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Jornal Linha Popular - Camboriú, 26 de julho de 2013

Perfil

“Nasci e quero morrer na roça. Isso aqui é um paraíso” Neste domingo, 28 de julho, é comemorado o Dia do Agricultor. Como forma de celebrar a data, o Linha Popular conta a história de um homem do campo que acredita e batalha pela evolução do setor aliada à preservação do meio ambiente e à saúde

C

lênio da Silva nasceu na localidade dos Macacos, interior de Camboriú. Foi criado na roça ao lado do pai, Edir, e da mãe, Antônia. Dos 11 filhos do casal, foi o único que deu continuidade ao trabalho do pai, um dos primeiros produtores de hortaliças de Camboriú. Nunca se arrependeu da escolha, mas acredita que a agricultura precisa passar por uma transformação para que seu filho, Cassiano, faça o mesmo que ele e acredite que pode sobreviver da roça. Aos 8 anos de idade, Clênio já ajudava a família na lavoura. Lembra que a propriedade era pequena, mas que o pai sabia administrá-la para que rendesse o suficiente. “Meu pai era um colono organizado. Não tinha tanta terra, mas conseguia produzir tudo que fosse possível ali”, recorda. “Sempre teve banana, vaca de leite, batata doce, batatinha. Sempre produzimos queijo, nata. Do milho a gente fazia o fubá. Tinha galinha, ovo”, conta. E para que não faltasse comida na mesa, a mãe seguia um cardápio rigoroso. “Na época não tinha luz elétrica, então eles tinham outras técnicas para conservar a carne. Do gado fazia charque e porco ele matava três por ano. Era cozido e colocado em uma lata grande com banha para ficar conservado”, recorda. Os produtos que faltavam na mesa da família, o pai trocava por aquilo que tinha. A batatinha, por exemplo, era trocada por arroz e melado de cana. “Meu pai não tinha dinheiro, mas na nossa mesa sempre tinha um banquete”, afirma Clênio, ao recordar a mesa grande, de mais de cinco metros, em que sentavam os pais e os 11 filhos na hora das refeições. Foi dessa forma que ele aprendeu a administrar a propriedade rural. Os anos passaram, a área foi expandida, mas Clênio continuou cuidan-

Gustavo Zonta/LP

do da lavoura para que tivesse de tudo um pouco e, além de vender, os produtos cultivados ali pudessem ir para a mesa da família. Percebeu, ao longo de seus 43 anos, a evolução da agricultura. E aposta em uma grande mudança para que o setor sobreviva. Primeiro, Clênio decidiu que não precisava mais fazer feira em Balneário e em Camboriú. Em sua propriedade, montou uma banca e hoje, os clientes vão até lá, no interior da cidade, para comprar os produtos cultivados ali. Teve o apoio da esposa, Edinete. “Ela também nasceu na roça. Quando foi para casar, queria uma pessoa que gostasse daqui também. Deu certo”, conta Clênio. O casal e o filho trabalham juntos e Clênio acredita que Cassiano dará sequência ao negócio. “A tendência é que ele dê continuidade. Ele gosta daqui, gosta de mexer com animais”, afirma. Foi pensando no filho e

no futuro da agricultura que Clênio decidiu dar mais um grande passo: apostar nos produtos orgânicos. Hoje, 90% do que produz não tem nenhum tipo de agrotóxico. “Mudamos totalmente a mentalidade de lidar com a roça. O futuro é esse. Estamos tentando fazer da maneira mais limpa possível”, afirma.

Percebo que a agricultura precisa passar por uma evolução

“ O que falta, para ele, é incentivo dos governos e divulgação. “O governo e a imprensa precisam explicar o que é o produto orgânico, porque é importante consumir. Não é

o mais bonito, mas é o mais saudável”, explica. “Você não come a boniteza, você come a qualidade”, completa o agricultor. Sua propriedade já se tornou referência e é procurada inclusive por estudantes da Univali para pesquisas. “Sei que alunos hoje estão pregando isso”, diz Clênio, que lamenta, no entanto, que apenas a pesquisa não é suficiente. “As grandes marcas são vendidas por propagandas, então precisaria que os governos começassem a divulgar a importância do orgânico nas escolas, passasse propagandas na televisão, mostrasse como funciona na roça, a importância disso para a saúde e para o meio ambiente”, sugere. Defensor da causa, ele pensa em maneiras de aliar a produção orgânica a outras fontes de renda. “Eles querem fazer o turismo ecológico, o turismo rural, e isso aqui pode fazer parte dos atrativos”, de-

fende. “Poderia existir um sistema de ‘colha e pague’, em que a pessoa vem direto na roça colher seu produto, mostrar para o filho como nascem as hortaliças, colocar a mão na terra”, idealiza o produtor. “Isso seria importante para mudar a mentalidade e também um incentivo financeiro”, completa. Clênio sabe, no entanto, que muita coisa precisa mudar para que isso ocorra. Defende melhorias na infraestrutura, principalmente nas estradas que levam ao interior, e já discute com o poder público a possibilidade de seu produto orgânico ter uma certificação que comprove a qualidade. Tudo isso garantiria a permanência de Clênio na agricultura, a possibilidade de seu filho dar continuidade ao negócio, o retorno de muitas famílias à área rural e ainda saúde e meio ambiente preservado. “Percebo que a agricultura precisa passar por uma evolução. Para o meu filho poder ficar aqui, o cenário tem que mudar”, afirma. Clênio teve pouco estudo na área. O que aprendeu foi colocando a mão na terra. Já chegou a desistir da agricultura e se arriscar em outro setor, mas durou pouco. Um ano depois, estava de volta à roça. “Acabei voltando porque essa é minha área, é o que eu gosto”, explica. Hoje ele faz parte do conselho municipal dos agricultores, atua no Sindicato Rural e participa ativamente das discussões sobre o setor. Lazer, quase não conhece. Seu negócio mesmo é trabalhar. “A roça exige muito, tem sempre alguma coisa para fazer”, diz. Sua grande preocupação é com o futuro. “Daqui uns 10, 20 anos, quando a gente sair de linha, quem é que vai ficar aqui no interior, dando continuidade a esse trabalho? Quem vai ficar no nosso lugar, quem vai produzir?”, questiona. A única resposta que tem é que, da roça, ele não sai. “Minha vontade é nunca sair daqui. Nasci e quero morrer na roça. Isso aqui é um paraíso”, afirma o agricultor, que sonha com o dia em que seu produto será certificado, a agricultura orgânica valorizada e seu ideal levado adiante pelas futuras gerações.


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