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NAVEGANDO COM JORGE OLIMPIO BENTO

"As armas e os barões assinalados / Que da ocidental praia Lusitana / Por mares nunca de antes navegados / Passaram ainda além da Taprobana / Em perigos e guerras esforçados / Mais do que prometia a força humana / E entre gente remota edificaram / Novo Reino, que tanto sublimaram".

A consagração do direito a uma vida digna, realizada no caminho de perseguição da felicidade, implica a presença acrescida do desporto, a renovação das suas múltiplas práticas e do seu sentido.

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Sendo a quantidade e qualidade do tempo dedicado ao cultivo do ócio criativo (do qual o desporto é parte) o padrão aferidor do estado de desenvolvimento da civilização e de uma sociedade, podemos afirmar, com base em dados objetivos, que nos encontramos numa era de acentuada regressão civilizacional. Este caminho, que leva ao abismo, tem que ser invertido urgentemente.

Festival de Parintins

Parintins é uma cidade, sede de município, distante 372 kms de Manaus e localizada na margem direita do rio Amazonas. Fundada em 29 de setembro de 1669 com o nome de São Miguel dos Tupinambaranas (nome de uma tribo indígena), recebeu depois várias designações até adotar a atual em 1880, em homenagem aos povos Parintins. No brasão de armas ostenta, curiosamente, o lema que, segundo a lenda, D. Afonso Henriques viu no céu antes da batalha de Ourique contra os mouros: In hoc signo vinces.

Todos os anos, a seguir ao São João, tem aqui lugar um incomparável festival folclórico. Trata-se de um surpreendente e deslumbrante espetáculo de tecnologia, de cor e som que acende o fervor de largos milhares de entusiastas, vindos, de barco e avião, para o efeito. Durante dois dias e noites desenrola-se o duelo final entre os grupos do Boi Garantido e do Boi Caprichoso, duas fações rivais, vestidas respetivamente de vermelho e azul, que ao longo do ano dirimem, na capital manauara, pleitos em torno de músicas, toadas, danças e encenações, tendo o ‘boi bumbá’ como tema simbólico. A competição é tão acirrada que o vencedor, decidido por um júri escolhido a preceito e oriundo de fora, só é divulgado após a partida dos jurados.

O certame enche de espanto quem vem a este inimaginável acontecimento em plena floresta amazónica. Muito teria para contar ao leitor. Peço-lhe para procurar no Google informações e imagens que suscitarão a sua admiração. Afinal, nestas paragens também se celebra e exalta a Humanidade.

Gratidão e saudade

Regressei ao Porto, a cidade da Torre dos Clérigos, alta, granítica e sólida como o carácter, os princípios e os valores de quem se esforça por tocar no céu de anil. Trouxe comigo a generosidade da Universidade Federal do Amazonas e dos Amigos manauaras e de outras paragens, bem como a das águas do Rio Negro, da Amazónia e do Pará, que me fertilizam e aumentam em mim a gratidão e a saudade. Para as dizer não chegariam palavras mil. Resumo-as nesta formulação: Muito obrigado, Manaus e Brasil!

Evocação de Thomas More

Fez ontem 488 anos que Thomas More foi decapitado na Torre de Londres (6 de julho de 1535). Qual a razão do castigo? O autor de A Utopia, que tem por protagonista Rafael Hitlodeu, um marinheiro português, recusou vergar-se aos caprichos de Henrique VIII.

Os reis e os seus arbítrios são proteiformes. Hoje estão de novo em alta, com uma legião incomensurável de tartufos e servidores. Há uma gritante necessidade de utopias; igual é a escassez de quem esteja disponível para as proclamar.

Conselho do dia

Não discutas com imbecis e ignorantes. Discutir com eles constitui uma inútil perda de tempo; equivale a dar pérolas a porcos ou a querer jogar xadrez com pombos. Estes derrubam as peças, cagam no tabuleiro, vão-se embora de peito inchado, esvoaçam e ciscam sobranceiramente por cima de nós.

Quando esta guerra acabar…

Os mortos não cobram dívidas. Somente as cobram os vivos. Mas estes devem tanto uns aos outros que não terão como pagar. Engalfinhar-se-ão então a proclamar a cobrança de que defendem os direitos humanos, a lei internacional, a democracia, a liberdade, a inviolabilidade das fronteiras, a soberania dos povos, a segurança e até - quem sabe?! - o bacalhau a pataco. E as empresas de armamento incrementarão a produção para a próxima guerra, já em preparação.

Congresso Europeu de Ciências do Desporto Paris 2023 https://sport-science.org/index.php/congress/ecss-paris-2023

Os inscritos são aos milhares e a receita atinge os milhões. Quanto a presenças, ouvem-se as moscas nas salas e nos salões. O importante é pagar a inscrição e a deslocação e receber o certificado de participação. A aldrabice, a burla e a indecência elevadas à máxima expressão. Esta gente acha-se cientista e exibe ufana essa condição. Por conta dos impostos dos que labutam e sofrem para ganhar o pão. Haverá quem ponha cobro a tão sujo negócio e escabrosa aberração?!

José Mattoso e os docentes universitários de hoje

O Professor José Mattoso partiu ontem para a dimensão que já tinha: a da eternidade. Homem probo, de saber ampliado e fundo, procurou terra firme na existência movediça e sem horizontes aliciantes. Vários Amigos meus dirigiram-lhe palavras que escrevo com letra maiúscula. O José Alberto Correia (FPCE) viu numa obra a sua vida inteira: “O livro dele sobre Timor é um hino à emancipação e à dignidade.” O Luís Melo (FEUP) formulou um voto: “Que nos ajude a esquecer os cronistas vendidos que as editoras promovem.” O Cândido Agra(FDUP)teceuestejuízo:“Daexperiênciahistórico-críticadavida,só Mattoso.Orestosãocoscuvilheiras da experiência humana na flecha do tempo.”

O João Veloso, Professor de Linguística na FLUP, atualmente na Universidade de Macau, prestou-lhe uma homenagem que é, simultaneamente, uma análise brilhante e rigorosa do estado da universidade hodierna: “Quando eu escolhi a Universidade como modo de vida, os nossos modelos eram como o Professor José Mattoso (…) Pessoas discretas, possuidoras de uma cultura histórica e humanística impressionante, avessas à futilidade, ao vacuum mentale e à superficialidade. Pessoas que mediam o tempo devagar para estudar e escrever textos que dialogavam com o centro de nós. Pessoas que só falavam do que sabiam e que procuravam saber muito antes de falar pouco. Escreviam livros atrás de livros, ensinavam para além das aulas, ajudavamnos a perceber as questões mais fundas e mais complexas que nos explicam e nos complicam. O pensamento profundo não vai em cantigas. A Universidade de hoje dificilmente teria lugar para um erudito que não quereria saber de rankings, que não estaria preocupado em atingir os pontinhos da avaliação anual, que olharia com desdém para a Scopus, para o corrupio lantejoulado de congressos, para a freima de estar em todas para dizer o mesmo ou dizer nada nessas mesmas todas. Mattoso foi um dos últimos intelectuais que tivemos, que com lucidez e sabedoria interpretou o passado e o presente de Portugal e de Portugal no mundo (…) Que a morte que tudo pára nos ajude a parar para pensarmos no seu exemplo. Lux aeterna luceat ei, lux sua aeterne luceat super nos.”

Não é injusta a apreciação dos docentes de ontem, como o Professor Mattoso, e dos de agora. Alguns destes, bem poucos, ainda sentem prazer em preparar e dar aulas, em ler livros e cuidar da autoformação científica, intelectual, cultural e pessoal. Porém muitos detestam lecionar; o tempo é escasso para terminar artigos e pôr o nome nos efetuados por outros, em regra estudantes de mestrado e doutoramento. Uma triste realidade que corrói a missão da instituição e o prestígio dos seus membros. Estão a entregar o ouro ao bandido.

O pensamento é eterno. Não há dia em que não ouçamos ou vejamos a citação de um pensador de eras remotas ou recentes. O ProfessorJoséMattoso constitui umpadrãoconfirmadordaintemporalidade.Evaleigualmente como lição eloquente para quantos recusam pensar, mesmo podendo e devendo fazê-lo; encaixam no figurino traçado por Francis Bacon: “Quem não quer pensar é fanático, quem não consegue pensar é idiota, quem não ousa pensar é cobarde.” Eis o bando, a manada e a tribo: são vivos-mortos!

Boa noite!

A tarde já acabou. O sol foi matar a sede para lá da linha do horizonte, na imensidão do mar. É a hora do crepúsculo, de balanço e avaliação. Nesta altura incide sobre mim a luz que andou fugida durante o dia. Sinto saudades de gente radicalmente livre. De pessoas que, no pensar e falar, exercitem e configurem a expressão da liberdade. Há falta, imensa e sofrida, de gente assim. Cada vez mais. Estes tempos fazem doer a alma. Resta cerrar os dentes, conter o lamento e esperar pelos raios de uma nova manhã. Virá ou não?!

Rezo uma oração e sonho com o milagre: quanto mais nos misturarmos e cooperarmos, mais completo e perfeito será o coral, e harmonioso e atraente será o canto. Dá para sublimar as deficiências e fazer um mundo melhor, não dá?!

Indolência e autossatisfação

O impensável não existe, ao contrário do que sói dizer-se. Agostinho da Silva tem razão: somos portadores de uma preguiça atávica que nos impede de pensar todo o pensável, de levar até ao fim o esforço de observar e entender. Contentamo-nos em compreender fragmentos da realidade e afirmamos a visão pequena com a presunção de sabedoria que o sábio jamais pratica. Comparamos o pouco que conhecemos com o ainda menos que os outros enxergam, mas recusamos medir-nos com o mais que alguns, muito raros, logram perceber. E então tornamo-nos penedos de arrogância, bazófia e pesporrência.

Processo de Bolonha

Quando o famigerado processo foi anunciado, apressei-me a tomar posição contra ele. Porquê? Porque trazia no bojo a desvalorização científica e intelectual dos cursos e esta acarretaria a depreciação social e remuneratória dos quadros, o que hoje é bem evidente. Escrevi então vários textos e até livros nos quais denunciava o embuste. Numa das obras consta o seguinte apontamento:

“Bolonha, na versão portuguesa e com o pacote de medidas, leis e ‘reformas’ que o governo adicionou ao processo, é a cereja no topo do bolo servido em três dulcíssimas e complementares variantes:

• ‘Bulonha’, uma bula em que tudo é determinado, prescrito e imposto de fora, hierarquizando e distinguindo as áreas académicas com diferentes soluções no tocante à extensão da formação obrigatória, desconsiderando e asfixiando assim algumas (p. ex., as sociais e humanas) com um apertado garrote orçamental;

• ‘Borlonha’, uma borla que isenta os estudantes de um esforço e empenhamento por aí além e alivia o Estado do devido investimento financeiro;

• ‘Burlonha’, uma burla em todos os capítulos, ao serviço de uma agenda oculta no plano económico e de uma pobreza cultural e espiritual, conveniente aos suseranos desta hora.”

Isto e muito mais estava na cara. Só não viu e não tomou posição quem não quis; e agora chora baba e ranho.

Vendedores de promessas

Parece uma feira, onde tudo se compra e vende a preço de saldo, incluindo princípios e valores. Respira-se o ar fétido da hipocrisia. Os vendedores competem entre si e até se rasteiram para ver quem mais promete. Porém uma coisa são as promessas e outra as ações, sempre com o cálculo do lucro vindouro debaixo de olho. Dizem aos ucranianos que lutem até ao fim e que estão com eles. Estão mesmo? Estão dispostos a envolver os seus exércitos nos combates? Estão com eles ou apenas contra os outros? Guerra e mais guerra! Esse é o negócio e modo de vida dos pregoeiros. A história há de responsabilizar todos os que arrastaram a Ucrânia para a tragédia e o banho de sangue. Os invasores não são os únicos criminosos; também o são os que a instrumentalizaram para fins inconfessos, mas impossíveis de esconder. Entre os negociantes e os tratantes contam-se oligarcas e plutocratas indígenas; sacrificaram a integridade da nação à vileza da sua ambição.

Na Senhora da Graça

Ó Senhora da Graça, dai-nos uma vista tão boa como a que desfrutamos do teu santuário no alto do Monte Farinha! Acrescentai aos nossos olhos, que são fraquinhos e tendem a gastar-se, um cérebro. Por mais pequeno que seja, precisamos dele para visar melhor ao perto e ao longe. Sem ele, não conseguimos perceber o essencial, mesmo que esteja debaixo do nariz; e tropeçamos, a toda a hora, nos calhaus da estupidez. Deus não devia permitir que tanta gente venha ao mundo desprovida desse órgão, e incapaz de o criar durante a sua existência. É por isso que há cegos, idiotas e imbecis em todos os cantos e esquinas da terra, apesar desta ser redonda. Ora isto não se assemelha a obra divina.

Bendita Senhora, concedei-nos a graça de podermos também ver-nos a nós, por dentro e por fora, a maldade que acolhemos e as tristes figuras que fazemos, aquilo que não somos nem imaginamos e tanta falta nos faz. Amém! Como o compreendo!

Venderam-lhe ilusões e ações sem fundo de garantia. E fizeram-lhe promessas que não conseguem cumprir. Sente-se traído e não consegue disfarçar em público a irritação. Devia ter consultado a prudência e medido as consequências, antes de aceitar o papel e embarcar na aventura. Se tivesse estudado um pouco de história, nomeadamente a do Império Romano, veria que a paga raramente é a contratada e esperada. Agora é tarde. Quando convier ao imperador, este deixá-lo-á cair sem a mínima comiseração; esse dia já esteve mais longe. Na política dos interesses, de herói a vilão a distância é curta.

Colheita de frutos

Festejemos o facto de a seleção sub-19 de futebol ter ontem aberto as portas da final, a realizar no próximo domingo em Malta. O selecionador Joaquim Milheiro, tal como outros quadros deveras conhecidos, estudou numa Faculdade da Universidade do Porto. O ótimo labor, que têm efetuado nas federações e seleções, nos clubes e organizações nacionais e internacionais, não é obra do acaso, nem um milagre caído do céu! Foi antecedido de coragem, lucidez e visão no termo da década de 80 do século passado. Coragem para romper com o figurino tradicional na área da educação física e incluir o desporto na designação da instituição em causa e não aderir a modismos cientificistas com muita parra e pouca uva. Lucidez e visão para assumir o desporto como objeto de estudo e investigação, para o entender como fenómeno polimórfico e polissémico, para tratar as várias dimensões que encerra e conferir assim dignidade académica, científica e cultural ao ensino, à prática, ao treino e orientação das suas modalidades. Deste jeito abriu-se e alargou-se paulatinamente o horizonte profissional dos técnicos com formação universitária. Hoje ninguém de boa-fé recusa a sua adequada preparação para o desempenho de funções no setor. Valeu a pena!

Cansados da guerra

Há poucos dias, realizou-se em Bruxelas a Cimeira entre a União Europeia e a Comunidade dos Estados LatinoAmericanos e do Caribe (UE-CELAC).

A reunião correu bem. Ofereceu a alguns dirigentes europeus a oportunidade de perceber, como reconheceu o primeiro-ministro holandês, que países soberanos não estão disponíveis para receber lições de sobranceria; e que muitos não apoiam a continuidade da guerra e o crescendo do investimento armamentista. A distância permite ver os factos com mais racionalidade e serenidade. Do que o mundo e os povos precisam é de paz, de confiança e cooperação.

Do reino de Deus

O reino pregado por Jesus é aqui e agora. Os falsos profetas das diversas igrejas situam-no além da vida; não ingenuamente, mas para impingir a submissão aos abusos e donos deste mundo. O entendimento de Cristo era outro; advogou um reino de Deus oposto ao vigente. Em nome da justiça, da decência, da equidade e do avanço civilizacional, fez oposição aos poderes instalados. Por isso foi julgado e condenado à morte pelos vários potentados existentes, sob o aplauso da plebe e a omissão da maioria. Ambas preferem, em regra, seguir os populistas e dar as costas ao punhal.

Jesus proclamou uma utopia e morreu por ela. Ignorá-la e atraiçoá-la não é ser cristão; todavia, é o que mais há entre os que fazem o sinal da cruz.

Viagem imperativa

Há 54 anos, os humanos lograram chegar à Lua. A curiosidade e o espírito de aventura, a ousadia e a vontade superaram a distância e o medo do desconhecido.

Estranhamente, de então para cá, afastamo-nos paulatinamente da Humanidade. Fazer o caminho do regresso à Mãe-Terra e à vida em paz é hoje condição de sobrevivência. A clarividência não abunda e o ânimo está enfraquecido. Todavia, não temos alternativa; urge recriar Prometeus e Odisseus para dobrar a cobardia cívica, intelectual e moral.

Ser alguém na vida

Em criança era frequente escutar dos mais velhos o conselho de que devíamos ir à escola e estudar para ser alguém na vida. Creio que disse o mesmo aos filhos; e que a sugestão continua hoje a ser formulada e ouvida.

Todavia, a recomendação não me parece rigorosa e saudável. O vir-a-ser é uma doença da alma e cegueira do intelecto. O importante é o Ser, descobrir e defender a dignidade ética que o sustém. Todos somos alguém; não são a escola e a universidade que conferem esse estatuto. Há uma subtil mas essencial diferença. Estuda-se e tira-se um curso para formar melhor a Pessoa-cidadão, contribuindo assim para a melhoria da comunidade e do mundo. Este sentido afigura-se justificação mais sólida e abrangente da benévola e tradicional sugestão.

Europa em mudança

O Estado Social e o SNS já eram, a Educação e a Cultura também. Há que mudar o foco para a industrialização. A pandemia pôs a nu o disparate de ela ter sido abandonada e mudada para outros quadrantes; quem nos valeu foi a China, produtora de instrumentos que tanta falta fizeram para salvar vidas. Depois veio a invasão da Ucrânia; pegou-nos de novo com as calças na mão. Os dirigentes europeus aprenderam finalmente a lição. Doravante a Europa vai tornar-se um gigantesco estaleiro de fabrico do mais eficiente armamento: aviões, carros de combate, armas pesadas e ligeiras, bombas e munições, drones, mísseis, navios e submarinos e toda a parafernália de máquinas bélicas. O resto passa para segundo plano ou é mesmo posto de lado.

A clarividência e a sabedoria dos nossos líderes mostram que a Europa está de volta à Idade Média. Ora nesta é a guerra que dita a lei e a sorte. Temos que nos defender dos bárbaros; só que eles moram cá dentro e já saquearam tudo quanto havia para saquear. Os rios secam, as florestas ardem, a luz do espírito e do intelecto apaga-se, a cegueira alastra, os artistas, os pensadores, os vates e utopistas estão adormecidos ou extintos, a esperança exilase.

Acorda, albardeiro de ti mesmo!

Procusto, o dono da estalagem, recebe-te de braços abertos; até oferece dormida grátis! Ficas desvanecido com a generosa hospitalidade, após a longa e extenuante viagem. A linguagem e os modos do anfitrião são tão doces que não suspeitas da barbárie à tua espera. Só demasiado tarde dás conta que a cama é de ferro, não há outra e o tamanho não corresponde ao teu. A fôrma única é implacável com os desvios. Se fores mais comprido do que o leito, o estalajadeiro serra-te as pernas; se fores aquém, ele estica-as e ficas com as articulações e os ossos desfeitos.

Será isto um mito? Não, não é. É prática atualíssima; assume diversos modos e vigora em várias instâncias. Mito, sim, é o de Teseu. Este jamais virá libertar-te e matar o monstro. Tens que ser tu a assumir essa incumbência. Não enterres a cabeça na areia: se aceitas ser albardado, a albarda tem sempre a medida do dono; esta é a tua. Queres que seja diferente? Então acorda, albardeiro de ti mesmo!

Da hipocrisia e da vinda do Papa

D. Hélder Câmara, ex-arcebispo de Olinda e Recife, pôs a hipocrisia ao léu: se deres comida e esmolas aos pobres, chamam-te cristão; se questionares porque é que eles passam fome e as demais necessidades, chamam-te comunista.

Os pobrezinhos continuam a dar muito jeito para praticar a caridade e comprar assim um lugar soalheiro no céu. Não é, pois, conveniente nem sensato combater e erradicar a pobreza.

O Papa Francisco vem aí. Os tão simpáticos políticos e purpurados, em vez de o cercar com salamaleques, deviam mostrar-lhe os pobres, cada vez mais abundantes entre nós. Ele gostaria de os encontrar, porquanto interpreta bem os Evangelhos.

Aos hipócritas basta uma confissão e bater no peito para remir o pecado. Mas isso não os livra da condenação pelo Deus da Justiça e Verdade.

Invasão do Território: esclarecimento

Venho dirigir-me aos Ex-Estudantes e Professores de Educação Física e Desporto. Em 8 de junho passado postei aqui um texto de estupefação e protesto no tocante ao ‘Curso de Prescrição do Exercício’, criado pela FMUP e “destinado a licenciados ou detentores do Mestrado Integrado em Medicina”.

Levei o assunto ao conhecimento de Professores da UP e de outras universidades e IES, visando sensibilizar as pessoas e instituições da área para a tomada de uma posição. No dia 11 de junho enviei ao Senhor Reitor da UP o email que exaro abaixo. Este não teve resposta até hoje, o que não surpreende, dada a norma educativa em vigor. No entanto, a Faculdade de Desporto surge agora, no prospeto do curso, como parceira na organização do mesmo, mantendo-se os destinatários iniciais (?!).

Ficam assim prestadas contas do labor desenvolvido. Aproveito a oportunidade para lhes desejar as melhores férias possíveis.

“Senhor Reitor da Universidade do Porto:

A FMUP - Faculdade de Medicina da Universidade do Porto tornou público o Curso de Prescrição do Exercício, “destinado a licenciados ou detentores do Mestrado Integrado em Medicina”. Tive conhecimento do facto, há alguns dias.

O curso, com a duração de 48 horas e o custo de 600 euros, tem o objetivo, conforme o edital de divulgação anexado no fim desta exposição, de “desenvolver as competências e conhecimentos necessários para que, através de uma boa prática, o profissional de saúde possa prescrever exercício aos seus doentes numa perspetiva de prevenção e tratamento.” Mais, “o curso assenta num regime presencial e a distância (b-learning), possibilitando aos estudantes o acesso às aulas através da combinação de 3 vias (presença em sala de aula, videoconferência e aula gravada).”

Não me quero pronunciar sobre as modalidades das aulas, embora sejam questionáveis em função do objetivo enunciado. Não posso, porém, deixar de afirmar que aprender, em 48 horas e até sem requerer a presença dos aprendizes, a passar uma receita de prática desportiva ou de exercício físico, bem como a respetiva base científica e técnica, constitui obra de monta e envolve um preço baixo, tão extraordinário é o prodígio. Compreendo a necessidade das Faculdades recorrerem à oferta de cursos para suprir as dificuldades orçamentais. Todavia, estranho que a visão comercial se sobreponha à tradicional missão institucional. Ademais, estranho, sobretudo, o silêncio da Faculdade de Desporto perante a invasão do território, a exclusão dos seus licenciados e mestres da frequência do curso, e a não participação dos seus docentes na lecionação do mesmo, sendo a saúde assunto interdisciplinar. Como é sabido, há na FADEUP programas de extensão, linhas de pesquisa e um Centro de Investigação em Exercício e Saúde, cursos de mestrado e doutoramento na área, com suporte financeiro da FCT e avaliação da A3ES. Sem falar na diversidade de cadeiras da Licenciatura atinentes à matéria aqui em apreço. Tudo isto perfaz um relevante capital e património de experiência e saber que não pode ser desconsiderado. Ou será que, afinal, também na Universidade impera a lei do mais forte e ela se sobrepõe à razão epistemológica e ética?

Agradeço a atenção de V. Exa e apresento os melhores cumprimentos.”