Espaço Coletivo - 1ª Edição

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Espaço Coletivo Informação de Interesse Público

Ano 1, 1ª Edição

R$ 0,99

História de peso

Ações solidárias são a base do coletivo que atua em favor de grupos excluídos Por Talita Alessandra

Projetos culturais na fotografia se destacam dentro do Coletivo pág. 4

Em abril de 2009 é formado um movimento no Jardim Pantanal, região da Zona Leste de São Paulo. Com objetivo de articulação social não estereotipada por classe, vestimenta ou algum fator classificatório, a ONG começa a expandir e agregar voluntários de diversas áreas. Eduardo Bustamante, presidente fundador do Coletivo Peso (que significa Periferia Soberana), afirma que a pluralidade de perfis hoje presente na organização é um fator importante de representação. “A justiça social não vai existir enquanto promovermos qualquer tipo de segregação”, afirma. Há parcerias que viabilizam o trabalho desenvolvido. O Instituto Crescer (ONG ligada à educação) formaliza as atividades e cantores de rap como Dexter e Gog dão visibilidade ao projeto. Foto: Coletivo Peso

Veja em palestras a parceria entre o Coletivo Peso e o MST pág. 3

Detentos se expressam através de desenhos na colônia penal

Entenda os caminhos da organização e os focos em que atua pág. 3 Cinema transforma realidade dos detentos pág. 4

A primeira ação do Peso se deu após um alagamento ocorrido em 2009 na favela do Jardim Pantanal. “Nesse evento ajudamos as vítimas das enchentes, com arrecadação de alimentos, roupas e utensílios de higiene, além de show de rap e debates sobre a situação na qual o bairro se encontrava”, relembra Marcelo Silva, membro do Coletivo. Para contribuir de forma concreta com a comunidade, mapearam as famílias que estavam em áreas de risco, contaram a quantidade de pessoas que tinham maiores necessidades e produziram um relatório que serviu de base para a distribuição dos itens aos moradores cujas casas foram atingidas pela chuva. O maior projeto do Coletivo Peso é o “Como Vai Seu Mundo?”. O nome é inspirado em uma música do rapper Dexter. O trabalho, nessa frente, é desenvolvido dentro de uma unidade prisional localizada em Guarulhos. “Defendemos o ponto de vista de não tratar os seres humanos de forma passiva, mas envolvê-los na luta”, afirma Bustamante. A relação da ONG com o Movimento Hip-Hop é forte desde o início, firmando parceria com cantores expressivos. “Os shows de rap não são voltados só para música, mas também para estabelecer momentos de troca de informações, diálogos e transformações locais”, aponta Marcelo Silva.


OPINIÃO EDITORIAL Lutar pelos seus direitos é um dever de todo cidadão. Atender às necessidades dos cidadãos é uma obrigação do Estado, uma obrigação Federal. Partindo dessa premissa, apresentamos nesta primeira edição do Espaço Coletivo um trabalho voluntário organizado por pessoas de diferentes ramos de atuação, classes sociais, mas com o mesmo objetivo: igualdade social. O Coletivo Peso é uma ONG (Organização Não-Governamental) que acredita e luta por justiça social. Sabendo que doações não são suficientes para uma mudança na sociedade e que o sistema prisional brasileiro é ineficaz, a ONG trabalha com ações dentro das penitenciárias de Guarulhos a fim de ressocializar os detentos. Apresentamos, então, neste primeiro informativo, toda a história do Coletivo Peso, bem como os projetos realizados junto à comunidade carcerária. Esta, longe das ruas, dentro de um mundo diferente, se expressa por meio da arte, detalhes que traremos nesta edição. Além disso, abordagens feitas em palestras, fóruns e material audiovisual trazem maior visão ao projeto. Isso e muito mais você confere neste primeiro informativo do Espaço Coletivo. Boa leitura e fique atento à nossa próxima edição! Nasci do outro lado do rio, aonde a grande mídia dificilmente chega para retratar nossa cultura de verdade, não a proveniente dos velhos ou novos colonizadores, mas a cultura que nós mesmos legitimamos, como o rap, uma das vertentes tão nossa, a trilha sonora da nossa luta que cansou de ser silenciosa e, hoje, consegue fazer tanto barulho incomodando a mídia e os burgueses nativos. Somos combatentes, incentivamos e fecundamos a semente da nossa cultura, independente e soberana. Cansei de acreditar no Estado e, principalmente, na mídia padrão, que abusa do poder que lhe é concedido e chega sem pedir licença, denegrindo a imagem da nossa casa e borrando identidades. O jornalismo mesmo somente dá “as caras” em meio a uma “tragédia”, colírios são esguichados pela tevê, com componentes que deturpam as visões a respeito das comunidades. Sim, me lembro da última vez que vieram aqui em janeiro de 2013 para noticiar um sequestro cujo sentenciado “culpado” foi preso. O Jardim Pantanal foi circunscrito como cativeiro apenas, abordagem medíocre mediante a tantos outros fatos. Se a violência ocorre do

Enchentes Por Larissa Valença

outro lado do rio, a justiça tende a correr como a brisa para atendê-los. Quantos já vi caírem pela mão do próprio Estado por aqui, mas nada da tal justiça. Nunca senti seu gosto, só sinto um amargo devaneio que me procura e me encontra sempre no mesmo lugar. Dei adeus aos meus devaneios. Ainda bem que estava munido das minhas utopias e minha capacidade de intervenção, porque os estereótipos sobre a periferia são jorrados pela grande mídia, sentenciadora da dicotomia do bem e do mal; nos atribui o mal como se aqui fosse o bosque perigoso dos antigos contos de fada. Mas novos horizontes e cores vividas que escapam da dicotomia preto e branco do bem e do mal chegam e podem nos atribuir mais luz do que qualquer rede elétrica, fruto do sistema que nos torna quase invisíveis na “civilização paulistana”. As mobilizações sociais e a mídia livre me possibilitaram encontrar quem queria brotar a semente de periferia soberana em terra fértil, independente das visões distorcidas e dos ambientes

inóspitos deles. Aqui é a nossa morada, nossa fragilidade é também nossa maior força. O que para eles é uma situação crítica, para nós é o nosso furor crítico que se desperta e não só clama por evolução como a obtêm por meio de troca de informações verídicas da nossa cultura. Fizemos do debate e das ações colaborativas nosso arroz e feijão, não precisamos da mistura, dessa chancela que é a grande mídia. A nossa mídia livre nasceu e hoje cresce como uma criança em avançada idade mental. Enchentes sempre estão presentes, seja na avalanche de informações negativas da minha periferia, ou como a água das chuvas que já nos castigou. No entanto, existem aquelas, prediletas, que inundam o Jardim Pantanal e outras comunidades com ideias de desconstruir o que não somos e dizem que somos e construir, tijolo por tijolo, uma transformação que cada integrante da periferia grita e necessita por causa de si próprio e mais ainda pelo grupo. Sim, essa é nossa cultura viva e que se procria por meio de oficinas, palestras e fóruns disponibilizados por nós e a nós no nosso campo.

O informativo Espaço Coletivo é um projeto experimental da disciplina PLJGRJ do 3º ano de Jornalismo, sob orientação gráfica e editorial da Profª Iêda Santos.

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Editor-chefe: Ludimila Honorato; Revisão: Aline Olilveira, Ludimila Honorato; Edição: Aline Oliveira; Diagramação: Aline Oliveira, Larissa Valença, Ludimila Honorato, Maday Florencio, Talita Alessandra; Pauteiros: Larissa Valença, Maday Florencio, Talita Alessandra.


ATIVISMO

O campo e o cárcere

Palestra em parceria com o MST leva a história do movimento a reeducandos de presídio Por Aline Oliveira município de Guarulhos. “O pobre tem de ter conhecimento de seus direitos, senão qualquer policial chega lá, o cara não sabe e fala: ‘Sim, senhor’. Se ele tem conhecimento dos seus Stedile à esq. e Bustamante à dir. em palestra do MST e Coletivo Peso direitos, ele caminha com a cabeça analfabetismo e também de um erguida”, conta Stédile, que logo professor de Inglês para lecionar no início da palestra explicou aos dentro das penitenciárias. detentos a primeira iniciativa do “O MST ficou muito Movimento Sem Terra. admirado com a mobilização Bustamante, amigo da família e que conseguimos ter dentro das de Stédile desde 2000, conta que com penitenciárias e ficaram muito a parceria dos dois movimentos foi satisfeitos com o discurso político possível estabelecer a formação de que entregamos semanalmente membros do Coletivo e participantes aos detentos que cumprem pena de seus projetos, doação de livros na região metropolitana de São e materiais didáticos, liberação Paulo”, finaliza Bustamante. da metodologia do MST contra o Foto: Coletivo Peso

Atuante com o objetivo de integrar os movimentos sociais, o Coletivo Peso desenvolve algumas ações e parcerias voltadas à questão carcerária. Uma das iniciativas está inserida no projeto “Como Vai Seu Mundo?”. “A ideia surgiu desde a fundação do Coletivo, pois o MST luta pela soberania da população rural com foco no trabalhador e trabalhadora do campo. Enquanto que nós trabalhamos pela soberania da população periférica urbana, nas comunidades e nos estabelecimentos carcerários”, diz Eduardo Bustamante, presidente fundador da ONG. Partindo desse ponto comum, foi possível pôr em prática o desejo de realizar, dentro do cárcere, uma palestra para os detentos com um dos membros do movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. João Pedro Stédile, economista e ativista do MST, esteve presente em setembro do ano passado no presídio José Parada Neto, localizado no

Militância do Coletivo é diversificada

Descubra quais são os focos do grupo que levanta várias bandeiras visando a soberania periférica Por Larissa Valença O Coletivo Peso iniciou sua caminhada em 2009, como militantes da comunidade do Jardim Pantanal, em São Paulo. Formado por membros e colaboradores de visão ímpar, com perfis e graus de atuações distintos. Segundo Eduardo Bustamante, presidente do grupo, para lutar por soberania (povo governando o Estado) o Coletivo não gira em torno de uma só causa, diferentemente da maioria das ONGS. “Somos um movimento pasteurizado, afinal, o problema social não está inserido em uma única classe”, afirma o militante. De acordo, com Marcelo Silva, um dos pioneiros do grupo,

os projetos estão abertos para colaboração, mas há rigorosidade para analisar o intuito do novo integrante. “A união deve ser movida em prol das causas, sem autobenefícios”, pontua Silva. Fortalecer a cultura própria da periferia sem interferência do imposto pela elite, é uma das bases do Coletivo. “Nesses locais já trabalhamos com eventos, palestras, fóruns e oficinas voltadas à temas que levam as evoluções necessárias, mas atuamos em outras esferas focando em cada necessidade específica”, descreve.

Militância para distintas frentes A diversidade de temas discutidos nos eventos tem como objetivo fomentar a luta por justiça social, tornando as minorias independentes de instituições que visam manter a pirâmide social vigente. Além dos eventos, o Coletivo atua por meio de mídias próprias (blog, programas de rádio e impressos) nas quais os ativistas mostram como pensam e agem. Essas publicações disseminam as visões diferenciadas da ONG, alimentando o olhar crítico dos ativistas e simpatizantes.

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ARTES

Cinema é meio de expressão

Oficinas cinematográficas contribuem para dinamizar as relações dentro do cárcere Por Ludimila Honorato Prosas, poesias e música são artes as quais as pessoas aderem para se expressar, seja num momento de alegria, tristeza ou revolta. Seja para mostrar uma inverdade ou uma verdade. Dentro do Coletivo Peso há um eixo de comunicação e informação composto por quatro pilares: cinema, jornalismo, rádio e TV e internet. As oficinas cinematográficas têm se mostrado como um fio condutor entre os detentos e a população externa. Kico Santos é cineasta e junto com um amigo criou o blog Cinema de Rua, em que postam vídeos sobre o cotidiano de São Paulo. Posteriormente, Kico fez parceria com o Coletivo e juntos produziram, até agora, dois filmes de ficção e um micro documentário; há um curta em processo de finalização.

As oficinas fazem parte do projeto “Como Vai Seu Mundo?” e instruem tanto os colaboradores da ONG como a população carcerária. Neste último caso, são destinadas aos detentos do semiaberto da Penitenciária José Parada Neto de Guarulhos. Cada oficina é realizada com cerca de 20 pessoas de modo que todos se envolvam no projeto e a unidade seja usada como cenário.

“É uma forma de colaborar com seus processos de reintegração à sociedade” “Primeiro discutimos os roteiros em conjunto com boa dose de improviso. Depois dividimos funções entre os participantes - quem vai fazer captação de áudio, rebater a luz, quem serão os atores. Só então partimos para a prática e tudo isso em um dia

de oficina”, explica Kico, que faz o trabalho há quase dois anos. Para Eduardo Bustamante, presidente do Coletivo Peso, a expressão liberta o detento e a partir disso é possível transmitir uma mensagem. “A partir do momento que o cara souber se expressar, ele entra nesse estágio pra aprimorar a expressão dele e transformar em informação pra conseguir atingir as metas e objetivos”, expõe o militante. Os vídeos são exibidos em palestras e reuniões da ONG pelo Brasil e estarão disponíveis no Youtube. Mais que uma forma de expressão, o cinema complementa o trabalho ressocializador do Coletivo Peso. “... os detentos têm uma forma para expressar seus pontos de vista, e também é uma forma de colaborar com seus processos de reintegração à sociedade”, finaliza Kico Santos.

Coletivo Peso se destaca pela cultura Oficinas de fotografia e cinema são trabalhos diferenciados

Foto: Coletivo Peso

Por Maday Florencio

Oficina de produção literária na penitenciaria

Com o intuito de transformar a realidade de jovens e adultos excluídos da sociedae em “periferia soberana”, o diferencial do Coletivo Peso é promover a troca de experiências entre classes médias e baixas. “É como se fosse uma ponte”, diz Eduardo Bustamante, presidente fundador da ONG. O militante diz que os movimentos não-governamentais

de São Paulo são muito “ilhados”, como a do movimento negro, do qual só pode participar se for da mesma cor, mesmo os ideais de luta sendo semelhantes. “A justiça social não existirá enquanto promovermos qualquer tipo de segregação”, defende o militante. Dentre os que trabalham com Bustamante estão um cineasta, dois jornalistas e três fotógrafos que realizam oficinas culturais para detentos, ex-detentos e pessoas de regime condicional. “Não é porque a pessoa mora numa região privilegiada que vou descartá-la desta caminhada”, diz o organizador em relação às suas parcerias. Os detentos em processo de recuperação, aos quais o trabalho da ONG dedica principalmente, precisam se expressar, e a não expressão gera revolta, depressão e violência.

“Eles precisam colocar pra fora o sentimento”, diz Bustamante. Em uma sociedade dividida por camadas, é possível aquelas que possuem ideias em comum se unirem para construir um trabalho que agregue valores de inclusão. O Coletivo atua para formar pessoas que desenvolvam o pensamento crítico. Depois do projeto, as penitenciárias não tiveram mais rebeliões internas. Em 2010, a ONG iniciou seu blog na internet (www. coletivopeso.blogspot.com), divulgando eventos e oficinas. O espaço também serve para Bustamante e sua equipe dissertarem livremente a respeito de assuntos pertinentes a causa do Coletivo e atitudes que a sociedade possui a cerca desse fato.


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