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NAVEGANDO COM JORGE OLIMPIO BENTO
"As armas e os barões assinalados / Que da ocidental praia Lusitana / Por mares nunca de antes navegados / Passaram ainda além da Taprobana / Em perigos e guerras esforçados / Mais do que prometia a força humana / E entre gente remota edificaram / Novo Reino, que tanto sublimaram".
A consagração do direito a uma vida digna, realizada no caminho de perseguição da felicidade, implica a presença acrescida do desporto, a renovação das suas múltiplas práticas e do seu sentido.
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Sendo a quantidade e qualidade do tempo dedicado ao cultivo do ócio criativo (do qual o desporto é parte) o padrão aferidor do estado de desenvolvimento da civilização e de uma sociedade, podemos afirmar, com base em dados objetivos, que nos encontramos numa era de acentuada regressão civilizacional. Este caminho, que leva ao abismo, tem que ser invertido urgentemente.
Para N O Esquecer
O futebol também é um jogo, inventado pelo Homo Ludens, aquele ser que gosta e precisa de brincar e sorrir. Isto não devia precisar de ser recordado; porém as perversões e instrumentalizações, a que vem sendo submetido, obrigam a tomar posição. Se for vivido como luta de vida ou morte e como palco de difusão de inimizade e ódio, se virar costas à alegria, à convivialidade e criatividade, então adultera a essência, falta a si mesmo, à matriz e razão da sua criação.
Pulga Atr S Da Orelha
Quando ouço alguns fedelhos, mal saídos dos cueiros e já ávidos de ser líderes políticos, falar da necessidade de reformas estruturais, sinto uma pulga a morder atrás da orelha. Qual o sentido de tais propostas: será para servir o progresso do país ou para alargar e consolidar as formas de escravatura, instituídas pela selvajaria neoliberal? A pergunta não é à toa. Com efeito, são não poucos os novos esclavagistas, com brasão no nome, pó de arroz no rostinho de leite e verniz nas unhas do linguajar, desejosos de aumentar o número dos escravos; não lhes basta que estes sejam muitos, querem sempre mais.
‘SUCESSÃO’ DO SUCESSO
A volúpia de reconhecimento é uma das pandemias e dependências desta era. Atingimos um estado de indispensabilidade do sucesso. Não basta alcançá-lode vez em quando, nem tampoucoé tolerável perdere reservar momentos para o saborear. Ele tem que ser procurado obsessiva e incessantemente, todos os dias e a toda a hora. Somos assim compelidos a tornarmo-nos o ‘animal eficiens’ em laboração contínua, a conceber e consumir a vida numa sucessão ininterrupta de etapas comandadas pela tomada de poções cada vez mais fortes de ‘sucessoína’. Estamos tão viciados nela que não vemos a deformação e desagregação que provoca no plano pessoal e no panorama social. Não temos tempo para cuidar da nossa formação intelectual, espiritual e cultural, para a família, para brincar e falar com os filhos e mimar os netos; nem, muito menos, para cultivar a amizade, o convívio e os restantes rituais e obrigações da Pólis.
Existimos dentro da jaula de um mundinho mesquinho, elevado a grandeza máxima, que apouca e destrói a nossa humanidade. Os caminhos estão cheios de gente acelerada que, paradoxalmente, jamais chegará à meta desejada; fica mortalmente exaurida na correria, e com esta inscrição na testa: as máquinas não têm regeneração.
Filosofia E Desporto Em L Ngua Portuguesa
Nasceu oficialmente ontem, no Salão Nobre da Reitoria da Universidade do Porto, a Associação de Filosofia do Desporto em Língua Portuguesa. Trata-se de um casamento natural, porquanto as duas entidades partilham bens essenciais à vida: a humildade e a transcendência.
A atitude de humildade da filosofia foi expressa por Sócrates: “Só sei que nada sei.” Esta confissão obriga os filósofos a seguir o rumo da transcendência, tentando dar às ideias a melhor forma possível. No desporto vigora a mesma axiologia; o reconhecimento das incompletudes, imperfeições e inabilidades intima a percorrer a via-sacra da exercitação contínua, buscando que o corpo atinja o nível de aptidão e expressão ao seu alcance.
O ato de batismo da AFDL contou com intervenções muito assertivas, nomeadamente da Doutora Maria Luísa Ávila da Costa ( Professora da FADEUP) e do Doutor Odilon José Roble (Professor e Diretorda FEF-UNICAMP).
Merece particular destaque a alocução de encerramento da cerimónia, proferida pela Professora Joana Carvalho, Vice-Reitora da Universidade do Porto. Apelou à conciliação das partes desavindas da condição do Ser Humano: a intelectual e a corporal; e formulou o desejo de ver renascer o pensamento, enterrado por várias certidões de óbito nas últimas décadas.
Oxalá a AFDL esteja à altura do desígnio que assumiu e contagie outras áreas no sentido de privilegiar a reflexão e a cooperação na língua portuguesa, o idioma que Cervantes considerou o mais belo do universo e Olavo Bilac “a última flor do Lácio”!
Educa O Para A Guerra
Fui educado para a guerra, desde os bancos da escola primária! Não se espante o leitor; com a maioria das pessoas, pelos menos as da minha geração, sucedeu o mesmo. E não apenas em Portugal, mas em todos os países. O ensino da história pátria, das batalhas travadas, das conquistas realizadas e das derrotas sofridas, cuidou de entranhar em nós o sentimento de depreciação, de hostilidade e inimizade em relação aos outros povos. Aprendemos a vê-los como ameaça, a desconfiar deles, a olhá-los de soslaio, sempre com um pé atrás. Alguns feriados e o hino nacional avivavam essa atitude. A religião deu também uma ajuda de peso; os sarracenos e os que não partilhavam a nossa crença eram inimigos de Deus, merecedores de acérrimo combate. O ensino secundário seguiu por esse itinerário; e o superior pouco ou nada mudou neste capítulo.
Só muito tardiamente iniciei uma aprendizagem de sentido diferente, que está longe de obter o diploma de conclusão. Conforme a visão lúcida de Miguel de Cervantes, “andar por terras distantes e conversar com pessoas diversas torna os homens ponderados.” Isto altera, para melhor, o olhar, a consciência e sensibilidade, e dá alguma sabedoria. É o que vem acontecendo comigo.
A linguagem em circulação nesta hora e o crescendo de fobias a nações, a grupos e a pessoas levam-me a concluir que a situação regrediu às bitolas de outrora. Tudo sugere que a educação continua a inclinar-se para a guerra e não para a paz. Em todo o mundo.
Humildade De Fins E Meios
Há quem julgue ser um farol potente, permanentemente aceso, capaz de cegar e guiar com tanta luminosidade as criaturas perdidas e à deriva na imensidão do mar da bruma e dúvida infindas. Não pertencem a esse escol os professores; alguns mal ganham para pagar a conta da eletricidade. Logo, estão obrigados ao comedimento e à modéstia das atitudes e pretensões. São tão-somente praticantes dos ofícios constituintes da missão e profissão. Deitam mão a candeias, lamparinas e velas, enfim a tudo quanto seja fonte e instrumento da claridade, para que o crepúsculo não progrida, a inteligência não se extinga e a escuridão não se instale.
SÊ COMO AS ÁGUIAS!
Quando um qualquer idiota te importunar, não discutas com ele, nem te deixes enredar na armadilha que tece ao teu redor. Procede como as águias em relação aos corvos: voa para bem alto, porquanto na altitude os idiotas não conseguem respirar. Se forem atrás de ti, ficarão asfixiados e não te apoquentarão mais, sem que a culpa seja tua.
Os Novos Escravos
“Ser bacharel - uma qualidade que se exige para tudo, e que se não respeita para coisa nenhuma”, assim criticava e lamentava Eça de Queiroz a situação na sua era.
Hoje o cinismo está refinado. Os escravos de outrora eram analfabetos; os escravizados de agora possuem diploma de licenciado, mestrado e doutorado. Os de antanho tinham grilhetas nos pulsos e nos pés para não poderem fugir; os deste tempo têm cadeados na vontade para não desejarem insurgir-se contra as novas formas de escravidão.
Heter Nimos De Barrab S
Naquele tempo Pôncio Pilatos concedeu ao povoléu a possibilidade de escolher entre o Filho do Homem e Barrabás. A turba não hesitou; berrou a opção pelo segundo. Hoje a situação repete-se, embora o cenário seja caricato; muitos putativos e ditos seguidores do Nazareno elegem heterónimos do energúmeno posto à solta. Aqui, na Europa, nos EUA e por esse mundo afora. Batizados com diversos nomes, nacionais ou estrangeiros, os grotescos Andrés e beis de Tunes são aclamados em toda a parte. Os povos têm o que merecem; as mãos lavam-se com água, a alma e a consciência só com ações.
Crucifica O Da Europa
O infortúnio dos povos decorre, por via de regra, da falta de clarividência e lucidez dos dirigentes. Isto vale para todas as épocas.
Ora, a União Europeia não conta hoje com líderes à altura dos desafios colocados pelas circunstâncias. Eis a desgraça desta hora e a causa das desgraças que estão por vir e prefiguram a queda no abismo. Com dirigentes lúcidos, mais preocupados com o destino europeu do que com a sua carreira, a UE teria evitado a invasão da Ucrânia. Se não se tivessem entretido na montagem da arapuca onde a Rússia caiu estupidamente, não veríamos agora correr o rio de dor, morte e sacrifício; ele estaria seco. Mas a corte de Bruxelas escolheu outra via: em vez de se esforçar por integrar a nação russa, de matriz cristã e ocidental, depreciou-a e acabou por empurrá-la para outros braços. Ademais, abdicou do protagonismo num mundo multipolar e contenta-se em ser pajem de alguém cioso de manter o trono unipolar a todo o custo. Não se apercebe do papel de falsete que desempenha na tragédia da inversão da relação entre a política e a guerra: tornou a primeira instrumento da segunda. Os efeitos estão à vista: à perda de vidas e à crise económica junta-se o apoucamento da influência no cenário universal. Aos olhos do sul global, ela não se liberta dos tiques do passado colonial. Enfim, a Europa jaz numa cruz, erguida por mãos manchadas de sangue. A história não se esquecerá de julgar os autores do crime e os seus cúmplices. ALELUIA!
O som é estranho e intrigante. A que tocam os sinos neste Domingo de Páscoa? O dobre propaga-se pela terra inteira; é pungente e não consta que alguém tenha falecido, pelo menos com rosto de gente conhecida ou familiar. O melhor será perguntar aos sineiros, quando descerem dos campanários. Responderão que tocaram movidos pela esperança de ressuscitar a decência e a justiça, mortas há demasiado tempo. Não sabem se foi em vão, mas nem por isso as suas bocas e mãos deixam de soltar gritos e súplicas de aleluia.
Pela Ressurrei O Do Pensamento
O livre pensamento, a liberdade suprema, aquela capacidade inata que todos temos mas poucos conseguem usar e aperfeiçoar, vive em estado de letargia e sepultura. Bem sei que o pensar livremente é uma utopia cuja realização conhece vários degraus. A razão é simples: somos ‘sujeitos’, estamos obrigados a guardar sujeição aos princípios em que nos revemos. Mas isso não nos desobriga de cortar as amarras impeditivas da liberdade de pensar.
“Cogito ergo sum”, proclamou René Descartes, estabelecendo assim um pré-requisito da existência. Se somos entes ‘pensantes’, não devemos fugir à obrigação de ponderar, duvidar, questionar e imaginar a realidade num patamaroutomsuperior.Istonãoestáao alcancedegentecomraciocínioestreito,incapazdesaltaras cancelas do redil dos preconceitos da mais diversa índole. Destarte é impossível ser genuinamente humano, definir um rumo que leve além do marasmo.
Somos doentes dos olhos; é o pensar que nos permite ver, perceber, admirar, sonhar e visar o Grande, o Diferente, o Estranho, o Outro,o antesnãoimaginadoe não pensado. Isso deviaser,mas não é,hábito e rotina. “Pense!” – intimaa IBM. “Pensedeumaforma diferente!” – reagiu a Apple, sintetizandoaessênciado pensar: um ato de divergência e inconformismo. E Eça de Queirós advertiu: “Não tenha medo de pensar diferente dos outros. Tenha medo de pensar igual e descobrir que todos estão errados!”
Só experimenta a liberdade de voar quem abandona as certezas e ideias feitas, levanta voo sobre o que não sabe e interroga as convicções. Os modos de calcular, ligados a entidades de filiação e obediência, não bastam, carecem de ampliação, porquanto são redutores e dificultam o estabelecimento de pontes de diálogo e entendimento para resolução progressiva dos problemas que afetam a Pólis. Eles enredam em dogmas e estigmas, induzem a conduta de rebanho, embotam o uso da razão, inibem a formação da consciência individual. Ora, sem aprimoramento desta não há verdadeira consciência coletiva, mas tão-somente senso comum, condicionado e impingido pelos poderes que instrumentalizam a seu favor o aparelho mediático.
A sociedade e a democracia genuínas não serão alcançadas enquanto a maioria dos cidadãos, qualquer que seja a orientação ideológica, não encarar os factos, continuar refém de crenças e falácias, se deixar levar por modas discursivas, aceitar a dependência e formatação mental, não sentir a necessidade de fazer uso da racionalidade e elaborar noções próprias. É tempo de dizer aos partidos verdades duras:
• Estão decrépitos nos símbolos e nos métodos de funcionamento;
• Alguns têm designações mentirosas, destinadas a encobrir o ideário;
• São grupos de conquistado poder para si mesmos e as oligarquias vigentes, à custa da instigação da discórdia e guerrilha entre os cidadãos;
• Não podem continuar a vender gato por lebre e a exaurir a democracia;
• A ágora e a praça pública da política pertencem-nos mais do que a eles;
• Somos o centro e o fim da Pólis e não o instrumento de realização dos interesses das corporações, sejam as partidárias, sejam as mandantes destas;
Assumam a renovação inadiável para merecer a nossa confiança.
A hora é de acordar e levantar contra as forças e sistemas de manipulação e coisificação, que persistem em impor-nos uma ordem moribunda e putrefacta que nos aliena e atira para o abismo da humanidade e da civilização. Cada um é desafiado a estar à altura das circunstâncias e responsabilidades, a ser fator ativo da refundação da humanidade e da civilização, à luz de uma visão universal e de uma cidadania planetária, bem como de ideais acima das meras coisas. Impõe-se olhar ao redor; não estamos sós, ao nosso lado há inúmeros seres humanos naufragados na dificuldade e angústia. Ninguém virá mudar o mundo; foram as criaturas humanas que o trouxeram a este ponto, apenas elas podem impulsionar a transformação necessária. Passamos pela terra com o corpo mortal, iluminado por ‘coisas’ que o transcendem. É esse conjunto que nos possibilita o livre arbítrio e a gestão da vida e nos culpabiliza pela delapidação desta, pelo monturo de miséria e morte, de indecência e indignidade, de injustiça e escravidão, de negação de ‘quem’ devíamos ser. Daí provém a exigência de mudança radical da situação de humilhação em que nos encontramos.
Hist Ria Dos Imp Rios
A existência dos impérios percorre três estádios: ascensão, apogeu e queda. Pelo meio há muitas opressões de povos. No prelúdio do final acumulam-se as ameaças a nações soberanas; e até os maiores aliados e amigos geram desconfiança e podem tornar-se inimigos. Nenhum potentado logra escapar a esta trajetória resumida. No presente são notórios os sintomas paradigmáticos e ilustrativos da assertividade da narrativa. O destino do declínio espreita inexoravelmente qualquer superpotência, por mais façanhuda e tonitruante que seja.
Tica Das Convic Es E Tica Da Responsabilidade
A primeira afirma os princípios e fins que devo servir e tentar realizar. A segunda aponta os passos para lá chegar; e os que não posso dar, sob pena de inverter a marcha e trair a meta para onde quero caminhar.
As duas éticas não são opostas, mas complementares. Se, em nome da primeira, matar a verdade e propalar a mentira, virar as costas ao possível e abrir as portas à vinda do pior, falto à responsabilidade e ateio o fogo onde as convicções se vão queimar.
A dialética de ambas está em jogo no tocante à invasão da Ucrânia. A vontade de derrotar o agressor leva muita gente a defender a continuação do confronto bélico. Não importa o custo a pagar, seja a perda irreparável de vidas, sejam os abismos para onde podemos resvalar. E não há garantias de obter a tão desejada vitória militar. A ética da responsabilidade intima-me a proclamar a convicção de que a paz é sempre preferível à guerra. Porquê? A vida não tem preço.
Do Cio E Da Humaniza O Da Vida
Hegel estava enganado: o trabalho não é o instrumento de libertação dos indivíduos; só dá uma contributo para esse fim, se for na medida justa. O produtivismo e a sobrecarga laboral, hoje em voga, traduzem um novo estágio da escravidão, evidenciada pela legião de sujeitos deprimidos e exaustos que perambulam ao Deus-dará. Desde a Grécia Antiga, a visão filosófica apontou o caminho. É nas horas de ócio que se congeminam e fazem coisas excelsas, magníficas e virtuosas, causadoras de admiração e enlevo. É por isso que o tempo dedicado ao ócio e o modo do seu preenchimento constituem um fiável indicador de progressão civilizacional. Esse é, pois, o tempo mais importante.
Não estamos na cadeia existencial apenas para produzir coisas úteis, mas para desfrutar o sentido do progresso das tecnologias e dos meios de trabalho, que é o de disponibilizar pausas livres da obrigação laboral. Estas não são um espaço de inatividade; conferem a autonomia e a liberdade de poder dispor do tempo para cuidar da família e de nós, para conviver e jogar, amar e cantar, ler e escrever, ouvir música, ir a sessões científicas e culturais, visitar museus, contemplar obras de arte, passear no campo, fruir a natureza, e não fazer nada. É o tempo ‘inútil’, sem a albarda e o cabresto do utilitarismo, que nos torna verdadeiramente humanos. Quando ouvirmos que é necessário trabalhar mais, respondamos com um rotundo NÃO; é, sim, curial que trabalhemos menos e melhor, diminuir e repartir digna e equitativamente o cansaço e suor entre todos. Não aceitemos a mercantilização e quantificação de tudo: educação, saúde e existência. Viva a vida demorada, abaixo a morte apressada!
EDUCAÇÃO À DISTÂNCIA?!
Não existe a ‘educação à distância’. Mas não levanto objeção à designação ‘instrução à distância’.
A educação é mais abrangente e exigente. Requer a proximidade, o local de encontro e a copresença de pessoas e corpos que, devido às suas diferenças, causam estranheza e a necessidade de diálogo e concertação. É neste terreno semeado de diversidades que desponta e floresce a dialética da imitação e superação, da competição e cooperação, daafirmaçãodaidentidadeedoapreçodaalteridade,doautoconceitoedaadmiraçãodooutro.Semoscondimentos da paideia, suprema arte da interação, não há educação que nos valha; a sempre presença do capital é coisa que baralha e atrapalha.
QUEM ESTÁ AO LADO DE QUEM?
Sou pelo pronto estabelecimento da paz. Tu não; defendes o prolongamento da guerra até que o agressor seja derrotado. Aceito o teu ponto de vista; mas não a acusação de que faço o jogo do invasor. Tu fazes o jogo de quem? Se ele não for vencido e continuar a crescer a onda de devastação e sangue, como fica a tua consciência no final? Sabes, as posições pragmáticas, quando tomadas em nome da vida, são tecidas com o fio da ética; o mesmo não se pode dizer das que não fazem contas à morte.
JORGE BEN NA ZÂMBIA!
O Projeto Evoé levou o disco África Brasil de Jorge Ben para a Zâmbia, na África. Eles colocaram "Umbabarauma" pra tocar pra criançada de uma escola comunitária da Vila de Mugurameno.
Apenas apreciem a beleza deste encontro!
Via Acervo Jorge Ben!
QUEM ESTÁ AO LADO DE QUEM?
Sou pelo pronto estabelecimento da paz. Tu não; defendes o prolongamento da guerra até que o agressor seja derrotado. Aceito o teu ponto de vista; mas não a acusação de que faço o jogo do invasor. Tu fazes o jogo de quem? Se ele não for vencido e continuar a crescer a onda de devastação e sangue, como fica a tua consciência no final?
Sabes, as posições pragmáticas, quando tomadas em nome da vida, são tecidas com o fio da ética; o mesmo não se pode dizer das que não fazem contas à morte.
Fintar A Idade
O corpo, o meu e o de todos, envelhece, adoece, enfraquece, sente-se tentado a ceder e desistir. Mas alberga um Eu metafísico, que o supervisiona e não o autoriza a entregar-se à derrota e perda de dignidade.
Por isso temos a obrigação de cuidar dele, de o contrariar e procurar iludir os sinais que vai dando,espicaçados pelo sentido desta pergunta de Confúcio: “Qual seria a tua idade, se não soubesses a idade que tens?” Eis uma interrogação que constitui bom guião para nossa orientação. Cumpre-nos fintar a idade, recriar o novo e não consentir que o velho e gasto se entranhe e apodere de nós.
Do Cio E Da Humaniza O Da Vida
Hegel estava enganado: o trabalho não é o instrumento de libertação dos indivíduos; só dá um contributo para esse fim, se for na medida justa. O produtivismo e a sobrecarga laboral, hoje em voga, traduzem um novo estágio da escravidão, evidenciada pela legião de sujeitos deprimidos e exaustos que perambulam ao Deus-dará. Desde a Grécia Antiga, a visão filosófica apontou o caminho. É nas horas de ócio que se congeminam e fazem coisas excelsas, magníficas e virtuosas, causadoras de admiração e enlevo. É por isso que o tempo dedicado ao ócio e o modo do seu preenchimento constituem um fiável indicador de progressão civilizacional. Esse é, pois, o tempo mais importante.
Não estamos na cadeia existencial apenas para produzir coisas úteis, mas para desfrutar o sentido do progresso das tecnologias e dos meios de trabalho, que é o de disponibilizar pausas livres da obrigação laboral. Estas não são um espaço de inatividade; conferem a autonomia e a liberdade de poder dispor do tempo para cuidar da família e de nós, para conviver e jogar, amar e cantar, ler e escrever, ouvir música, ir a sessões científicas e culturais, visitar museus, contemplar obras de arte, passear no campo, fruir a natureza, e não fazer nada. É o tempo ‘inútil’, sem a albarda e o cabresto do utilitarismo, que nos torna verdadeiramente humanos. Quando ouvirmos que é necessário trabalhar mais, respondamos com um rotundo NÃO; é, sim, curial que trabalhemos menos e melhor, diminuir e repartir digna e equitativamente o cansaço e suor entre todos. Não aceitemos a mercantilização e quantificação de tudo: educação, saúde e existência. Viva a vida demorada, abaixo a morte apressada!
Dois Dias De Como O
Viemos de perto e de longe, do Porto, de Aveiro, de Lisboa, da Alemanha, da França e demais terras e lugares, para cumprir a obrigação de recriar as origens e a vida. Tiramos da Igreja os andores, com o cuidado de quem sabe que os santos são de barro; e levamo-los em procissão pelas ruas da povoação, ao som da banda de música de Pinela. No sábado homenageamos a Senhora de Fátima; hoje foi a vez de Santa Eufêmia e do Bom Pastor, padroeiros de Bragada. Depois do sagrado veio o profano, ambos fiéis ao princípio de que a religiosidade e a diversão são formas sublimes de exaltação do sentido da nossa peregrinação. Para o ano havemos de voltar, impulsionados pelos afetos que nos congraçam e pelo compromisso de manter presentes e vivos os nossos ancestrais.
A Volta Da Rosca
Ontem em Bragada cumprimos a tradição. No final da procissão, depois de recolhidos os andores à igreja, o pároco agradeceu e abençoou os participantes, e anunciou os mordomos da festa do próximo ano. Estes informaram então que a ‘volta da rosca’ começaria pelas 15,00 horas. Obviamente, apressamo-nos a correr para as vitualhas, os pósteres e os beberes que constituem o manjar das festas.
À hora aprazada iniciou-se, junto ao centro de convívio, a dita ‘volta da rosca’. Em que consiste? Os mordomos vão à frente, seguidos por um conjunto de quatro concertinas, um bombo e uma pandeireta, e o cortejo de pessoas visita as moradas do povoado, de um ponta à outra. À porta de cada uma há mesa posta com doces e bolos de ocasião e são servidas as mais diversas bebidas: licores, vinho corrente, vinho do Porto, cerveja, uísque, águas e sumos, ao sabor dos exigentes palatos. Os mordomos recolhem a dádiva monetária que os anfitriões têm por bem doar, o conjunto toca a preceito e um pequeno bailarico é armado no local. Este ritual repete-se em todas as casas, constituindo a rusga uma coreografia de confraternização que enche a alma com o sentido comunitário que nele mora. A animação chega ao rubro e a inspiração é atiçada pelo espírito etílico que acende faúlhas no ar. Ouvi um jovem proclamar em voz alta: Um dia como este vale mais do que um dia de trabalho! Aproximei-me dele e disselhe: Falou bem! Para o ano hei de voltar para o ouvir falar.
Quanto gostaria que as tradições ancestrais criadas pela escarmentada sabedoria do nordeste transmontano não desaparecessem! Alimento esta esperança, porquanto elas são hoje zeladas por jovens que não as dispensam e porfiam em ressumar humanidade. Bem hajam!
PS: A designação ‘volta da rosca’ merece uma explicação. Roscas são bolos de fabrico caseiro e pouco dispendiosos; como, por exemplo, os calços ou rins feitos de farinha de trigo, com ovos, açúcar, aguardente ou licor de anis. Pois bem, antigamente os tempos eram de severidade económica. Os mordomos enfeitavam com roscas e algo mais um grande ramo de oliveira. Davam com ele a volta à aldeia, tal como agora, acompanhados de tocadores de guitarra e violão ou cavaquinho e cantadores de fados e desgarradas. A paragem em cada casa seguia o ritual hodierno; e os anfitriões ofereciam roscas (ou chouriças ou salpicões). No final da volta e no largo da Pedra da Paciência, sito no meio do povo, procedia-se ao arremate do ramo (entre solteiros e casados) e das ofertas recebidas, sendo o dinheiro acumulado entregue aos mordomos, a fim de os ajudar a organizar a festa do ano seguinte. Algumas das roscas eram disputadas em corridas pedestres. Os tempos mudaram; as roscas continuam a ser fabricadasnesta altura,masjá nãohá ramo nem arremate deste. Persistem a designaçãoe a recriação da tradição em moldes ajustados às circunstâncias atuais.
QUANDO VENS, ABRIL?!
Ah, meu querido Abril, tu foste e trouxeste muito para quem existia no aperto, no medo, na dificuldade, na míngua e carestia do essencial!
Mas falta cumprir o teu desígnio inteiro. Ainda és pouco para quem sonha o mundo novo e fraterno e um pássaropoema chamado Portugal.
Ajuste De Contas
A democracia fez ontem 49 anos. A ditadura acumulou 48 e está a renascer das cinzas, com ar façanhudo e verbos odientos e raivosos, desejosa de se vingar. Já arrebanhou um exército de combatentes, com diversas lideranças e vestes, mas todos irmanados pelo mesmo fim: liquidar a mensagem de abril, os seus autores e defensores. A fogueira do ajuste de contas encontra-se acesa e crepitante; e não faltam esqueletos travestidos de jovens instruídos e propensos a emular os facínoras da ‘noite de cristal’, a queimar livros e pessoas. Movem-se por agendas ideológicas, relhas e velhas; causa-lhes urticária a ideia do progresso e bem comum. O mal ronda a nossa terra, ávido de cravar as fauces esfaimadas e os dentes careados nos cravos e rosas. Este chão sagrado corre sério risco de ser salgado!
Da Emerg Ncia Da China
Durante muitos séculos, o oriente e os orientais foram vistos pelos olhos ocidentais como inferiores e duvidosos. Fui educado e socializado nessa depreciação; felizmente, logrei desfazer-me dela. A visão e a desconfiança persistem e ensombram as relações com os países e povos daquela região do globo; e carecem de ser enfrentadas numa altura em que a China se apresenta como potência económica, prestes a superar os EUA, e como articuladora de jogos políticos que podem levar a uma nova ordem mundial. Não é curial que ignoremos e nos alheemos desta evolução. A China não é uma miragem longínqua; é uma entidade próxima de nós, bem presente no quotidiano.
A crítica do neoliberalismo selvático não deve impedir-nos de refletir sobre os desafios postos pela realidade emergente. O vento da mudança não leva, de modo automático, para um estádio superior ou versão progressista, caída do céu por graça divina. Cumpre-nos estar atentos ao facto de que, quando impérios e imperialismos enfraqueceme desaparecem,outrosseaprestam parapreencherovazio.Ointelectoestáobrigadoa formularideias, princípios e direitos em todos os cenários. Tem que continuar ativo e vigilante face ao futuro que se avizinha em passos rápidos. Goste-se ou não, o ‘Império do Meio’, como outrora foi conhecido, está de volta, pronto para assumiropapel de atorcentral na acrópole universal.A‘Rota da Seda’é agora adasnovastecnologiase dopoderio alcançado pelo ‘capitalismo de estado’ chinês.
A reflexão sobre esta vinda não se destina a suscitar temores e atiçar os preconceitos de antanho e ainda vigentes; é para manter o espírito acordado e apontar balizas e marcos à marcha da civilização e da humanidade. O ideário axiológico e político não pode olvidar que não atingimos a forma civilizatória final e que sempre houve e haverá tentações de hegemonia e subjugação do outro.