Ensaios urbanos: configurações e deslocamentos na cidade

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PROJETO GRÁFICO E CAPA

Filipe Mangueira REVISÃO

Os autores Tiragem: 300 unidades

Ficha catalográfica elaborada na Biblioteca Setorial do CCTA da Universidade Federal da Paraíba

S587e

Silveira, José Augusto Ribeiro da. Ensaios urbanos: configurações e deslocamentos na cidade / José Augusto Ribeiro da Silveira, Geovany Jessé Alexandre da Silva. João Pessoa: Editora do CCTA, 2018. 202 p. : il. 102 ISBN: 978-85-9559-071-7 1. Arquitetura – Urbanismo. 2. Mobilidade Urbana. 3. Acessibilidade. 4. Crescimento Urbano – Impactos. I. Silva, Geovany Jessé Alexandre da. II. Título.

UFPB/BS-CCTA

CDU: 72:911.375.5


ENSAIOS URBANOS configurações e deslocamentos na cidade

José Augusto Ribeiro da Silveira Geovany Jessé Alexandre da Silva

Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo - PPGAU/UFPB Conselho Editorial do PPGAU/UFPB

Aluísio Braz de Melo Carlos Alejandro Nome Silva Jovanka Baracuhy Cavalcanti Scocuglia Editora do CCTA (Centro de Comunicação , Turismo e Artes)






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ENSAIOS URBANOS configurações e deslocamentos na cidade


APRESENTAÇÃO

A palavra Ensaio subentende o ato ou o efeito de ensaiar. Mas também pode ser a avaliação crítica sobre as propriedades, suas qualidades ou sobre a maneira de se usar algo. Ensaio, também pode ser o teste, o experimento, tão preciso e necessário em algumas áreas do conhecimento científico, como a química, física ou biologia. E o Urbanismo dialoga com esses termos de diversas áreas, em especial com os das ciências biológicas e da medicina. Destas, importamos termos tais como “Intervenções” ou “Reabilitações” de cidades, bairros, edifícios, ou ainda a “Sustentabilidade”, o “Eco-Urbanismo”, ou o “Metabolismo” Urbano. A interdisciplinaridade dos conhecimentos urbanos permite esse diálogo, pois é por meio desta que se torna mais inteligível a compreensão da gama de complexidades que a sociedade contemporânea expressa sobre o espaço construído e não construído das cidades. A publicação “Ensaios Urbanos: configurações e deslocamentos na cidade”, volume 1, tem origem na necessidade de se expressar algumas ideias discutidas nos trabalhos científicos recentes do Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado da Universidade Federal da Paraíba, Laurbe-UFPB, vinculado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo - DAU, e ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – PPGAU, ambos da mesma instituição. Todavia, o livro se debruça por

APRESENTAÇÃO

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uma escrita de maior liberdade formal e argumentativa, pois os textos de artigos científicos acabam por se ‘emoldurar’ em face das necessárias formatações resumidas, objetivas e de estruturas metodológicas normativas mais rígidas. O livro inicia com o tema dos “Fenômenos Visíveis e Menos Visíveis da Cidade”, Capítulo 1 e, para isso, aborda os “Aspectos Conceituais” (1.1) e as análises sobre os “Percursos Urbanos, Espaços Livres, Acessibilidade, Mobilidade”, e como a “Lógica evolutiva do tecido urbano” permeia esses processos de produção espacial. A seguir, adentra-se na “Dinâmica do Espaço Intraurbano” (1.2), comentando a noção e definições de “Espaço intraurbano e suas propriedades”, “Crescimento e transformações, Localização, centralidade e relações com a formação de territórios”, “Repercussões sobre a acessibilidade e mobilidade”, “Ampliação dos percursos e consolidação das áreas sociais”, e finaliza esta primeira parte com o “Impacto da diferenciação socioespacial e da fragmentação na ocupação urbana”. Aqui, anotamos também as valiosas contribuições críticas ao texto do professor doutor Tomás de Albuquerque Lapa da UFPE. O Capítulo 2 discute “As cidades do Futuro: de qual sustentabilidade estamos tratando?”, como uma chamada para a discussão de alguns conceitos, projetos e modismos da Arquitetura e Urbanismo contemporâneos. A seguir, aponta algumas propostas nos tópicos seguintes, a partir dos títulos “O desenho urbano como caminho, a densidade como ferramenta”, para depois apresentar os “Cenários urbanos futuros e suas incertezas”, “Os dilemas da urbanização mundial versus a sustentabilidade”, “A sustentabilidade como discurso de mercado”, “Aspectos conceituais sobre o uso dos espaços urbanos”, e conclui com “A mobilidade urbana, a especulação e a dependência automotiva”.

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Por fim, o livro encerra este volume acerca dos ensaios urbanos com “A linha do horizonte”, contudo, sem o intuito de concluir um raciocínio, fechar conceitos e abordagem, ou de estabelecer regras e modelos. Pelo contrário, o livro busca abrir para discussões, olhares e linhas de pesquisa ainda por explorar, pois os problemas estão postos, mas as soluções ainda estão sendo encontradas e construídas.

Desejamos uma boa leitura! José Augusto Ribeiro da Silveira Geovany Jessé Alexandre da Silva

João Pessoa-PB, Brasil Janeiro de 2018

APRESENTAÇÃO

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FENÔMENOS VISÍVEIS E MENOS VISÍVEIS DA CIDADE

Percursos, lógica evolutiva e propriedades territoriais urbanas

O presente texto analisa a relação existente entre os percursos da cidade – como linhas/rotas de deslocamento – e o processo de evolução urbana, considerando questões da acessibilidade, da mobilidade e do uso do solo na cidade, levando em conta ainda as interfaces existentes entre as ruas, praças e parques e os eixos da expansão urbana, e as suas influências na segregação. Nesse sentido, são discutidos os aspectos dinâmicos que englobam a questão espacial, levando em consideração as implicações físicas e sociais sobre a estrutura urbana. Dentre as cidades reais (Alexander,1965; Sampaio,1999 e Sobreira, 2002), onde identificam-se articulações estruturais, caracterizando influências socioeconômicas em que a estrutura resultante é um misto de partes naturais (espontâneas) e de partes planejadas, a primeira impressão do conjunto de ruas, praças e demais espaços livres de circulação é desordenada. Comumente, esses elementos morfológicos são percebidos de forma superficial, setorial ou com papel complementar, negligenciando relações com a estruturação física e social subjacente à forma da cidade, apesar de sua essencialidade no processo de evolução urbana. Tendo em vista o caráter biunívoco entre os percursos e o processo de evolução urbana, os fatos produzidos no âmbito dos primeiros podem gerar impactos no segundo e vice-versa. Nessa perspectiva, a abordagem

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mostra-se limitada, quando não considera questões da estrutura urbana, física e social, ou quando utiliza uma só variável para analisar impactos, por exemplo, sobre o valor do solo. Da relação entre percursos e evolução urbana, pode-se destacar questões sobre a existência de forças organizadoras, como as forças econômicas, culturais e das práticas dos grupamentos sociais, que articulam os percursos principais e o processo de evolução urbana. Que características têm as relações entre os percursos, a dinâmica socioespacial e a forma urbana? A questão pode remeter a outra, ou seja, se os percursos modelam a morfologia urbana ou se dá o oposto. Normalmente, o tecido urbano desenvolve-se com base em linhas diferenciadas de acesso e movimento, contribuindo na formação de percursos e vetores de expansão distintos. Os percursos produzidos, no processo de evolução urbana, são comumente vistos como um fator de integração e de aproximação socioespacial, representando níveis de acessibilidade e mobilidade. No quadro atual, com a produção de tecidos urbanos muito fragmentados, avantajados e setorizados em linhas espraiadas, aquela posição pode ser questionada. A partir das relações de causa e efeito entre percursos e morfologia urbana, pontos realçados aqui sugerem o efeito produzido pelos percursos na segregação e no distanciamento socioespacial na cidade, assim como na possibilidade de formação de fronteiras e barreiras urbanas, a exemplo dos contornos ou anéis rodoviários intraurbanos. A análise da problemática ressalta características específicas da organização do espaço intraurbano, diferenciado das dinâmicas interurbanas, destacando o poder estruturador dos deslocamentos e de segregação das classes sociais mais abastadas. Aqui, é apresentada também uma crítica sobre teorias existentes, relacionadas com o aspecto da segregação, revendo questões, no domínio da acessibilidade e da

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mobilidade, e suas relações com a ocupação e o uso do solo urbano. Dessa maneira, o trabalho posiciona-se por uma análise estrutural da relação entre os percursos e o processo de evolução urbana, admitindo a existência de estágios evolutivos articulados na cidade, influenciados por propriedades territoriais e leis socioespaciais. O fio condutor das reflexões define um arranjo de variáveis que relaciona aspectos da morfologia (espaços livres), da ocupação (localização urbana), do uso do solo e das práticas dos grupamentos sociais, de modo a indicar caminhos para visualização de níveis ou padrões de segregação determinados pelos percursos (FIG.1). Procurase contribuir nos estudos sobre as lógicas evolutivas da cidade, as permanências ou rupturas, físicas e sociais, considerando períodos de tempo de longa duração.

Figura 01 Arranjo global de variáveis urbanas. Fonte: Autores (2016).

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No que tange à ocupação e ao uso do espaço, os processos de expansão e transformação apresentam rebatimentos diretos na forma espacial urbana, vinculados aos processos sociais e às dinâmicas da acessibilidade e da mobilidade na cidade. O percurso, que é também uma trajetória carregada de sentido social, político, econômico, entre outros, é também a resultante da interação de ações e projetos e do jogo de interesses dos atores que interferem sobre a formação e a transformação do tecido urbano e dos seus objetos. Para Jean Piaget, citado em Rossi (1998), “conhecer um objeto consiste em construí-lo e reconstruí-lo”. Dessa forma, este texto e os seus objetos de pesquisa foram construídos por intermédio da reflexão crítica sobre o campo disciplinar e a temática do trabalho, relacionada com aspectos da acessibilidade, da mobilidade, da ocupação e do uso do solo, da morfologia e das práticas sociais urbanas. De modo destacado, os espaços livres públicos e os percursos da cidade influem no modelo de expansão e na morfologia urbana, definindo tanto os sistemas lineares e os fluxos que podem interligar os diversos lugares da cidade quanto dinâmicas sociais peculiares. Dessa maneira, apontam-se aqui questões estruturais urbanas, focalizando tanto o aspectos físico-territoriais do espaço quanto os aspectos sociais, culturais e simbólicos, de referência identitária e territorial (Raffestin, 1986; Le Berre, 1992 e Haesbaert, 1997). Os pontos da mobilidade e da acessibilidade podem ser vistos conceitualmente também como uma maneira de reconstituir a história do cotidiano da cidade por intermédio dos seus percursos, considerados como elementos representativos da expansão urbana, podendo se destacar no espaço e definir sistemas de acesso estratégicos para o reconhecimento da mobilidade, da produção do espaço da cidade e da morfologia urbana. Assim, esta obra busca um entendimento conceitual holístico do espaço urbano, desde perspectivas complementares e indispensáveis. CAPÍTULO 1

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Segundo Lepetit e Salgueiro (2001), a interdisciplinaridade é uma forma variável que as relações entre práticas científicas especializadas assumem, podendo-se identificar elementos relacionados de sua história. A temática, dizendo respeito a questões essenciais da dinâmica da cidade e do próprio comportamento humano, aponta para leitura e experiência diferenciadas do processo de evolução urbana. Possibilita a percepção teórica da articulação existente entre a acessibilidade, a mobilidade, o uso do solo e as práticas dos grupamentos sociais e de suas influências na produção do espaço e na morfologia urbana, identificando interfaces que estão além do funcional entre esses domínios. Esses pontos associam questões amplas da acessibilidade, da mobilidade, dos espaços livres e da localização urbana à possibilidade de construção de um retrato dinâmico da segregação socioespacial na cidade.

1.1 ASPECTOS CONCEITUAIS Aqui se apresenta um aporte crítico sobre teorias existentes, relacionando percursos e evolução urbana. É discutido o conceito de percurso e os aspectos a ele diretamente relacionados, como os espaços livres públicos, a acessibilidade e a mobilidade, abordando a lógica evolutiva do tecido urbano, as propriedades territoriais e as suas leis socioespacias, por meio das quais se dá a relação entre percursos e processo de evolução urbana. As teorias existentes não oferecem uma visão aprofundada sobre as relações entre os espaços livres, a acessibilidade, a mobilidade e a evolução urbana e suas influências na segregação e na formação de barreiras e fronteiras, sob os pontos de vista físico e social. Tal limitação se dá pela desconsideração de propriedades territoriais e leis

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socioespaciais, que articulam percursos e processo de evolução urbana e evidenciam relações entre a dinâmica socioespacial e a forma urbana. Diante disso, as teorias existentes ainda são incapazes de indicar um arranjo de variáveis que demonstre que os percursos podem influir na segregação. Os estudos que envolvem a acessibilidade e a mobilidade tradicionalmente são influenciados pelo positivismo, com condutas ortodoxas, modelos matemáticos abstratos e leis da física que, em muitos casos, se afastam da realidade. Não deixando de reconhecer a importância das ferramentas tradicionais do transporte, em considerável número de casos, a análise é centrada em aspectos quantitativos, funcionalistas ou economicistas. São abordagens parciais, calcadas sobre variáveis passíveis de quantificação, ou centradas numa só variável, normalmente relacionada ao uso do solo. Alguns estudos são excessivamente físicoespacialistas, ou estruturalistas, outros minimizam a importância da questão espacial, outros centram-se em questões superficiais da paisagem e da imagem da cidade, não captando a realidade e a lógica da estrutura urbana, física e social. De modo geral, mostram estudos localizados, setoriais e limitados, no tempo e no espaço. Outros estudos, que abordam as redes urbanas, estudam conjuntos de cidades e questões interurbanas e regionais, extrapolando a dinâmica do espaço urbano. Pode-se destacar estudos que forneceram bases teóricas à análise científica sobre a questão urbana. Como amplamente reconhecido, Engels e Marx, estudando o capitalismo na organização da sociedade, desenvolveram conceitos seminais para análise estrutural da evolução do espaço urbano, a exemplo das questões da terra. Na sociologia, Weber (1958) buscou entender o que de específico têm as cidades, a partir de teorias macro-sociais. Na França, ao nível do espaço intraurbano, Lebret abordou, no pós-guerra, a estruturação do espaço interno da cidade, como a organização em polos de serviços hierarquizados, uma extensão CAPÍTULO 1

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da teoria dos “lugares centrais” de Christaller (1933). As teorias sobre a organização da cidade, que procuravam analisar a evolução urbana, considerando questões concernentes à acessibilidade, à mobilidade e aos percursos, datam das primeiras décadas do século XX e generalizavam características comuns da estrutura urbana, em certo nível de abstração. Buscavam explicar simplificadamente a expansão das cidades norte-americanas, em decorrência de “leis universais”, identificando paradigmas da estruturação do espaço urbano. São as teorias da expansão por zonas concêntricas (Burgess,1924), da expansão setorial (Hoyt,1939) e da expansão multicêntrica (Harris e Ullman,1945), que negligenciavam variáveis do processo de evolução urbana, como variáveis morfológicas e das práticas e culturas dos grupamentos sociais, limitando, por exemplo, a visão da segregação. Identificavamse basicamente com um dos enfoques do “paradigma do equilíbrio”, o ecológico, essencialmente descritivo. Nesses modelos, estava implícita a noção de mobilidade residencial. O enfoque neoclássico, por sua vez, tratava a estrutura residencial tanto em termos econômicos (Alonso,1964) quanto não-econômicos (Chapin e Weiss,1962), procurando identificar os processos determinantes da estruturação do espaço urbano e focalizando o comportamento dos indivíduos, firmas e instituições públicas, vistas como unidades decisórias. A teoria neoclássica tem dificuldade de introduzir os conceitos de espaço e de tempo na análise econômica. Destaque-se, no entanto, propostas básicas de Von Thunen (1926), que abordaram o papel da acessibilidade derivada dos sistemas de transporte na estruturação do espaço, acrescidas das derivações atuais dessa teoria, para análise da melhor posição de uma empresa ou de um morador no território. A propósito, Cerdá (1867) também foi um dos primeiros a discernir relações entre a acessibilidade, a mobilidade e o espaço urbano, ao fazer das técnicas de transporte “o motor da história espacial das cidades”, revolucionada pela invenção da estrada de ferro e 22

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a utilização da eletricidade. O enfoque ecológico evidenciava a questão da localização residencial urbana, como expressão de forças subculturais, bióticas e impessoais, operando na sociedade como um todo. Enfatizava a competição, a dominação e a invasão e sucessão de segmentos sociais na cidade. A Escola de Chicago, nos anos 1920, enfocou a estrutura interna das cidades, com uma abordagem acerca dos ambientes físico e social e da ecologia humana. O termo ecologia humana, usado pela primeira vez pelos sociólogos Park e Burgess, em 1921, era uma tentativa de estabelecer uma relação entre os grupamentos humanos e o meio ambiente. Os urbanistas de Chicago dedicaram-se a descrições das transformações mais de caráter espacial que social, desenvolvendo modelos descritivos, sem preocupação com a identificação das causas das transformações intraurbanas. Embora apresentassem pontos úteis à análise interna da cidade, as teorias da Escola de Chicago mostravam limitações: são espacialistas, apresentando modelos universais, espaços setorizados e homogêneos, desconsiderando variáveis da dinâmica social, da localização (entendendo-se uma analogia dos grupamentos humanos e suas estratégias de sobrevivência no espaço com o meio natural) e das propriedades territoriais urbanas, negligenciando questões amplas da acessibilidade, da mobilidade e da cultura urbana, ou propondo modelos sob influências economicistas ou de origem positivista. Mesmo procurando abordar questões sociais, grande parte dos estudos conduz a uma interpretação superficial e estática da expansão da cidade, distanciando-se da realidade e de particularidades da estrutura urbana, como as que dizem respeito às relações entre dinâmica socioespacial e forma urbana. Sua vinculação com o contexto norte-americano levavaos a tratar o mercado como único processo de alocação de recursos na sociedade. A visão simplista da sociedade, reflexo de condições em Chicago à época, resulta em limitações, traduzidas pela não identificação CAPÍTULO 1

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de variáveis que demonstrassem a dinâmica estrutural da segregação, abordada naqueles modelos. Expondo deficiências conceituais e inabilidade para explicar o processo de estruturação do espaço, a descrição ecológica limitavase pela incapacidade de identificar os reais processos subjacentes à forma urbana. O enfoque, falho na identificação detalhada das variáveis explanatórias que estão por trás dos padrões espaciais urbanos descritos, sugere incursões às forças socioeconômicas, tecnológicas e institucionais, que moldam a estrutura espacial da cidade. No que diz respeito ao contexto urbano latino-americano, existem evidências conflitantes nos estudos, quanto a questões do centro, da periferia e da localização de segmentos sociais, relacionadas à segregação. Os modelos neoclássicos limitavam-se pelo rigor e irrealismo explicativo das premissas, resultantes da economia neoclássica. Nos dois casos, a mesma limitação: o processo de estruturação espacial (localização e alocação) visto como mera questão de competência (ecologistas), ou otimização do comportamento econômico de indivíduos (neoclássicos), simplificando a evolução urbana e a natureza da ação do indivíduo, reduzida à competição econômica impessoal. A sociologia urbana dedicou-se ainda ao estudo de comunidades urbanas específicas, mas as visões de conjunto falharam, pois não apontavam explicações que interligassem as análises das questões sociais ao nível urbano. Homer Hoyt (1939) sugeriu que a estrutura e a expansão urbana ocorriam por setores espaciais, que se desenvolviam radialmente da área central para a periferia da cidade, ao longo das vias de transporte, onde a resistência econômica é menor, atravessando as zonas concêntricas de Burgess (1924). Guardando-se suas limitações, não superestimando sua finalidade e alcance, o modelo de Hoyt pode ser útil como referencial

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ilustrativo do processo de evolução urbana, aproximando-se de algumas características de cidades brasileiras, como a radialidade da expansão urbana, o padrão de concentração de grupamentos sociais, em diferentes áreas da cidade, e as suas lógicas internas de expansão. Até a década de 1960, uma considerável parte da literatura produzida, enfocando o espaço, a forma urbana e aspectos da acessibilidade, preocupava-se com a estrutura interna das cidades1 e limitava-se à historicidade urbana, enfatizando espaços isolados, aspectos tipológicos e arquitetônicos de edifícios e identificando componentes históricos nos planos físicos das cidades. Esse enfoque mostra-se parcial ao focalizar predominantemente aspectos físicos, negligenciando questões relacionadas à dinâmica da estrutura urbana. Barat (1978), Hutchinson (1979) e Bruton (1979) abordaram as relações entre a acessibilidade e questões da estrutura urbana, com modelos tradicionais de transporte e do uso do solo, que utilizam conceitos desenvolvidos em outras áreas do conhecimento, limitando a base teórica e as variáveis a serem consideradas. A relação entre esses termos resumir-se-ia consideravelmente em leis ou unidades matemáticas de aproximação. Centrando em questões setoriais, econômicas, funcionais e hierárquicas, esses autores reconhecem também que a relação entre a acessibilidade e a mobilidade e a questão espacial tem o caráter biunívoco (como observado ao longo de percursos associados a vias principais das cidades), onde ações nas primeiras provocam repercussões na segunda e vice-versa mas, o exame das influências concentra-se numa só variável, normalmente relacionada com o uso do solo. Dessa forma, a análise mostra-se parcial ao desconsiderar outras variáveis importantes da estrutura urbana e da sua lógica interna, segmentando a realidade. Farret 1  No âmbito de elementos da estrutura física, parte da estrutura urbana, que possui especificidades com determinações e momentos intimamente ligados àquilo que se denomina de “estrutura interna” da cidade, articulada às necessidades básicas de produção e reprodução, que possui ligações com a formação de “barreiras urbanas”, em seus vários níveis (A H.L.Sampaio,1999). CAPÍTULO 1

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(1984) também analisou as relações entre a acessibilidade e a estrutura urbana. Embora tenha considerado as dimensões espacial, econômica, ambiental e social, o autor desprezou variáveis como o sítio geográfico, a localização e as práticas sociais, compondo um quadro insuficiente para analisar, em profundidade, a expansão urbana. Em seus estudos teóricos, Lynch (1960), Apleyard (1964), Bacon (1974), Boaga (1977), Cullen (1983), Castex, DePaule e Panerai (1980, 1986) e Kolsdorf (1984, 1990) desenvolveram métodos que levaram em conta as relações entre espaços, vias e deslocamentos, a percepção da imagem e da paisagem da cidade e a morfologia urbana. Considerando percursos urbanos e determinados locais, abordaram a fisionomia de cidades, o papel da paisagem urbana e a morfologia, por meio de técnicas de análise da imagem e do espaço urbano, embora não tenham apresentado uma visão aprofundada da acessibilidade e da mobilidade. Como autor do título mais influente da aplicação de estudos da percepção ambiental para o desenho urbano, Lynch (1960) formou sua base teórica defendendo as qualidades que fundamentam a formação de uma imagem mental clara nos usuários, identificando elementos na conformação de imagens mentais: percursos, nós, limites, distritos e marcos. Cullen (1983) apresentou o mais importante título sobre a análise visual da cidade, mostrando a paisagem urbana esteticamente, compreendida a partir de sentimentos no observador, numa percepção vista como uma sucessão de quadros visuais, destacando qualidades físico-espaciais. Apoiadas em percursos urbanos, essas pesquisas inscreveram-se numa visão de desenho urbano, como definida por Del Rio (1990), relacionando os percursos a canais referenciais, ao longo dos quais o observador se movimenta. Constituem elementos importantes em sua área de estudo, componentes da estrutura da cidade na mente dos observadores; ao longo dos percursos arranjam-se os demais elementos. Úteis em seu campo de pesquisa, mostram-se superficiais, 26

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localizados e limitados, no tempo e no espaço, para abordagens sobre a dinâmica da estrutura urbana e sobre a articulação entre percursos e processo de evolução urbana. Holanda (1985) estudou a questão, do ponto de vista da apropriação e uso do solo, a partir das relações entre os espaços públicos e privados, na sua dimensão morfológica, apontando “diferenças estruturais” entre a “cidade tradicional” e a “cidade de concepção modernista”. Castex e Panerai (1980,1986) preocuparam-se com a “dimensão física da cidade (...) essa lógica dos espaços que é contida na expressão tecido urbano e onde o lote constitui um elemento determinante”. Para os autores, a organização espacial é sempre vista como determinada e determinante das relações sociais, centrando a crítica no período do urbanismo com o sentido modernista do termo. Representa uma contribuição da escola francesa, no campo da evolução urbana, da morfologia e dos significados da cidade, sobre processos e elementos da formação da estrutura urbana, discutindo elementos metodológicos para a análise urbana. Os autores criticaram paradigmas e buscaram compreender a cidade “recuperando as bases da análise estrutural; da leitura da cidade como uma organização, de demonstrar a sua lógica, de descrever sua estrutura formal” (Castex e Panerai,1980,1986). Os esquemas analíticos de Castex e Panerai, das lógicas evolutivas de um tecido urbano, identificam três estágios de expansão da cidade: superação de limites, crescimento, combinação/ conflito. O estudo apresenta limitações, especialmente no que concerne à predominância do enfoque físico-espacial, negligenciando questões das práticas sociais, da localização, das propriedades e leis socioespaciais, que influem no processo de evolução e constituição da estrutura urbana. Além disso, a abordagem é feita ora com base na visão tradicional da evolução urbana, em forma de mancha ou de malha, que pode levar a uma análise desorganizada do processo, ora com análises morfológicas localizadas da transformação de quarteirões, limitadas para a análise do CAPÍTULO 1

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processo de evolução urbana. Hillier (1993), ao desenvolver o método da Sintaxe Espacial, sustentou que propriedades primárias da malha urbana privilegiam determinados espaços em detrimento de outros, sendo capaz de orientar os deslocamentos e hierarquizar percursos. Adota o conceito de “movimento natural”, produzido pela configuração física, considerando apenas uma variável, o espaço público. Qualifica o sistema viário como determinante na estrutura urbana, atribuindo-lhe a propriedade de gerar e canalizar os movimentos de pedestres e determinar a distribuição dos espaços e a localização de atividades, negligenciando outras variáveis componentes da dinâmica estrutural da cidade. Pode-se dizer que propriedades territoriais podem privilegiar determinados espaços ao longo de percursos urbanos principais, orientando e hierarquizando deslocamentos. De maneira análoga, o sistema de vias do percurso pode contribuir na distribuição de espaços e localizações, influindo na segregação e na formação de barreiras e fronteiras urbanas. Alguns estudos utilizaram-se de refinamentos desse método para analisar o ambiente urbano, seja pela incorporação de novas variáveis (Aguiar, 1991), seja pela comparação com outros aspectos comportamentais (Teklenburg, 1992). Souza e Cabral (1996) também estudaram os percursos, procurando analisar a evolução urbana, a dinâmica de seus assentamentos e a segregação. Nessa abordagem, os percursos urbanos são vistos como modalidade de exercício de evolução urbana, relacionados com o processo de percepção espontânea dos lugares pelos indivíduos, organizando uma sequência de espaços significativos, a partir dos deslocamentos do observador, por meio da cidade e de sua evolução no tempo. Constituindo um dos estudos que se aproximam da realidade da cidade, entretanto, não esclarece qual a lógica e quais as propriedades territoriais e leis socioespaciais que regem os percursos e o processo de 28

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evolução urbana. Tampouco trata das relações entre percursos, morfologia e localização urbana e se ocorre a formação de limites físico-territoriais no processo, assim como não aprofunda a questão dos estágios de evolução urbana e a formação de fronteiras e barreiras na cidade. Outros estudos, que relacionam percursos e espaço urbano, fazem uma abordagem regional, extrapolando o espaço urbano, utilizando uma análise geográfica, economicista e funcional. Algumas pesquisas, que estudam as redes e os territórios urbanos, seguem orientação semelhante, muitas vezes, negligenciando as características do espaço físico da cidade, as variáveis urbanas e a lógica evolutiva do tecido urbano. Diversas culturas estabeleceram, ao longo do tempo, roteiros, percursos e registros de orientação, voltados a variadas atividades humanas, desembocando num mapa ou planta. As experiências de análise do espaço, baseadas em percursos urbanos, inscreveram-se numa visão de “desenho urbano, como campo disciplinar que trata a dimensão físicoambiental da cidade, enquanto conjunto de sistemas físico-espaciais e sistemas de atividades que interagem com a população, em decorrência de suas vivências, percepções e ações cotidianas”. (Del Rio, 1990). A aplicação dos percursos a pesquisas multidisciplinares, sobre questões urbanas, tem sido comumente desenvolvida no estudo de espaços específicos, com o objetivo de: 1) Conhecer especificidades da estrutura morfológica e sua percepção em áreas urbanas; 2) Aproximar pesquisadores e estudantes, de diversas formações, a áreas da cidade sob estudo, desenvolvendo exercícios destinados à formação de uma base empírica e sensorial, complementar aos estudos teóricos e, 3) Estabelecer contato com o espaço urbano, em nível local, enquanto marco social e de apropriação. Svensson (1980; In: Souza e Cabral, 1996), em seu trabalho sobre a organização do curso de Arquitetura da Universidade de Angola, CAPÍTULO 1

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propôs a utilização de percursos urbanos, como primeira atividade do curso, expondo as razões: “(...) Um dos pontos centrais da Teoria do Conhecimento é a constatação de que nossas sensações e nossa consciência nada mais são que a imagem do mundo exterior ao pensamento, donde se concebe que a representação não pode existir independente daquilo que a representa. O sensorial e o empírico representam um primeiro momento do conhecimento. A não ser por meio dos sentidos, não há e não pode haver nenhum caminho que permita ao homem conhecer o mundo exterior a seu pensamento. A observação e a participação constituem assim o primeiro momento do processo de conhecimento. Constituem o momento de eclosão de um rico processo de comparações e modificações contínuas de nossas representações, em interação com a memória do já vivenciado, com a nossa prática pessoal a respeito, ligada à prática de toda a sociedade ao longo do tempo (...)”. Acrescenta ainda que: “(...) para conhecer o fenômeno da Arquitetura é indispensável levar os alunos num primeiro momento a utilizarem-se a si mesmos para sentirem e participarem in loco da interação concreta dos lugares, onde a vida se desenvolve e cuja manifestação maior é a cidade (...)”. A compreensão da lógica de uma cidade não é a simples catalogação e leitura de imagens, mas também a observação de padrões que estão nas similaridades e nas diferenças. Além de se estudar os elementos em si, sua forma, sua estética, deve-se interessar pelas relações dos elementos entre si, propriedades e leis que os regem. Dessa maneira, as formas passam a fazer mais sentido e as aparentes contradições ou aleatoriedades convertem-se em lógica, muitas vezes menos explícitas. Uma lógica não muito clara, se observada em um único objeto ou estágio de evolução urbana, pode se apresentar mais visível se estudada comparativamente, em estágios evolutivos, ao longo do espaço e do tempo. 30

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Trabalhos publicados na Universidade de Oxford (Garcia & Rimoch, Oxford Town Trail: Urban Places, 1978) e de Cambridge (MacDowdy, Cambridge Town Trail, 1975), reconheceram espaços urbanos específicos sobre essas cidades, utilizando a idéia de percursos urbanos, com resultados limitados, no tempo e no espaço. As afirmações dos autores, conquanto referidas à área de Arquitetura e Desenho Urbano, são generalizáveis aos demais campos de estudo que envolvem o Planejamento Urbano. Outra experiência com percursos é encontrada em Caniggia e Maffei (1981), que desenvolveram os conceitos de percurso matriz e matriz elementar. Entende-se por matriz elementar o limite tomado como momento inicial, promotora de um processo generativo e tipológico, por sua virtude de poder ser reconhecido como necessário momento de passagem para a formação de tipos sucessivos. A matriz e o limite podem ser reconhecidos nos espaços dos núcleos históricos das cidades. Associado a esta, o percurso matriz emerge como estruturador dos espaços de destinação coletiva, associado aos primeiros eixos de expansão urbana. Este percurso, que por definição é pré-existente ao próprio uso de edificações, em suas margens, tem um só andamento, retilíneo, para fazer mais curto o trajeto, a exceção da necessidade de superar obstáculos (Caniggia & Maffei, 1981). Segundo Amorim (1998), “(...) Na esteira dos movimentos urbanos, a matriz elementar se forma como nó aglutinador e mediador das relações sociais. (...)”. Esses conceitos apóiam uma técnica de leitura do espaço urbano tendo como escopo essencial compreender, além de uma aparente casualidade, o sistema de consonância que permite objetos heterogêneos conviverem e construírem uma certa unidade (Caniggia & Maffei,1981). A trama de uma cidade se tece a partir de fios díspares, atuando simultaneamente diversos aspectos de forma, de dimensão e de função (Amorim, 1997). Podem-se fazer associações com vários objetos empíricos e fatos da CAPÍTULO 1

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cidade, e perceber núcleos centrais históricos como matrizes elementares, limites tomados como momentos iniciais de um processo generativo, como estágio para transformações e formação de espaços sucessivos. Considerando espaço e tempo, percursos principais mais permanentes também podem ser vistos como percursos matrizes, especialmente no estágio de superação de limites territoriais, como estruturadores de espaços de destinação coletiva, influentes na segregação socioespacial urbana. O trabalho de Caniggia & Maffei permite, por intermédio do exame do processo tipológico que constrói a cidade, reconhecer, no construto existente, os termos intermediários entre o produto atual e sua matriz elementar, entendendo-os como momentos de um processo formativo. Destacam-se no modelo o enfoque fisicoespacial, morfológico e tipológico de elementos, no processo de evolução da urbe. Castells (1983) e Villaça (1998) abordaram o espaço intraurbano, a sua evolução, a acessibilidade e a mobilidade, respondendo, em parte, às questões da dinâmica da segregação, da setorização e da formação de barreiras e fronteiras urbanas. Os estudos abordados negligenciam a influência de propriedades territoriais e leis socioespaciais, que evidenciam relações entre a dinâmica socioespacial e a forma urbana, na lógica evolutiva da cidade. Não estabelecem arranjo de variáveis suficiente, que demonstre que a acessibilidade e a mobilidade influem na segregação e na formação de barreiras e fronteiras urbanas. De modo geral, os estudos sobre questões relativas à acessibilidade e ao processo de evolução urbana não se inserem em um processo histórico, de médio e longo prazo, nos sentidos físico e social; não oferecem instrumental elucidador da evolução urbana, ao desconsiderar a localização e aspectos morfológicos relacionados, do sítio geográfico, dos espaços livres, do solo e seu parcelamento, das vias e movimentos

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urbanos e do potencial da linha, relativamente contínua, descrita pelo movimento, não captando a lógica dos estágios de expansão do tecido urbano, baseada em linhas evolutivas, no espaço e no tempo. No estudo da evolução urbana, a tendência comum é tratá-la sem que se utilize um instrumento capaz de organizar para análise os fatos urbanos dispersos, em uma linha evolutiva lógica, no espaço e no tempo. Os percursos urbanos podem, assim, ser aplicados como instrumento de análise das questões da mobilidade e da acessibilidade, relacionando-os à questão espacial e social. São percebidos, dessa forma, como uma linha ordenadora dos fatos urbanos, conduzindo a uma análise estrutural e aprofundada da evolução urbana e de suas propriedades territoriais e leis socioespaciais.

Percursos urbanos Os percursos podem ser vistos como rotas, usadas nos deslocamentos das pessoas na cidade, utilizando espaços livres e formando uma trajetória. Constituem uma linha no espaço e no tempo, descrita pelo movimento que define a direção de fluxos de deslocamento e circulação, podendo destacar certos vetores de expansão intraurbana. Implicam igualmente num sentido social, relacionado aos deslocamentos e práticas de um dado grupamento humano, em uma direção de crescimento da cidade. O sentido social engloba as diferentes rotinas das classes sociais, no espaço e no tempo, envolvendo questões da cultura, dos significados, interesses, códigos e práticas sociais cotidianas, no processo das transformações urbanas. As práticas sociais relacionam-se com os trajetos, hábitos e culturas típicas dos grupos sociais, em função da localização, renda e modo de transporte urbano. A linha definida pelo percurso articula-se com os espaços livres e com a evolução urbana, relacionando-se com os deslocamentos e as práticas das redes sociais CAPÍTULO 1

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na cidade. De modo geral, admite-se que de 20% a 30% do uso do solo na cidade é destinado à circulação urbana, percentual, em grande parte, relacionado à utilização do transporte individual motorizado. As rotas ou trajetos urbanos correspondem aos movimentos cotidianos, definidos pelos deslocamentos típicos, no espaço, dos diferentes grupos sociais, no atendimento de suas rotinas e atividades na cidade, formando a trajetória, associada especialmente ao conjunto de vias e trechos de via, que são usados na circulação urbana. A linha definida é caracterizada pela relativa continuidade espacial, podendo prestar-se como instrumento de organização e análise de fatos físicos e sociais, articulando períodos de expansão urbana, numa direção de crescimento da cidade.2 Associado a uma ideia orientadora, baseada em elementos lineares no espaço (vias, itinerários de transportes públicos, caminhos históricos tradicionais, margens de rios, áreas de influência de faixas de domínio, orlas), os percursos abrigam e expressam fluxos essenciais e movimentos de pessoas, influindo na lógica evolutiva e no partido espacial urbano. Dessa maneira, são instrumentos de análise, mostrando que existem forças organizadoras que determinam o seu surgimento, articulandoos com a evolução urbana e evidenciando relações entre a dinâmica socioespacial e a forma urbana. O percurso pode não retratar um trajeto físico propriamente dito, mas pode expressar os deslocamentos sociais no espaço, como os movimentos centro – periferia e vice-versa, auxiliando na visualização da dinâmica da segregação, do uso e ocupação do solo, da formação de barreiras urbanas e as transformações ao longo do tempo. Transpondo a visão tradicional, o percurso amplia as noções convencionais de circulação, favorecendo igualmente a percepção de uso e ocupação do solo urbano como território apropriado, como 2  Os trajetos habituais intraurbanos constituem-se em importantes elementos referenciais, influentes no processo de evolução urbana.

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mostrado nos Capítulos seguintes. Encontrando raízes no comportamento humano, permite análises sobre as causas do processo de evolução urbana, afetando os modos de intervenção organizadora e exploradora dos espaços. Possibilita o reconhecimento da dinâmica espacial das classes sociais – percurso social – e do movimento econômico e político – percursos econômico e político –, tomando como referência sua acepção como trajeto, associado aos itinerários físicos, contribuindo na identificação da dinâmica e dos fluxos das redes geográfico-sociais (hegemônicas e dominadas) de produção e apropriação diferenciada dos espaços urbanos.

Figura 02 Dinâmica de circulação de pessoas, veículos e comércio em uma cidade norte-americana. Fonte: https://www.theatlantic.com/business/ archive/2016/01/ januarys-best-readsmoney-business-and-economics/433836/

A importância do conceito reside nos seguintes fatos: 1) Os percursos estão baseados e utilizam espaços livres de circulação, de referência e de permanência urbanas (Panerai,1980,1986); 2) Podem revelar

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percursos menos visíveis (sociais, econômicos, políticos), relacionados aos percursos propriamente ditos, identificando linhas e direções de segregação no espaço; 3) Tratando-se de um fato que se desenvolve sobre uma base física, relacionada à acessibilidade e aos fluxos essenciais de circulação urbana, vincula-se à evolução do uso do solo, aproximando-se da realidade da cidade e, 4) Constituindo linhas relativamente contínuas, podem favorecer o reconhecimento, organização e descrição dos fatos urbanos dispersos, limites e fronteiras urbanas, no espaço e no tempo. Os percursos urbanos são abordados como viés para o reconhecimento dos espaços livres, no processo de evolução urbana e nas práticas sociais. Definem um fio condutor, estabelecendo o arranjo de variáveis proposto por esta obra, que relaciona, como exposto antes, aspectos da ocupação, dos usos do solo, da morfologia e das práticas dos grupamentos sociais, demonstrando que os percursos podem influir na segregação e na formação de barreiras e fronteiras urbanas. Os espaços das praças, assim como os das principais avenidas, são elementos reconhecidamente fortes do processo histórico brasileiro de formação dos núcleos urbanos. Os objetos fabricados ou os objetos sociais, combinados com os objetos naturais componentes da natureza, são entendidos como o cenário que nos rodeia, participa e conforma o nosso cotidiano, como resultante da consolidação de percursos e “como resultante de um histórico” (Santos, 1982). As figuras 03 e 04 apresentam redes globais de trocas e fluxos de percursos urbanos.

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Figura 03 Mapa de Sistemas de Transporte Global (Áreas urbanas, rodovias, comércio e redes aéreas. Fonte: http://migrationsmap.net (dados de 2013)

Figura 04 Mapa de migração grobal: Brasil (dados de 2007). Fonte: http://migrationsmap.net

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Espaços livres Sem a circulação e os movimentos urbanos não há espaço público e vice-versa. Uma das principais referências deste trabalho diz respeito aos espaços livres da cidade, entendidos “como todos aqueles não contidos entre as paredes e tetos dos edifícios construídos pela sociedade para sua moradia e trabalho” (Macedo,1995). Dessa forma, o espaço livre é todo espaço não ocupado por um volume edificado (Magnoli; In Macedo,1995). O espaço físico da cidade é, em geral, visto como um conjunto de espaços edificados (predominantemente ocupados por construções diversas) e espaços livres de edificação. Ambos os espaços são resultantes de ações sociais “institucionalizadas ou não e que, em alguns casos, estão articulados entre si, de acordo com uma lógica interna, a qual é determinada pelos condicionantes do meio, pela cultura e o psiquismo dos seus construtores, ao longo do tempo” (Sá Carneiro e Mesquita,2000). As autoras citadas incursionam pelos espaços livres, especificando-os “no contexto da estrutura urbana, como áreas parcialmente edificadas com nula ou mínima proporção de elementos construídos e/ou de vegetação – avenidas, ruas, passeios, vielas, pátios, largos, etc. – ou com presença efetiva de vegetação – parques, 38

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praças, jardins, etc. – com funções primordiais de circulação, recreação, composição paisagística e de equilíbrio ambiental, além de tornarem viável a distribuição e execução dos serviços públicos em geral”. Por esses espaços, as pessoas fluem no seu cotidiano em direção ao trabalho, à moradia, ao lazer, etc. São ainda conceituadas como espaços livres as praias marítimas e fluviais, as áreas remanescentes de ecossistemas primitivos (matas, manguezais, lagoas, restingas) e os espaços do tecido urbano ocupados por maciços arbóreos cultivados (quintais residenciais e áreas de condomínio fechado).

Figura 05 Espaços livres de funções distintas. Na página 38: o Parque Ibirapuera em São Paulo e, página 39, a esplanada dos ministérios em Brasília. Fontes: shutterstock e www.brasilia.df.gov.br

Dessa forma, o locus dos espaços livres públicos apresenta-se como a base física e também como elemento referencial mais permanente de percursos urbanos. Segundo Lynch (1990; In: Sá Carneiro e Mesquita, 2000), a denominação espaço livre está apoiada na condição de oferecer livre acesso, permitindo às pessoas agirem livremente. De acordo com Panerai (1994), além de sua justificativa funcional como espaço de circulação (não apenas de veículos), o espaço público define-se primeiramente como espaço do público, como domínio público e como a estrutura fundamental sobre a qual se apoia a grande duração que assegura a permanência da cidade. Segundo Sá Carneiro e Mesquita (2000), “os espaços livres sugerem

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uma leitura diferenciada da malha urbana que deve ser levada em conta no planejamento, em especial ao se considerar a abordagem ecológicoambiental do centro urbano em questão”. No desenvolvimento da pesquisa foram destacados espaços livres, representados por avenidas principais, praças e parques. Estes espaços, percebidos como estruturas fundamentais (Panerai, 1980,1986), podem assegurar tanto as dinâmicas da acessibilidade, da mobilidade e da produção de espaços urbanos quanto a permanência de determinadas referências espaciais da cidade. Relacionado às questões da acessibilidade e da mobilidade, o conceito de percurso, como eixo condutor destas reflexões, aprofunda relações entre o atributo, acessibilidade, visto numa perspectiva ampla, e os processos, que são os movimentos e a ocupação urbana. Os espaços livres públicos, componentes do sistema de acessos urbanos, também podem ser percebidos como memória, no sentido de conhecimento acumulado, como permanência, no sentido de continuidade e como projeção, pela possibilidade de previsões e montagem de cenários futuros (Poète, 1958; Tricart, 1963; Castex e Panerai, 1986 e Carneiro, 2000).

Acessibilidade Tradicionalmente, a acessibilidade física é vista como a facilidade de atingir os destinos desejados, como a medida direta e positiva dos efeitos de um sistema de transporte. Na forma mais simples, a acessibilidade pode ser medida pelo número, natureza e maneira que os destinos desejados por uma pessoa podem ser alcançados. Uma medida similar é a densidade das vias urbanas ou a densidade das linhas de transporte público. Em outra análise, a acessibilidade também pode ser avaliada pelo cálculo dos custos sociais envolvidos no transporte (Vasconcellos,2000). Assim, dizendo respeito à maior 40

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ou menor facilidade de acessar e atingir determinados espaços, uma das medidas básicas da acessibilidade é dada pela disponibilidade de espaços viários ou de sistemas adequados à circulação . Na visão tradicional dos transportes, a acessibilidade pode ser subdividida em dois tipos: macroacessibilidade, que se refere à facilidade relativa de atravessar o espaço da cidade e atingir as construções e equipamentos urbanos desejados e, microacessibilidade, que se refere à facilidade relativa de ter acesso direto aos veículos (meios) e aos destinos desejados (fins), como por exemplo, condições de estacionamento e de acesso a ponto de ônibus e às edificações. Outra categoria pode ser colocada: a mesoacessibilidade, como uma categoria intermediária, de alcance setorial ou mesmo na escala do bairro. Reafirmando os enfoques que definem a acessibilidade como atributo de um espaço urbano (Linhares, 1988), ou como uma questão de “atrito” entre a atratividade de um ponto e as dificuldades de acessálo (Nigriello, 1977), este trabalho considera que acessibilidade também representa oportunidades urbanas para o indivíduo, dada a localização. Um dos fatores condicionantes da região de oportunidades do indivíduo é a possibilidade de acessar os locais na cidade, onde estão alocadas as atividades, serviços e bens que preenchem condições básicas e aspirações de vida (Pinheiro, 1994). Enquanto sinônimo de oportunidades urbanas, a acessibilidade pode referir-se a várias esferas: 1) Possibilidade de um novo leque de opções de emprego, viabilizando a escolha do tipo de atividade e qualificação para a qual o sujeito está mais apto, melhorando o poder de barganha, etc.; 2) Garantia de usufruto dos serviços públicos, educação, saúde, esporte e lazer, promovendo a integração sociocultural dos indivíduos; 3) Possibilidade de usufruto dos espaços urbanos e vivência maior da diversidade, concretizando o direito ao uso do espaço da cidade, à cidadania e à qualidade de vida. CAPÍTULO 1

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Do ponto de vista conceitual, a acessibilidade é mais vital na produção de localizações, no espaço urbano, do que a própria disponibilidade de infraestrutura. Significa dizer que a infraestrutura pode inexistir em uma parte do espaço, mas os deslocamentos e percursos, encontros, contatos humanos e a produção de lugares não.

Mobilidade Na sua conotação convencional, mobilidade é vista como uma abordagem quantitativa, representando os deslocamentos ou viagens que ocorrem no contexto da cidade, tendo como referências um ponto de origem e um ponto de destino no espaço. Esse enfoque facilita a adoção de uma abordagem agregada do fenômeno, passível de contabilização, descrito em suas regularidades e variações e projetado dentro de cenários futuros. Dessa forma, torna-se elemento dos métodos de quantificação da demanda. Os fatores principais que interferem na mobilidade das pessoas parecem ser a classe e a renda, a idade, a ocupação, o nível educacional e cultural, o gênero e a saúde. Tratando de questões físicas e sociais, este trabalho procura compor um conceito amplo de mobilidade, captando-a como um fenômeno multifacetado, com dimensões diferenciadas, nos níveis social, econômico, político e cultural. Assim, vemos a mobilidade como um conceito que também indica uma prática social de atores urbanos, desenvolvida com o objetivo de viabilizar sua inserção nas mais variadas esferas que a cidade oferece. Pressupõe-se a idéia de que a mobilidade é um fenômeno cuja lógica só pode ser entendida a partir de seu sujeito-ator. Isso significa que entender as necessidades desse sujeito e as especificidades de sua inserção urbana pode dar a chave para a compreensão da dinâmica da própria mobilidade, sua evolução ao longo do tempo, suas diversidades no espaço urbano e diferenciações 42

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por segmento social (Ethiene,1985 e Pinheiro,1994), oferecendo uma ferramenta para análise da lógica evolutiva da cidade. A acessibilidade e a mobilidade podem constituir importantes vantagens comparativas que apresenta o espaço urbano, em face de outras alternativas de localização na cidade (Vasconcellos,1991). A acessibilidade, enquanto leque de oportunidades, concretiza-se na mobilidade, não significando apenas deslocamento ou viagens mas, além disso, representando uma prática social de deslocamento de atores urbanos, visando à inserção urbana, com influência na segregação. Na verdade, um aumento da acessibilidade pode provocar um aumento da mobilidade dos indivíduos, fazendo aumentar as chances de uma maior densidade nessa inserção, seja em termos quantitativos ou em termos qualitativos. Por outro lado, a acessibilidade e a mobilidade podem expressar combinações, disputas e conflitos físicos e sociais, representando interesses e necessidades dos diferentes atores e papéis dentro da sociedade. No espaço urbano, o perfil da acessibilidade e da mobilidade dominantes relaciona-se com a morfologia da cidade e com a configuração dos espaços livres destinados à circulação.3 Um sistema espacial urbano, a exemplo dos espaços livres, oferece uma diversidade de oportunidades de movimento. Da mesma maneira, a morfologia também apresenta distinções de acessibilidade, privilegiando algumas vias, em detrimento de outras. Os indivíduos que utilizam esse sistema espacial têm várias alternativas para construir seus “roteiros urbanos”. O percurso, interpretado como uma rota, um caminho, a princípio espontâneo, posteriormente se estabelece como um movimento determinado entre dois ou mais pontos, por meio de influências socioespaciais. Esse conceito de movimento diferencia-se da concepção adotada pela sintaxe espacial, dos “movimentos naturais” 3  As noções de acessibilidade aqui colocadas derivam de conceitos de Collin Buchanan (1963). CAPÍTULO 1

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(Hillier,B e Hanson, J; 1984, 1993), definidos pela configuração física da malha urbana. O conceito de movimento, aqui utilizado, relaciona-se com a localização e com a lógica de evolução urbana, definindo rotas casa– trabalho, casa–compras, casa–praia, etc, influenciadas pela configuração espacial da cidade e por questões sociais. A opção por esta ou aquela rota é influenciada pelas oportunidades oferecidas pela malha urbana, já que um percurso está relacionado ao sistema espacial e às suas propriedades configuracionais. As oportunidades de deslocamento na malha acabam exercendo influência sobre a forma como as diversas atividades são distribuídas e como as relações sociais são construídas. Os espaços livres e as questões da acessibilidade e da mobilidade urbana compõem elementos que favorecem a articulação entre percursos e processo de evolução urbana. Dessa forma, os espaços livres, a acessibilidade e a mobilidade surgem como elementos intimamente articulados, e mesmo sobrepostos, sob influência de propriedades territoriais e leis socioespaciais, evidenciando relações entre a dinâmica socioespacial e a morfologia e podendo, assim, influir na segregação, na formação de barreiras e fronteiras urbanas.

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Figura 05 Pane em semáforo causa um nó no trânsito da zona oeste de São Paulo em 02/02/2017. Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2017/02/1855266falha-em-semaforo-causa-no-em-cruzamento-de-avenidas-em-sao-paulo.shtml

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Lógica evolutiva do tecido urbano A princípio, a lógica evolutiva de um tecido urbano relacionase com tendências, indicações, resultados e com as razões, físicas e sociais, para que se dê uma determinada forma de ocupação, por meio das quais ocorre um dado processo de evolução urbana, definindo uma sequência de fatos e de transformações. As razões podem ser associadas a forças impulsionadoras implícitas, que levam um objeto a ter sua estrutura organizada de uma maneira específica, determinando a forma de articulação dos elementos morfológicos urbanos, como sítio geográfico, vias, praças, parcelamentos, etc. A lógica evolutiva urbana estabelece uma relação com diretrizes da estrutura urbana, podendo englobar igualmente ações de planejamento, reguladoras e normativas.4 Pode definir estágios de ocupação, articulando percursos e processo de evolução urbana, por meio de propriedades territoriais e de leis socioespaciais. Os espaços livres são, assim, um dos principais elementos morfológicos de articulação, no espaço, entre percursos e a evolução urbana. Essa articulação desenvolve-se em decorrência da acessibilidade e da mobilidade, dando-se a partir da essencialidade do deslocamento humano na cidade, envolvendo questões funcionais do uso do solo, onde a variável espaço é um elemento ativo no processo. As propriedades territoriais podem ser identificadas a partir das características do sítio geográfico5 da expansão e da morfologia urbana. 4  Moraes Netto (PROPUR-UFRS,1999) estabelece uma relação entre lógica, diretriz e padrão de apropriação das diferentes classes sociais. Para o autor, “(...) ‘lógica’ é um conceito cuja definição é difícil, em função de sua dimensão metafísica – um instrumento útil no sentido cognitivo, para compreendermos a dinâmica ou a estrutura dos fenômenos em geral”. Para Moraes Netto, “(...) lógica pode ser entendida como as diretrizes de uma estrutura; as razões (como ordens metafísicas) para um dado objeto ter sua estrutura de uma forma específica e não de outra. Esses arranjos de diretrizes determinam a forma de coexistência e articulação dos elementos achados num dado objeto, como seus parâmetros estruturais. Diferentes lógicas de apropriação significam a existência de diferentes formas de se relacionar e utilizar os espaços da cidade, os quais podem ser descritos como diferentes estruturas de movimento (...)”. 5  Dimensão territorial do espaço natural, base física da cidade, como estruturante primário” (Antônio H.L.Sampaio,1999).

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Por outro lado, a maneira como estão articulados (ou desarticulados) os principais elementos morfológicos pode também influir sobre as propriedades territoriais do espaço urbano, listadas como as que seguem: radialidade, excentricidade, concentricidade, linearidade, acessibilidade, mobilidade, continuidade espacial, restrições físicas, barreiras e fronteiras urbanas. A lógica evolutiva do tecido urbano tem relação com propriedades territoriais e leis socioespaciais. As leis socioespaciais, por sua vez, relacionam-se com questões de localização urbana, de direção de expansão, de amenidades, de continuidade e permanência (longa duração) de um vetor de expansão e das menores distâncias entre pólos, que podem acentuar e destacar um eixo de crescimento da cidade. Determinadas características, a exemplo das radiais, da expansão urbana, da acessibilidade e da mobilidade relacionam-se com leis socioespaciais, favorecendo determinada direção de ocupação, localização e concentração de determinado grupamento social, em um setor da cidade, representando igualmente a espacialização da segregação. As propriedades territoriais e leis socioespaciais são essenciais para esclarecimento de padrões de ocupação e do papel dos percursos, como definidores da segregação e barreiras urbanas. As tipologias de espaços edificados e livres, traçados e parcelamentos e outros elementos morfológicos são, conforme Castex (1980), “a projeção de uma ordem social, bem como consequências de peculiares condições de produção, ao longo do tempo”, podendo revelar muito do contexto histórico do processo de evolução urbana, por meio de estágios sucessivos e da articulação com percursos. A “ordem social” pode ser relacionada às forças subjacentes à forma urbana, atuantes na cidade. A organização e articulação dos elementos morfológicos são resultados de condições específicas de desenvolvimento urbano, influenciadas por determinados modelos culturais e práticas dos grupos sociais. Determinados eixos de acesso podem constituir linhas de ordenação do CAPÍTULO 1

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traçado e da evolução urbana. A evolução urbana pode ser vista sob diferentes óticas. Neste trabalho, a evolução urbana significa o desenvolvimento, o movimento progressivo e continuado de fatos sociais e de um conjunto de elementos articulados, relacionados a percursos, que podem determinar transformações e a passagem de um estágio evolutivo a outro, no espaço e no tempo. Aqui, a evolução urbana é tomada de forma ampla, como um processo social, relacionado a questões estruturais e que envolve a expansão da cidade. A expansão é vista como a evolução da área física ocupada, considerando o complexo de espaços edificados e de espaços livres, resultado de ações humanas. Dessa forma, o conceito engloba o crescimento e as transformações da área física urbana, o modo, a intensidade e direção, elementos geradores e reguladores, limites, superação de limites, questões da dinâmica estrutural urbana e de espaços dinâmicos e cristalizados. Constitui um conjunto de elementos articulados entre si de acordo com uma lógica evolutiva interna, que é determinada por condicionantes do meio, socioeconômicos, culturais e psíquicos dos seus construtores ao longo do tempo (Sá Carneiro,2000). O processo de evolução urbana é estruturado, isto é, ele não está organizado ao acaso e os processos sociais que se ligam a ele exprimem, ao especificá-lo, os determinismos de cada tipo e de cada período da organização social (Castells,1983). A dinâmica define vetores de expansão relacionados a percursos, que podem se destacar na mancha urbana, a partir do núcleo central original, por meio de eixos de crescimento, baseados em vias principais da cidade. O processo de expansão urbana tem consolidado categorias espaciais especialmente nas médias e grandes cidades, como o tamanho urbano, modelo rodoviário, carência de infraestrutura, especulação fundiária e imobiliária, extroversão e periferização, problemas de acessibilidade e

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mobilidade (Santos,1993). Havendo interdependência entre as categorias, cada uma sustenta e realimenta as demais e a expansão urbana é também o crescimento sistêmico dessas categorias. Determinados vetores de crescimento urbano podem contribuir fortemente para mudança de arranjo espacial da cidade, tanto pelo tamanho do fenômeno, muitas vezes avantajado, quanto pelos impactos na questão da localização e no uso do solo. Tamanho e dispersão formam importantes categorias espaciais da cidade atual, que se prestam à reprodução de espaços fragmentados e à reprodução de novas centralidades, com repercussões na acessibilidade e na mobilidade, destacando percursos urbanos. Dessa maneira, os percursos são vistos como instrumento de análise e organização dos fatos urbanos dispersos, em linhas lógicas de evolução urbana, descritas pelo movimento. Com certa continuidade espacial, têm o potencial de investigação das relações e estágios urbanos de diferentes naturezas. Associar a expansão e os destinos do espaço urbano aos seus percursos pode ser uma regra fundamental de determinados métodos adotados para análises urbanas. Podem-se considerar tanto elementos quantitativos quanto qualitativos, apontando para o ponto de vista do fato material e para as características estruturais do urbano, que se relacionam com modelos específicos de referência. Como visto, propriedades territoriais e leis socioespaciais exercem influência sobre a relação entre percursos e evolução urbana, podendo os percursos influir na concentração de grupamentos sociais em diferentes setores – áreas da cidade e assim na formação de fronteiras urbanas, físicas e sociais. Assim, essa ideia orientadora toma como eixos de referência subsistemas lineares essenciais do espaço da cidade, tais como vias estruturais, trajetos principais de transporte coletivo, caminhos e fluxos históricos, tradicionais e referenciais, e faixas de orla marítima. Abre-se, assim, uma possibilidade de pesquisas refletirem sobre o desenvolvimento da estrutura e da forma urbana, examinando as relações CAPÍTULO 1

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espaciais entre os subsistemas e respectivos fluxos socioeconômicos e os espaços territoriais a eles ligados. A consideração de tais fluxos socioeconômicos visa a observar as redes e articulações, manifestadas de modo menos visível, “expressas no capitalismo por meio das relações espaciais envolvendo a circulação de decisões e investimentos de capital, mais-valia, salários, juros, rendas, envolvendo ainda a prática do poder e da ideologia” (Corrêa,1989). Busca-se refletir sobre atributos, processos e forma, centrados na realidade da dinâmica da cidade e em seus percursos mais importantes, aprofundando a problemática do urbano, de sua configuração e da segregação, explicitando categorias capazes de descrever a sua lógica evolutiva complexa, em suas variadas direções de expansão. Guiada por uma combinação de fatores, essa lógica apresenta, em suas relações, um elemento influente que está sempre presente: o sítio geográfico. Este Capítulo está alicerçado na história, utilizando especialmente os conceitos de percurso e dos estágios de evolução urbana. Como A. Rossi (1998), entendemos que “o método histórico é capaz de oferecer a verificação mais segura de qualquer hipótese sobre a cidade; a cidade é por si mesma, depositária de história”. Nesta linha de pensamento, parte-se da investigação de um fato concreto, a seguir, abstrai-se, por intermédio de um esquema analítico, apoiado na crítica sobre teorias existentes, que representa o objeto empírico de estudo, retornando, por fim, à realidade estruturada e relacionada com a experiência do sujeito social. Esses eixos metodológicos podem reconstituir a história urbana, explicitando a lógica evolutiva dos percursos da cidade e sua articulação com o processo de evolução urbana, em períodos de longa duração. Fernand Braudel (1985) foi um dos historiadores que perceberam e sintetizaram as implicações do desenvolvimento dos estudos históricos, quanto ao problema do “tempo da duração”, ao distinguir três níveis:

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o nível dos acontecimentos, da história episódica ligada aos fatos principais, que se move na curta duração; o nível intermediário, da história conjuntural (encontro de circunstâncias numa dada evolução), de ritmo mais lento e de considerável variabilidade e, o nível estrutural, de maior duração. A história, sem deixar de preocupar-se com as mudanças, o movimento, conscientizou-se também das persistências. Por intermédio de uma rota, procura-se reconhecer a sua relevância para estudo das dinâmicas socioeconômicas, políticas e culturais, como forças que influenciam na articulação entre percursos e evolução urbana, buscando entender igualmente os mecanismos que explicam as combinações e os conflitos urbanos existentes, as permanências e rupturas, esclarecendo o local relacionado ao global. Nos estudos intraurbanos, as articulações entre percursos e processo de evolução da urbe podem ser tratadas por meio da análise da ocupação e uso do solo urbano, ligado à criação de espaços livres destinados à acessibilidade e aos principais fluxos de deslocamento, vistos tanto sob os aspectos físicos quanto social. Destaca-se a relação dos percursos com os espaços livres, os diferentes territórios – localizações (áreas locais representadas por bairros ou conjuntos habitacionais) e as práticas sociais, no processo de evolução da mancha urbana, numa ideia orientadora baseada em elementos formadores de uma linha evolutiva, ou mesmo um “fio condutor”, definidor de um percurso, influente em dinâmicas estruturais, a exemplo da segregação, que podem interligar ou separar espaços territoriais da cidade. Os estudos de Castex e Panerai (1980,1986), por exemplo, analisaram a estrutura formal e a lógica evolutiva do tecido da cidade, numa dimensão física, identificando três estágios no processo de evolução urbana: superação de limites, crescimento e combinação/conflito. Às ideias de Castex e Panerai, podese associar justamente o conceito de percurso, formando uma linha no espaço e no tempo, descrita pelo movimento e articulada à evolução CAPÍTULO 1

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urbana que, de alguma maneira, atravessa os estágios urbanos. Em uma trama metodológica, o instrumento do percurso urbano pode ser calibrado e periodizado pelo esquema analítico de Castex e Panerai, ao mesmo tempo em que articula e organiza os estágios evolutivos, por meio de sua continuidade espacial, buscando a lógica de evolução e imprimindo um sentido físico e social. Muitas realidades urbanas, objetos empíricos de investigação, aproximam-se desse esquema, podendo-se descrever certas características do processo de evolução urbana. Entre essas características, destacam-se o modo de organização dos elementos morfológicos, a ocupação e os diferentes usos do solo e suas relações com a acessibilidade e a mobilidade urbana. A partir dos estágios urbanos, podem-se capturar articulações típicas e interfaces entre diversos fatos urbanos e relações de causa – efeito, muitas vezes, menos visíveis. Superação de limites – refere-se aos períodos da ultrapassagem dos principais obstáculos (restrições físicas) à expansão urbana, encontrados no ambiente natural, com obras de infraestrutura e a construção de espaços livres e edificados. Neste estágio, pode-se também analisar o significado e os impactos da superação de limites na expansão da forma urbana e no processo de segregação, com a formação de eixos de crescimento urbano, a partir de núcleos centrais da cidade. Crescimento – refere-se ao período caracterizado pela predominância da expansão, desenvolvendo, no espaço e no tempo, as relações existentes entre percursos e processo de evolução urbana. Podem-se identificar as disputas, a reestruturação e a redefinição do espaço da cidade, influenciadas pelas repercussões do estágio anterior, destacando a construção

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de novos espaços territoriais e o alongamento de percursos, relacionados, também, às redes e práticas sociais urbanas. Combinação/conflito – aqui, de várias maneiras, aprofundam-se (combinam-se) as relações entre as estruturas física e social e os conflitos entre políticas urbanas, a acessibilidade, a mobilidade, a ocupação e o uso do solo. Consolidam-se a ampliação da escala dos percursos, o tamanho urbano, como uma das categorias espaciais da cidade e a concentração de grupamentos sociais em determinados espaços urbanos, ampliando a combinação dos poderes econômico e político com as características do sítio natural e acentuando a diferenciação na ocupação e no uso do solo urbano.

A análise da lógica dos três estágios indicados destaca o significado físico e social dos espaços livres públicos, na evolução dos percursos urbanos e na localização/concentração das diferentes classes sociais no espaço da cidade. Com as ideias de Castex e Panerai e o conceito de percurso, pode-se obter uma comparação articulada entre estágios de expansão urbana, estudando as semelhanças, diferenças, permanências e transformações e explicando combinações e conflitos urbanos, em várias direções de expansão. Conduzindo a uma perspectiva estrutural, o método possibilita esclarecer como propriedades territoriais e leis socioespaciais relacionam percursos e lógica evolutiva e a possibilidade do efeito dos percursos sobre a segregação, no âmbito do espaço intraurbano. Com características diferenciadas do contexto interurbano, o espaço intraurbano possui particularidades, diretamente relacionadas com o leque de aspectos aqui tratados, contribuindo para esclarecimento de dinâmicas menos visíveis das cidades.

CAPÍTULO 1

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1.2 DINÂMICA DO ESPAÇO INTRAURBANO Aqui conceituamos e sintetizamos a dinâmica da estrutura intraurbana, colocando as principais questões, atributos e categorias espaciais que emergem das médias e grandes cidades, que se prestam como referencial a estudos de caso. Identificam-se situações em que os percursos estão mais destacados, indicando o que é estrutural na dinâmica do espaço intraurbano. Discutem-se as diretrizes estruturais e as articulações de variáveis que influem sobre a totalidade da cidade e sobre a segregação, abordando as propriedades intraurbanas, a localização, as áreas sociais e as relações com a acessibilidade e a mobilidade. Destaca-se o impacto da diferenciação socioespacial e da fragmentação na ocupação da cidade, evidenciando relações entre a dinâmica socioespacial e a forma urbana e a influência dos percursos na segregação e na formação de barreiras. Os fluxos e vivências dos espaços pelas pessoas são um dos focos centrais de abordagens recentes, que procuram caracterizar a evolução do espaço intraurbano e suas relações com os usuários, a partir do uso cotidiano e das possibilidades que as configurações espaciais oferecem. Ao introduzir as questões da acessibilidade e da mobilidade na vida diária, a urbanização produziu igualmente novos modos de espacialização na vida social.6 Quando ocorrem, as interações não acontecem simplesmente porque as cidades são densas e ocupadas diversa e diacronicamente. Acontecem também em função de um certo papel do espaço, de leis e propriedades e de arranjos intraurbanos, sendo o espaço e os seus percursos duas das dimensões mais distintas e persistentes da cultura urbana, que não apenas expressam, mas também articulam-se dialeticamente com as classificações estabelecidas pela dinâmica estrutural e pelas práticas sociais7 6  Tamanho e dispersão urbana e a concentração populacional colocaram a acessibilidade e a mobilidade como bens essenciais à vida na cidade. 7  As classificações dizem respeito a hierarquias e setorizações físicas e socioeconômicas, bem

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do processo de evolução urbana.

Espaço intraurbano e suas propriedades O espaço intraurbano, o espaço interno da cidade, ao contrário de espaços regionais e nacionais, como o da rede das cidades, possui uma dinâmica particular em sua lógica evolutiva. À primeira vista, espaço urbano poderia surgir como uma expressão suficiente. Porém, essa, e outras afins como estrutura urbana, estão comprometidas com a noção de redes territoriais regionais, nacionais e mesmo continentais, o que poderia levar a uma distorção conceitual, em relação às especificidades dos percursos e espaços territoriais, estudados neste trabalho. Os percursos, ao nível do espaço intraurbano, estabelecem uma dinâmica particular, relacionada à acessibilidade e à mobilidade, além de simples facilidade de atingir destinos e número de viagens, definindo elementos da morfologia urbana, como as vias e movimentos que possuem conteúdos sociais. Segundo Villaça (1998), a estruturação do espaço regional é dominada pelo deslocamento das informações, da energia, do capital constante e das mercadorias em geral – eventualmente até da mercadoria força de trabalho. Ainda segundo o mesmo autor, o espaço intraurbano é estruturado pelas condições de deslocamento do ser humano, seja enquanto portador da mercadoria força de trabalho – como no deslocamento casa/trabalho - seja enquanto consumidor – reprodução da força de trabalho, deslocamento casa/compras, casa/lazer, escola, etc., no sistema de acumulação capitalista. Vem daí, por exemplo, a influência estruturadora intraurbana dos territórios comerciais e de serviços, a começar pela área central da cidade, e dos eixos de comércio e serviços. No tocante à acessibilidade e à mobilidade, o espaço intraurbano é como a aspectos simbólicos e culturais do espaço intraurbano. CAPÍTULO 1

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consideravelmente heterogêneo e setorizado, a partir dos principais percursos, influindo na segregação. Os fatos definem práticas e redes sociais que materializam os percursos, agindo na cidade sob a forma de “redes geográficas de apropriação diferenciada de seus espaços” (Krafta, 1996). Influem na produção de formas espaciais, como em espaços moldados pelos eixoscorredores principais de acesso da cidade, que constituem maneiras distintas de construção e de apropriação do espaço intraurbano, nos sentidos físico e social. É relevante destacar aqui uma especificidade do espaço, que se refere à localização intraurbana. A localização é associada às noções de setor e de território urbanos, áreas determinadas pelas peculiaridades do sítio natural e da evolução urbana, constituindo tipos específicos de espaços territoriais, relacionados com as características do todo urbano. As relações não podem existir sem contatos e encontros urbanos, que envolvem a localização e os deslocamentos típicos de produtores e de consumidores, entre os locais de moradia e os locais de produção e consumo, nos percursos da cidade. Os percursos e as relações intraurbanas, ao contrário das relações regionais e nacionais, são mais permanentes e cotidianos, entre as pessoas e o espaço, estabelecendo dinâmicas particulares, a partir de variáveis específicas. Os deslocamentos típicos e os contatos estão associados às diferentes redes e práticas sociais, que se materializam por meio dos percursos. Estudando a estrutura da cidade à luz das características dos percursos e dos lugares territoriais, o próprio espaço é visto como um conceito ligado a lugar, como espaço ocupado e apropriado, mais ou menos delimitado, gerado e referido por fatos e objetos sociais. A dinâmica intraurbana evidencia tanto a importância de determinados elementos morfológicos, como o sítio geográfico, os espaços livres e o

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parcelamento do solo, quanto a importância da localização, da cultura e das práticas sociais cotidianas, no processo de evolução da cidade. A análise do espaço engloba, assim, a dinâmica de suas relações e reconhece-o como um sistema que, para Hall (1968), é “(...) um conjunto de objetos com relações internas entre os próprios objetos e entre seus atributos”. Para Echenique (1975), a forma com que estão inter-relacionados os objetos define a estrutura do sistema e a própria urbanização. A Figura 07 mostra relações existentes entre espaço (natural e construído), localização dos usos do solo e deslocamentos urbanos.

Figura 07 Exemplo Tradicional de Estrutura Urbana Composta: Espaço – Localização – Deslocamento Urbano. Fonte: Autores (2018), adaptado de Echenique (1975).

CAPÍTULO 1

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Crescimento e transformações A era da “comunicabilidade universal”, anunciada por Ildefonso Cerdá (1867) e por G. Giovannoni (1913), é também aquela da “urbanização universal, difusa e fragmentada” (Choay,1994), estruturada em linhas e filamentos definidores de novos fluxos e de novos percursos, onde destacam-se uma certa continuidade das linhas, os espaços territoriais e também uma certa setorização intraurbana, que afeta a forma e as relações socioespaciais. O modelo clássico do “lugar central” que constava no enunciado de Walter Christaller (1933), juntamente com os refinamentos e detalhamentos propostos por Berry e Garrison (1958), forneciam uma teoria do tamanho, função e espaçamento dos centros de mercado. Esse modelo, pelo qual Christaller explicava o crescimento e a repartição das cidades de então, não dá devidamente conta do processo de reticulação generalizada, ao mesmo tempo mais instável e menos centrada, e nem da urbanização esparramada em forma de filamentos e de tentáculos da cidade atual, traduzida pelos percursos urbanos. Os termos “urbanização” como um processo e “urbanismo” na acepção de planejamento foram formulados pela primeira vez na segunda metade do século XIX. Como escreveu Milton Santos (1988), a cidade é o lugar, o particular, o concreto e o interno, nela estando a rede de transporte, a especulação imobiliária, a habitação. Para Souza (1995), o urbano é o abstrato, o geral, o “externo”, onde estão a produção, as classes sociais, a divisão do trabalho; o conjunto dessas histórias é que nos dá a teoria da urbanização. Os percursos parecem estabelecer uma relação entre os dois conceitos, quando dizem respeito à estruturação e à lógica evolutiva do espaço.8 8  Segundo G.Bardet (1959), citado em F.Choay (1979), a palavra “urbanismo” é relativamente recente, remontando a sua criação ao ano de 1910, no Bulletin de la Société Géographique de Neufchatel, “ao correr da pena de P.Clerget.” O dicionário Larousse define-o como “ciência e teoria da localização humana”. Este neologismo correspondeu ao surgimento de uma realidade nova: pelos fins do século XIX, a expansão da sociedade industrial dá origem a uma disciplina que se diferencia das artes urbanas anteriores por seu caráter originalmente reflexivo e crítico e por sua pretensão científica.

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O termo “urbanização” foi empregado para explicar a organização das cidades resultantes da Revolução Industrial, em seu sentido sociológico atual, quando surgia o urbanismo dito “moderno”. Cerdá (1867) foi, presumivelmente, o primeiro a discernir o papel dos modos e das técnicas na acessibilidade e mobilidade urbanas, consideradas como “o motor da história espacial das cidades”. As transformações urbanas promovidas pela técnica tornaram a questão dos percursos mais destacada, face ao aumento do tamanho urbano. Segundo Choay (1994) e LeBrás (1993), o processo de desenvolvimento urbano indicou a passagem de uma urbanização de polos tradicionais para uma de “geografia de linhas de crescimento”, onde destacam-se percursos que, notadamente após a Segunda Guerra Mundial, influenciaram a periferização da cidade.9 O crescimento intenso das cidades, no século XIX, com os problemas de povoamento, poluição, combinações e conflitos de oferta e demanda no espaço intraurbano levaram a uma releitura da cidade. O crescimento espontâneo representa as forças naturais atuantes na cidade, podendo acentuar “linhas de força” no espaço, descritas pelo movimento e expressas em determinados percursos urbanos, que podem destacar eixos de expansão, e excrescências, e a segregação urbana.10 Pode-se dizer que as cidades apresentam-se como “palimpsestos”11, onde são sobrepostas no espaço e no tempo as marcas das intervenções 9  Idelfonso Cerdá, idealizador do plano regulador da expansão de Barcelona (1859), foi provavelmente quem primeiro apontou a necessidade de uma nova ciência, o “urbanismo”, para enfrentar uma “nova” cidade, a industrial. Em sua obra “Teoria General de la Urbanización”, publicada em 1867, defendia a importância da análise da evolução histórica da cidade, dos sistemas de circulação e da sistematização de elementos tipológicos básicos, como ruas, praças e quarteirões. 10  O termo “linha de força” foi usado por Gordon Cullen (1971), em seus estudos sobre a paisagem urbana. Na cidade espontânea, o homem-individual sobrepõe-se ao homem-coletivo, gerando a coletividade informal e um tecido irregular e fragmentado. Na cidade planejada, o homemcoletivo sobrepõe-se ao homem individual, gerando a coletividade formal e um tecido regular e euclidiano. As cidades planejadas foram idealizadas como objetos inalteráveis, divididos em zonas específicas de usos e serviços. Os espaços urbanos espontâneos, como vistos hoje, são o resultado de uma série de superposições de influências e transformações ocorridas ao longo do tempo, onde os usos se mesclam na malha urbana (Batty e Longley,1994). 11  Pergaminho usado duas ou três vezes, com raspagem do texto anterior; manuscrito sob cujo texto se descobrem escritos anteriores. CAPÍTULO 1

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urbanas. Como resultado da superposição de fatos e formas, é reflexo de condições diversas (políticas, militares, econômicas, culturais, etc.), que impuseram ao espaço construído determinadas conformações, traduzidas ao longo do tempo nas diversas formas urbanas. O espaço urbano atual é um grande retalho que, mesmo sem um planejamento global explícito, parece cuidadosamente costurado em linhas lógicas evolutivas, marcadas por percursos, como elementos mais permanentes. O crescimento de grande número de cidades, no século XX, ocorreu principalmente nos subúrbios periféricos e não nas áreas consideradas como o “centro urbano” consolidado. Desencadeou-se um padrão de dispersão sobre áreas virgens ou ainda rurais, modelo impulsionado pela produção do automóvel e pela construção de sistemas de rodovias, quando as metrópoles tomavam uma nova forma, com tendência a múltiplas centralidades. Destacando o problema da acessibilidade e os novos espaços, o cenário acentuou as linhas de ligação e os percursos, como elementos básicos da morfologia urbana. Guy Debord (1973) expressou a essência do espaço contemporâneo da seguinte forma: “(...) Se todas as forças técnicas do capitalismo podem ser entendidas como ferramentas para a feitura de separações, no caso do urbanismo confrontamo-nos com a base mesma dessas forças técnicas; o tratamento da superfície do solo melhor adequado à sua organização, à própria técnica da separação”. Debord captava a transformação morfológica pela qual ainda passa a cidade de sociedades industriais, concretamente iniciada em meados do século XIX, “quando nascia a permanência da urbanidade metropolitana” (Choay,1994). A “técnica da separação” (Debord,1973), relacionada à segregação socioespacial na construção da cidade, e acentuada no sistema de acumulação capitalista, está intimamente ligada a certas estruturações e lógicas da dinâmica social, que categorizam e setorizam de uma forma espacialmente peculiar suas práticas e seus agentes, a partir de 60

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percursos. Em certos estágios, esse quadro pode acentuar determinados percursos, que influem sobre a lógica de evolução urbana em uma dada direção, destacando eixos de expansão, sob a influência de propriedades territoriais e leis socioespaciais. Rebatendo-se no espaço, de maneira aparentemente desordenada, os fatos e objetos urbanos organizam-se de forma simultaneamente fragmentada e articulada, por meio da acessibilidade, propiciando aos percursos a possibilidade de decifrar a organização e a verdadeira estruturação da cidade, em uma linha lógica evolutiva. Cada uma de suas partes mantém relações espaciais com as demais, ainda que de intensidade variável, manifestando-se empiricamente por intermédio da acessibilidade e dos fluxos urbanos visíveis e menos visíveis.12 Essa visão considera o espaço nas suas relações com a sociedade, isto é, em consequência dos processos sociais, das funções e das formas, numa perspectiva chamada por Santos (1978) de “espaciológica”, onde o espaço possui seu sentido (Canter,1978) e seu significado (Santos,1978). Essa posição é oposta a dos “espacialistas” que dão importância às formas, estudando o espaço em si mesmo. Relacionados à lógica de determinados deslocamentos e percursos, certos vetores de expansão podem contribuir para mudanças importantes na organização espacial e social da cidade, tanto pela morfologia, localização e continuidade do processo quanto pela produção de novos espaços territoriais, com tendência a uma maior dispersão, fragmentação e periferização, com formação de novas centralidades. Nas médias e grandes cidades, os fatos, vistos dessa articulação entre percursos e processo de evolução urbana, mostram que a era das entidades urbanas discretas acabou. A urbanização assente em novas centralidades e em percursos induzidos pelas novas tecnologias, 12  Marcada por um grau de espontaneidade, a evolução urbana é conduzida por planejamentos subjacentes, menos visíveis, guiados pelas forças sociais dominantes CAPÍTULO 1

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infraestruturas e culturas incrementa a escala da cidade, multiplicando, diversificando e alongando trajetos, ao mesmo tempo em que cria dificuldades à análise das relações entre as possibilidades de acesso e o uso do solo urbano. Isto porque esse quadro aumenta as dificuldades para o esclarecimento das flutuações e incertezas inerentes aos novos padrões de assentamentos urbanos, dada a velocidade das transformações. O acelerado surgimento de novos espaços e centralidades redistribuiu os movimentos e os percursos dos usuários da cidade, constituindo novos padrões de uso do solo urbano. O caráter dual da urbanização reflete a mais marcante de suas características: a polarização social e espacial, que define percursos típicos, produz espaços territoriais distintos e múltiplos e a setorização do espaço. Aumentando a importância dos deslocamentos e dos percursos, o quadro da historiografia urbana mostra que à predominância da centralização físico-espacial, considerada sistematicamente a partir da segunda metade do século XIX, hoje contrapõem-se a descentralização, a desintegração e a fragmentação da “nova vida urbana” (Topalov,1987). Este processo colocou as periferias construídas como novas referências, em relação à área central da cidade, em estágios sucessivos de evolução urbana consolidados pelas principais rotas de acessibilidade e percursos. Para Choay (1994), a rede dos principais espaços lineares destinados à acessibilidade oferece a única continuidade na mancha de assentamentos urbanos, supondo a possibilidade de análise da evolução da cidade por intermédio da circulação urbana.

Localização, centralidade e relações com a formação de territórios Aspectos da localização e da centralidade contribuem para entendimento da influência de propriedades territoriais e leis 62

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socioespaciais, que articulam movimentos/percursos e evolução urbana. Contribuem igualmente para mostrar a existência de forças organizadoras que determinam o surgimento dos percursos, articulando-os com a evolução urbana e evidenciando relações entre a dinâmica socioespacial e a forma urbana. Relacionando-se com os percursos principais, a localização e a centralidade auxiliam na compreensão da dinâmica da segregação urbana. A centralidade conota uma das questões-chave entre os elementos da estrutura intraurbana, revelando aspectos essenciais da cidade e da sociedade, relacionados à localização. Designa, ao mesmo tempo, um espaço geográfico e um conteúdo social, no interior das relações de todo o conjunto da estrutura e da lógica evolutiva da cidade. Uma centralidade desempenha um papel integrador, permitindo, além das características funcionais de uso e ocupação, uma coordenação das atividades e uma identificação simbólica e cultural. Representa a espacialização do processo de divisão técnica e social do trabalho, podendo definir igualmente uma rede geográfico-social de consumo do “terciário superior” (Rochefort,1998), intimamente relacionada aos percursos e deslocamentos. A centralidade não está necessariamente no centro geográfico do espaço da cidade, nem apresenta uma forma física específica, podendo apresentar-se como um ponto no espaço, com uma forma linear de certa amplitude, ou mesmo como uma área ou setor. Por outro lado, pode exibir uma significativa concentração da classe social dominante e de atividades, favorecidas pela comunicação e acessibilidade. A centralidade está relacionada às questões de localização e de acessibilidade, face ao espaço urbano como um todo, colocando-se como um espaço referencial importante da cidade. Enquanto consequência da evolução urbana, não é uma entidade espacial pré-definida (Castells, 1983), sendo necessário deduzi-la e defini-la de uma análise da dinâmica estrutural da cidade. CAPÍTULO 1

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Assim, a centralidade urbana não existe por si, é um elemento dinâmico, resultado de um processo social e de uma lógica evolutiva de organização do espaço urbano. Esse aspecto suscita a dialética da produção do espaço, onde a centralidade urbana é entendida não como um espaço pré-existente e inerte. O espaço urbano não é um tabuleiro de xadrez inerte sobre o qual se distribuem os processos sociais, mas um elemento participante e influente no processo de expansão urbana. Nenhum espaço é ou não é uma centralidade de forma pré-estabelecida; como fruto de um processo – movimento – torna-se uma centralidade urbana. No social, nada é; tudo torna-se ou deixa de ser, assim como nenhuma área é ou não é uma centralidade; torna-se ou deixa de ser uma centralidade (Villaça,1998), por meio dos fluxos do processo dinâmico de evolução urbana. Como produto, a centralidade exprime as forças sociais em ação e a estrutura de sua dinâmica interna (Castells,1983). A expressão espacial da centralidade depende das especificidades históricas e socioeconômicas, que irão formar diferentes redes sociais. A estrutura física interage com a estrutura social, onde a configuração molda a apropriação do espaço urbano e, posteriormente, o sistema de atividades atribui aos espaços um valor social cumulativo, por intermédio dos percursos, no processo de formação de uma centralidade. Dessa maneira, os espaços com considerável grau de desenvolvimento, intensidade de usos e condições do espaço edificado, associadas à localização urbana, são um dos que podem definir uma centralidade. Esses espaços apresentam aspectos como privilégios locacionais, acessibilidade, concentração de atividades, facilidades, etc., definindo um sistema de relações entre usuários, atividades e localizações (Krafta,1997). Nesse conceito, o espaço livre público, os fluxos e percursos são elementos importantes na identificação da centralidade, que corresponde aos locais de maior animação, ou seja, de maior diversidade de atividades, no processo de evolução urbana. 64

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Nesse processo, a acessibilidade e a mobilidade destacam modos de espacialização na vida social, relacionados aos deslocamentos, percursos e territórios. Um dos traços característicos das cidades atuais é o nível de diferenciação interna, onde setores e espaços territoriais são distinguíveis em termos físicos e sociais, especialmente onde as desigualdades sociais são acentuadas, influindo nas características do ambiente construído e na formação de barreiras urbanas. Por sua vez, a existência de padrões residenciais e sociais similares sugere que a estrutura urbana é determinada por leis e princípios gerais de uso do solo e de localização territorial, indicando o funcionamento do poder social subjacente e das forças econômicas que propiciam essa ocupação, em determinados setores da cidade, participando do processo das transformações urbanas. A localização, a centralidade e os percursos influem na formação de novos territórios, numa lógica de evolução urbana, em dada direção de crescimento da cidade. Dessa forma, reafirma-se: a articulação (e sobreposição) entre linhas de percursos principais e evolução urbana identifica e destaca os espaços territoriais, como um dos elementos principais do processo. Deste modo, “A cidade é centro e expressão de domínio sobre territórios, sede do poder e da administração; lugar de produção de mitos e símbolos” (Rolnik,1988). Essa ideia de domínio sobre um território possui vários desdobramentos conceituais, possibilitando delimitar a perspectiva conceptual utilizada na pesquisa. A princípio, o conceito de território parte da ideia de “locus” (Rossi,1998), como uma noção tanto de lugar quanto de tempo e como uma situação peculiar local (sítio natural, espaços edificados e livres, localização no espaço e no tempo, processo histórico, etc.). Parte igualmente da noção de convergência entre delimitação física e localização urbana (Lefèbvre,1974; Santos,1990; Villaça,1998), forma e identidades socioeconômicas e político-culturais, identificáveis no espaço urbano. CAPÍTULO 1

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Os territórios estão articulados com os percursos, no processo de evolução urbana, indicando que fatos produzidos nos percursos podem originar repercussões na questão espacial e territorial e vice-versa. Um percurso pode, em determinado momento histórico e realidade socioeconômica, ser indutor da ocupação e das atividades urbanas e, em outro momento, ser induzido por elas ou mesmo participar de uma desestruturação ou inércia urbana. O modelo de Homer Hoyt (1939,1959) de configuração espacial já admitia há muito essa dinâmica, utilizandose de uma visão econômico-funcionalista, que acentuava a setorização e a segregação na cidade. É importante salientar que os percursos não apenas expressam movimento, como também podem contribuir na delimitação de territórios e setores da cidade. Esse fato é visível tanto na segregação urbana, evidenciada no processo de deslocamento territorial das diversas classes sociais, quanto nos fenômenos da desterritorialização e reterritorialização urbanas. As dinâmicas dos percursos e dos territórios podem apresentar-se de maneira conflitiva ou paradoxal, consensual e adequada, coincidente ou não. A historicidade espaço-temporal do conceito também ressalta a ideia de “domínio” jurídico. Z. Mesquita (1995) ressalta o histórico etimológico da palavra território, derivada do latim “terra” (terra) e “pertencer a” (torium), originalmente aplicada aos distritos que circundavam a cidade e sobre os quais tinha jurisdição. O termo figurava também nos tratados de agrimensura, significando “pedaço de terra apropriada”, e só difundiu-se efetivamente na Geografia no final dos anos 1970 (Le Berre,1992). Um determinado território, percebido sob o ponto de vista de domínio, indica os sentimentos de posse, de controle territorial e de apropriação, a partir da articulação dos diferentes modos de relações sociais com a estrutura urbana (Castells,1983). Sack (1986), na definição de território, também enfatiza “o controle de uma área”, numa dimensão social e política, destacando o papel dos limites ou fronteiras espaciais, 66

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podendo estar associadas às vias urbanas. Segundo o mesmo autor, o território refere-se “a tentativa, por um indivíduo ou grupo, de atingir, influenciar ou controlar pessoas, fenômenos e relacionamentos por meio da classificação, delimitação e afirmação do controle sobre uma área geográfica”. Essa perspectiva está relacionada às diferentes instâncias sociais e ao território como meio de ação, de interação e de segregação, incorporando dimensões cultural, simbólica e identitária. O território, que está conectado ao espaço e relacionado a uma localização intraurbana, apresenta-se como “extensão material ordenada no espaço geográfico” (Gottmann,1976). A ordenação implica essencialmente uma relação social de pessoas para pessoas. Segundo ainda Gottmann (1976), “território é um conceito gerado por pessoas organizando o espaço para seus próprios objetivos”. Essa é a mesma percepção de Soja (1971), que vê o território como um fenômeno de comportamento associado à organização espacial, em esferas de influência ou em áreas diferenciadas, consideradas distintas e exclusivas, ao menos parcialmente, por seus ocupantes ou pelos que os definem. O conceito não se refere a um substrato inerte, mas em contínuo diálogo com o espaço, como um dos seus momentos dialéticos, apropriado como base física das atividades humanas. Claude Raffestin (1986,1988) foi um dos que mais dedicou-se à discussão conceptual sobre território, analisando o processo que ele denominou de T – D – R : Territorialização – Desterritorialização – Reterritorialização. Este processo relaciona-se com a dinâmica espacial da segregação, sugerindo um contínuo diálogo do território com o espaço. Raffestin, em sua definição de território, relaciona-o às redes, nós e fluxos urbanos, como elementos participantes de uma certa delimitação na cidade. Nessa direção aponta Sack (1986): “(...) circunscrever coisas num espaço ou num mapa (...) identifica lugares, áreas ou regiões no sentido comum, mas não cria em si mesmo um CAPÍTULO 1

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território. Essa delimitação se torna um território somente quando suas fronteiras são utilizadas para afetar o comportamento por meio do controle do acesso [grifos no original]”. Essas colocações, de sentido amplo, são importantes pois visualizam relações entre os percursos e os territórios urbanos e o papel das fronteiras espaciais sobre os movimentos e sobre a setorização do espaço urbano. Os laços com o território podem ser identificados como o conjunto de relações que desenvolve uma coletividade com a exterioridade, ou o ambiente de seu bairro, por meio de mediadores ou instrumentos. O conceito de território exprime igualmente a esfera cotidiana da relação locacional do habitante com o espaço imediato de sua vivência, ou seja, o bairro, o conjunto habitacional, ou partes destes, onde se podem destacar particularidades e aspectos emblemáticos no espaço, definidores de subculturas urbanas. Z. Mesquita (1995) cita P. Pinchemel (1988), que considera esse tipo uma territorialidade tanto geográfica como subjetiva, mais fenomenológica com seu ambiente de referências, de signos e de percursos, que contornam e adentram o território pessoal e social. A questão subjetiva está na relação espaço e habitante dentro do território urbano, com influências nos setores externos e numa certa hierarquia em relação aos assentamentos urbanos. Essa percepção confunde-se com o espaço vivido, como local de convivência e apropriação diferenciada e hierarquizada e que engendra uma íntima interface com os percursos.13 Além das relações funcionais, existe todo um processo de significação, de percepção de emblemas e de construção de territorialidades. Então um espaço, território, como também os espaços de um percurso ou de uma rua, passam a ser dominados por forças socioeconômicas e político-culturais.14 13  Marcada por um grau de espontaneidade, a evolução urbana é conduzida por planejamentos subjacentes, menos visíveis, guiados pelas forças sociais dominantes 14  Como, por exemplo, na evolução do percurso da avenida Epitácio Pessoa, em João Pessoa. Em um primeiro momento, esse percurso expressou a dinâmica das forças socioeconômicas, sendo

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Além de serem lugares onde convive-se e percorre-se, os territórios estão carregados de história, de cultura, de memórias, de registros, experiências de sujeitos ou grupo social. A ideia aqui colocada é também a do espaço – território como marca, como expressão, como “assinatura”, como notação e cartografia das relações sociais. Quando falamos em território, referimo-nos simultaneamente a uma realidade física e a um código de referência, articulados a um dado percurso, de maneira a formar um sistema dinâmico no espaço. Tal definição de espaço e de território reafirma o papel da configuração espacial na conformação de comportamentos, consciências coletivas, culturas e, especialmente, na conformação de percursos e espaços territoriais urbanos. Neste trabalho, o local mostra-se tão importante quanto o global, dada a necessidade de relacionar as localizações territoriais ao espaço urbano como um todo. O entendimento das relações entre percursos e territórios, na evolução urbana, auxilia na identificação da natureza dos processos de expansão e de segregação na cidade, contrapondo situações dinâmicas de fluxo e de rede às situações territoriais. A dinâmica convergente da localização, da centralidade e dos percursos alimenta a formação de territórios e a segregação. Vale reafirmar que o território, além da noção física e social, se desloca no espaço intraurbano, por meio da dinâmica da segregação, ao longo do tempo, com base num percurso. A importância desse entendimento reside em que “sem relações não há fatos” (Santos,1977). Os territórios periféricos15 em relação à área central da cidade, assumem novo significado apoiado em percursos, quando se redefinem as noções de centro e periferia (Lefèbvre,1989). O espaço intraurbano, marcado pela acentuação da segmentação, fragmentação, pelas peculiaridades territoriais e por uma dinâmica de produção de novas centralidades urbanas, destaca a importância dos percursos principais reforçado posteriormente por um circuito político-cultural dos Governos estadual e municipal. 15  Tanto os territórios periféricos da classe de baixa renda como o da classe de alta renda. CAPÍTULO 1

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como linhas de movimento/deslocamento estruturais. Na verdade, a cidade é marcada, em sua evolução, por momentos de construção de espaços periféricos, em relação ao núcleo histórico original. Os novos espaços, conformados por referências descontínuas da cidade, são localizações com capacidade de antecipar o novo, de suscitar a invenção, de sugerir o lugar daquilo que ainda não foi feito, em termos de espaços livres e edificados. Podem atuar como fatores magnetizantes e de ampliação contínua dos percursos urbanos, consolidando novas centralidades. A complexidade dos territórios periféricos mais evidencia do que oculta a segregação de que têm sido objeto determinadas funções e práticas urbanas que, deslocadas dos limites da cidade tradicional, plasmaram, ao longo do tempo, as clássicas relações de centro e periferia, redefinindo as localizações e a apropriação do espaço intraurbano. Dessa forma, evidenciando relações entre a dinâmica socioespacial e a forma urbana, aspectos articulados dos percursos, da ocupação, dos usos do solo, da morfologia e das práticas sociais ressaltam a segregação como movimento dinâmico de determinadas classes sociais no espaço. As novas periferias da mancha urbana, espaços deslocados na fragmentação urbana, contribuem na formação de áreas e setores territorialmente heterogêneos, com valores diferenciados. Conformamse, dessa maneira, as geografias da desigualdade socioespacial, a partir de eixos da expansão urbana, viabilizados por uma contradição: o estágio de desenvolvimento humano que promove tanto uma relativa integração quanto a fragmentação e o distanciamento socioespacial. Os percursos mostram-se como elementos de descrição dessas transformações físicas e sociais, em estágios evolutivos, ou seja, da forma urbana, da periferização territorial, da densificação ou da rarefação do espaço, dos processos de valorização e desvalorização de setores da cidade. Expressam também a dinâmica espacial de segregação das classes sociais, em deslocamentos de uma área para outra da cidade, por eixos 70

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de crescimento. Ao contrário do que ocorreu com os espaços de centralidade histórica, que permitiam a percepção de sua totalidade, no processo atual de dispersão urbana, as novas periferias, produzidas sob a influência de dinâmicas espaciais de segregação, somente podem ser apreendidas de forma fragmentária, como resultado da apropriação do espaço urbano. As linhas de percursos podem possibilitar a articulação dos estágios de evolução urbana e uma visão continuada das implicações físicas e sociais e da totalidade do processo, no espaço e no tempo. Mostrando a passagem de uma urbanização de polos tradicionais, centralizados, para uma de “geografia de linhas de crescimento” (Choay,1994 e Le Brás,1993), coincidentes com percursos radiais, essa dinâmica acentua espacialmente os principais eixos de acesso e linhas de movimento urbano. Os percursos mostram também que a cidade integra-se espacialmente numa escala global, com características e medidas diferenciadas, influindo num cenário marcado fortemente pelas dinâmicas da segregação e da setorização urbana, em variados formatos e níveis, onde emergem territórios com características específicas, relacionadas com a localização e centralidades existentes. Esses territórios, consolidados por redes sociais de baixa, média e alta renda16 , podem contribuir na delimitação de espaços e setores, juntamente com os deslocamentos - percursos, no processo de evolução urbana. Considerando-se a importância histórica da rua para a sociedade ocidental, como espaço livre público de referência básica da morfologia e um dos principais elementos identificadores da evolução urbana, ou mesmo por seus fins pragmáticos ou conteúdo simbólico, esta obra estabelece, por intermédio do sistema de vias e movimentos urbanos, uma estratégia de ordenamento para o entendimento da estrutura da 16  Segundo R. Krafta (1998), essas redes definem movimentos (percursos) característicos e um processo de apropriação diferenciado do espaço da cidade. CAPÍTULO 1

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cidade e da segregação.17

Repercussões sobre a acessibilidade e a mobilidade Considerando a dinâmica estrutural da cidade, pode-se debater sobre as relações entre a acessibilidade, a mobilidade e a morfologia urbana. A ideia convencional, relacionada ao deslocamento urbano, utilizando-se de técnicas matemáticas e da física, considera principalmente noções funcionalistas e setorizadas, embora essas bases não visualizem a complexidade e a realidade da lógica evolutiva da cidade. Posicionamentos que abrangem a circulação, o espaço urbano e o uso do solo, ainda representam colocações circunscritas, predominantemente no domínio dos transportes. O problema reside no fato de que a análise determina os elementos separadamente, os chamados blocos construtivos, quando o todo é construído por meio de modelo aditivo. Dessa maneira, o todo é reduzido às suas partes, que existem e coexistem separadamente, e às leis que relacionam uma parte com as outras, não considerando estruturalmente as repercussões do crescimento e das transformações urbanas sobre a acessibilidade e a mobilidade. Bertuglia (1987; In Borges e Krafta, 1997) foi um dos que analisaram os efeitos provenientes das interfaces entre a localização das atividades socioeconômicas e a circulação na estrutura espacial urbana. O autor indicou que essa dinâmica consistia no caminho pelo qual o comportamento locacional daquelas atividades influi na forma urbana, como função de uma dada rede de transporte e vice-versa. Nesse sentido, a localização das atividades socioeconômicas e a circulação são vistas tradicionalmente de acordo com duas ênfases distintas: a econômica, 17  Sobre o conteúdo simbólico do percurso, é digna de nota sua importância nos segmentos tradicionais das religiões ocidentais. Particularmente, nos rituais cristãos tradicionais, temos no pedestrianismo socializado das peregrinações e procissões uma importante expressão religiosa, que representa um percurso simbólico (Ribeiro,2000).

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baseada em teorias econômicas urbanas, e a funcionalista, baseada nos modelos de interação espacial. O quadro da acessibilidade e da mobilidade, associado à dinâmica do espaço intraurbano, apoia-se, em grande medida, no pensamento positivista-funcionalista predominante nesse campo disciplinar. Essa abordagem, influenciada pela revolução científica, utiliza métodos ditos precisos de análise para investigar o fenômeno transporte na cidade, seccionando a realidade em análises autônomas, com interpretações racionais e mecanicistas. A literatura sobre esse domínio ainda mantém uma reflexão não filosófica sobre o assunto, frente à dinâmica estrutural da cidade, tendendo a isolá-lo em seu próprio campo, com uma visão setorial e pouco abrangente, embora ele esteja simultânea e diretamente implicado tanto na morfogênese do espaço intraurbano quanto na gênese das mentalidades e dos comportamentos urbanos. A evolução do sistema de transporte participou da constituição da forma urbana, em decorrência dos espaços viários, com implicações físico-territoriais no processo de evolução da cidade. Como suporte dito estruturante, influiu na acessibilidade, na mobilidade e na segregação, qualificando espaços urbanos para uso e participando da produção de centralidades e polarizações. Além de desempenhar papéis importantes na morfologia e identidade da cidade, a configuração das vias desempenha uma função na lógica de produção e consumo dos espaços urbanos, interferindo no valor do solo e no referencial simbólico dos lugares. Desde Cerdá (1867) até os tempos atuais, permanece o conceito de que os movimentos podem consolidar não só as centralidades, territórios e imagens mas também as combinações e conflitos urbanos. Os conflitos socioespaciais repercutem sobre a acessibilidade e a mobilidade, face à dinâmica interna da cidade e às políticas oficiais. A técnica, relacionada com as forças e a morfogênese do espaço urbano, influi igualmente na constituição de territórios e percursos, na formação de mentalidades e CAPÍTULO 1

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comportamentos humanos, com implicações na evolução socioespacial dos usos do solo e sobre a apropriação do espaço intraurbano. A partir dos anos 1930, o automóvel incrementou a mobilidade e o fenômeno da expansão, com a multiplicação de territorialidades e trajetos, aprofundando as combinações e conflitos nas relações percurso – território e afetando a complexidade urbana. Os modelos configuracionais, que consideram a acessibilidade, têm sua base conceptual fundamentada no estudo da morfologia urbana. O enfoque compreende o estudo urbano como processo em que o espaço, ao mesmo tempo em que sintetiza por meio da forma as transformações na estrutura social, a longo prazo, interage diretamente com o comportamento dos usuários, no curto prazo. Segundo Sampaio (1999), elementos morfológicos podem ser aqueles “invariantes”18 da cidade, de cujo arranjo espacial depende a comunicação e a leitura do espaço interurbano, nas dimensões estética, utilitária, funcional, etc., das quais emana o “discurso urbano”. Uma síntese feita a partir de Lamas (1993) e Sampaio (1999), acrescida com alguns autores citados ao longo do trabalho, aponta como elementos básicos da morfologia urbana: sítio geográfico, solo e seu parcelamento, vias e movimentos, quarteirões, quadras e superquadras, tipos de edificações, praças, largos e intersecções, monumentos e mobiliário urbano. Um dos interesses no âmbito do espaço e da forma urbana são as qualidades físicas do ambiente, identificadas como o layout da cidade, composto basicamente por espaços livres (ruas, praças ou canais de movimento e circulação, etc.) e o complexo de espaços edificados. A variação nas características desses elementos, maneira em que essas partes estão organizadas e sua configuração espacial formam um dos contextos da análise do urbano e do processo de urbanização. 18  Por “invariantes” entende-se os elementos mais estáveis da morfologia urbana. Isto não significa imutabilidade ou ausência de transformação no espaço/tempo.

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Hillier e Hanson (1984,1993), com a sintaxe espacial, indicaram, como informação preliminar, a ideia de que “a maneira em que as partes são colocadas juntas para formar o todo é mais importante que qualquer uma de suas partes, se tomadas isoladamente”. Sustentando que propriedades primárias da malha urbana privilegiam determinados espaços em detrimento de outros, orientando deslocamentos e hierarquizando percursos, desprezaram questões da dinâmica estrutural (social e econômica) e suas repercussões sobre a acessibilidade e a mobilidade. Segundo os autores, a configuração influencia tanto os polos atraentes (attractors) quanto o movimento, enquanto estes elementos não a influenciam. Na realidade, há influência mútua entre ambos, na dinâmica do espaço intraurbano e nas relações entre percursos e a ocupação e uso do solo, repercutindo sobre a acessibilidade e a mobilidade. Hillier e seus colegas do Space Syntax Laboratory sugere uma relação entre a forma física das cidades e os processos econômicos atuantes no espaço urbano. Ele argumenta que a centralidade viva está relacionada ao seu contexto espacial: assim, um centro urbano nunca é estável, mas consiste num processo (Hillier, 1999). Ele também argumentou que, embora possamos encontrar movimentos e polos atraentes (usos da terra que se beneficiam grandemente do movimento e são capazes de gerar movimento em si mesmos, como lojas de varejo por exemplo) que estão fortemente relacionados uns com os outros, não podemos assumir que tal movimento possa ser explicado por “attractors” até que tenhamos certeza de que as propriedades configuracionais da grade não influenciaram tanto a presença de movimento e a presença de atrativos (Hiller, 1984; Mulders-Kusumo, 2005). Os espaços viários são um dos que mais se aproximam do conceito de “invariante”, cuja intervenção pode modificar não só a configuração da “estrutura superficial”, como também alcançar a “estrutura profunda”, no desempenho da forma em vários níveis: acessibilidade, custo do CAPÍTULO 1

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solo, polarização, segregação, setorização, qualidade do ambiente, etc. Segundo Gebauer (1981), a morfologia é uma maneira de ver a cidade que garante possibilidades de análise funcional e econômica. Esse enfoque de análise do espaço aborda o ambiente urbano, tendo-se de um lado a estrutura física (forma construída) e de outro as forças sociais (processos). A partir desses elementos, tem-se uma relação dialética em que a estrutura física interage com os processos sociais, com implicações sobre a apropriação do espaço urbano, a acessibilidade e mobilidade. Estes processos relacionam-se com a estrutura física por meio da estrutura funcional (atividades), caracterizando uma sequência de estágios, uma evolução dinâmica e justaposta de relações. Na visão de Gebauer, a cidade é considerada, em primeira instância, como um fato físico, concreto; em segunda instância, é considerada como um organismo em evolução, sujeito a transformações de acordo com as mudanças sociais e, por fim, como um foco de interação entre forças sociais e o ambiente construído (Fig. 08). Figura 08 Interação entre a forma urbana e os processos sociais Fonte: Gebauer, 1981.

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Para Conzen e Krafta (1992), “(...) A morfologia de um espaço urbano é o reflexo das interações socioeconômicas, políticas, históricas e culturais, que possibilita ler a cidade sob o enfoque espacial, no qual esses valores estão intrínsecos, pois o espaço tem a propriedade de expressar as qualidades das comunidades que nele se inserem e que sistematicamente o transformam”. Para Krafta (1992), a morfologia compreende o estudo da reação do espaço frente às ações de agentes interferentes, sintetizando a essência das relações no ambiente urbano, em considerável medida, em decorrência das repercussões sobre a acessibilidade e a mobilidade. Questões da morfologia reafirmam a ideia de que é possível apontar propriedades e leis no espaço, que afetam a organização intraurbana, procurando reforçar um conteúdo e um resultado específico. O ponto de vista enfatiza aspectos da dinâmica estrutural urbana e aí se situam os espaços livres, a acessibilidade, a mobilidade e os percursos urbanos coletivamente criados, reconhecidos, comparados e assimilados, como elementos de permanência e referência da cidade. O intrincado complexo da evolução urbana, que abrange tanto aspectos objetivos quanto subjetivos, tem sugerido que o exame das repercussões no domínio da circulação está limitado, frente às variáveis da estrutura intraurbana, mesmo quando são estudadas relações com o uso do solo. Descritos por leis funcionalistas, os problemas da acessibilidade e da mobilidade são tratados e definidos por algumas variáveis: as características das zonas urbanas, sua acessibilidade, em função da capacidade das vias, e os tempos e custos de deslocamento na cidade, com preocupações na esfera da hierarquia viária e tecnologia. Essas ideias baseiam-se na colocação de que a circulação e os percursos não possuem fins em si próprios e não possuem conteúdos, mas colocam-se apenas como serviços, como medida dos efeitos do sistema

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de transportes, na dinâmica do espaço intraurbano; o objetivo final seria o ambiente ou os territórios onde se vive e trabalha (Buchanan,1963). A propósito, o Relatório Buchanan (1963) apresentou, provavelmente, a mais conhecida afirmação sobre a relação entre o transporte e o uso do solo: “a circulação é função das atividades”, sob o entendimento básico de que a correspondência é o único princípio de organização social do espaço urbano. Na realidade, a organização social do espaço também diz respeito à complementaridade, no âmbito da relação percurso – evolução urbana. Os fatos urbanos colocam-se além dos domínios matemáticos ou economicistas, dizendo respeito simultaneamente à correspondência e à complementaridade entre as relações espaciais e sociais. Como Fernand Braudel (1979) anotou, numa escala maior que “uma cidade nunca existe desacompanhada de outras cidades”. De maneira análoga, a acessibilidade e a mobilidade urbanas não existem desacompanhadas de questões espaciais, territoriais e sociais, assim como um território ou setor urbano não existe desacompanhado de relações com outros espaços. O sistema como um todo relaciona-se a cada uma de suas partes constituintes, onde a multiplicidade dessas relações (objetivas e subjetivas), conduz igualmente à produção de uma estrutura subjacente, orientada por percursos urbanos. No quadro do crescimento e das transformações intraurbanas, a circulação no espaço indica repercussões e correspondências que não são suficientemente tratadas, comprometendo a visibilidade da cidade e, especialmente, o encadeamento da lógica evolutiva do tecido urbano, questões de localização e relações com a formação de territórios e a segregação, pela pouca amplitude da análise. Em outras palavras, a análise é centrada no argumento de que a dinâmica dos espaços é uma função do movimento “de” – “para”, sob o princípio da correspondência. Nesse sentido, o uso do solo e sua localização funcional podem influenciar o número de viagens “para” ou “de” um dado espaço, formando uma 78

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distribuição espacial das viagens que pode ser mostrada em uma matriz de O – D (origem – destino), ou por “linhas de desejo” de viagens no espaço. A acessibilidade e a mobilidade engendram uma interface entre pessoas para as quais um dado espaço é a origem ou o destino de percursos. Por outro lado, ocorre também uma interface entre pessoas para quem aquele espaço é um local de passagem, de ligação e circulação; é uma ideia orientadora e referencial baseada diretamente em um sistema físico linear no espaço (espaços livres). Essas passagens podem conduzir à construção de um entendimento, de uma referência ou permanência urbana e de um ordenamento (linear) de uma dada estrutura, assim como à possibilidade de construção de um esquema analítico de leitura da lógica evolutiva do tecido urbano, baseada em espaços livres. As relações entre origens, destinos e passagens espaciais, formando linhas descritas pelo movimento, têm implicações físico-territoriais no processo de evolução urbana. Um importante aspecto dos movimentos urbanos parece não ser considerado, qual seja o “através”, ou os próprios espaços utilizados pelos percursos, influenciados por variáveis intraurbanas, como a localização e as práticas sociais, identificadoras da formação de territórios, do crescimento e transformação do espaço. Frente à dinâmica da estrutura urbana, esse fato limita a leitura das repercussões e relações entre a acessibilidade, a mobilidade e a morfologia, no processo de evolução urbana. A dinâmica espacial dos percursos e da morfologia urbana, tendo dimensões socioeconômicas e político-culturais intrínsecas, sugere que a animação e o “sentido dos lugares” (Canter,1978) é também uma função do movimento “através” dos espaços, da mesma maneira que uma função do movimento “dos” espaços e “para” os espaços. Assim, os percursos consideram não só a questão do movimento “de” – “para”, mas também a questão do “por onde”, estabelecendo relações entre CAPÍTULO 1

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acessibilidade, mobilidade e morfologia e indicando respostas à questão da segregação e repercussões do processo de evolução urbana. Nessa perspectiva, o percurso assume seu papel “energético” na cidade e o espaço livre de circulação assume seu verdadeiro papel de espaço público, como a estrutura fundamental que assegura a permanência da cidade (Panerai,1993).19 A rua, como espaço de encontros públicos, e não somente como simples canal de trânsito, tem lugar assegurado no comportamento humano e no modo urbano de viver pois, pela abertura espacial e possibilidade de circulação, propicia contatos e trocas sócio- culturais. Novos centros de vida como os shopping centers, hipermercados, terminais integrados, aeroportos, também são locais de encontro de pessoas, que chegam pelas ruas e saem pelas ruas, que se relacionam e complementam os primeiros. Enquanto o uso do solo pode influir funcionalmente no número de viagens “para” ou “de” um espaço, aspectos da morfologia, da localização e das práticas sociais podem influir no movimento “através”, relacionado aos principais percursos urbanos. Segundo Martins (1995), a relação entre a acessibilidade, a mobilidade e a questão espacial está compreendida num fenômeno uno e dialético, com implicações físico-territoriais no processo de evolução urbana, na medida em que os percursos ligam, contornam e atravessam territórios urbanos e participam das suas rotinas, definindo um sistema espacial dinâmico. Movida por forças sociais, que são influenciadas pelas características do sítio natural e por propriedades territoriais, essa dinâmica estabelece uma apropriação diferenciada e setorizada do espaço, como um produto do trabalho social.

19  Sobre essa estrutura se apoia a “grande duração”, a qual assegura a permanência da cidade (Panerai,1993).

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Ampliação dos percursos e consolidação das áreas sociais Ampliando os percursos, a superação de limites, o crescimento urbano e as combinações e conflitos, no processo de evolução urbana, destacaram a acessibilidade como elemento estrutural, consolidado na mobilidade. A estruturação é conduzida pelas características essenciais, físicas e sociais, da acessibilidade (espaço, oportunidade) e da mobilidade (movimento, prática), como elementos de referência, permanência e sustentação urbana, influentes na dinâmica da segregação. Na segunda metade da década de 1940, os estudos das estruturas social e espacial urbana avançavam pelo desenvolvimento de uma abordagem que veio a ser conhecida como análise social, a qual procurava identificar subáreas, ou áreas sociais, na cidade. A técnica foi inicialmente esboçada por Shevky e Willians (1949), como um método para classificar áreas censitárias, reformulado posteriormente por Shevky e Bell (1955), como um modelo de mudança social que desembocou numa teoria geral da diferenciação urbana. O modelo baseava-se em três noções conceituais, relacionadas ao caráter mutável da sociedade moderna: mudanças na amplitude e intensidade das relações, diferenciação de funções e aumento das complexidades da organização. Os estudos consideravam o aumento da escala e da interdependência, a divisão do trabalho na sociedade e as relações entre a concentração da população e a forma socioespacial (Clark,1991). A reflexão mais importante acerca de uma complexa ordem social crescente foi vista como uma mudança na modalidade e composição da população urbana e como isolamento cultural de grupos sociais, em áreas da cidade, levando em conta a posição social (status social), a dinâmica da urbanização e a segregação, conformando setores urbanos. Diferenças culturais contribuem para que grupos estabeleçam um componente socioespacial distinto na cidade, já que a linguagem, o conhecimento, os costumes e

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a religião formam uma das bases da segregação social. Considerando-se a acessibilidade, a mobilidade e a localização, em muitos casos, valores culturais são mais fortes que as chamadas forças do mercado e a análise econômica intraurbana, no que se refere aos assentamentos da cidade, à segregação e às implicações físico-territoriais. A crítica mais importante à análise das áreas sociais refere-se ao fato de que Shevky e Bell não responderam à questão fundamental de como as principais divisões sociais na cidade determinam a estrutura espacial. Essa crítica estava relacionada às limitações espaciais e à relativa estaticidade da análise oferecida, não englobando satisfatoriamente uma linha lógica evolutiva, as diretrizes estruturais de crescimento e a dinâmica da segregação social, no espaço e no tempo, relacionada ao todo urbano. Embora não estabelecidas originariamente, as relações entre a teoria social e os padrões urbanos podem ser identificadas, como sugeriram Bell e Murdie (1965,1969; In Clark,1991). Segundo estes autores, os fatos urbanos propõem que a estrutura interna das cidades, associada a preferências e possibilidades de localização e deslocamento, pode ser caracterizada por anéis de status familiar, por cunhas de status socioeconômico e por grupos étnicos, tendo-se linhas de acesso e movimento intraurbano como referências principais (fig. 09). Contrastando com os anéis concêntricos, visualizou-se um padrão setorial radial para o status socioeconômico na cidade. Esses argumentos derivaram do trabalho de H. Hoyt (1939) que reconheceu os contrastes socioespaciais bá sicos da dinâmica centro – periferia, em forma de cunhas impeditivas ou fronteiras de uso do solo, via um processo de filtragem socioespacial20 (Ver fig. 09). Essas seções ou setores, em “fatias de pizza”, foram explicados como uma concentração linear de 20  As fronteiras têm como linha/eixo de referência os principais eixos de acesso e percurso.

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usos similares, ao longo de vias radiais de acesso.

Padrões Teóricos Socioespaciais

A aversão a lugares deteriorados e conturbados próximos à indústria, ou a locais com grande concentração de comércio e serviços e a preferência por lugares abertos e amenos, foram explicados pelo desenvolvimento de setores de status socioeconômico (Hoyt, 1939). As diferenças socioculturais podem sugerir que grupos formem um componente espacial de localização, socialmente distinguível na cidade, participando da formação de redes e fluxos sociais e oferecendo uma base à segregação urbana. O nível de renda e a ocupação podem constituir fronteiras, como limites territoriais, ou barreiras adicionais relevantes, como obstáculos ou dificuldades de acesso social, relacionadas a eixos viários principais, podendo repercutir sobre a acessibilidade e a mobilidade com relação a determinados espaços e criando expectativas de agrupamento social, no interior ou próximo de áreas da cidade. As novas “muralhas” da cidade, representadas pelas barreiras físicas e sociais, resultam das desigualdades socioeconômicas e da descontinuidade do desenvolvimento urbano, especialmente em cidades de países subdesenvolvidos. Notadamente a estrutura viária e os limites de propriedade constituem as novas “fronteiras” urbanas, que influem nos padrões espaciais, assim como a própria concentração de representantes de uma classe, determinando segregação, é uma CAPÍTULO 1

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Figura 09 Construções de áreas sociais e seus padrões teóricos. Fonte: Autores (2017) adaptado de D. Clark (1991).

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barreira em si mesma. Segundo Clark (1991), por mais que sejam homogêneos e uniformes, tais colocações sugerem que o espaço social na cidade consiste numa certa combinação dinâmica de padrões radiais-concêntricos, setoriais e grupais, sob influência do atributo acessibilidade.21 A sustentação empírica para as hipóteses foi dada por Anderson e Egeland (1961) e por Herbert (1972), em estudos de geografia social sobre cidades americanas. Eles usaram a análise de técnicas de variância para comprovar se a distribuição da ordem dos valores das construções naquelas cidades era padronizada ou poderia ter aparecido por acaso. O levantamento pode confirmar a existência de padrões setoriais para os valores de ordenamento social e padrões zonais para as medidas da urbanização. Os testes estatísticos mostraram que, como previsto, a ordenação social tinha uma expressão coniforme, enquanto a urbanização estava concentricamente distribuída. Apesar das características geográficas e locacionais das construções terem recebido menor atenção que as socioeconômicas, esses estudos produziram argumentos para os postulados de Bell e Shevky. O arranjo estrutural intraurbano indica especificidades na localização territorial, relacionada às áreas sociais, constituindo tipo espacial próprio da cidade, na qual as relações não podem existir sem contatos quotidianos e articulações propiciadas pela acessibilidade e mobilidade urbanas. Os contatos estão combinados com a estrutura, envolvendo deslocamentos de grupos sociais e de pessoas nos percursos da cidade. As exigências de mobilidade e integração, na vida urbana, formam elementos estruturadores do espaço de tal modo que os percursos e os movimentos tornam-se condições de transformação, de adaptação 21  As “fronteiras” que separam estruturas sociais diferenciadas também mostram padrões morfológicos e redes sociais diferentes. Algumas “fronteiras” podem ser vistas igualmente como “passagens”, pois são permeáveis e permitem o fluxo de recursos e oportunidades, dando origem ao desenvolvimento urbano em dada direção.

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e de participação na vida urbana. Os percursos constituem sistemas articulados a padrões de movimento e às características do sítio natural e edificado, fazendo corresponder um tipo de fluxo a cada categoria de elementos fixos, que se alteram e interagem mutuamente. A lógica de determinadas linhas evolutivas urbanas apresenta-se com uma dinâmica que pode ser entendida como “lei”, para que um objeto social possua uma dada forma estrutural específica, diferente da forma de outro objeto22. A percepção de que a cidade é uma totalidade composta de aspectos fragmentários e diferenciados que parece produzir-se por si mesma, e em que todos os elementos contribuem para formar “l’âme de la cité” (G. Chabot, 1958), ampliando percursos, conduz ao entendimento de que a análise estrutural, baseada em espaços livres, deslocamentos e em percursos, é um instrumento confiável de análise da evolução urbana. Rossi (1998) considera que a colocação de Chabot é um dos mais importantes pontos de chegada nas análises sobre a cidade. A totalidade da cidade supõe um movimento comum da estrutura, da função e da forma, que é dialético e concreto. As estruturas e a totalidade não são fixas, pois possuem uma lógica evolutiva, no tempo e no espaço, onde se inclui a lógica diacrônica dos percursos. A articulação entre percursos e evolução urbana mostra que a concepção dialética de totalidade apresenta-se com um caráter incompleto (Sartre, 1960; Kosik, 1967, In: Sampaio, 1999), em estágios, denotando áreas sociais a partir de localizações, relacionadas à segregação, suas transformações e a lógica evolutiva da cidade. Totalidade não significa o somatório de elementos e atributos, mas uma relação entre as partes ou áreas constituintes em movimento, viabilizadas por percursos. Dessa maneira, a estrutura urbana tanto dá sustentação 22  Para J. Castex (1980), “tipologias do espaço construído e aberto, estrutura de parcelamento, os traçados e outros elementos de uma estrutura urbana dada são a projeção de uma ordem social”. Mostram-se como consequência de peculiares condições de produção, ao longo do tempo, revelando muito das razões e leis físico-sociais da dinâmica da cidade e do contexto histórico do processo de desenvolvimento urbano CAPÍTULO 1

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quanto orienta um certo tipo de organização espacial. A forma expressa um certo modo de estruturação dos objetos urbanos, ou seja, alcança níveis e escalas de representação das partes ou elementos de um dado conjunto. Na evolução urbana, a forma pode ser vista como a “estrutura revelada” (Santos,1985), por meio dos percursos. René Bastide (1971) identificou que o termo estrutura designa simultaneamente três aspectos: 1) um conjunto; 2) as partes deste conjunto e, 3) as relações destas partes entre si. É possível perceber uma relação entre a colocação de Bastide e a noção de totalidade, movimento, forças, inerentes ao espaço urbano, que podem destacar eixos de expansão, excrescentes, relacionados à segregação. Pode-se dizer que a estrutura é a “maneira pela qual as partes de um todo estão dispostas entre si” (Larousse; In Sampaio,1999), equivalendo à noção de organização e também de lógica evolutiva. Pode ser usada tanto do ponto de vista estático, ou como situação de um momento ou estágio dado, quanto do ponto de vista dinâmico, processual. Neste último caso, toma-se o processo como uma sucessão articulada de situações ou estágios evolutivos, no espaço e no tempo, quando a estrutura sofre transformações ou reestruturações, podendo destacar certas áreas sociais e ampliar percursos, implicando em continuidade ou ruptura em uma dada direção de expansão urbana.23 Na cidade é mais importante entender o que é estrutural na sua dinâmica, enquanto processo orientado por um percurso, e não como algo estático, no viés arquitetônico. Na constituição da estrutura urbana (social, econômica, política) existe uma base física e territorial subjacente, na qual são produzidos e se reproduzem sistemas, como as vias e o sistema de circulação da cidade. A estrutura não equivale ao sistema, que pode sofrer alterações conjunturais sem modificarem23  No caso novamente do percurso da avenida Epitácio Pessoa, em João Pessoa, por exemplo, presume-se que houve continuidade no processo de evolução urbana, com as dinâmicas dos estágios de superação de limites, crescimento e combinação/conflito.

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se as condições estruturais de base (Sampaio,1999). Nos processos de transformação e de apropriação do espaço, os percursos podem ser vistos como estruturas. Os elementos dos sistemas e das estruturas não são anteriores a elas. São produtos históricos em transformação no âmbito das relações sociais e da lógica evolutiva urbana. A exterioridade da estrutura urbana revela as correlações de forças e as disputas que produzem a cidade, seus percursos e as suas áreas sociais, quando a estrutura física é apenas parte da estrutura urbana (social, econômica, política). A estrutura possui especificidades com determinações e estágios ligados àquilo que se denomina estrutura interna da cidade, articulada às necessidades de produção e de reprodução, em seus vários níveis. A obra de Marcel Poète (1958) ocupou-se dos fatos urbanos enquanto indicadores de condições da cidade, como um organismo em evolução. Sua razão de ser é a continuidade onde, aos conhecimentos históricos, convém acrescentar os conhecimentos geográficos, socioeconômicos, políticos e simbólico-culturais. Porém, são os conhecimentos do passado e da estrutura que constituem os termos de redefinição espacial, de comparação e as medidas referenciais do presente e do futuro (Rossi,1998). A estrutura urbana é um dos principais elementos referenciais de continuidade, física e social, que constitui elo de ligação, ao qual associam-se os percursos da cidade. Uma análise estrutural, fundamentada na história, deve estar baseada em linhas contínuas referenciais e persistentes, como fios condutores, para que se possa obter uma análise articulada de áreas e de estágios de evolução urbana. Por meio da estrutura é possível perceber uma lógica evolutiva e certas persistências urbanas, que oferecem tanto referenciais urbanos quanto permitem que espaços aparentemente heterogêneos contribuam com um certo grau de unidade e organicidade, no processo formativo do espaço urbano. Nas transformações da cidade, permanecem as diretrizes de sua CAPÍTULO 1

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estrutura, coincidentes com a continuidade de seus percursos, assim como determinados espaços, a exemplo das principais avenidas, praças e parques públicos, que podem apresentar-se como pontos nodais referenciais. O exame de determinados percursos, em que se privilegia um ou vários campos de interesse, permite que se reconheçam características, atributos e processos, tanto da estrutura da população e de suas áreas sociais quanto da estrutura espacial. Usualmente, a leitura da estrutura espacial se faz por intermédio de elementos básicos da morfologia urbana, quais sejam o sítio natural, o sistema viário, conjunto de tipos arquitetônicos, parcelamento do solo, etc. Acrescida à leitura desses elementos, a assimilação de aspectos sociológicos pode contribuir de maneira importante para o reconhecimento da estrutura do espaço, da dinâmica da segregação e das permanências urbanas24. Pode-se dizer que a persistência torna-se geratriz e orienta a expansão da cidade. A partir do entendimento dessa geratriz, onde se destacam os espaços livres, pode-se reconstituir a formação do tecido urbano, dos eixos de expansão principais, de suas áreas sociais e a ampliação dos percursos. Panerai (1986,1990) atribui ao espaço público a capacidade de apoiar a grande duração que assegura a permanência da cidade, marcando uma inscrição perdurável no território.

24  Para A Rossi (1998), do ponto de vista da ciência urbana, a teoria das permanências (Poète,1958 e Lavedan,1960) é um passado que, de certa forma, ainda experimentamos. Dessa forma, ainda segundo Rossi (1998), deve-se ter em mente que a diferença entre passado e futuro, do ponto de vista da teoria do conhecimento, consiste no fato de que o passado é, em parte, experimentado agora. Essa reflexão é uma teoria histórica, centrada no fenômeno das persistências. As persistências são detectáveis por meio dos monumentos, dos sinais físicos do passado, mas também por meio da persistência dos traçados e do plano. Segundo Rossi (1998), este último ponto é a descoberta mais importante de Poète, ou seja, as cidades permanecem em seus eixos de desenvolvimento, mantêm a posição dos seus traçados, crescem segundo a direção e com o significado de fatos mais antigos do que os fatos atuais. Às vezes, esses fatos permanecem idênticos, são dotados de uma vitalidade contínua, às vezes se extinguem; resta, então a permanência da forma, dos sinais físicos, do “lócus”. A permanência mais significante é dada, pois, pelas ruas e pelo plano; o plano permanece sob níveis diversos, diferencia-se nas atribuições, muitas vezes deforma-se, mas, substancialmente, não se desloca.

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Impacto da diferenciação socioespacial e da fragmentação na ocupação urbana Com o desenvolvimento das forças produtivas e a extensão da divisão do trabalho, a manipulação do espaço leva ao aprofundamento das diferenças de classes, à setorização e à segregação dos diferentes extratos sociais, consolidando de forma acelerada novos territórios justapostos ou distanciados. Esta evolução acarreta o movimento paradoxal já abordado antes: o espaço que une e separa os seres humanos. Este paradoxo transparece no espaço através dos percursos produzidos pelas redes sociais, baseados no conjunto de espaços livres destinados à circulação. Essas transformações obedecem a determinados itinerários definidos pela dinâmica das redes sociais, ou aos fluxos e rotinas das pessoas, em uma dada direção de crescimento da cidade. No processo evolutivo da cidade, a expansão de áreas ou setores em direção a espaços adjacentes é influenciada pela dinâmica que existe entre as propriedades territoriais locais e as propriedades globais do espaço intraurbano, ou seja, aquelas que conferem uma certa identidade e uma certa continuidade urbana, não devendo o local e o global serem analisados em separado. A relativa continuidade é viabilizada por meio dos espaços livres e por meio dos percursos urbanos. Pode-se afirmar que os assentamentos urbanos são regulados por leis formativas físicas e sociais, que se referem ao objeto urbano em si, aos deslocamentos e fluxos e por aquelas que se referem ao processo pelo qual a sociedade utiliza-se dessas leis, adaptando-as para dar forma espacial a diferentes tipos de relações (Hillier,1989; In Amorim,1999). Da relação entre espaços edificados e espaços livres, emerge a individualidade espacial do assentamento, permitindo sua identificação como membro de uma classe genérica de assentamentos similares (Amorim,1999).25 25  As relações entre espaços edificados e espaços livres compõem a dinâmica do espaço urbano, formando um determinado modelo espacial global. CAPÍTULO 1

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A evolução de uma estrutura e de cada um dos seus elementos ou variáveis constituintes difere qualitativa e quantitativamente. Trata-se de uma evolução diacrônica, no decorrer da qual, e a cada estágio de transformação urbana, cada elemento conhece uma mudança relativa de valor, que pode ser entendida em sua relação com o todo, a partir de um fio condutor, de uma linha contínua descrita pelo movimento. Com implicações sobre a apropriação do espaço, relacionada à segregação, é assim que os territórios (combinações localizadas de variáveis físicas e sociais) mudam de papel e de valor, à medida que a história vai-se fazendo. A diferenciação entre lugares, diz Cassirer (1953,1965), “(...) serve de base à diferenciação de conteúdos, isto é, do Eu, do Você e do Outro, de uma parte, e dos objetos físicos de outra parte”. Continuando, Cassirer coloca que “(...) a crítica geral do conhecimento nos ensina que o ato da posição, da localização e da diferenciação espacial é a condição indispensável para o ato de objetivação em geral, desde que se estabeleça uma relação entre o objeto e sua representação”. Na verdade, os espaços territoriais, além de apresentarem-se como formas, com uma certa vida própria, são objetos sociais, carregados de dinamismo cultural e social, consolidados por percursos, que mostram-se assim, como estruturas não fixas, com elevado grau de permanência e referência urbana. Esse cenário indica um grau de espontaneidade e autonomia no processo urbano. Até certo ponto, mostra que os fatos do mundo real apresentam-se com um encadeamento mecânico–automático, aparentemente sem a intervenção de nenhuma causa transcendente. Isto leva-nos a considerar, a princípio, o instinto biológico e os impulsos dos seres humanos, na dinâmica urbana, sobre o deslocamento, o estabelecimento e a posse de determinados territórios, repercutindo sobre a diferenciação socioespacial e sobre a fragmentação, relacionada à concentração de determinados grupamentos sociais, em áreas da cidade, acentuando percursos. Forças político–econômicas, com certo 90

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pragmatismo e imediatismo, confundem-se organicamente com o processo de transformação da cidade, quando identificam e consolidam determinadas rotas de crescimento, guiadas por lógicas evolutivas dos tecidos urbanos. Esse processo parece assumir-se sem escolha aparente, buscando a satisfação baseada no tripé homem – realismo – natureza. Apoiando-se, em grande medida, nos percursos quotidianos, os fatos indicam simultaneamente que determinados eixos da expansão são verdadeiras linhas de força, que não estão organizadas ao acaso26. Os processos sociais que se ligam ao eixo de expansão exprimem, ao especificá-lo, “os determinismos de cada tipo e de cada período da organização social” (Castells, 1983). Um pensamento de Fernand Braudel (1985) busca ilustrar a perspectiva dinâmica da ocupação urbana, quando diz que “(...) as cidades são transformadores elétricos, que aumentam as tensões, precipitam as trocas, agitam continuamente a vida dos homens”. Na verdade, as pessoas é que constroem a cidade e a dinâmica da mesma e de seus percursos. Pela reflexão de Braudel, pode-se imaginar a cidade como um verdadeiro “liquidificador”, onde entrassem todos os atores da cena urbana e a dinâmica das transformações e diferenciações se desse de forma mais rápida, mais agitada. Apenas a cidade, e mais nenhuma outra configuração espacial, possui esse papel de transformador elétrico privilegiado, onde a energia é conduzida basicamente através dos percursos. Na cidade, as noções de totalidade e fragmentação são influenciadas pelo fato de que as dimensões política e econômica se sobrepõem à dimensão social do espaço. Esse aspecto mostra-se importante no processo de diferenciação socioespacial e na formação de territórios distintos e distanciados na cidade, com impactos na 26  Geralmente essas linhas são refratárias a ações contrárias à sua lógica, pois contrariam a “força natural” do crescimento da cidade (Batty e Longley,1994). Cullen (1971) utilizou a expressão em seus estudos sobre a paisagem urbana, considerando especialmente cidades costeiras e a força das linhas de faixa litorânea. CAPÍTULO 1

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acessibilidade, na mobilidade e na segregação urbana. Segundo Sobreira (2002), na fragmentação existem tensões entre forças de expansão e de compactação, ocorrendo bordas que limitam o crescimento, como fronteiras, e, por consequência da tensão e das restrições espaciais, a estrutura resultante apresenta grau de diversidade (Fig. 10). A fragmentação da cidade, onde as tensões entre forças se relacionam com a própria estrutura espacial, produz territórios peculiares carregados de história, culturas e elementos emblemáticos.27 Estudos têm apontado que as cidades revelam-se mais claramente como objetos fragmentados especialmente nos países do terceiro mundo, mostrando a sucessão e eventual sobreposição de elementos no tecido urbano, incluindo áreas planejadas e espontâneas, assentamentos ilegais, favelas, áreas institucionais, shoppings, conjuntos habitacionais, vazios urbanos, eixos de acesso e corredores comerciais (Balbo,1993). Segundo Fernand Braudel (1969), citado em Lepetit (2001), história e sociologia são, “não o avesso e o direito de um mesmo tecido, mas o próprio tecido, em toda a espessura de seus fios”. Se por um lado, o fenômeno da expansão e apropriação urbana conduz a uma contínua alteração de origens e destinos na cidade, com a simultânea multiplicação, setorização e incremento das rotas urbanas, por outro lado, acentua a permanência de determinados percursos principais da cidade.

27  Teoricamente, na fragmentação existem forças de expansão e de compactação, definindo tensões, onde ocorrem igualmente restrições que limitam o crescimento. Por consequência da tensão e das restrições espaciais, a estrutura resultante apresenta diversidade, com espaços justapostos e distanciados em diferentes localizações territoriais.

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Segundo Sobreira (2002), são 3 os exemplos teóricos de aglomeração de células que representam, respectivamente, processos de dispersão (A), fragmentação (B) e de compactação (C), que dependem da combinação entre forças de ocupação e barreiras de desenvolvimento.

Figura 10 Dispersão, fragmentação e compactação. Fonte: Adaptado de Sobreira (2002).

(A) Na dispersão: não há barreiras e as forças são exclusivamente de expansão. O resultado é a baixa densidade (grande parcela de espaços vazios) e diversidade mínima (células isoladas), resultando numa estrutura cuja organização espacial é não-otimizada: densidade muito baixa e circulação exagerada. (B) Na fragmentação: há uma tensão entre forças de expansão e de compactação, e existem bordas que limitam o crescimento. Por consequência da tensão e da restrição espacial, a estrutura resultante apresenta alta diversidade (as células se agrupam em ilhas de diversos tamanhos). (C) Na compactação: as forças são exclusivamente em direção ao centro (compactantes) e não há bordas. O resultado é uma estrutura de altíssima densidade, diversidade mínima (o sistema composto por uma única célula compacta) e ausência de circulação interna. Por consequência, o espaço resultante é também não-otimizado: densidade exagerada e inexiste circulação.

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A cidade, decomposta em espaços que correspondem a áreas simultaneamente fragmentadas e articuladas, com conteúdo próprios, esgarça-se mostrando, por meio dos percursos, que seus territórios são ao mesmo tempo espaciais e subjetivos. As relações que os indivíduos estabelecem entre si configuram-se espacialmente, sendo processos de subjetivação individual e coletiva e não apenas relações funcionais de uso (morar, trabalhar, circular), existindo um processo de significação, de percepção e de construção de territórios. Um espaço, uma rua, além de ser um lugar onde se passa, abriga história, memória, experiências individuais e coletivas. Na diferenciação e fragmentação da ocupação urbana, a apropriação de diferentes lugares (territórios) ressalta-se atualmente entre outras características. O Estado, grupos diversos, classes ou indivíduos apropriam-se de porções do espaço considerando-os como seus; ligadas a ela estão as noções de uso do solo e de “soberania” (Taylor, In: Mesquita,1995). Guattari(1985) destaca a apropriação de territórios como uma forma de constituir o que denomina “territórios existenciais” ou “territórios de subjetivação”, que concentram identidades sociais, ligadas à segregação. Assim, é essencial considerar o processo histórico de constituição e apropriação de diferentes territórios, pelo eixo da instituição de identidades sociais, inseridas no processo histórico de produção de lugares, dos quais nos fala Lefèbvre (1976). Segundo essa colocação, relacionada de forma intrínseca aos percursos, o indivíduo reconhece-se a si mesmo separado do outro, no âmbito das relações socioespaciais. Se ambos estão imersos nessa teia de relações, diferenciam-se pela relação que mantêm com seus territórios e percursos, com os espaços considerados externos e pela propriedade privada. A cidade é culturalmente heterogênea e, no seu interior, os bairros são

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a territorialização de subculturas urbanas que possuem características específicas, acentuadas pelos percursos. Para cada uma dessas subculturas, os problemas de trabalho, as perspectivas de realização pessoal, a informação e seus percursos têm significados diferentes, com diferentes percepções do ambiente urbano. O território acentua as questões da segregação e do espaço urbano em transformação e em movimento, próprias do comportamento humano, onde existe uma relação que extrapola o funcional entre os seres humanos e o espaço, destacando-se a subjetividade. Não existe um território sem um sujeito, porém pode existir um espaço independente do sujeito. Para técnicos e urbanistas, o mapa é um espaço; o espaço real vivido é o território apropriado, na evolução urbana, a partir de percursos. O espaço aparece como um todo fragmentado em territórios alimentados e delimitados pelos percursos físicos e sociais e respectivos espaços livres de circulação, que podem contribuir igualmente, dependendo das características da evolução urbana, para a formação de fronteiras espaciais. O cenário de diversificação e redistribuição no espaço, definindo novos padrões urbanos de movimentação típica (casa–trabalho / trabalho–casa) entre as classes de renda, tem influído na questão da apropriação diferenciada e setorizada do espaço (Krafta,1994). Como as práxis de cada um são fragmentárias, os espaços dos indivíduos aparecem como fragmentos de realidade, dificultando a reconstituição e o funcionamento unitário do espaço decomposto em células ou territorialidades. Então, a percepção do espaço torna-se fragmentária; enquanto o espaço circundante só explica uma parcela de sua existência, os percursos e os espaços livres de circulação apresentam-se como única continuidade explicativa da dinâmica espacial. A articulação entre percursos e evolução urbana, que se dá, como vimos, por intermédio de propriedades territoriais e de leis socioespaciais, pode levar ao esclarecimento do efeito dos percursos sobre a segregação e sobre a CAPÍTULO 1

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formação de barreiras e fronteiras urbanas menos visíveis. As principais vias, além de serem elementos relativamente contínuos da morfologia urbana, são elementos urbanos predominantes (Lynch,1997), independentemente do grau de conhecimento da cidade, contribuindo para inteligibilidade urbana, a mobilidade, nos trajetos habituais, e na diferenciação socioespacial. As vias principais intraurbanas, assim como os principais percursos cotidianos, são um meio pelo qual o todo pode ser ordenado, tendo uma qualidade singular que as diferencia dos canais de circulação circundantes28 (Lynch,1997). Essas qualidades dizem respeito à escala e às características físicas e de abertura espacial, às peculiaridades do espaço edificado, concentração ou diversificação de atividades ou alguma atividade especial, ao longo de suas margens, etc. Como uma consequência dos fatos abordados, a segregação é usualmente vista como o processo de formação e crescimento de áreas periféricas de habitação, ocupadas por classes de baixa renda (áreas convexas, circunscritas em seu perímetro). Esse fenômeno é intrínseco à produção do espaço intraurbano29. As áreas segregadas, ocupadas especificamente por uma população, são pensadas normalmente como produto e como meio de produção da segregação. Sob um processo circular de causação e efeito, grupos sociais, diferenciados em função da renda, ao mesmo tempo competem pelas melhores posições e vantagens no espaço intraurbano (Harvey,1980 e Villaça,1998). A agregação espacial de indivíduos socioeconomicamente similares é um passo relativamente lógico, dentro do processo econômico de alocação da terra e de produção do espaço da cidade. Esse processo é produzido predominantemente pelas classes cujas possibilidades são compatíveis, quando a agregação socioespacial é mediada pelo preço da terra (Harvey,1980; In Moraes 28  Vias localizadas fora da mancha urbana consolidada e algumas rodovias de contorno. 29  É possível gerar um “mapa da segregação social”, pela observação da morfologia urbana e localização de áreas específicas de habitação “socialmente homogênea”, onde pessoas vivem e trabalham dissociadamente (Moraes Netto,1999).

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Netto,1999). A ideia de um processo de segregação traz assim, a noção de sub-processos econômicos subjacentes, os quais são naturalmente produzidos na sociedade brasileira e relacionados com a apropriação do espaço. As abordagens da Sociologia ao fenômeno tendem a uma visão predominantemente estrutural, de base marxista, em relação ao conflito de classes e relações de produção. A segregação é vista, dessa maneira, como fragmentação social em áreas mais ou menos homogêneas, implicando na formação de áreas segregadas internas à cidade, ou periféricas, das classes mais altas. Segundo essas teorias, o distanciamento social ocorreria naturalmente, em decorrência da ocupação social homogênea de áreas específicas por determinados grupos. Dessa forma, o espaço da segregação, nas teorias usuais, é aquele das áreas e periferias segregadas; o tempo é aquele do processo de produção do espaço, havendo tensão entre forças. O conceito de segregação espacial apresenta-se pouco delimitado e suscita variados pontos de vista, na discussão sobre níveis de separação e concentração de atividades ou grupos sociais no espaço. Segregação espacial, segregação social, segregação urbana e segregação residencial são alguns dos termos que se confundem e se alternam nessas discussões. Além disso, as teorias sociológicas, urbanísticas e econômicas são marcadas por uma certa inaptidão para demonstrar a dimensão espacial dinâmica do fenômeno, utilizando predominantemente como instrumento a palavra e suas possibilidades descritivas, pouco hábil para espacializar sistematicamente informações e, assim, aproximar-se da realidade urbana. Segundo Harvey (1980), Hillier e Hanson (1984), a dificuldade em tratar os aspectos de tempo e espaço dos fenômenos é semiológica, contida na estrutura dessas linguagens, tornando-os elementos de difícil objetivação. Na cidade brasileira, há segregações das mais variadas naturezas, de classes, de etnias ou nacionalidades. Autores também CAPÍTULO 1

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veem dificuldades para visualizar, de forma cristalina, a segregação urbana, preferindo posicionar suas análises próximas do conceito de “desigualdade social”. Como vimos, neste trabalho é destacada a segregação das classes sociais, como um dos fenômenos dominantes na estruturação das médias e grandes cidades brasileiras, e especificamente a segregação dos grupamentos sociais mais abastados. Essa segregação é vista como um fenômeno dinâmico, relacionado a um percurso, que ocorre na variação das dimensões tempo e espaço, possibilitando ver como a segregação molda as relações sociais entre os grupos, a partir de percursos. A conceituação, relativa às classes sociais, é útil para descrever as formas de apropriação dos indivíduos sobre os espaços urbanos, como o uso desses espaços, a partir das possibilidades geradas pelos seus níveis de renda. O conceito considera os deslocamentos sociais a partir da localização e da configuração espacial, que geram lógicas, redes sociais e padrões de apropriação das diferentes classes, expressos em percursos, ao longo da evolução urbana. Uma certa generalização na utilização de termos pode ser visualizada nos textos de Castells (1978,1983) e Lojkine (1977,1981). Para Castells, a distribuição das residências no espaço produz sua diferenciação social e há uma estratificação urbana correspondente a um sistema de estratificação social. No caso em que a distância social tem uma “forte expressão espacial” ocorre a segregação urbana. Lojkine coloca a segregação como uma manifestação da renda fundiária urbana. Lipietz (1974,1982) engloba as diferenças na ocupação dos espaços sob a categoria divisão econômica e social do espaço, enquanto Harvey (1973) utiliza o conceito de gueto, apontando a segregação como um mecanismo de extorsão e deixando implícita a dominação. O conjunto desses trabalhos representou avanços no estudo do espaço urbano, com repercussões na conceituação da segregação espacial. Nesse quadro, 98

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um aspecto parece imprescindível: a segregação no espaço exige que se proceda a análises específicas e particulares, no âmbito da relação percurso – evolução urbana. Assim, a segregação socioespacial é considerada aqui como um processo que adquire características específicas a cada conjuntura ou estágio da dinâmica social, subentendendo as desigualdades, as combinações e os conflitos de interesses que determinam a produção do espaço da cidade. A segregação é abordada tanto em seus aspectos sociais quanto em seus aspectos físico-territoriais particulares, como parte integrante do processo geral que determina a produção e a apropriação dos meios de consumo coletivo e mecanismos de formação do preço do solo. As diferentes capacidades de consumo consubstanciam processos de exclusão e de setorização, que se manifestam nas diferenças das condições urbanas dos territórios ocupados pelos grupos sociais, na evolução urbana. A segregação socioespacial mostra que a integração e a exclusão não são processos independentes um do outro, mas são duas dimensões do processo de segregação. A segregação revela-se como um processo importante para a compreensão da ocupação e da estrutura urbana, assim como de sua lógica evolutiva. Santos (1993,1996) coloca a noção de sítio social, observando que a especulação imobiliária deriva, em última análise, da conjugação de dois movimentos convergentes, quais sejam: a superposição de um sítio social ao sítio natural e a disputa entre atividades e pessoas por dada localização. Segundo o mesmo autor, criam-se sítios sociais uma vez que a dinâmica da sociedade urbana transforma seletivamente os lugares, moldando-os às suas exigências peculiares. É assim que certas áreas tornam-se mais acessíveis, certas vias mais atrativas e determinados espaços mais privilegiados, valorizados e mais dinâmicos, tanto para as atividades do terciário quanto para o uso residencial, com base na localização. O conceito de segregação é útil tanto para a análise CAPÍTULO 1

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da lógica dos bairros residenciais produzidos pelas e para as burguesias, como também para a análise das áreas e eixos comerciais e de serviços que elas igualmente produziram para si. Segundo Villaça (1998), uma das características marcantes das médias e grandes cidades brasileiras é a segregação espacial dos bairros residenciais (das classes sociais), produzindo sítios sociais particulares. Diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar, cada vez mais, em diferentes áreas ou setores da cidade, com rebatimentos no espaço urbano. É importante citar que a segregação não impede a presença nem o crescimento de outras classes no mesmo espaço, não existindo, por exemplo, a ocorrência exclusiva das camadas de mais alta renda em nenhuma cidade brasileira (Villaça, 1998). O importante é que o setor segregado detenha uma grande parte, talvez a maior, de uma dada classe, nesse caso, a média e alta renda. O que determina em uma área ou setor a segregação predominante de uma classe (de baixa, média ou alta renda) é a concentração significativa dessa classe, mais do que em qualquer outro setor da cidade, atuando o espaço e a localização como mecanismos de exclusão, sob a influência de percursos. A segregação espacial é definida, assim, como um fenômeno não linear, não estático, mas multifacetado e dinâmico, onde interesses diversificados sobrepõemse, reforçando a setorização dos espaços da cidade, em sua evolução. A dinâmica da segregação mostra uma lógica evolutiva onde os bairros residenciais de alta renda deslocam-se radialmente sempre na mesma direção, influindo na constituição de vetores de expansão destacados, de centralidades e formando uma estrutura espacial básica que tende a se realizar segundo setores de círculo, mais do que segundo círculos concêntricos.30 30  A questão do setor intraurbano relaciona-se com o processo de concentração de diferentes classes sociais em diferentes áreas da cidade, não exclusivas. Dessa forma, o setor não deve ser visto como algo estático e rígido, mas como resultado de um processo dinâmico, no tempo e no espaço.

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Mas, de que maneira os pontos conceituais e os fatos dinâmicos descritos até aqui podem contribuir para uma visão sistêmica das cidades do futuro (possíveis), de sua morfologia, modos de apropriação e densidades, e para definição de fios condutores sustentáveis, legíveis e adequados, aos nossos espaços urbanos?

CAPÍTULO 1

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FENÔMENOS VISÍVEIS E MENOS VISÍVEIS DA CIDADE Percursos, lógica evolutiva e propriedades territoriais urbanas

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02

AS CIDADES DO FUTURO De qual sustentabilidade estamos tratando?

A sustentabilidade no contexto do projeto de Arquitetura e Urbanismo premeia diversas escalas de intervenção no território das cidades. A escala regional, a escala metropolitana e das conexões citadinas, a escala intraurbana e suas partes, seus bairros, suas edificações e seus espaços diversos constituintes, sejam estes públicos ou privados, todos compõem um mosaico intrincado de relações e interconexões que crescentemente tem aumentado seu grau de complexidade interpretativa. E ainda há de se considerar cenários mais amplos, como o do sistemaentorno, como bem define Salvador Rueda (1999) em seus estudos sobre a complexidade do metabolismo urbano, inclusive, no âmbito das redes mundiais de fluxos de mercadorias, comunicação, pessoas. Assim, compreender essa emaranhada rede de elementos constituintes das relações urbanas, suas conexões, as trocas de produção, de pessoas, ou mesmo de impactos ambientais, é uma árdua tarefa para os planejadores urbanos, gestores do território, ou profissionais das mais diversas áreas que lidam com a vida no campo e nas cidades. O estudo do planejamento urbano é, em essência, pesquisar as interações sistêmicas como abordagem metodológica e multi(inter)disciplinar. Por outro lado, o dinamismo urbano como processo evolutivo é incansável. É um organismo em constante movimento. As cidades, em

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ENSAIOS URBANOS configurações e deslocamentos na cidade


especial nos países em desenvolvimento, apresentam uma capacidade de mudança impressionante. Isso demanda da gestão urbana um acompanhamento contínuo dos processos de produção espacial das cidades, estes que exigem técnica apurada, capacitação de recursos humanos, disponibilidade financeira, e atuação incisiva da gestão no controle e planejamento dos diversos atores da cidade. Neste capítulo, serão tratados alguns aspectos dessa cadeia urbana, na busca por aclarar alguns conceitos, e estabelecer outros diálogos a partir da visão sobre a atuação dos planejadores urbanos e projetistas da Arquitetura e do Urbanismo, tomando como objeto central a complexidade das cidades e do processo de urbanização nos países em desenvolvimento. A componente formal talvez seja um dos principais critérios passíveis de mensuração e caracterização por parte dos planejadores urbanos e regionais, bem como dos arquitetos-urbanistas1. Na geografia, na biologia, na engenharia ambiental e urbana, na arquitetura e no urbanismo, entre outros campos de estudo, a ocupação do espaço pode ser analisada sob diversos focos e ferramentas interpretativas. No caso do desenho urbano (ou projeto urbano), especificamente, o enlace qualitativo entre os espaços públicos e privados, assim como a relação da forma edificada e os vazios, são elementos imprescindíveis para a potencialização da qualidade de vida. Contudo, a relação formal é, em geral, negligenciada pela gestão e política urbana. E assim se constituem as tais políticas urbanas e suas leis, que resultam em ocupações, projetos de bairros e edifícios que em geral desconsideram o impacto que as mesmas construções têm sobre a vida urbana, às pessoas que caminham na calçada (ou que se escondem atrás dos muros das ruas 1  Cabe reforçar que no Brasil, diferentemente dos Europeus ou Norte-Americanos, o Arquiteto e Urbanista detém a habilitação profissional generalista e incorpora, além das atuações do Arquiteto, a atuação no campo do Urbanismo e do Planejamento Urbano, incluindo infraestrutura urbana, paisagem urbana e patrimônio. CAPÍTULO 2

AS CIDADES DO FUTURO

De qual sustentabilidade estamos tratando?

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sem vida), ignoram o impacto sobre os recursos naturais que envolvem os loteamentos (ou são invadidos por estes), ou mesmo o grau de dispersão e densidade espacial dos conjuntos edilícios. Essa lacuna de domínio sobre o desenho urbano junto ao planejamento da cidade deflagra problemas que, sob outras abordagens, poderiam ser evitados. A verticalização descontrolada (das áreas mais valorizadas) causa impactos no clima, segrega as famílias em condomínios fechados para a rua ou para a vida dos espaços públicos. A dispersão horizontal (em geral, de áreas periféricas urbanas) de baixa densidade também apresenta problemas quanto ao impacto sobre as áreas verdes, de alto custo de implementação e manutenção de infraestruturas, da pouca acessibilidade aos equipamentos públicos, ou mesmo agravando o quadro da mobilidade urbana como um todo. Mas, entretanto, são esses dois os modelos, o vertical e o disperso, os mais realizados nas cidades brasileiras nas últimas décadas. A potencialização dos lucros imobiliários, seja na ocupação periférica das bordas urbanas (convertendo terra barata em terra cara) ou na verticalização exacerbada de “áreas nobres” da cidade, estabeleceram desequilíbrios na manutenção do sistema urbano como um todo. Assim, nesse modelo de urbanização fragmentado e de baixa densidade, não há policiamento capaz de atender toda a cidade, nem infraestrutura de qualidade universal, nem transporte público, escolas ou serviços acessíveis para todos. A gestão urbana acaba por eleger áreas prioritárias, de solo valorizado, agravando o quadro de desigualdades entre áreas ricas e pobres da cidade. E assim os investimentos públicos potencializam os 112

ENSAIOS URBANOS configurações e deslocamentos na cidade


ganhos privados, sem a necessária contrapartida tributária. O custo de manutenção urbana fica ao cargo da gestão pública, que por outro lado desonera seus cofres em busca de atrair mais empresas, investimentos e empregos, numa competição desleal em que o setor privado explora ao máximo o espaço urbano, lucra, e deixa o ônus dos impactos para a sociedade urbana. As prefeituras, por sua vez, ficam refém da atuação dos lobbies do setor da construção, que operam nas câmaras legislativas, mudam leis de zoneamento e códigos de obras, alteram os índices urbanísticos capitalizando o ganho sobre o m² construído, ao passo que angariam apoios políticos decorrentes de doações eleitorais. Esse é o cenário preocupante das cidades brasileiras!

Figura 01 Imagens do deslizamento da falésia da região do Ponta do Seixas em João Pessoa. Uma área de preservação que passou a ser urbanizada nas últimas décadas, acelerando o processo de erosão natural que culminou, em 2015, com a interrupção do trânsito na avenida de acesso à Estação Ciência e ao Farol do Cabo Branco. Fonte: Adaptado pelos Autores (2016)/ Imagens de 2014 e 2015.

E tal quadro não é exceção. Pelo contrário, é recorrente em todos os estados brasileiros, na maioria das cidades, independentemente de sua escala. A ruptura desse sistema é uma difícil tarefa. Certamente os arquitetos, urbanistas, geógrafos ou engenheiros, em suas respectivas organizações, não detém força suficiente para tal enfrentamento. Cabe reforçar que esses profissionais atuam no mercado e na gestão pública, participando direta ou indiretamente da produção urbana. Mas a atuação social, política e pública, pode reequilibrar as forças da cidade, ao passo que há uma reação social nos grandes centros urbanos brasileiros, em especial nos últimos anos, exigindo melhores serviços urbanos e maior qualidade de vida, que se conectam por redes sociais e novos meios de comunicação e mobilização. E é nesse viés que o urbanismo pode trazer alternativas de cenário e possíveis respostas aos problemas colocados. CAPÍTULO 2

AS CIDADES DO FUTURO

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O desenho urbano como caminho, a densidade como ferramenta A implementação da maior densidade urbana apenas não é um prérequisito para a sustentabilidade das cidades e da arquitetura. A forma no desenho urbano, a qualidade dos espaços, as distâncias entre a habitação, o trabalho e o lazer (que definem o grau de acessibilidade pedonal), a disponibilidade de meios de transporte menos impactantes e coletivos, de boa infraestrutura, da dinâmica de usos e a própria forma construída dos edifícios, das quadras e dos conjuntos de bairros, determinam a condição de qualidade ambiental e humanização dos espaços da cidade, e desta em relação à sua região metropolitana e demais cidades próximas. Entende-se que o planejamento de cidades e regiões mais sustentáveis é complexo, pois depende de uma escala sistêmica de interações. Assim, a compreensão de escalas de urbanização e de seus respectivos impactos socioambientais são parte da ideia de sistemas urbanos mais sustentáveis, tendo em vista a interdependência entre as cidades (pequenas, médias e grandes) e as regiões metropolitanas e seu meio ambiente imediato. Todavia, este capítulo buscou delimitar seu objeto ao aspecto mais atuante no campo da Arquitetura e do Urbanismo, que é a produção ou reabilitação de bairros mais sustentáveis. O bairro em si é um tema bastante relevante, pois estabelece a conexão de vizinhança, que pode ser potencializada pelo desenho e projeto urbano. Ao mesmo tempo, dialoga com o edifício e seus diversos usos. A densidade urbana, em especial a densidade populacional, é um critério relevante que, se comparado a outros processos de análise, pode agregar interessantes observações sobre a forma de ocupação e apropriação dos espaços da cidade. Todavia, delimitar suas escalas de análise, bem como o objeto específico de mensuração é um 114

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procedimento necessário, tendo em vista que equívocos na delimitação de áreas mensuradas (como por exemplo, a densidade líquida ou bruta), podem interferir no cálculo final dos dados com variações importantes. A figura a seguir apresenta algumas escalas de análise espacial em relação às unidades de medidas comumente utilizadas no campo da densidade urbana aplicada ao projeto. (Figura 02)

Figura 02 Introdução do processo de análise de densidade urbana com relação a unidade de medida (taxa de ocupação, unidades habitacionais e população) e as escalas de área (A-bloco ou unidade parcelada, B-vizinhança, C-distrito ou bairro, D/E-cidade e região), utilizado pela equipe do Prof. Tunney Lee, do MIT, EUA. Fonte: The Density Atlas / Tunney Lee et al – Disponível em: <http://densityatlas.org/measuring/>, consultado em maio de 2016.

CAPÍTULO 2

AS CIDADES DO FUTURO

De qual sustentabilidade estamos tratando?

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Deve-se compreender que a densidade habitacional é fator preponderante na otimização da aplicação de recursos em habitação e urbanização, bem como na minimização de impactos ambientais, pois quanto maior a densidade habitacional, menor o gasto com a infraestrutura, habitação e manutenção dos serviços urbanos por habitante, como também pode-se reduzir a área urbana ocupada e a necessidade de deslocamento automotivo. Em contrapartida, um desenho mais coeso de cidade possibilita o deslocamento pendular por meios alternativos (pedonais ou ciclístico), bem como otimiza-se o custo-benefício do transporte coletivo de massa. Assim, muitos exemplos de conjuntos habitacionais, em especial os europeus e asiáticos, demonstram uma tendência à maior densidade e compacidade urbana por meio de conjuntos habitacionais multifamiliares. Como se pôde verificar na literatura urbanística e exemplos de projeto estudados, o modelo de urbanização habitacional unifamiliar apresenta uma série de desvantagens frente ao multifamiliar, não somente as de caráter formal e de custos, mas também com relação ao convívio e ao encontro das pessoas e, assim, à noção de vizinhança e de senso comunitário (Silva, 2011). A disponibilidade de área verde pública é outro fator proeminente no aumento da densidade urbana, ao passo que o modelo de loteamento/parcelamento unifamiliar isola o lote e a propriedade privada entre muros, o conjunto multifamiliar pode democratizar o acesso às áreas verdes no interior da quadra, transformando o espaço privado em espaço coletivo, este que ainda pode abrigar equipamentos comunitários para várias faixas etárias ou funções, mais próximos dos moradores e com raios de abrangência mais bem distribuídos. Na Figura 03 e Tabela 01 está representado um comparativo entre dois modelos de ocupação recorrentes nas cidades em uma área de 1 ha (10.000m²), um unifamiliar térreo com 36 unidades habitacionais de 70m², e outro exemplo com 364 unidades habitacionais (também com 70m² cada), com 7 pisos 116

ENSAIOS URBANOS configurações e deslocamentos na cidade


verticalizados (aproximadamente 21m de altura total), destacando-se os custos em relação a densidade bruta e líquida nos dois exemplos. Cabe expressar ainda que, no segundo exemplo (multifamiliar), é possível estabelecer o uso misto com maior eficiência (em pavimentos térreos), tendo em vista o aumento considerável de moradores numa mesma área.

Figura 03 Exemplos comparativos de densidades urbanas líquidas e brutas numa área de 1 ha em distintas formas de quadra urbanizada (unifamiliar e multifamiliar) e demais aspectos comparativos. Fonte: Geovany Silva (2014)

CAPÍTULO 2

AS CIDADES DO FUTURO

De qual sustentabilidade estamos tratando?

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Tabela 01 COMPARAÇÃO ENTRE TIPOLOGIAS HABITACIONAIS (1HA)

Tipologia de Ocupação 1ha

Critérios de Análise

Unifamiliar

Percentual

Multifamiliar

% *

Área Construída Total

2.520m²

25.480m²

+1011

Área Loteável Total

7.708m²

8.100m²

+4,80

70m²

70m²

0

Área Const. Unidade Taxa de Ocupação

2.520m²

3.640m²

+44,4

Área de Vias

2.285m²

1.192m²

-52

Área Verde Pública

0m²

4.460m²

+4.460

Área Verde Privada

5.188m²

00m²

-5.188

Área de Estacionam.

00m²

704m²

+704

N° de Residências

36

364

+1.011

N° de Habitantes

122

1.238

+1.015

Densidade Bruta

122 hab/ha

1.238hab/ha

+1.015

Densidade Líquida

158 hab/ha

1.529hab/ha

+1.015

US$ 260 mil

US$ 400 mil

+54

Custo Urb./Habitante

US$ 2.131

US$ 323

-85

Custo Urb./Residência

US$ 7.222

US$ 1.099

-85

Custo Urb. Estimado Total

Tabela 01 Estudo de comparação entre as tipologias unifamiliar e multifamiliar em 1ha. Fonte: Geovany Silva (2014)

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* Vantagens e Desvantagens comparativas. Outro ponto importante é quanto ao custo nos dois casos exemplificados, pois enquanto o unifamiliar tem um custo estimado de US$ 260 mil, o multifamiliar comporta US$ 400 mil, ou seja, 54% a mais. Contudo, se o cálculo do custo de urbanização for feito por domicílio ou número de habitantes pela área, o valor do unifamiliar, com US$ 2.131/habitante, é 6,6 vezes maior que os US$ 323/habitante do exemplo multifamiliar, o que demonstra que essa diferença se torna muito relevante para a viabilização de políticas habitacionais mais abrangentes e democráticas.

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As tomadas de decisões de planejamento urbano regional estratégico no contexto da rápida urbanização são responsáveis pela equidade socioespacial das cidades, dos padrões de mobilidade mais integradores, da competitividade global e eficiência energética. As cidades mais qualitativas, em geral, agregam maior grau de complexidade e informação, e assim, conseguem melhores índices de inovação, educação e tecnologias. A economia equilibrada, os mercados urbanos regulados, a política urbana contínua e sem imprevistos, são características que atraem mais investimentos, em especial, se somados à uma equidade socioeconômica e educacional da população. Entende-se que as decisões no campo do planejamento urbano e nas estratégias de enfrentamento ao rápido processo de urbanização são pontos chave na promoção da equidade social, nos padrões de mobilidade, competitividade global e eficiência energética. Ainda há muitos estudos (Kenworthy & Laube, 1999; Newman & Kenworthy, 1989 e 1999; Frumkin, 2002; Camagni, Gibelli & Rigamonti, 2002; Jackson, 2003; Glaser & Kahn, 2004; Frank, 2006; Bart, 2010) que correlacionam o aumento do grau de emissão de gases estufas em paralelo à dispersão urbana de baixa densidade. Nesses aspectos, comparar os casos da cidade de Atlanta (EUA) e Barcelona (Espanha), Figura 04, mostram que cidades com mesma dimensão populacional apresentam dimensões físicas muito distintas, estas que refletem na qualidade de vida e no cotidiano de seus habitantes, como também em seus impactos ambientais e climáticos (emissão de gases estufa). Nesse sentido, Atlanta, com seus 4.280 km² de área urbana, detém emissões de carbono 10 vezes maisores que a cidade de Barcelona, cuja a área urbana é de 162 km². Contudo, ambas as cidades possuem 2,5 milhões de habitantes aproximadamente.

CAPÍTULO 2

AS CIDADES DO FUTURO

De qual sustentabilidade estamos tratando?

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Figura 04 Comparação entre as dimensões e impactos ambientais de Atlanta (à esquerda) e Barcelona (à direita). Fonte: https:// morphocode.com/globaltrends-urbanisation/ (03/11/2014)

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Em geral, no processo de crescimento urbano (produção e reprodução espacial), as áreas urbanizadas crescem mais rapidamente do que suas respectivas populações, e esse processo afeta de forma considerável o grau de sustentabilidade urbana nas escalas do lugar, da região e em nível global. Nos países em desenvolvimento, esses processos tendem a ser mais desequilibrados. Pois quando a economia vai bem, em geral o mercado imobiliário, os financiamentos públicos e privados, alavancam a construção civil e promovem a implementação de novas áreas urbanizadas para novos imóveis, o que no longo prazo, pode causar assimetrias entre a demanda e a necessidade do mercado e, consequentemente, ocasionar o que se denomina de ‘bolha imobiliária’. Quando a economia vai mal, a construção civil e mercado imobiliário estagnam, mas com o declínio da renda em geral, os imóveis vazios (frutos da especulação), tornam-se ainda mais inatingíveis às classes sociais de maior déficit imobiliário. Em resumo, o mercado urbano impacta o meio natural visando apenas ENSAIOS URBANOS configurações e deslocamentos na cidade


o lucro das operações financeiras e econômicas, criando estoques imobiliários para um público restrito, enquanto que o planejamento urbano (intencionalmente desarticulado) não exerce controle necessário, e se cria um ciclo complexo de urbanização especulativa sem necessidade humana a ser atendida. A atuação do planejamento urbano estratégico, bem estruturado, associado à qualidade de desenho urbano e arquitetônico otimiza recursos e energias para a cidade, minimizando os problemas destacados. A diversidade de usos em maiores densidades habitacionais é um elemento potencializador da qualidade urbana, ao passo que somado à boa infraestrutura e à disponibilidade de melhores equipamentos públicos, com bons mobiliários urbanos e sinalização, tendem a gerar um uso intenso das áreas públicas de um conjunto de habitação. A adoção de quadras abertas, compactas, com fluxos internos nos conjuntos de blocos, é um critério de desenho que induz ao fluxo de pessoas, de usos e ao dinamismo do comércio local (Karssenberg, 2015). Portanto, com a adoção desses critérios de desenho arquitetônico e urbanístico mais qualitativos, podem-se constituir maiores índices de vitalidade e urbanidade para os condomínios. Decerto, o desenho urbano de maior densidade define um conjunto construído mais coeso, próximo, e assim, comunitário. Enquanto que o desenho de lotes isolados, em menores densidades, murados e com as famílias individualizadas, acabam por produzir quadras e bairros que segregam e minimizam o convívio coletivo. Sob esse ponto de vista, é ainda mais incoerente os conjuntos habitacionais em condomínios fechados, ainda mais numa sociedade que carece de senso de coletividade e comunidade, onde se faz necessário coexistirem as diferenças num convívio harmônico e respeitoso. E pode-se dizer que civilidade se constitui, também, por meio de desenho urbano.

CAPÍTULO 2

AS CIDADES DO FUTURO

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Cenários urbanos futuros e suas incertezas Segundo as Nações Unidas (2016), as cidades ocupam hoje aproximadamente 2% do total de terra disponível e incorporam 70% do PIB total. Apesar da suposta pouca superfície urbana no planeta, quando se fala em recursos e impactos ambientais, as cidades traduzem as preocupações potenciais para as gerações futuras, pois consomem mais 60% da energia mundial, são responsáveis por mais de 70% das emissões de gás de efeito estufa e, por fim, são responsáveis por cerca de 70% dos resíduos do planeta. (Fig. 05) Figura 05 Estrutura de desenvolvimento global de cidades. Fonte: Geovany Silva (2015) Adaptado de UN-Habitat (2016) / <https://www.habitat3. org/the-new-urbanagenda> Figura 06 Linha do tempo dos principais eventos da ONU nos quadros globais para o desenvolvimento global sustentável traduzido e editado por Filipe Mangueira, com base em: UN-Habitat (2016)/ <https://www.habitat3.org/ the-new-urban-agenda>

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ENSAIOS URBANOS configurações e deslocamentos na cidade


Principais conferências e acordos ambientais internacionais: 1972 Conferência de Estocolmo para o Meio Ambiente

2002 Cúpula de Johanesburgo sobre o Desenvolvimento

Humano, ONU*

Sustentável, ONU*

1976 Conferência Habitat , ONU*

2002 COP 8, Nova Deli, Índia

1979 Convenção de Genebra sobre a Poluição do Ar, ONU*

2003 COP 9, Milão, Itália

1980 Estratégia Mundial para a Conservação (UICN)*

2004 COP 10, Buenos Aires, Argentina

1983 Protocolo de Helsinque sobre a Qualidade do Ar, ONU*

2005 COP 11, Montreal, Canadá

1987 Protocolo de Montreal sobre a Camada de Ozônio,

2006 COP 12, Nairóbi, Quênia

ONU* 1987 Nosso Futuro Comum – Relatório Brundtland, ONU*

2007 COP 13 - Conferência de Bali, Indonésia, ONU*

1990 Livro Verde sobre o Meio Ambiente Urbano (União

2008 COP 14 - Poznan, Polônia

Europeia)* 1992 Cúpula da Terra (Rio 92) – Rio de Janeiro, ONU*

2009 COP 15 - Conferência de Copenhague, Dinamarca, ONU*

1995 COP 1, Berlim, Alemanha

2010 COP 16, Cancun, México

1996 COP 2, Genebra, Suíça

2011 COP 17 - Conferência do Clima de Durban, África do Sul, ONU*

1996 Conferência Habitat 2, ONU*

2012

Conferência

Rio+20

sobre

Desenvolvimento

Sustentável, ONU* 1997 COP 3 - Conferência de Kyoto sobre o Aquecimento

2012 COP 18, Doha, Qatar

Global, Japão, ONU* 1998 COP 4, Buenos Aires, Argentina

2013 COP 19, Varsóvia, Polônia

1999 COP 5, Bonn, Alemanha

2014 COP 20, Lima, Peru

2000 COP 6.1 - Conferência de Haia sobre as Mudanças

2015 COP 21, Paris, França*

Climáticas, ONU* 2001 COP 6.2, Bonn, Alemanha

2016 Conferência Habitat 3, ONU*

2001 COP 7 e RIO+10, em Marrakesh, Marrocos

2016 COP 22, Marrakesh, Marrocos

*eventos de maior relevância e destaque internacional. Quadro 01 Fonte: Geovany As principais conferências internacionais de 1970 a 2016 Silva *eventos de maior relevância e destaque internacional. Fonte: Geovany Silva (2015) a partir de ONU e UN-Habitat (2016)

(2015) a partir de ONU e UN-Habitat (2016)

Pode-se interpretar que dentre os critérios formais mais relevantes para o desenho urbano e projeto arquitetônico, a CAPÍTULO 2

AS CIDADES DO FUTURO

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De qual sustentabilidadeeestamos tratando? definição do componente formal que incorpora a densidade (construída habitacional), como condicionante


Pode-se interpretar que dentre os critérios formais mais relevantes para o desenho urbano e projeto arquitetônico, a definição do componente formal que incorpora a densidade (construída e habitacional), como condicionante qualitativa, e as propriedades formais decorrentes, como condicionantes qualitativas, são elementos de destaque. A cidade contemporânea tem se tornado um produto relevante para a economia regional e internacional. É nela que é produzido mais de 2/3 da riqueza mundial, gerando empregos, oportunidades, conhecimento e tecnologia. O mercado imobiliário, juntamente com a construção civil e de infraestruturas, se relaciona com uma complexa cadeia produtiva que perpassa processos extrativistas e energéticos (setor primário), pela indústria (em diversos nichos), e comércio e mercado imobiliário. Não por acaso, é um setor estratégico para a dinamização econômica de um país, utilizado como motor propulsor de economias em regiões ou cidades estagnadas. Exemplos notórios atrelam o conceito de city marketing e eventos internacionais de visibilidade (Exposições Internacionais, Olimpíadas, Copas Mundiais de Futebol), que projetam a economia regional por meio de investimentos maciços em infraestrutura urbana e grandes equipamentos, estes que incorporam tecnologias, mão de obra e serviços à priori, e, por conseguinte, implementam o uso e a dinâmica desses investimentos potencializados pela comunicação e mídia, que por sua vez valorizam consideravelmente imóveis e o solo urbano. Não por acaso que cidades como Bilbao, Seul, Madri, Lisboa, Barcelona, Pequim, Johanesburgo, Rio de Janeiro, para citar alguns exemplos, passaram por um intenso processo de investimentos urbanos para a realização de eventos internacionais, mas que, também, computavam estratégias de inserção no mercado internacional. Assim, pode-se dizer que o fenômeno da globalização da economia se conecta 124

ENSAIOS URBANOS configurações e deslocamentos na cidade


diretamente aos processos de produção e desenho de cidades e, por tanto, da arquitetura. Posto isto, é compreensível que as cidades sejam objeto de intensa especulação do capital, que acabam interferindo diretamente nas dinâmicas regionais e urbanas, de uso do solo, e no processo de planejamento e legislação urbanas. Se no passado a arquitetura era uma consequência do planejamento urbano, na cidade contemporânea a arquitetura muitas vezes é utilizada como um fator desencadeador do processo do planejamento e da economia, seja por intervenções estratégicas e/ou novos equipamentos atrativos para áreas desocupadas ou de baixo valor do solo. Deste modo, a cidade passa a acontecer a partir de negociações entre os atores públicos e privados, estabelecendo-se diretrizes que potencializam o lucro sobre a terra urbana, utilizando-se da dispersão ou verticalização urbana pouco testada e avaliada. E não rara as vezes o setor econômico sobrepõe seus interesses sobre a legislação ou comunidades anteriormente estabelecidas, em prol do denominado “desenvolvimento urbano”. Nesse contexto, regiões (países, estados e cidades) passam, muitas vezes, a competir entre si para a captação de recursos e investimentos, e nesse embate, nem sempre as condicionantes locais, a comunidade ou mesmo o meio-ambiente são considerados conforme suas relevâncias. Contudo, regiões e cidades mais ricas, de maior capacidade técnica e organizacional, implementam um planejamento urbano de longo prazo e obediente a determinadas diretrizes (muitas vezes definidas de maneira participativa), enquanto que cidades e regiões mais pobres cedem mais para angariar investimentos urbanos e regionais. Sobre estes, a especulação territorial urbana se faz de maneira bastante tenaz e lucrativa, aumentando os impactos ambientais sobre os espaços da cidade em curtos períodos de tempo. CAPÍTULO 2

AS CIDADES DO FUTURO

De qual sustentabilidade estamos tratando?

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Outro fenômeno recorrente é a diminuição gradativa da densidade populacional em paralelo à dispersão urbana. Este fator tem sido verificado tanto em cidades de países desenvolvidos, como em cidades de países em desenvolvimento. Isso demonstra que, independente da renda, a ocupação urbana tem avançado no território urbano, muitas vezes à revelia das demandas habitacionais. Ou seja, muitas vezes a construção de novos bairros e áreas habitacionais, em áreas menos centralizadas, têm sido feitas independentemente da necessidade de mais habitações. Esse fenômeno pode ser explicado por alguns fatores, tais como: 1. A valorização do imóvel urbano (que independe muitas vezes do déficit ou da demanda de mercado, pois o custo imobiliário embute diversas outras determinantes) – Nas cidades do Brasil, na última década, a disponibilidade de crédito imobiliário bancário alimentou a construção e valorização dos imóveis urbanos, bem como os investimentos neste mercado, com ganhos e juros acima de outros tipos de rendimentos (como a poupança, por exemplo). Assim, é compensatório para o investidor aplicar seu dinheiro num imóvel, independentemente da necessidade de aluguel e uso, pois os ganhos da especulação são superiores; 2. Nichos de mercado versus déficit habitacional Em cidades como São Paulo, por exemplo, o déficit habitacional se equivale aos imóveis vazios e subutilizados. Segundo o IBGE (2010), há mais imóveis vazios que demanda deficitária por habitação. Nichos de mercado também são elementos agravantes desse âmbito, pois a construção de novas habitações nem sempre atendem às classes econômicas ou populações mais deficitárias, mantendo uma valorização artificializada a certo modo, transformado a habitação em investimento financeiro de capitalização, o que pode gerar a bolha imobiliária; 126

ENSAIOS URBANOS configurações e deslocamentos na cidade


3. Novas formas de ocupações habitacionais menos densas, com mais áreas permeáveis, menos verticalização em muitos casos, e ênfase unifamiliar. Esse modelo de ocupação leva à dispersão do tecido urbano e à segregação espacial, ao passo que a gestão pública não consegue atender todo o sistema urbano de forma equivalente e igual; 4. Esvaziamento e desvalorização de áreas mais centrais antigas (da gênese urbana), proporcionada por um processo de periferização, de um lado, e pela restrição de usos e ocupações em imóveis tombados. Em outra mão, o abandono e a obsolescência dos imóveis geram menos tributos à gestão pública. Regularizar a posse, quitar os débitos, e reconverter os centros antigos em áreas habitadas não têm sido estratégias dos órgãos patrimoniais e prefeituras, estes que pela inoperância, alimentam o ciclo de obsolescência urbana; 5. Investimentos urbanos em infraestrutura e equipamentos públicos e privados nas regiões mais periféricas e menos ocupadas, contudo, de renda mais alta, ao passo que as áreas menos valorizadas e mais ocupadas carecem de serviços, infraestrutura e equipamentos públicos; 6. Transporte público deficitário é um indutor à valorização de áreas mais privilegiadas, pois elege áreas mais acessíveis e valorizadas, dotadas de investimentos urbanos. O transporte público eficiente equilibra o acesso ao solo urbano, minimizando a especulação. O oposto, estabelece áreas privilegiadas, mais acessíveis e bem atendidas, segregando as regiões de menor interesse para o mercado imobiliário (em geral, de menor renda) e, assim, com menos investimentos e tributos. 7.

Violência urbana também é um critério indutor de

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AS CIDADES DO FUTURO

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valorização urbana, ao passo que regiões mais pobres ficam pouco protegidas pelo policiamento, ao contrário de áreas mais ricas e valorizadas; A definição da forma urbana perpassa o processo projetual, enquanto conceito, métodos e aplicações de desenho urbano e projeto arquitetônico. A legislação é indutora desse processo, assim como as demais condicionantes ou determinantes projetuais, todavia é nesse embate legalista sobre a produção arquitetônica que a forma urbana deve incorporar aspectos qualitativos. Como se sabe, a legislação urbana de muitas cidades é pouco adequada às questões de desenho urbano, performance ou desempenho ambiental. A ausência de critérios quantitativos estabelecidos por meio de mensuração, testes contínuos, avaliações pós-uso, ou mesmo indicadores urbanos testados é um procedimento raro nas municipalidades brasileiras. Por outro lado, as pesquisas realizadas no campo do desenho urbano e projeto de arquitetura

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ENSAIOS URBANOS configurações e deslocamentos na cidade


são pouco considerados pelos departamentos urbanos reguladores, ou mesmo as instâncias governamentais do poder legislativo (câmaras de vereadores municipais) ou executivo (prefeituras). Nesse território de pouca abordagem técnica sobre o planejamento urbano, a especulação imobiliária encontra livre espaço para a atuação junto aos atores políticos, estes que buscam facilitar o acesso urbano aos investimentos públicos, adequando as legislações conforme os interesses econômicos e deixando em um segundo plano aspectos que vislumbrem o planejamento de longo prazo e de viés qualitativo. Somando-se à disponibilidade de crédito para a compra de imóveis e construção habitacional, o reflexo deste processo é a produção de territórios urbanos desarticulados, que verticalizam edifícios em dezenas de pavimentos, edificam condomínios murados de baixa densidade, ou reproduzem à exaustão unidades unifamiliares em malhas quadriculadas sem o mínimo de critério de desenho urbano para o bairro.

Figura 07 Imagens da região valorizada do Balneário da cidade de Camboriú, Santa Catarina, Região Sul do Brasil, e Fortaleza (imagem à direita, da parte inferior). Dos 10 edifícios mais altos do país, Camboriú tem 5. Fonte: Adaptação do autor (2016).

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Figura 08 Imagens da verticalização ocorrida na última década em Recife-PE (Bairro do Recife Antigo e Boa Viagem). Fonte: Adaptado pelos autores (2016).

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Figura 09 Imagens da verticalização ocorrida na última década em João Pessoa-PB (Bairros do Bessa e Altiplano), em regiões valorizadas de capitais brasileiras do Nordeste. Fonte: Adaptado por Geovany Silva (2016).

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Figura 10 Polêmico projeto do Novo Recife que propõe a verticalização de uma região histórica e tombada por órgãos patrimoniais, denominado de antigo Cais do Estelita. A imagem mostra a vista atual (superior), seguida da proposta original do Novo Recife, e a proposta de readequação sugerida pela prefeitura após diminuição de gabaritos.

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É necessário, contudo, definir quais os critérios de sustentabilidade aplicáveis ao Projeto de Arquitetura e Urbanismo, bem como quais são os de maior peso quanto à determinação de espaços mais adequados nesse contexto teórico e prático. A componente morfológica das cidades, portanto, relativa à forma urbana e arquitetônica, é notadamente, de grande relevância para a prática projetual. Em decorrência dessa afirmativa, como também da necessidade de delimitação da pesquisa (investigação) frente ao objetivo proposto, este trabalho se centrou na caracterização dos principais componentes formais capazes de definir espaços urbanos e

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Gráfico 01 Financiamento público entre 2002 a 2011 proveniente Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Fonte: Geovany Silva (2016) com dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (2013).

arquitetônicos mais coesos, compactos e eficazes para a otimização do uso e convívio urbano. A definição do potencial de um desenho urbano alternativo, diverso, e de maior performance ambiental é um ponto norteador desta pesquisa. Entretanto, a noção de diversas escalas de intervenção urbana é de necessária compreensão, pois se na escala da cidade, deve-se compreender os processos de dispersão e verticalização, que transformam a paisagem urbana e ambiental do entorno urbano, na escala do bairro e do edifício, a componente qualitativa deve se valer de aspectos quantitativos. Dentre estes, a densidade construtiva e populacional (assim como outros índices urbanísticos) é muito relevante.

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Figura 11 Condomínios periféricos em diversas cidades e regiões brasileiras que representam a monotonia (unifamiliar e multifamiliar) das soluções arquitetônicas em habitação. Fonte: Adaptação do Autor (2016).

É importante destacar que a urbanização está atrelada ao processo de industrialização ocidental. E assim, as cidades latino-americanas têm um desenvolvimento tardio e bastante característico, face a esta correlação. Para Berghauser Pont & Haupt (2004 e 2009), a densidade é um componente quantitativo das mais relevantes para a forma qualitativa das cidades. No contexto das cidades europeias e norte-americanas, até 1850 aproximadamente, a densidade era resultante de circunstâncias complexas mas foi após esse período que a densidade passou a ser utilizada como ferramenta para análise e diagnóstico de 1850 a 1900, e depois, entre 1900 a 1960, o conceito é retomado para determinar densidades máximas afim de proporcionar qualidades estimadas. A partir desse período, o instrumento quantitativo urbanístico da densidade passa a ser utilizado de forma diversificada, em paralelo com os estudos de limites e de capacidades mínimas e máximas de infraestruturas, do potencial ambiental, da interação social, da vitalidade urbana, clima, dentre outros diversos e complexos fatores interagentes sobre o espaço urbano. Assim, Berghauser Pont & Haupt (2009) definem quatro períodos mais relevantes no processo de planejamento urbano nas cidades dos Países Baixos, de contexto norte-europeu e germânico:

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I. Capitalismo Mercantil (1400-1815): no qual as cidades eram de planejamento pouco definido, restrito basicamente a locação de vias pelo poder local, ficando o lote livre para ocupação do proprietário. Nesse período a densidade urbana era resultante do processo de urbanização. Processo de urbanização ainda reduzido. II. Capitalismo Liberal Competitivo (18151900): o crescimento urbano é pouco influenciado pela política e setor público, ênfase aos modelos de ocupação e ordenação privados. Aqui a densidade é introduzida como critério quantitativo, em especial para a otimização da ocupação territorial. Intensificação do processo de urbanização, paralelamente à industrialização. III. Capitalismo Controlado pelo Estado (1900-1979): o planejamento passa a ser orquestrado pelo Estado, em decorrência dos problemas urbanos ocorridos no período anterior e ao intenso processo de urbanização, crises, demandas ambientais e habitacionais, etc. Em um primeiro momento o conceito de Cidade Jardim inglês (até década de 1920) e, posteriormente, a contraproposta funcionalista na Alemanha (de 1930 a 1970). Em ambas, o conceito de densidade é utilizado para definir modelos de ocupação urbana. Para alguns críticos, também é este o período da “Cidade Liberal”. IV. Capitalismo Neoliberal (1979-2008): O planejamento é privatizado. “Estado Empresarial” 136

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atua como facilitador entre o mercado e os usuários urbanos (consumidores de espaço). Período caracterizado por crises urbanas (crise do petróleo nos anos de 1973 e seus desmembramentos posteriores). A baixa densidade é criticada face à expansão urbana, mobilidade deficitária, economia urbana. Surge conceitos de marketing urbano e incorporações e grandes projetos urbanos de parceria público-privada para reabilitação ou reconversão de áreas urbanas, que comumente geram especulação e gentrificação urbana. A cidade se torna um sistema cada vez mais complexo. Ao longo do século XX, na Europa Ocidental, os atores econômicos sempre foram vistos, a certo modo, como especuladores imobiliários em prol do lucro, e de pouca responsabilidade ou contrapartida social, comunitária ou ambiental. Em decorrência do boom imobiliário do final do século XIX, essa desconfiança social foi sempre um ponto de conflito entre os atores sociais, econômicos e políticos. Nesse contexto, nas décadas de 1960 e 1970, a maioria dos empreendimentos imobiliários importantes, estavam relegados às regiões periurbanas. Essa visão se altera apenas nos anos de 1990, quando o estado passa a regulamentar as parcerias público-privadas para otimizar e dinamizar a economia urbana e o marketing urbano. Nesse período a arquitetura assume papel importante na reinserção de áreas degradadas, ou mesmo cidades e regiões em processo de empobrecimento ou degradação. É também nesse período que se dão os esforços para a integração da comunidade europeia dos países menos desenvolvidos, utilizando como âncora desse processo a arquitetura, o urbanismo e os grandes projetos de infraestrutura, por meio de estratégias de financiamentos e apoio da UE. Esse processo foi verificado entre os anos de 1980 a 1990, principalmente, em países CAPÍTULO 2

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como Espanha, Portugal e Grécia, todavia, recorrente até os tempos atuais com o ingresso dos países do leste europeu. Contudo a dinâmica urbana sempre responde de maneiras distintas, fazendo com que projetos de grandes investimentos não respondessem às necessidades urbanas como noutros casos mais bem sucedidos. Entremeados por questões de ordem macroeconômica e crises, o urbanismo do capitalismo neoliberal gerou problemas consideráveis em cidades como Atenas, Lisboa, Barcelona, Sevilha, dentre outras cidades em que as grandes infraestruturas urbanas e arquitetônicas se mostraram dispendiosas e de pouco retorno coletivo. Por outro lado, um fato recorrente na maior parte das cidades ocidentais ao longo do século XX, é a diminuição da densidade urbana bruta por meio da expansão das periferias. Ou seja, ao longo das últimas décadas, as cidades têm cada vez menos pessoas por hectare, mesmo em áreas mais verticalizadas, face à pouca otimização entre espaço construído, habitações e áreas desocupadas. O aumento da pegada urbana decorre das mudanças na estrutura familiar, menos pessoas por família constituída, aumento da dimensão das habitações, zoneamento rígido, maior disponibilidade de áreas verdes entre as ocupações, o advento do automóvel, separação espacial entre habitação, lazer e trabalho. Esse fenômeno também se repete nas cidades de países em desenvolvimento que, mesmo com a presença de áreas ditas informais extremamente adensadas (favelas), no cômputo geral, a densidade da mancha urbana tem diminuído na maioria dos casos.

Os dilemas da urbanização mundial versus a sustentabilidade Em síntese, a sustentabilidade deve ser entendida como conceito necessário à sobrevivência e permanência da vida no planeta. Nesse

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ENSAIOS URBANOS configurações e deslocamentos na cidade


âmbito, a Arquitetura e Urbanismo, por meio da construção de espaços para a vida e eventos humanos, exercem grande influência e impacto sobre a sustentabilidade e suas possibilidades para a sociedade contemporânea. Segundo dados da ONU, a construção civil é responsável pelo consumo de 40% de energia (entre extração, transporte, produção e construção), 60% dos resíduos, 40% dos recursos extraídos e manufaturados, além de consumir 12% de água doce em toda a cadeia produtiva da construção. Deve-se ainda considerar o impacto do edifício ao longo do tempo, pois segundo Edwards (2005), cerca de 10% da energia é consumida no processo de extração, transporte, manufatura, e construção de edifícios, os outros 90% de energia são consumidos ao longo dos anos de uso do edifício que, em média, é de 50 a 60 anos de uso. Assim, um projeto com baixo desempenho energético pode gerar um impacto considerável para além meio século, e se isso for maximizado à escala urbana, o cenário se torna ainda mais relevante. (Figura 12)

Figura 12 O impacto da cadeia produtiva da construção civil no meio ambiente. Fonte: Geovany Silva (2016).

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AS CIDADES DO FUTURO

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Projetos de Arquitetura e Urbanismo mais sustentáveis (não é um padrão-final, mas um processo em construção constante): Espaços qualitativos e mais sustentáveis para o homem, seus meios de vida e para os eventos humanos que permitam a equidade (social, econômica e ambiental) para edifícios, bairros, cidades e regiões. A definição de Arquitetura e Urbanismo sustentável corresponde à Produção/Reabilitação de arquitetura (edifícios / espaços) e de urbanismo (bairros, cidades e regiões) que contemplem a Análise do Ciclo de Vida (ACV) em todos os processos de concepção, desenvolvimento, construção, uso (flexível) e reuso, incorporando tecnologias (low tech) para maior performance de edifícios, cidades e regiões. Sobre o âmbito mais abrangente, acerca da vida humana contemporânea, há uma correlação preocupante entre produção, crescimento econômico e grau de consumo (energia, recursos, resíduos, entre outros recursos e consequências) aponta para um futuro urbano preocupante. Ao passo que a renda aumenta, com isso a qualidade de vida e distribuição de benesses urbanas às pessoas de determinado país ou região, automaticamente o consumo energético e de recursos se dá de forma proporcional. (Gráfico 02)

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Grรกfico 02 Renda Per Capita versus Consumo de Energia Total em 2010. Fonte: Doug Robbins (2011).

Grรกfico 03 Consumo anual de energia versus PIB Per capita em 2000. Fonte: American Physics, Climate Change, and Energy / Wallace M. Manheimer (2012).


O declínio do Império Sumério (1.900 a.C.) afetou meio milhão de pessoas. A queda do Império Romano (476 d.C.) afetou dezenas de milhões de pessoas. Se uma catástrofe atingisse a civilização atual, bilhões de pessoas seriam afetadas. Quanto aos impactos no meio, direta ou indiretamente, a espécie humana já capta quase 40% do total de produtividade biológica da terra e 70% da produtividade do ambiente marinho - a “produtividade primária líquida” do planeta - para seu uso exclusivo. A taxa de aumento no uso humano é de cerca de 2% ao ano, o que tende a pressionar cada vez mais os sistemas ambientais globais. Se no início da revolução industrial do século XVIII a população mundial não atingia um total de 800 milhões de pessoas, em 1950 já totalizava 2,5 bilhões de pessoas, e em 2010, portanto 60 anos depois, já se somavam 7 bilhões de habitantes. (Figura 13)

Figura 13 A evolução da humanidade entre os anos 1000 a 2000. Fonte: Nações Unidas (1998).

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E paralelo a esse processo de crescimento populacional e urbano, a era industrial aumentou consideravelmente a emissão de gases estufa no ambiente global. A seguir, o Gráfico 04 representa um dos primeiros gráficos já realizados, que mostram o grau de aquecimento da terra por meio das emissões contínuas e crescentes de gases de efeito estufa. Michael Mann foi um dos primeiros cientistas a mostrar como as

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temperaturas da Terra têm aumentado rapidamente nos últimos tempos, corroborando com a teoria do aquecimento global crescente do planeta desde a era industrial. Gráfico 04 Gráfico denominado de “The Hockey Stick” / O taco de Hockey (de 2000). Esse diagrama é muito utilizado em outros contextos, que têm pouco a ver com planejamento urbano. Mas esta imagem famosa do climatologista Michael Mann Ilustra o pico de temperaturas no hemisfério norte desde o início da Revolução Industrial. Fonte: Michael Mann (2000)

Por outro viés, a percepção de que haverá um ganho populacional de mais de 4 bilhões de pessoas nos próximos 85 anos nos países menos desenvolvidos – hoje são 6 bilhões de habitantes, e em 2100 serão 10 bilhões conforme prospecções da ONU. Esse ganho populacional é quase 2/3 a mais de pessoas do que há hoje em dia no mundo, o que deverá ser traduzido em maiores impactos ambientais, demandas por habitação, infraestrutura e qualidade urbana, pressionando ainda mais os limites dos sistemas naturais. Por sua vez, o cenário urbano vai se consolidar como o habitat humano de grande parcela desse contingente (Gráfico 05), exigindo a articulação entre os atores e gestores urbanos nas próximas décadas, em especial, nos países em desenvolvimento e em regiões de maiores intensificações climáticas.

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Gráfico 05 Evolução da população mundial entre 1950 a 2100, conforme o nível de desenvolvimento dos países. Fonte: Geovany Silva (2016) / Dados da ONU (2015).

Por outro lado, a maioria das grandes cidades e regiões metropolitanas estão alocadas em áreas costeiras ou em sítios assentados sobre os limites de placas tectônicas, o que exige um grau maior de controle e alerta contra desastres naturais. Segundo dados do Banco Mundial em 2011, por volta de 1 bilhão de pessoas vivem em áreas consideradas de risco no mundo. Foi identificado que esse contingente populacional considerável habita favelas, nas encostas de morros e depressões topográficas, ou em locais suscetíveis a inundações de metrópoles mundiais.

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A tendência de riscos urbanos e mortalidade por ocupações em áreas propensas aos eventos naturais é um fator de extrema relevância quando se depara com o quadro de urbanização em países emergentes. Atualmente, no mundo, a África Subsaariana é a região que concentra o maior número de moradores em favelas, com 61,7% da população (correspondente à referida região), num total de 199,5 milhões de pessoas. Posteriormente, segue-se a região Sul da Ásia com 190,7 milhões de pessoas (35%), Leste da Ásia com 189,6 mi (28,2%), América Latina e Caribe com 110,7 mi (23,5%), Sudeste da Ásia com 88,9 mi (31%), Oeste da Ásia com 35 milhões (24,5%), Norte da África com 11,8 mi (13,3%), seguida da Oceania com 6 milhões (24,1%). Conforme a UN-Habitat (2010), projeta-se que até 2020 haverá cerca de 890 milhões de pessoas vivendo em favelas, com um crescimento anual médio de 6 milhões de pessoas nos países em desenvolvimento nesse período. Um aspecto preocupante sobre a condição do continente africano, além do intenso processo de favelização, é a tendência de suas cidades acompanharem o padrão dos países em desenvolvimento quanto à formação de mega-cidades, já que os crescentes investimentos em infraestrutura e qualidade de vida CAPÍTULO 2

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Figura 14 Percentagem urbana e localização de aglomerações urbanas com pelo menos 500.000 habitantes, 2014. Fonte: UN | World Urbanization Prospects: The 2014 Revision.

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tendem a atrair cada vez mais pessoas para as áreas urbanas, ao passo que as desigualdades também se acentuam conforme previsões futuras. Para a UN-Habitat (2008: 54) a dinâmica da urbanização tem passado por cenários distintos entre os países desenvolvidos e nos denominados países em desenvolvimento. Nestes, entre 1990 e 2000, há o surgimento de aproximadamente 694 novas cidades que, em 1990, sequer existiam ou constituíam apenas vilarejos rurais. As alterações de ordem administrativas, de crescimento natural ou fluxos migratórios ocorreram principalmente na Ásia, com 295 assentamentos que se tornaram cidades, seguida da América Latina e Caribe, com 171 novas cidades de pequeno porte. Esse fenômeno urbano de larga intensidade produz reflexos socioespaciais expressivos.

Gráfico 06 Crescimento urbano populacional em cidades de várias dimensões populacionais entre 1990, 2014 e 2030. Fonte: UN | World Urbanization Prospects: The 2014 Revision, Destaques

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Se na Ásia destacam-se China e Índia, na América Latina e Caribe destacam-se o Brasil e o México, respectivamente, na criação de novas urbes. A ênfase ao crescimento de cidades entre 100 mil e mais de 1 milhão também ocorreu na Ásia, face aos fatores principais recorrentes como: alterações dos limites administrativos e jurídicos e mudanças no status político de assentamentos. Entre as cidades que surgiram após 1990, 73% constituíram pequenas cidades, 19% tornaram-se cidades ENSAIOS URBANOS configurações e deslocamentos na cidade


médias e 7,5% desenvolveram grandes cidades. Todavia, não só o número total de cidades aumentou, mas também houve uma expansão das cidades já consolidadas desde 1990, sendo que 122 pequenas cidades (13%) se tornaram grandes cidades, 66 cidades médias (23%) se tornaram grandes cidades, e 10 grandes cidades (5%) se tornaram ainda maiores, constituindo aglomerados urbanos conurbados e regiões metropolitanas de caráter nacional e internacional. Contudo, 17 cidades encolheram de tamanho, passando de grandes para médias ou pequenas. Mas, compreende-se que há uma mudança considerável no panorama urbano mundial reforçado pela urbanização, que tende à formação de novas cidades ou a consolidação e expansão de cidades existentes em números muito superiores ao encolhimento ou desaparecimento das mesmas. Assim, a própria noção de “tamanho” de cidade traduzir-se em “pequena”, “média” ou “grande” tem sido adaptada ao longo do tempo, pois o surgimento de “hyperlarge” ou “meta-city” como definições de aglomerações urbanas com mais de 20 milhões de habitantes, determinou a mudança das concepções e padrões sobre o tamanho e dimensão do urbano no mundo. As definições para as grandes regiões metropolitanas também variam, mais recentemente, para os conceitos de “mega-cidades”, “mega-regiões” ou “cidades sem fim” (endless cities), termos estes utilizados no relatório publicado pela UN-HABITAT em 2010. As cidades são as maiores manifestações culturais, econômicas e sociais já experimentados na história moderna. Em 1950 cerca de 2/3 da população mundial vivia em assentamentos rurais e o outro 1/3 em áreas urbanas. Em 2050, ou seja, um século depois, estima-se a inversão dessa proporção, na qual 6 bilhões de pessoas habitarão as cidades. Se o total das áreas urbanizadas no mundo atual ocupam cerca de 5% da massa terrestre do Planeta, as cidades representam mais de 70% do

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consumo mundial de energia e das emissões de gases estufa. Contudo, a inovação tecnológica e infraestrutura urbana aplicada ao desempenho ambiental são pontos essenciais da “pegada urbana”, pois a emissão de gases estufa poderia ser reduzida em até 1,5 bilhão de toneladas de CO² equivalente por ano até 2030, caso se mudassem os sistemas de transporte nas 724 maiores cidades do mundo, segundo dados do New Climate Economy Report (2016) publicado pela The New Climate Economy. Segundo as Nações Unidas, a urbanização mundial acrescentará 2,5 bilhões de pessoas à população urbana do mundo até 2050, com quase 90% desse acréscimo concentrado na África e Ásia. As aglomerações urbanas que tendem a crescer mais rápidas são as cidades médias e com menos de 1 milhão de habitantes, em países/continentes emergentes economicamente. Por outro lado, a maioria das megacidades estão localizadas na porção sul do Globo. Estima-se que somente três países, Índia, China e Nigéria, representem 37% do crescimento projetado da população urbana mundial entre os anos de 2014 a 2050. A Índia deverá ganhar 404 milhões de moradores urbanos, a China 292 milhões e a Nigéria por volta de 212 milhões (mais que a população total do Brasil hoje). Hoje, aproximadamente metade dos 3,5 bilhões de habitantes urbanos estão em cidades menores que 500 mil. Por outro lado, 12,5 % da população mundial vive em megacidades com mais de 10 milhões de habitantes, estas que quase triplicaram desde 1990, e em 2030 serão 41 mega-cidades. Tóquio certamente será a maior mega-região do mundo, com 37 milhões de habitantes, seguida por Deli, com 36 milhões em 2030.

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A Sustentabilidade como discurso de mercado Os modelos urbanos que estão postos no mundo tendem ao maior consumo de recursos. Talvez o extremo desse sistema esteja situado nas regiões mais ricas do Oriente Médio (juntamente com a Ásia), mas que reflete os modelos de urbanismo Euro/Norte-Americanos. O distanciamento dos processos de construção e de vida tradicionais, a globalização econômica, a mudança dos padrões de vida e de consumo, que tendem à ocidentalização, são aspectos já muito notados nas regiões grandes produtoras de petróleo. Em Dubai, cerca de 22,5% do PIB em 2005 se devia à construção civil e setor imobiliário, constituindo um dos principais pilares da sua economia. Enquanto que, por outro lado, a produção do setor petrolífero e de gás não ultrapassa a casa dos 6% do PIB, Dubai centra o restante de economia no setor de turismo, financeiro, comércio, imobiliário e de serviços. Dessa forma a cidade e região de entorno, que abriga 2,3 milhões de habitantes, tem reproduzido modelos urbanos similares aos conjuntos urbanos verticalizados das grandes cidades ocidentais, com uso de peles de vidro e painéis metálicos, porém impróprios para o clima da região que comumente ultrapassa a casa dos 50°C. (Figura 15)

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Figura 15 Cenários urbanos de Dubai A) O processo de verticalização com edifícios que ultrapassam 800m de altura com materiais inadequados ao clima árido (tais como fachadas de vidro e revestimentos metálicos). B) A ocupação (verde) de áreas desérticas e ocupações artificiais de arquipélagos e ilhas sobre o Golfo Pérsico. Fonte: Tim.Reckmann (2015) e therealdeal.com (2016)

A B

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Talvez uma das propostas urbanas mais controversas da atualidade seja a cidade de Masdar, nos Emirados Árabes Unidos, que dista 17 km a leste-sudeste da cidade de Abu Dhabi, iniciada sua construção em 2006, com uma área planejada de 6 mil km² de extensão. Com custo inicial de aproximadamente 15 bilhões de dólares, e um projeto de desenvolvimento urbano executado pela companhia de energia renovável Masdar a partir de um projeto da equipe britânica de arquitetura e urbanismo (o plano diretor da cidade foi conduzido pelo escritório Foster and Partners, liderado pelo internacionalmente reconhecido arquiteto Norman Foster), a nova cidade se assenta sobre a proposição da suposta sustentabilidade urbana a ser implantada no Oriente Médio, em contraponto ao modelo urbano de cidades como Dubai.

Figura 16 A denominada “cidade sustentável” no deserto projetada por Norman Foster busca recriar pátios sombreados por edifícios de até 4 pisos, mas usa materiais como a tela metálica inspirada na iconografia árabe. Fonte: ArchDaily (2014).

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Alguns princípios importantes como a altura dos edifícios limitada a 4 ou 5 pavimentos, soluções de energia passiva para as construções, áreas térreas sombreadas que permitem pouca exposição ao sol, ausência automóveis entre as edificações, além do uso de materiais e tecnologias mais eficientes para o clima, proporcionam áreas livres que chegam a medir de 10 a 15°C a menos que em Abu Dhabi (Caine, 2014). Contudo, a ideia de se construir uma nova cidade, em um novo território desértico, não é uma postura que dialoga com os princípios da sustentabilidade e autossuficiência dos sistemas (até mesmo pelo fato da importação de muitos componentes e sistemas tecnológicos para as edificações). Nesse sentido, seria muito mais coerente a ocupação de áreas vazias, edificações abandonadas ou mais próximas aos centros urbanos já consolidados, fazendo com que as pessoas não ficassem condicionadas ao trânsito pendular entre regiões distantes. O uso de técnicas e materiais construtivos tradicionais e elementos de ventilação passivos característicos da arquitetura tradicional árabe, como os muxarabis e a torre de vento, associados ao uso da madeira ou cerâmica, também deveriam ser mais valorizados do que os elementos metálicos que estão nas fachadas, passarelas ou escadas do projeto. Contudo, a crise global de 2008 fez com que o projeto paralisasse nos 10% da área total. Originalmente projetada para 90 mil pessoas, destas, 40 mil residentes, pode-se dizer que a cidade de Masdar teria um custo de 550 mil dólares por habitante (pois algumas fontes apontam custos de até US$ 22 bilhões). Supondo que um custo de urbanização US$ 367 milhões/ha e uma densidade bruta populacional de 660 hab/ha estimada, enquanto que uma cidade convencional da mesma densidade custaria menos de US$ 10 milhões/ha (custo de urbanização somado à habitação). Ou seja, é um experimento de custos elevados insustentáveis, tanto que sua despesa inviabilizou a conclusão em um cenário de crise econômica recente, que é prevista para terminar até 2030 (Mckone, 2010). 152

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A proliferação de sistemas construtivos padronizados, de conjuntos habitacionais unifamiliares isolados, de baixa densidade populacional, planejados à partir da conversão de solo rural (de baixo valor de mercado) em solo urbano (de valor maior) acabou por difundir modelos de dispersão urbana bastante similares no ocidente, que passam a ser adotados também em outras porções orientais do mundo. Como exemplo, na Figura 23, estão apresentados dois casos em Abu Dhabi e na Arábia Saudita, de conjuntos habitacionais implementados sobre unidades habitacionais isoladas por muros, de baixa densidade, e monofuncionais. Estes que lembram os conjuntos habitacionais do Brasil (do Programa Minha Casa, Minha Vida) e México (Infonavit) das últimas décadas.

Figura 17 A) A comunidade Al Falah, bairro planejado de Abu Dhabi; B) Urbanização extensiva na Arábia Saudita, onde meio milhão de habitações em diferentes áreas estão previstas em Riad. Fonte: Nicole Dsouza (2016).

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Certamente as relações da cidade tradicional islâmica, constituídas por um conjunto urbano mais coeso, compacto, conectado por estreitas vias de acesso pedonal e pátios internos para amenizar o clima árido, são referências de desenho urbano que poderiam ser aproveitadas para os bairros contemporâneos. Na Figura 18 estão apresentados dois exemplos de arquitetura e urbanismo tradicional árabe, nos quais, conforme as condicionantes regionais e disponibilidade de materiais, são utilizados a pedra e o adobe como material construtivo e estrutural principal dos conjuntos edificados de forma mais densa e coesa.

Figura 18 A e B) Casas tradicionais de pedra das tribos Rijal Alma’a, próximo à cidade de Abha. C) Uma Vila tradicional em Asir, com construções em aobe e taipa, na Arábia Saudita. Fonte: vebidoo.de (2015) e Eric Lafforgue.

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Os desafios do urbanismo e da arquitetura sustentáveis se situam em rever suas agendas locais e regionais, definindo estratégias específicas para cada problema urbano, sob o foco da permanência da vida qualitativa nas cidades com o mínimo impacto ao sistema-entorno. O equilíbrio entre os atores urbanos e regionais deve ser um ponto de partida conceitual, mas as estratégias para obtê-lo são cruciais para o sucesso de um processo de planejamento urbano e regional integrado e sustentável. O processo deflagrado pela urbanização neoliberal é agressivo, em especial nos países em desenvolvimento, pois intervém nos três poderes, na gestão pública, altera legislação, atua nas câmaras e conselhos municipais de maneira incisiva, entrevendo sempre potencializar ganhos privados em detrimento da desqualificação de extensas áreas urbanas. O equilíbrio entre os agentes econômicos, o planejamento urbano e a cidade (e seus habitantes) deve ser restabelecido com o intuito maior de se construir cidades melhores, com cidadãos mais bem informados e participativos. Esse é um processo longo e desafiador para as próximas décadas, no qual o Arquiteto e Urbanista não deve se eximir dele e/ou limitar sua atuação profissional apenas na participação como projetista de edifícios para condomínios fechados. O Arquiteto e Urbanista deve retomar sua função social a partir da discussão técnica especializada sobre os impactos ambientais e sociais dos modelos urbanos vigentes.

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Figura 19 Acima, conjuntos habitacionais do programa Infonavit no México, e, abaixo, um condomínio periférico do programa Minha Casa, Minha Vida em Juiz de Fora-MG. Modelos de dispersão urbana que têm fragmentado o tecido urbano em áreas monofuncionais e de baixa densidade distantes dos centros. Fonte: dgcs.unam.mx (2012) e minhacasaminhavidabrasil.com.br (2016).

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Aspectos conceituais sobre o uso dos espaços urbanos A segregação funcional foi um processo urbano paulatino de alteração do uso do solo urbano ao longo das últimas décadas. Se se analisa as parcelas urbanas conforme a sua urbanização no tempo, nota-se que em áreas tradicionais há uma maior divisão entre os espaços para trabalho e os destinados aos dormitórios (residências). Ou seja, a evolução dos processos urbanos e de desenho de cidades acabaram pautando sua distribuição e organização funcional a partir dos princípios do urbanismo do início do século XX, que estabeleciam a separação das funções urbanas, conforme preconizou a Carta de Atenas. E essa ideia de cidade ainda persiste até os dias atuais, em muitas cidades pelo mundo. O entendimento desse modelo que imprime uma estética de “limpeza” espacial, frente à “sujeira” da cidade tradicional, passou a ser muito criticada após a segunda metade do séc. XX, em especial, por Jane Jacobs, após a década de 1960. Nesse modelo de cidade está apresentado o desenho separado das funções urbanas (habitar, trabalhar, circular e recrear), bem como a baixa densidade populacional em valores brutos, baixo potencial de urbanidade e vitalidade dos espaços. Após a década de 1970, com a crise do petróleo, a discussão sobre o consumo de combustível automotivo, a necessidade de compactação urbana e aproximação das funções espaciais da cidade, ganha-se evidência a adoção do mix de uso nas cidades. É nesse período que a discussão sobre a sustentabilidade ganha fôlego acadêmico e prático, emergindo novas correntes críticas ao urbanismo tradicional modernista. O discurso urbano se centrava na compactação, otimização dos espaços, no policentrismo e polinucleação, na aproximação das funções urbanas em maiores densidades populacionais e edificadas. Nos anos de 1970 e 1980, os centros deixaram de ser ocupados por grandes conjuntos de escritórios e empresas, dispersos em novas áreas CAPÍTULO 2

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vazias das grandes cidades e portanto, livres de impedimentos legais para a instalação de polos monofuncionais de negócios.

Figura 20 Acima, Expansão iniciada a partir de 1980 de La Défense, vista do Arco do Triunfo, em Paris. A região tem cerca de 20.000 habitantes, e movimenta mais de 150 mil trabalhadores diariamente. Abaixo, as torres do centro comercial do Amoreiras em Lisboa, de 1985. Em ambos os casos, a arquitetura pósmoderna rompe com as noções formais e espaciais da cidade tradicional. Fonte: <http://www. aviewoncities.com/> e <http://cdn. olhares.pt/>

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Figura 21 Acima, a torre de Agbar em Barcelona, projeto do arq. francês Jean Nouvel de 2004, e, abaixo, o complexo Museu Cidade da Cultura em Santiago de Compostela do arq. Peter Eisenman, na Galícia, obras iniciadas em 2001.

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Como exemplo, a Espanha se tornou um canteiro de obras após o seu ingresso na União Europeia no final dos anos de 1980. Além de grandes obras de infraestrutura e habitação, construções emblemáticas foram realizadas por nomes reconhecidos internacionalmente no campo da arquitetura em várias cidades do país. Grandes eventos internacionais foram implementados no país, lançando a imagem em âmbito global por meio de feiras Internacionais como a Expo Barcelona (1988), Sevilha (1992), Zaragoza (2008), as Olimpíadas (Barcelona 1992), ou o Fórum das Culturas em Barcelona (2004), dentre outros eventos que se tornaram rotinas urbanas no atual mundo globalizado. O exemplo da cidade de Bilbao, com o museu Guggenheim do arquiteto Frank Gehry, construído em 1997, acabou por vender às demais cidades do mundo ocidental a ideia de que investir em grandes projetos culturais ou comerciais, com arquitetos renomados, seria um caminho para a reativação econômica das cidades e países. Assim, em meio à euforia imobiliária decorrente da disponibilidade de recursos e financiamentos do fundo europeu e bancos privados, surgem projetos midiáticos como a Torre de Agbar (2004) em Barcelona e a Cidade da Cultura (1999-2011, ainda não concluído) em Santiago de Compostela. A Torre de Agbar, localizada no início da Avenida Diagonal de Barcelona, foi projetada pelo arquiteto francês Jean Nouvel, concluída em 2004. Alcançando 144 m de altura, seu impacto visual se destaca dos edifícios ao seu redor que possuem cerca de 20 m de gabarito, com um custo de €132 milhões dispostos em mais de 50,7 mil m² de área construída para abrigar a Companhia de Águas da cidade. O museu de Santiago de Compostela, na Galícia, é outro caso extremo. Inicialmente planejado com gastos de €400 milhões, a obra, ainda não finalizada até hoje, se estendeu ao longo de mais de uma década desde o concurso realizado em 1999, com a participação de grandes nomes da arquitetura global. Foi parcialmente aberta ao público em 2011, e aos poucos foram 160

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concluindo mais edifícios do projeto arquitetônico original deconstrutivista, tido como oneroso e complexo, de Eisenman, este que propõe uma intervenção de mais de 150 mil m² sobre uma área elevada da região denominada de Monte Gaiás.

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É também nesse período que os conjuntos habitacionais de uso misto surgem em novos bairros periféricos na Europa, como reflexo das demandas de mercado e novas imposições legislativas aos empreendimentos imobiliários, como também em áreas abandonadas e desvalorizadas, a exemplo de regiões portuárias ou industriais. Na década de 1990 surgem propostas urbanas que situavam projetos em busca de espaços valorizados e atraentes à competição global das cidades. A exemplo de Docklands em Londres, o Potzdammerplatz em Berlim, a Expo 98 em Lisboa, a expansão sul de Zuída em Amsterdam, ou as intervenções nas últimas décadas na região portuária de Barcelona, tais como a citada Feira Internacional de 2004. A característica em comum desses

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D Figura 22 A) Docklands em Londres (Inglaterra); B) a Expo 98 em Lisboa (Portugal); C) Potzdammerplatz em Berlim (Alemanha); D) Área do Fórum Internacional de 2004 em Barcelona (Espanha). Ambientes atrativos, com conjuntos habitacionais próximos a equipamentos urbanos, serviços, comércios e torres de escritórios. Fonte: <www.steveslondon.com> e <http://www.inta-aivn.org/>

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projetos é a utilização de nomes internacionalmente reconhecidos da arquitetura global como um fator que agregue valor aos investimentos imobiliários. Misto de usos, espaços públicos bem desenhados e executados, cafés, restaurantes, designers, lojas de grifes e marcas famosas, em meio a habitações valorizadas, atuam como polo de investimentos para empresas e corporações de diversos ramos privados, e também atuam como lugares atraentes para profissionais e cérebros disputados pelo mercado. Contudo, é um espaço da exceção. Lugar para poucos que podem consumir os espaços e suas benesses, definidos por muitos críticos urbanistas como o limite máximo da gentrificação do capitalismo urbano. Definir, caracterizar e identificar o que são os componentes qualitativos e quantitativos a serem interpretados, como por exemplo a dinâmica do uso misto no espaço urbano, estabelecer métodos de análise e instrumentalização para o planejamento, e ao mesmo tempo, constituir/planejar cidades mais coesas, comunitárias, acessíveis e igualitárias são desafios impares aos urbanistas atuais. Pois, certamente o encontro humano nos espaços tendem a ser uma necessidade programática para as cidades futuras. Cabe compreender que a dinâmica urbana também é um importante motor para a economia regional, gerando mercado, renda, empregos, mas também produzindo conflitos, especulação, segregação, valorização ou desvalorização de áreas novas e antigas. O processo de desindustrialização – como, por exemplo, vivenciado por Detroit (EUA) desde a década de 1950 – é uma expressão desse aspecto econômico-espacial, contudo, na atual dinâmica do mercado global e da financeirização das economias, somados aos avanços da informatização em diversos ramos e setores sociais, a dinâmica urbana tende a se acentuar nos próximos decênios. A automação dos processos produtivos e a informatização ou compartilhamento de dados tendem a eliminar mais de 1/3 dos empregos nas próximas duas décadas, assim, cabe a indagação: como estarão as 162

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cidades, cada vez maiores, mais populosas, neste cenário? Qual o papel do urbanista e do planejador urbano frente às crises urbanas de um lado, e de outro, a disponibilização de dados e de sistemas de gestão territorial cada vez mais eficazes e complexos? Decerto, a profissão do urbanista e planejador de cidades será uma das mais exigidas e em constante atualização/reformulação frente a esses quadros.

A mobilidade urbana, a especulação e a dependência automotiva A mobilidade urbana é apenas um dos critérios para se transformar a qualidade de vida nas cidades, porém sua baixa qualidade crescente somada ao descaso governamental podem ser o estopim coletivo para que a sociedade se mobilize – como se verificou no contexto brasileiro desde as manifestações de 2013 –, pois afeta diretamente a rotina diária entre trabalho, moradia e lazer dos habitantes urbanos, principalmente a dos menos favorecidos. Investimento nessa área, além de dinamizar a economia urbana, pode estabelecer maior justiça socioespacial, minimizando as crises e os conflitos frente à gestão das cidades em expansão. O que se tem verificado nas últimas duas décadas, essencialmente, é a atuação do planejamento urbano de grande parte das cidades brasileiras (e da América Latina), em favor do aumento do fluxo do automóvel e da manutenção e do fortalecimento do denominado Ciclo de Dependência Automotiva das cidades (Figura 23).

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Figura 23 Ciclo de dependência automotiva atuante nas cidades contemporâneas. Fonte: Silva & Elias Silva (2016).

O modelo ocidental de sociedade baseado na cultura do automóvel gerou reflexo para diversas cidades que herdaram do século XX uma infraestrutura voltada ao uso do transporte individual motorizado, apresentando uma “cultura automotiva” relativamente sedimentada. Especialmente em determinadas metrópoles, esses fatores implicam o agravamento de fenômenos como a degradação do meio-ambiente, a desigualdade social, a segregação espacial e o baixo grau de acessibilidade. Tendo isso em vista, ao mesmo passo, verifica-se em grandes centros de todo o mundo a expansão de medidas passíveis de amenizar

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ou reverter essas situações, como a implantação de pedágios urbanos, a construção de passeios públicos e o incentivo à chamada “mobilidade ativa”. Contudo, a morfologia urbana, a sua densidade e os níveis de dispersão podem agravar o quadro de mobilidade e desagregação (ou fragmentação) social da cidade, aumentando as disparidades, as desigualdades e as injustiças urbanas. Esse paradoxo urbano na América Latina exige uma compreensão além dos fatos mais imediatos da atual conjuntura. Cabe investigar a dinâmica das relações econômicas e políticas entre as forças presentes nas cidades com aquelas que vêm comandando o desenvolvimento das relações capitalistas neste continente entre o final do século XX e início do XXI. Tais relações foram sempre biunívocas, principalmente naqueles países que vivenciaram a expansão do capitalismo industrial tardio. De outra forma, em muitos países do continente se estabeleceu uma relação de sinergia entre o capitalismo industrial e o que se pode denominar de “capitalismo urbano”, pela qual pôde-se legitimar o padrão liberal do desenvolvimento latino-americano. A cidade foi, portanto, historicamente controlada pelas forças do mercado como fundamento de um bloco de poder que comandou a inserção na expansão do moderno sistema capitalista. Ao mesmo tempo, a cidade foi o grande promotor das economias mais proeminentes dessa região, estabelecendo uma via dupla de possibilidades econômicas, conhecimento tecnológico agregado e urbanização. Esse fato político-econômico decorre da acomodação das forças dominantes internas aos países latino-americanos à inserção associada às forças liberais internacionalizantes que surgem e se expandem desde o século XVI, a partir do núcleo do moderno sistema capitalista. Considerando a complexidade dessas questões, este breve capítulo teve por objetivo principal discutir o cerne dos problemas que envolvem CAPÍTULO 2

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as cidades contemporâneas, exemplificando com aspectos particulares do cotidiano das cidades brasileiras, num estudo da conjuntura, da formação social e das respectivas crises urbanas, que são decorrentes de ausência de recursos, projetos ou ação governamental. Estabelecer métodos para o planejamento eficaz e a ação sobre a realidade imediata é um caminho necessário às cidades da América Latina, frente às demandas urbanas existentes e aos novos desafios de crescimento urbano e riscos ambientais, estes já atuantes ou do futuro próximo. Em um pensamento analítico, o caráter e a forma da urbanização não podem ser separados da natureza do desenvolvimento de uma dada sociedade, pois existe o problema da fragilidade da urbanização em alguns pontos do território (dispersão e vazios) e da exagerada concentração em outros pontos (concentração e compactação), os quais precisam ser resolvidos pelo gestor público, observadas as condições econômicas e sociopolíticas de cada realidade local. É certo que a gestão urbana, quase que exclusivamente, privilegia setores da economia, assim, as comunidades fragilizadas economicamente acabam por sofrer com as alternâncias da gestão e a descontinuidade das políticas urbanas, que não atendem aos seus interesses. O equilíbrio entre as esferas do econômico, do social e do ambiental deve ser estabelecido por meio da atuação participativa dos diversos setores da sociedade. Soma-se a isso a atuação equilibrada dos três poderes nas distintas esferas (municipal, estadual e federal) ao longo da vida urbana, pois com as alternâncias políticas recorrentes em um sistema democrático, as câmaras legislativas e o judiciário devem atuar objetivando a continuidade das políticas e ações públicas predefinidas, evitando-se interrupções ou injustiças às porções mais necessitadas da sociedade. É esse nível de segurança que garante inovações em políticas públicas e planejamento urbano, ao passo que os cidadãos confiam nas

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suas instituições, as famílias podem optar, por exemplo, pelo aluguel social ao invés do financiamento de um imóvel, quando há a garantia de que os contratos sociais não serão quebrados em favor dos interesses particulares. Dessa forma, a eficiência dos canais de comunicação e participação são ferramentas importantes na democratização urbana, esta que ainda se encontra em construção no cenário latino-americano. Noutros termos, o acesso às redes sociais e aos meios de comunicação alternativos têm oferecido uma nova força na política urbana, tendo em vista que as comunidades passam a conectar ações e interesses em prol da coletividade. Essa nova maneira de manifestação das forças de poder que emerge das periferias está mudando a relação entre a gestão territorial e as demandas locais, fenômeno esse que tem mobilizado os habitantes de ruas, bairros, comunidades ou segmentos sociais para questionar determinadas ações da gestão municipal ou reivindicar melhorias de infraestrutura e serviços públicos. De certo modo, as carências de mobilidade e o aumento da violência urbana acabam por atuar sobre a especulação e a valorização de determinadas áreas das cidades eleitas pela iniciativa privada e pelos governos como eixos prioritários de investimentos e valorização, em contraponto às áreas mais pobres – sejam estas centrais, sejam estas periféricas –, que padecem de infraestruturas sucateadas, com ausência de equipamentos urbanos, de acessibilidade deficitária, entre outros elementos contribuintes para a qualidade da vida urbana. Nesses termos, os problemas gerados por um planejamento próespeculativo, bastante recorrentes nas grandes cidades da América Latina, são utilizados como potencializadores dos lucros e da valorização de áreas nobres, objetos da ação da indústria imobiliária e da construção civil, que alimentam um ciclo vicioso, priorizam investimentos em CAPÍTULO 2

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porções ricas da cidade e deixam à margem as áreas mais pobres. O planejamento urbano passa pela gestão territorial igualitária e distributiva de recursos e oportunidades nas cidades em desenvolvimento. Nesse âmbito, os exemplos urbanos chilenos e colombianos, mesmo que distintamente, parecem apontar para caminhos positivos, ao passo que países como a Argentina, o México e o Brasil acentuam suas desigualdades socioespaciais nas grandes e médias cidades, em intensa dispersão.

Figura 24 Ciclo da urbanização especulativa nas cidades contemporâneas, em especial, dos países em desenvolvimento. Fonte: Silva & Elias Silva (2016).

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A ruptura desse Ciclo de Urbanização Especulativa é necessária sob vários aspectos (Figura 24). Perceber a atuação do mercado de terras, promover o incremento da economia urbana na escala do lugar e dos bairros conforme as necessidades socioeconômicas de cada porção urbana são alguns dos desafios almejados para as cidades latinoamericanas.

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Contudo, cabe reforçar atuações mais emergentes da gestão urbana nesse contexto: 1) planejamento e legislação urbana: distributivo e norteado por estudos aplicados aos bairros e controlado (e comparado) por indicadores de qualidade urbana. O planejamento e a legislação devem dialogar com o desenho urbano e a forma edificada, devendo buscar aspectos qualitativos e quantitativos a partir de critérios de análise multi-escalar e composto por multivariáveis urbanísticas (que interpretem a complexidade e a dinâmica de cada bairro); 2) verticalização e dispersão: regulamentação urbana de controle à verticalização urbana e periferização. Isso visa melhorar o acesso do pedestre à rua e à vizinhança, bem como minimizar os impactos ambientais tanto da verticalização exagerada, quanto à dispersão urbana de baixa densidade e monofuncional. Limitar gabaritos em até 4 pisos, e em casos de vias importantes, elevar até no máximo em 20m de altura. A diversidade de alturas é mais eficaz para o clima urbano. Na maioria das cidades brasileiras a dispersão não se justifica, quando há terrenos e imóveis subutilizados ou vazios em áreas consolidadas. Neste caso, a dispersão e a verticalização atendem apenas ao mercado de terras e sua especulação; 3) densidade urbana: aumento da densidade populacional urbana (densidade bruta e líquida), conforme as demandas locacionais (implantação da quadra no contexto urbano e viário), uso misto e maior acesso de pedestres às ruas e vias públicas (com o uso de quadras abertas, e não muradas). A maior densidade poderá otimizar os investimentos CAPÍTULO 2

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públicos sobre o território (equipamentos, mobilidade e serviços) e potencializar a economia urbana com o uso misto e empreendimentos diversos mais próximos à habitação. Buscar a maior densidade urbana populacional, entre 300 a 800 hab/ ha (área líquida), conforme a necessidade de adensamento, ao ambiente e à adequação ao sistema viário; (Figura 25) 4) controlar a especulação imobiliária (tributação) e reordenar os vazios urbanos (promovendo uso e ocupação) em prol de investimentos na cidade e habitação social. O controle especulativo visa a qualidade urbana e a sustentabilidade do sistema como um todo, pois todo o impacto gerado é transferido para a gestão pública e para as pessoas, que acabam pagando pelos problemas causados pela falta de regulação das atividades de mercado; 5) coibir investimentos públicos pontuais que visam a especulação e a valorização de novas áreas privadas, pois estas devem ser incorporadas pelo capital privado. Distribuir serviços e equipamentos urbanos conforme demanda populacional e raios de deslocamento pedonal. A apropriação de áreas públicas deve ser coibida, quando estas são de interesse social ou ambiental (praças, parques, reservas) e, no caso de edifícios ou imóveis públicos em desuso, a destinação deve ser discutida com a sociedade, visando o interesse público; 6) reabilitar os centros urbanos com habitações para diversas faixas de renda, implementando uso misto, equipamentos e instituições públicas, eliminando vazios e edificações em desuso. O diálogo com os órgãos patrimoniais deve ser estabelecido em prol do uso dos centros urbanos 170

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pelas pessoas e seus habitantes, e não pelo excesso de preservacionismo e restrições que, no fim, atendem à lógica da especulação, levando os imóveis à ruína e reservando terras em áreas centrais para serem comercializadas no futuro; 7)

promover centros secundários e terciários

nos bairros, conectados por transporte coletivo de massa (para distâncias e demandas maiores) e modais alternativos pedonais e ciclísticos (para distâncias inferiores a 5 km). Raios de deslocamento pedonal e de vizinhança devem ser restritos a 400m, isso vale para equipamentos públicos, acesso à comércios locais ou aos sistemas de transporte.

Os equipamentos urbanos (praças, parques, polos esportivos, de lazer, postos de saúde, hospitais, creches, escolas, postos de polícia, entre outros), assim como os demais serviços públicos devem ser igualitariamente distribuídos e democratizados. Em um primeiro momento

CAPÍTULO 2

AS CIDADES DO FUTURO

De qual sustentabilidade estamos tratando?

Figura 25 Converter cidades dispersas, de baixa densidade e segregadas em cidades compactas, polinucleadas e conectadas. Fonte: Geovany J. A. Silva (2015).

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de forma quantitativa, acompanhada de um incremento qualitativo progressivo. Assim as demandas sociais e espaciais são acompanhadas pelo processo de adensamento (edificado e populacional), de aumento de renda (e tributos) e de acesso para as pessoas a esses serviços públicos. Entende-se ainda que a mobilidade urbana é um tema relevante para as cidades atuais, pois determina o nível de acessibilidade e fluxos dos indivíduos, mercadorias, serviços e seus respectivos custos de operação, manutenção e eficiência. Por conseguinte, a moradia adequada, a educação, o saneamento urbano, somados aos incrementos econômicos distributivos, devem atuar em sinergia com as demandas das cidades. É um cenário complexo de gestão territorial, ainda mais em se tratando de uma América Latina, que ainda ocupa um papel periférico na conjuntura econômica global e, assim, mais suscetível às oscilações e às crises de mercado internacional, e com uma maciça população urbana marginalizada, porém crescente até 2050, segundo as previsões citadas. Planejar e priorizar os investimentos urbanos a médio e longo prazo, com a implementação de políticas urbanas continuadas, são procedimentos essenciais para a boa gestão de recursos capazes de reativar a economia urbana e, consequentemente, a geração de mais receita e emprego. Assim, não se pode compreender o planejamento da mobilidade apenas para a eficiência quantitativa dos fluxos de origem e destino dos veículos, ou da velocidade de deslocamento nas vias, sem antes se questionar o modelo de cidade que se tem e qual o modelo desejado de cidade no futuro. Se a cidade é planejada para os carros, o modelo consolidado é o atual das cidades brasileiras e se mostrou ineficaz; ou se cidades são planejadas para as pessoas, devem-se estudar os elementos urbanos integrados ao sistema, incluindo a forma, densidade e o uso e ocupação de edifícios em cidades mais compactas e densas. Dessa

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maneira, o desenho (ou o projeto) urbano torna-se vital na redefinição da nova mobilidade que se deseja para as cidades brasileiras.


REFERÊNCIAS Alexander, Christopher. A city is not a tree. Design, London: Council of Industrial Design, n° 206, 1966. Alexander, Christopher; Ishikawa, Sara; Silverstein, Murray. A Pattern Language. Oxford University Press, 1977. Alexander, Christopher; Ishikawa, Sara; Silverstein, Murray. Uma linguagem de Padrões / A Pattern Language (Publicação original de 1977). Porto Alegre: Bookman, 2013. Amorim Filho, O. & Serra, R.V. Evolução e perspectivas do papel das cidades médias no planejamento urbano e regional. In: Andrade TA, Serra RV, organizadores. Cidades médias brasileiras. Rio de Janeiro: IPEA; 2001. p. 1-34. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/agencia/ images/stories/PDFs/livros/capitulo1_evolucao.pdf> Bart, István László. Urban sprawl and climate change: A statistical exploration of cause and effect, with policy options for the EU. Land use policy, v. 27, n. 2, p. 283-292, 2010. Berghauser Pont, Meta Yolanda; Haupt, Per André. Space, density and urban form. 2009. Tese de Doutorado. TU Delft, Delft University of Technology. Berghauser Pont, Meta; Haupt, Per. Spacemate: the spatial logic of urban density. Delft, The Netherlands: Delft University Press Science, 2004. Berry, B. J. L., & Okulicz-Kozaryn, A.. An urban–rural happiness gradient. Urban Geography, 32, 871–883, 2011. Berry, B. J. L., & Okulicz-Kozaryn, A.. Dissatisfaction with city life: A new look at some old questions. Cities, 26, 117–124, 2009. 174

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Caine, Tyler. Por dentro da Cidade de Masdar. Revista Archdaily Brasil, 9 Julho, 2014. Disponível em: <http://www.archdaily.com.br/ br/623627/por-dentro-da-cidade-de-masdar>. Acesso em: fev./2017. Camagni, Roberto; Gibelli, Maria Cristina; Rigamonti, Paolo. Urban mobility and urban form: the social and environmental costs of different patterns of urban expansion. Ecological economics, v. 40, n. 2, p. 199216, 2002. Easterlin, R. A., Angelescu, L., & Zweig, J. S.. The impact of modern economic growth on urban–rural differences in subjective wellbeing. World Development, 39, 2187–2198, 2011. Frank, Lawrence D. et al. Many pathways from land use to health: associations between neighborhood walkability and active transportation, body mass index, and air quality. Journal of the American Planning Association, v. 72, n. 1, p. 75-87, 2006. Frumkin, Howard. Urban sprawl and public health. Public health reports, v. 117, n. 3, p. 201, 2002. Gehl, Jan. Ciudad para la gente. Buenos Aires: Infinito, 2014. Glaeser, Edward L.; KAHN, Matthew E. Sprawl and urban growth. Handbook of regional and urban economics, v. 4, p. 24812527, 2004. Jackson, Laura E. The relationship of urban design to human health and condition. Landscape and urban planning, v. 64, n. 4, p. 191-200, 2003. Jacobs, J.. The death and life of great American cities. New York: Vintage, 1961. CAPÍTULO 2

AS CIDADES DO FUTURO

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Jacobs, Jane Morte e Vida de Grandes Cidades / The Death and Life of Great American Cities. Publicado originalmente em 1961. São Paulo: Martins Fontes, 2000. Karssenberg, Hans et al. A cidade ao nível dos olhos: lições para os plinths. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2015. Kenworthy, Jeffrey R.; Laube, Felix B. Patterns of automobile dependence in cities: an international overview of key physical and economic dimensions with some implications for urban policy. Transportation Research Part A: Policy and Practice, v. 33, n. 7, p. 691-723, 1999. Knight, J., & Gunatilaka, R.. The rural–urban divide in China: Income but not happiness? Journal of Development Studies, 46, 506–534, 2010 Li, Norman P. & Kanazawa, Satoshi. Country roads, take me home. . . to my friends: How intelligence, population density, and friendship affect modern happiness. British Journal of Psychology (2016), 107, 675–697. Mckone, Jonna. Masdar City: An Urban Fantasy. September 27, 2010. Disponível em: <http://thecityfix.com/blog/masdar-city-anurban-fantasy/>. Acesso em: fev./2017. Newman, Peter G.; Kenworthy, Jeffrey R. Cities and automobile dependence: An international sourcebook. 1989. Newman, Peter; Kenworthy, Jeffrey. Sustainability and cities: overcoming automobile dependence. Island press, 1999. Rueda, Salvador Palenzuela. Modelos e indicadores para ciudades 176

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más sostenibles: taller sobre indicadores de huella e calidad ambiental. Barcelona, Fundación Forum Ambiental / Departament de Medi Ambient de la Generalitat de Catalunya, 1999. Silva, G. J. A.; Elias Silva, Samira. Cidade e mobilidade: por um novo desenho urbano no Brasil. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, v. 34, p. 54, 2016. Silva, Geovany J. A. da; SILVA, Samira E.; NOME, Carlos A.. Densidade, dispersão e forma urbana. Dimensões e limites da sustentabilidade habitacional. Arquitextos, São Paulo, ano 16, n. 189.07, Vitruvius, fev. 2016 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/16.189/5957>. Acesso em: fev./2017. Silva, Geovany Jessé Alexandre da; ROMERO, Marta Adriana Bustos. O urbanismo sustentável no Brasil. A revisão de conceitos urbanos para o século XXI (parte 01). Arquitextos, São Paulo, ano 11, n. 128.03, Vitruvius, jan. 2011 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/ arquitextos/11.128/3724>. The New Climate Economy, Better Growth, Better Climate: The New Climate Economy Report. Disponível em: <http://newclimateeconomy. report/2016/misc/downloads/> Tremlett, Giles. Spain’s extravagant City of Culture opens amid criticism. The Guardian, Tuesday 11 January 2011, Disponível em: <https://www.theguardian.com/artanddesign/2011/jan/11/galicia-cityof-culture-opens> United Nations, Department of Economic and Social Affairs, Population Division (2014). World Urbanization Prospects: The 2014 Revision, Highlights. Disponível em: <https://esa.un.org/unpd/wup/Publications/ Files/WUP2014-Highlights.pdf> CAPÍTULO 2

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Wakefield, Jane. Quais profissões estão ameaçadas pelos robôs? Publicado dia 15 setembro 2015, BBC News / Brasil. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/09/150914_ profissoes_robos_lgb>

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A LINHA DO HORIZONTE... Pode-se dizer, em síntese, que a Arquitetura e Urbanismo se traduz pela produção do espaço para as pessoas, a partir de uma técnica apurada e pertinente ao lugar e às condicionantes do sítio. O senso estético deveria ser o fim último, decorrente da técnica e do sentido de pertença ao lugar, do grau de inserção ao seu meio. Esse princípio se nota na Arquitetura e no Urbanismo colonial português do século XVI, como também nos centros históricos ainda pujantes, e em alguns pontos mais restritos das cidades contemporâneas brasileiras, em especial, nas ocupações informais onde a escala da rua, dos pedestres e o senso de coletividade superam, e muito, os bairros nobres e murados. A ênfase estética atribuída por muitos à Arquitetura e ao Urbanismo acaba por, contraditoriamente, distanciar as pessoas e a maior parcela da população, que não pode consumir esses espaços da gentrificação ou, muito menos, habitá-los. Talvez o significado da Arquitetura tenha outro sentido para os Europeus e Norte-Americanos, muito mais tecnicista e tecnológico, turístico ou cultural. Talvez os países do Oriente Médio, Ásia, cada um com suas distinções, tenham suas próprias definições do que seja a Arquitetura e Urbanismo, que foge ao discurso acadêmico. Pode ser que seja uma definição mais cotidiana, menos erudita. Que se propõe ao diálogo, à

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consulta pública, à rua e aos espaços comuns, e não apenas à exceção e ao ato criativo do gênio arquitetural e dos restritos museus. Mas essa definição não pode ser dogmática, impositiva, ou eurocêntrica, como os “ismos” estilísticos que se fizeram até o século XX e ainda se percebem até hoje na teoria e crítica da área. É certo que a Arquitetura e Urbanismo, com os conhecimentos adquiridos e acumulados no campo científico e prático, podem atender aos outros 90% da população que não tem acesso a ela. Bogotá, Santiago, Montevidéu, Buenos Aires, Curitiba, Maringá, João Pessoa... essas cidades (umas mais que outras) apresentam lugares de identidade, de senso coletivo onde a Arquitetura e o Urbanismo cumprem seu papel. Já na universidade, a pesquisa acadêmica, pode sugerir alternativas aos processos urbanos e suas consequências. Nesse campo, a inovação e a combinação de métodos de análise e desenho urbano podem trazer muitos contributos, se consideradas as especificidades e as pessoas de cada lugar. Deste modo, cabe ao Arquiteto e Urbanista reinventar meios de acessar a informação das ruas e dos espaços urbanos, posto que, em muitos casos, as sistemáticas importadas não são bem replicadas às realidades brasileiras e latino-americanas. Entretanto, é interessante analisar que alguns procedimentos de análise da configuração espacial, tais como a Sintaxe Espacial, praticamente desconsidera o fato estético da Arquitetura e do Urbanismo, e centra-se apenas nos espaços e na análise imparcial das dinâmicas e fluxos presentes. Em síntese, é a noção de que o uso do espaço e as correlações sociais devem prevalecer nas análises. Este livro, composto por duas partes principais intituladas “Fenômenos Visíveis e Menos Visíveis da Cidade” e “As Cidades do Futuro: de qual sustentabilidade estamos tratando?” se complementam como uma abordagem mais centrada na componente formal e de deslocamento da CAPÍTULO 3

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cidade - Percursos, lógica evolutiva e propriedades territoriais urbanas – para posteriormente adentrar, no segundo capítulo, a discussão acerca da sustentabilidade urbana (conceitos e práticas) e cenários futuros para as cidades atuais. Abordar as configurações e os deslocamentos da cidade, sob um ponto de vista estrutural dinâmico, é tarefa desafiadora e estimulante cientificamente. Constituem igualmente exigências urbanas ao funcionamento e à compreensão teórica e empírica da cidade. Como discutido nesta obra, os fatos urbanos aqui tratados são configurados subjacentemente por fenômenos, visíveis e menos visíveis, conformando uma teia intrincada de relações e interfaces sobrepostas e complexas, no espaço e no tempo, que produzem espaços e células fragmentadas e percursos como um palimpsesto, em lógicas evolutivas regidas por ordens e leis socioespaciais urbanas, que, afinal, descortinam a suposta “desordem da cidade” e os seus efeitos sociais. Assim, a dinâmica do espaço intraurbano, as suas propriedades e transformações, ressaltam especificidades, localizações – como aspecto fundamental de organização e apropriação – e centralidades, realçando as relações da urbe com a formação de novas territorialidades e as repercussões sobre os atributos da acessibilidade e da mobilidade urbana. Numa relação biunívoca, a ampliação dos percursos da cidade e a possibilidade de consolidação de diferentes e distanciadas áreas sociais impactam na especulação, na diferenciação socioespacial, na fragmentação e na segregação da ocupação urbana, o que tem implicado na complexidade e no agravamento do ciclo vicioso da urbanização de risco das nossas cidades. Os pontos e os dilemas da urbanização resumidamente expostos, nos conduzem também a refletir sobre qual cidade queremos, precisamos ou podemos ter no futuro, e de qual “sustentabilidade” estaríamos tratando, 186

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bem como de quais conceitos, disciplinas e ferramentas poderíamos nos utilizar, de modo sistemático, como caminhos e suportes para a construção de cenários urbanos futuros, de curto, médio e longo prazos, e tratamento de suas incertezas, buscando “linhas no horizonte” (título da parte completar do livro) mais legíveis às pessoas e à qualidade de vida urbana. O avanço da pós-graduação no campo do urbanismo brasileiro tem sido notável neste início de século, mas isso ainda não se deu nas esferas da gestão, da política urbana e, sobretudo, na cidade. Dialogar com essas forças, do mercado e da gestão urbana, é necessário para se concretizar projetos futuros, desde que o direito coletivo esteja no primeiro plano. Para que isso possa ser possível, os Arquitetos e Urbanistas, Geógrafos, Cientistas Sociais, Engenheiros Urbanos, entre outros profissionais, devem estar cientes da cidade real e da cidade almejada. E para planejar e propor, é necessário o rigor técnico e a inovação. A cidade sustentável é um projeto (e um processo) em constante construção, assim como o conceito de sustentabilidade urbana. Não deve ser predefinida por governos e mercados apenas, desconsiderando o coletivo, nem por fornecedores de materiais e tecnologias, que visam apenas o mercado. A reinvenção da cidade é constante, visa o uso do espaço público, a mistura de usos e funções, a maior densidade de pessoas e a eficácia dos sistemas, a ambiência, os custos de implantação e operação de sistemas urbanos, e vislumbra a valorização de todas as partes da cidade, independente da renda. A mobilidade é um dos nós desse processo, pois quando a cidade é acessível para todos, a especulação perde força de atuação. Por outro lado, cidades polinucleadas e mais compactas são mais baratas, e podem ter equipamentos e serviços acessíveis a um número maior de habitantes. Há diversas incoerências quanto à forma de ocupação urbana recente. CAPÍTULO 3

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A verticalização acentuada, além de impactos climáticos, tem uma correlação direta com a incidência de doenças mentais (Alexander, 2013). Por outro lado, os conjuntos urbanos com edifícios estreitos e geminados de até 4 pisos, de uso misto, com mais acessos à rua em quadras menores são melhores enquanto desenho urbano, densidade e na relação com as pessoas e a rua, como afirma Jane Jacobs, Jan Gehl (2014), Christopher Alexander (2013) e Hans Karssenberg (2015). A dispersão urbana em baixa densidade, busca vender ao habitante da cidade o convívio com o verde, no caso dos condomínios de alta e média renda, enquanto que os conjuntos de baixa renda refletem, simplesmente, uma atuação do mercado sobre o baixo custo da terra urbanizada sobre áreas periféricas. Segundo Li & Kanazawa (2016), a vida no campo em países mais desenvolvidos é mais feliz que na cidade, e a alta densidade pode diminuir o grau de felicidade das pessoas. Essa afirmação é corroborada por Berry & Okulicz-Kozaryn (2009) e Easterlin, Angelescu, & Zweig (2011). Mesmo na China, onde o rural é mais desigual economicamente em relação a cidade, a sensação subjetiva de bem-estar é maior no campo (Knight & Gunatilaka, 2010). Então por que, mesmo assim, as pessoas buscam as cidades? As oportunidades de emprego, carreira, estudos e o acesso a serviços diversos atuam como atrativos para os habitantes do campo que se deslocam às cidades, em especial, para os mais jovens (Amorim Filho & Serra, 2001). Mesmo a ‘felicidade’ estando na vida rural, as oportunidades e as trocas estão na urbanidade. Por outro lado, a automação e a alta tecnologia têm mudado radicalmente a oferta de emprego e as formas de trabalho das pessoas no campo e na cidade. Estima-se que nas próximas duas ou três décadas, 50% dos empregos atuais já não existirão. Enquanto as grandes metrópoles do país perdem população e postos de emprego, os municípios com população entre 100 mil e 2 milhões

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de habitantes aumentaram de 36,1%, em 2000, para 40,3% atual, em relação à população total brasileira (IBGE, 2010). A sociedade brasileira, e do mundo em geral, será cada vez mais urbana, e não necessariamente habitará as grandes metrópoles. Os diversos estudos nesse campo apontam para essa tendência. Por sua vez, a população brasileira tende a se estabilizar demograficamente até 2040, segundo o IBGE (2008 e 2010). Ou seja, haverá uma alteração das prioridades dos recursos com a inversão da pirâmide etária e da presença cada vez menor de jovens na economia urbana. Assim, as prioridades mudarão, e isso afetará o sistema urbano e os investimentos disponíveis. Analisar e compreender esses prognósticos em cenários futuros, exponencialmente mais complexos e dinâmicos que os atuais, devem ser os pontos de partida para o planejamento e a antecipação das ações de gestão de cidades e regiões mais sustentáveis. Assim, haverá muita demanda de trabalhos e pesquisas no campo do Urbanismo, mas é necessário trazer a discussão teórica ao campo da prática, na escala do bairro, da quadra, do edifício e das pessoas. E essa interface é a atuação imediata dos Arquitetos e Urbanistas que trata a forma urbana e o ambiente construído, e a técnica e a tecnologia (inclusive a computacional) são ferramentas potenciais para a ação desses profissionais sobre a linha do horizonte do sistema urbano contemporâneo e futuro. A sugestão desta leitura é a discussão de ideias e caminhos, para serem testadas, validadas ou refutadas na pesquisa aplicada. Contudo o fim – como finalidade e não conclusão – está neste processo!

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REFERÊNCIAS Alexander, Christopher. A city is not a tree. Design, London: Council of Industrial Design, n° 206, 1966. Alexander, Christopher; Ishikawa, Sara; Silverstein, Murray. A Pattern Language. Oxford University Press, 1977. Alexander, Christopher; Ishikawa, Sara; Silverstein, Murray. Uma linguagem de Padrões / A Pattern Language (Publicação original de 1977). Porto Alegre: Bookman, 2013. Amorim Filho, O. & Serra, R.V. Evolução e perspectivas do papel das cidades médias no planejamento urbano e regional. In: Andrade TA, Serra RV, organizadores. Cidades médias brasileiras. Rio de Janeiro: IPEA; 2001. p. 1-34. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/ agencia/images/stories/PDFs/livros/capitulo1_evolucao.pdf> Berry, B. J. L., & Okulicz-Kozaryn, A.. An urban–rural happiness gradient. Urban Geography, 32, 871–883, 2011. Berry, B. J. L., & Okulicz-Kozaryn, A.. Dissatisfaction with city life: A new look at some old questions. Cities, 26, 117–124, 2009. Easterlin, R. A., Angelescu, L., & Zweig, J. S.. The impact of modern economic growth on urban–rural differences in subjective well-being. World Development, 39, 2187–2198, 2011. Gehl, Jan. Ciudad para la gente. Buenos Aires: Infinito, 2014. Jacobs, J.. The death and life of great American cities. New York: Vintage, 1961. Jacobs, Jane Morte e Vida de Grandes Cidades / The Death and Life of Great American Cities. Publicado originalmente em 1961. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

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Karssenberg Hans et al. A cidade ao nível dos olhos: lições para os plinths. – Porto Alegre : EDIPUCRS, 2015. Knight, J., & Gunatilaka, R.. The rural–urban divide in China: Income but not happiness? Journal of Development Studies, 46, 506– 534, 2010. Li, Norman P. & Kanazawa, Satoshi. Country roads, take me home. . . to my friends: How intelligence, population density, and friendship affect modern happiness. British Journal of Psychology (2016), 107, 675–697.

CAPÍTULO 3

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APÊNDICE EM DIAGRAMAS Reflexões de Aulas



A 01 A Cidade Mais Sustentável é passível de planejamento, abaixo alguns critérios capazes de orientar a mensuração de indicadores e cenários:

APÊNDICE EM DIAGRAMAS Reflexões de Aulas

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A 02 A Compacidade e a Dispersão (formal/populacional) pode induzir alguns aspectos qualitativos do espaço urbano e ao longo do tempo:

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Assim como os aspectos sociais, econômicos, ambientais e de governança podem ser distintos conforme a dinâmica de maior ou menor compacidade urbana.

APÊNDICE EM DIAGRAMAS Reflexões de Aulas

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A 03 A seguir, um breve resumo das vantagens e desvantagens da compactação versus dispersão urbana.

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Aspectos urbanos como urbanidade, densidade, tempo, conhecimento e complexidade se inter-relacionam à potencialização crescente do social, econômico, ambiental e governança, como promotores da sustentabilidade urbana.

APÊNDICE EM DIAGRAMAS Reflexões de Aulas

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