cultura e da sua auto-suficiência e desenvolvimento econômico. Com a participação desses povos, e sempre que for adequado, os governos deverão zelar para que sejam fortalecidas e fomentadas essas atividades.”13

“Aqui termina essa história Para gente de valor prá gente que tem memória, muita crença, muito amor Prá defender o que ainda resta, sem rodeio, sem aresta Era uma vez uma floresta (...)”14

Convenção 169 OIT http://www.fundaj.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=959:convencao-169-da-oit&catid=65&Itemd=571 14 Saga da Amazônia. Elomar. http://www.letras.com.br/#!elomar/saga-da-amazonia 12/10/2015. 13

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Principais Informantes Paraty Mestre Hildo (marinheiro): História, hábitos caiçaras, herança indígena e caça. Obs: Caiçara morador do centro histórico de Paraty. Saco do Mamanguá S.Benedito (aposentado): Sacis ou “tentos”, protestantismo, fim da lavoura, barcos de arrasto, escravos, decadência social e econômica do Saco. Obs: Filho de um grande festeiro cujas festas foram lembradas em diversas localidades. Praia Grande da Cajaíba D.Maria (agricultora/comerciante): Nomadismo caiçara, bijus puvus, roças, herança indígena, grilagem e bailes. S.Filhinho (agricultor): Lendas e causos caiçaras. Obs: Casado com D.Maria. D.Dica (agricultora/comerciante): Roça e grilagem. Obs: Irmã de D.Maria, move processo contra capataz do grileiro que a ameaçou com uma arma de fogo. S.Altamiro (Mestre Grio/agricultor/pescador/comerciante): Roça, compostagem, viveiros agroflorestais, grilagem, herança indígena e pesca. Obs: Presidente da Associação de Moradores da Praia Grande sofre constantes ameaças do grileiro, além de ser réu em processo de reintegração de posse. 68


D.Jandira (agricultora/pescadora/comerciante): Feitio de farinha e grilagem. Obs: Casada com S.Altamiro. Praia do Pouso da Cajaíba S.Miguel (agricultor/pescador): Festas, bailes, comidas, rezas, lendas e causos. Obs: Casado com D.Tetéia, S.Miguel era o violeiro da Folia do Divino, que percorria as praias da Península. Ponta da Juatinga D.Maria (agricultora/pescadora): Roça, pesca e conflitos de terra entre parentes. Obs: Sua casa em construção na Praia dos Calheus foi destruída pelos agentes do IEF, na mesma operação que destruiu os ranchos na Praia Grande. Careca (agricultor/pescador): Gostos caiçaras. Obs: Casado com D.Maria. S.Olímpio (agricultor): Variedade genética das roças, controle do fogo na coivara, consórcio de espécies vegetais, sítio arqueológico, herança indígena, localizou a aldeia de onde sua avó indígena teria morado. Ponta da Rombuda Camuzinho (agricultor/pescador): Modo de vida caiçara tradicional. Creuseli (agricultora): Vida em um local isolado e vacinação infantil.

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Praia do Martim de Sá D.Capitulina dos Remédios ou D. Capita (dona de casa): Vida caiçara, caiçaras antigos e cata de mexilhões. Obs: Matriarca, segundo o filho S.Maneco, D.Capitulina tem mais de 100 anos e foi muito lembrada nas outras praias pela saúde. Segundo contam é capaz de rachar lenha e fazer trilhas mais rápido que um jovem e quando chegar pedir um tabaco. S.Manuel dos Remédios ou S.Maneco (pescador/agricultor/ dono de camping): Flora, fauna, desequilíbrios ambientais, história caiçara, antecedentes indígenas, sítios arqueológicos, grilagem, Ong, protestantismo, feitio de canoas. Praia do Cairuçu das Pedras S.Aplígio (agricultor/pescador/dono de camping): Feitio de farinha, poluição, agricultura, pesca, lendas, sítios arqueológicos, antecedentes indígenas e causos Obs: S.Aplígio, assim como D.Maria e S.Filhinho foram os únicos a relatar elementos da cultura caiçara extintos inclusive na memória dos outros caiçaras entrevistados, é casado com a irmã de S.Maneco, D.Dulcinéia. S.Jovino (agricultor/pescador/fazedor de canoas/dono de camping/ fazedor de tapitis): Sítio arqueológico cerâmico, antecedentes indígenas, feitio de canoas, extinção da fauna. Obs: S.Jovino é irmão de Seu Maneco e D.Dulcinéia. Jango (agricultor): Encantados e livro do séc.XIX. Obs: É irmão de D.Lorença e Francino. Francino (cesteiro/agricultor/dono de camping): Feitio de balaios e manejo de cipós.

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Praia da Ponta Negra S.Domingos (agricultor/pescador): Roça, alimentos industrializados, associação de moradores e tapitis. Obs: É casado com D.Dominga. S.Nelson (aposentado/pescador/agricultor): Roça, adubagem com feijão guandu, lenda da Mãe do Ouro, grilagem. Obs: S.Nelson foi um dos líderes locais que organizou a resistência da Ponta Negra contra a ação dos grileiros, aparecendo inclusive no filme Vento Contra. D.Dilma (aposentada/dona de camping): Bailes e trilhas percorridas até as festas. Obs: D.Dilma descreveu com detalhes os bailes e a dança de tamancos, que foi inclusive negada por muitos antigos que se tornaram protestantes. Nego (padeiro): Reflorestamento, desmatamento e conflitos da associação de moradores. Praia do Sono D.Baíca (agricultora/dona de camping): Roça e antecedentes indígenas. Preta: Jovens, ciranda e roça. Obs: Filha de D.Baíca. S.Nilo (aposentado): Protestantismo. Obs: Considerado caiçara mais velho da comunidade. S.Antônio (pescador/dono de camping): grilagem e protestantismo. Obs: Foi um dos líderes da comunidade na resistência à grilagem.

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Agradecimentos Manuela Giacomo, Tadzia de Oliva Maya, Seu Maneco, Dona Capitulina, da Praia do Martim de Sá, Altamiro dos Santos, Dona Jandira, Seu Filhinho, Dona Dica, Dona Maria, da Praia Grande da Cajaíba, meu grande amigo Ticote, o grande historiador caiçara Seu Olímpio da Ponta da Juatinga, guardião do Farol, Seu Piá, Dona Peca, Gigni, Paloma Sol Hertz, Marcelo Bueno, Carolina Carvalho, Bruno Pacheco de Oliveira, Kenzo Seto, Curumim Silva, Julia Grillo, Leila Maria Capella, Seu Aplígio do Cairuçu das Pedras, querido Francino cesteiro, seu irmão Jango. Agradeço também pelo exemplo de luta da Thati, do Papu, da Vanessa, da Marcela, Jadson, Almir, Regiane, Vaguinho, Ronaldo, Laura, Dani, da Flavinha, do Léo, do Marcio e do Manoel, Dani Migueletto, Beth, Martim e Lucia Cavalieri.

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