

Súbúrbio em aqúarela
Autora: Luiza Marques Eiras


Ficha catalográfica feita pelo autor
R000a Eiras, Luiza Marques
Súburbio em aquarela/ Luiza Marques Eiras - Rio de Janeiro, 2025. 32p.
ISBN 000-00-00-00000-0
1. Memória. 2. Identidade. 3. Súburbio 4. Rio de Janeiro 5. Literatura.
I. Eiras, Luiza Marques. II. Título
Súbúrbio em aqúarela ´




Crescendo no subúrbio carioca, somos cercados por uma beleza particular, de casas antigas, algumas em ruínas, repletas de vegetação que não são cuidadas por um jardineiro profissional, mas por trocas de mudas, por gosto do dono, para proteger a casa do sol ou por falta de tempo pra manutenção, essa mistura de estética por particularidades ou necessidades trazem uma identidade nem sempre apreciada, mas recheadas de história e memórias.
Esse livro é um convite ao observar, a valorizar detalhes que são só nossos, a revisitar o olhar para o subúrbio.

Começo ~
No começo do século XX o centro do Rio de Janeiro passou por diversas reformas e a destruição dos cortiços, as populações das regiões central e portuária foram obrigadas a procurar moradia em outras áreas da cidade, seguindo para o subúrbio, com construções próximas às estações de trem, transporte principal da época, a região se depara com um grande aumento dos moradores, além disso, as fábricas também migram para a zona norte, atraindo imigrantes em busca de trabalho, as casas eram erguidas pelos próprios moradores e iniciativas privadas, deixando a região carente de planejamento urbano, só no final da década de 20 é sugerido uma política urbana de construções baratas, mas que tivessem o mínimo de infraestrutura básica.

Casas em frente a estação piedade, antigamente conhecida como “Parada gambá”, os moradores não gostavam do nome, então uma moradora enviou uma carta:
“Por piedade, doutor, troque o nome da nossa estaçãozinha”
O pedido foi atendido e o nome do bairro foi trocado para Piedade.

A demanda por casas com melhor qualidade crescia cada vez mais, o subúrbio estava repleto de novas oportunidades, a fonte dos empregos já não era exclusividade do centro e da zona sul.



Casas em frente a estação de Ramos, a iniciativa da sua construção veio a pedido dos descendentes do capitão Ramos, dono de fazendas na região, para o uso da família.
No começo do século XX a população no Rio de Janeiro aumentava como nunca tinha sido visto antes, o bairro de bonsucesso foi um dos mais prósperos da Zona Norte, graças ao porto de inhaúma, esse sucesso se espalhou pela região da estrada de ferro da Leopoldina, precursora no financiamento para terrenos.
Diversas indústrias também chegavam na região, produtora de vidros, parafusos, tecidos, entre outras, assim a demanda por casa para os trabalhadores aumentou e é no ano de 1925 que a Companhia Imobiliária Nacional inaugura o bairro-jardim Maria da Graça, e em 1936, as terras adquiridas pela família Darke de matos, dona do café Globo e chocolates Bhering, foram transformadas na cidade-jardim Higyenópolis, a proposta para esses dois bairros era que fossem pequenas unidades urbanas, visando melhorar as condições de vida na cidade.
Ao andar por Higienópolis é possível observar a intenção desse projeto “cidade-jardim”, é comum encontrar casas bem planejadas e que chamam a atenção pelo tamanho.



Detalhes
Uma das coisas mais interessantes ao se olhar pros bairros do subúrbio são os detalhes diferente de casa para casa, o desenvolvimento urbano não foi feito de forma planejada, e a arquitetura por vezes vinha por necessidade ou por gosto do cliente, essas diferenças e o poder aquisitivo de cada morador, a depender da região, trouxeram características únicas para cada residência.

Casa em Marechal Hermes, o projeto da casa reflete bem as construções do século XX, com um andar, espaço interno bem dividido, uma pequena varanda na frente, muro baixo e o azulejo de santo logo acima da porta.

Já essa construção no Baraão do bom Retiro, Engenho Novo, reflete um uso comercial, com duas portas. Apesar dos desgastes a estrutura se mantém firme a sua estética.


Nas janelas temos um vislumbre da história daquela construção, muita influenciada pelo que estava em alta na época, e pelo material que se encontrava com facilidade, cada qual foi sendo moldada dentro de um estilo.




Os telhados também entregam as influências, eles carregam a estética com mais força, afinal remodelar um telhado nem sempre cabe no orçamento, e alguns também trazem a memória de uma moda que começou em 1740, os santos de azulejo, no começo do século XX se popularizou com a intensa imigração europeia.



Tradição portuguesa, os santos nos azulejos são um adorno abraçado pela fé que reforça a pluralidade de estilos e a identidade suburbana.
A confecção dos santos começou aqui no Brasil de forma artesanal, mas a recepção foi calorosa, o padrinho do Rio de Janeiro, São Jorge, era o mais pedido.


Vale lembrar que por muito tempo a cidade foi a segunda maior em população portuguesa, perdendo apenas para Lisboa.

No subúrbio também é comum encontrar portões baixos, resíduos da arquitetura do século passado, o espaço entre o portão e a casa é preenchido por vasos de plantas. A espada de São Jorge é a mais popular, presente principalmente na entrada, em diversas religiões se acredita que ela traz proteção e sorte.

A história dos “tijolos de caquinhos” reflete a realidade dos trabalhadores no século XX, especificamente na década de 40, as casas da elite tinham o chão revestido por cerâmica, enquanto os funcionários das fábricas tinham os pisos apenas com cimento, a moda era uma lajota quadrada, produzidas em vermelho, amarelo e preto, era comum o descarte de peças quebradas durante a produção, então certo dia um funcionário da fábrica pediu a empresa que pudesse usar os pedaços descartados, com os caquinhos ele revestiu sua casa alternando entre as cores, criando um design


belo e inovador, diferente do que se encontrava a venda, os outros trabalhadores logo se interessaram e em pouco tempo até a elite buscava agregar essa novidade nas suas casas, a estética resiste até hoje, apesar da fabricação ter sido encerrada é possível encontrar construções com essa decoração por toda parte no Rio de Janeiro.








Os caquinhos continuam marcando presença, seja numa abordagem mais tradicional ou com elementos modernos, como brasões de times.
Jardins partiçúlares


Como já foi dito, o subúrbio não teve um planejamento urbano adequado, então algo difícil de encontrar é o paisagismo urbano, não é que não exista vegetação, mas a que se encontra é a árvore que foi plantada pelo morador, o arranjo de pneu e os jardins particulares, muitas vezes vastos e carentes de um cuidado profissional.
O improviso não tira a beleza e os arranjos deixam de ser apenas estético para buscar uma função, que vai desde a reciclagem a impedir o vizinho de colocar o carro na porta da sua garagem.

Nessa esquina em Higienópolis os moradores se depararam com o problema de acúmulos de sacos de lixo e outros descartes, para resolver, além do aviso no poste, utilizaram um recurso natural, reciclável e funcional, o peso da terra impede que o pneu seja movido de lugar e as plantas trazem beleza e sorte, como se acredita no caso da espada de São Jorge.




Por ai
Cada bairro possui um universo de diversidades particulares, mas esbarramos com peculiaridades em comum,no subúrbio podemos contar com o chinelo na rua, o pequeno negócio, a espada de São Jorge, a parceria e a irreverência.





Esse espaço na rua Condessa Belmonte, no engenho novo, foi utilizado para plantar um pé de goiaba e ervas, uma iniciativa comum nos bairros do subúrbio.






