Dinâmica da cidade e bordas urbanas

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organização

José Augusto Ribeiro da Silveira Milena Dutra da Silva Alexandre Augusto B. da Cunha Castro projeto gráfico e capa

Efraim Ádonis dos Santos Carlos editoração eletrônica

EFRAS Studio Design

dinâmica da cidade e bordas urbanas

revisão

Autores/Organizadores

organizadores José Augusto Ribeiro da Silveira Milena Dutra da Silva Alexandre Augusto B. da Cunha Castro

Tiragem: xxx unid.

D583

Ficha catalográfica elaborada na Biblioteca Central da Universidade Federal da Paraíba

Editora Universitária UFPB

Dinâmica da cidade e bordas urbanas / José Augusto Ribeiro da Silveira, Milena Dutra da Silva, Alexandre Augusto B. da Cunha Castro, organizadores-- João Pessoa: Editora da UFPB, 2015. 183p. : il. ISBN: 1. Arquitetura e urbanismo. 2. Espaço urbano - produção e apropriação. 3. Expansão urbana. 4. Periferização. I. Silveira, José Augusto Ribeiro da. II. Silva, Milena Dutra da. III. Castro, Alexandre Augusto B. da Cunha.

Grafica

CDU 72+711

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SUMÁRIO APRESENTAÇÃO

PARTE 1

10

Algumas Teorias, Conceitos e Reflexões

(Dis)Tensão intraurbana:

periferização e espaços de borda da cidade

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Urban sprawl, padrões de dispersão e fragmentação:

notas sobre a periferização e dinâmica das bordas intraurbanas, em cidades de porte médio brasileiras

PARTE 2

22

Da reflexão à investigação Análises preliminares da distensão intraurbana

Crescimento da Mancha Urbana na Cidade de João Pessoa, PB

8

74

54

104

Os Espaços Periféricos Limítrofes da Cidade de João Pessoa, PB

Diagnóstico da Problemática Territorial da Fronteira Intraurbana Sul Sudeste de João Pessoa, PB

124 142 168

Distensão Intraurbana:

Caracterização Socioeconômica das Bordas Urbanas na Cidade de João Pessoa, Paraíba

Urbanização Dispersa e a Transformação Da Paisagem Natural: Estudo de Caso sobre a Dispersão Urbana na Bacia do Rio Cuiá, na Cidade de João Pessoa – PB, Brasil

Bordas Urbanas:

Análise da Produção e Apropriação dos Espaços Periurbanos da Cidade do Recife, Pe

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APRESENTAÇÃO

Organizadores: José Augusto Ribeiro da Silveira Milena Dutra da Silva Alexandre Augusto B. da Cunha Castro

O livro “Dinâmica da Cidade e Bordas Urbanas” apresenta uma modesta coletânea de produções científicas e acadêmicas (publicadas ou, ainda, inéditas) relacionadas, sobretudo, à temática “produção e apropriação do espaço urbano”, com ênfase sobre a análise da expansão urbana e da periferização. As referidas produções são oriundas de trabalhos de pesquisa desenvolvidos pela equipe de pesquisadores (professores e alunos) vinculados ao Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado (LAURBE)1/ Departamento de Arquitetura e Urbanismo/Universidade Federal da Paraíba-UFPB. Além de contribuições teóricas às reflexões sobre as dinâmicas de distensão do tecido urbano, no livro “Dinâmica da Cidade e Bordas Urbanas” são expostos resultados e análises preliminares relativas à execução do projeto de pesquisa intitulado “Produção e apropriação do espaço nas fronteiras intraurbanas de cidades de porte médio: um estudo sobre a dinâmica da ocupação e do uso 1 O Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado (LAURBE)/Universidade Federal da Paraíba foi criado em 1992, com a missão de dar suporte ao desenvolvimento de trabalhos e pesquisas nas áreas da dinâmica do espaço intraurbano, da acessibilidade, do meio ambiente e da sustentabilidade urbana, colaborando, para além das atividades de pesquisa, em atividades de extensão e ensino (curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo). Apoia diretamente ao desenvolvimento de dissertações e teses vinculadas ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil e Ambiental – PPGECAM (CT/UFPB) e ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – PPGAU (CT/UFPB). Outras informações sobre o LAURBE podem ser visualizadas na página <https://sites.google.com/site/ ppgauufpb/laboratorios> .

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do solo nas bordas da cidade de João Pessoa (PB)2”, que trata da dinâmica de estruturação da urbe, por intermédio dos processos de dispersão e fragmentação espacial, focalizando a periferização e as localizações territoriais mais avançadas da cidade de João Pessoa-PB. As discussões teóricas vigentes propiciam bases para a crítica e as investigações empíricas sobre a dinâmica das chamadas “terras – limite”, “bordas” ou “franjas” do tecido urbano. Dessa forma, aqui se apresenta uma discussão sobre um dos fenômenos resultantes do urban sprawl e as suas implicações físicoterritoriais. O estudo da fenomenologia das periferias e bordas, sob os pontos de vista físico e social, e tal como é experimentada pelos habitantes urbanos cotidianamente, pode melhorar a compreensão do complexo urbano, das suas lógicas de produção e apropriação espacial, tendências, vocações e possibilidades de planejamento. Ressalta-se que o estudo da periferização e dos espaços ditos “de transição rural-urbana”, franjas ou periferias rural-urbanas, é desafiador, pois esses espaços se colocam como territórios de convivência (e conveniência) de diversas configurações e usos, legislações e de complexos processos espaciais, resultantes de modelos que legitimaram uma urbanização espraiada, precária e incompleta da terra urbana (MIRANDA, 2008). Nesses espaços, a transformação é constante, alterando a paisagem continuamente e em diferentes escalas, quer na forma e tamanho da mancha urbana, quer nas tipologias adotadas e “características funcionais estabelecidas” (urbanidades x ruralidades). Embora a sistematização de investigações focadas na periferização tenha provável início entre as primeiras décadas do século XX (PRYOR, 1968), as bordas urbanas, enquanto objetos empíricos de análise, estão longe de serem consideradas inteiramente compreendidas, haja vistas as especificidades locais influentes na configuração desses espaços (aspectos culturais, socioeconômicos, físicos - que caracterizam o sítio geográfico, e etc.). Com esta coletânea, “Dinâmica da Cidade e Bordas Urbanas”, procura-se contribuir para o estudo dos modos, das formas e usos, intensidades e direções, elementos constituintes geradores 2 Projeto de pesquisa desenvolvido no âmbito do Programa Nacional de Pós-Doutorado Institucional (Financiamento: CAPES), vinculado ao PPGAU/CT/UFPB , executado pela pesquisadora Profa. Dra. Milena Dutra da Silva e coordenado pelo Prof. Dr. José Augusto Ribeiro da Silveira. Período de execução: novembro de 2011 a outubro de 2017.

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e reguladores, limites e superação de limites, modificação de estruturas, pontos de cristalização e articulações, ao longo dos espaços periféricos, em termos dos espaços livres públicos e edificados, que constituem objetos relevantes de pesquisa científica. As pesquisas, em uma perspectiva estrutural, também procuram oferecer subsídios ao planejamento urbano, realísticos e sistêmicos, em função da problemática e das potencialidades territoriais encontradas nesses espaços fragmentados da cidade, ao mesmo tempo em que aborda, de maneira explícita e/ou implícita, questões do comportamento social e da qualidade de vida naqueles espaços.

José Augusto R. da Silveira, Milena Dutra da Silva & Alexandre A. B. da Cunha Castro

março de 2015.

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PARTE I

Algumas Teorias, Conceitos e ReflexĂľes

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(Dis)Tensão intraurbana:

periferização e espaços de borda da cidade1

José Augusto Ribeiro da Silveira

Este texto contribui para as reflexões sobre o espraiamento urbano, sobre a periferização e sobre a dinâmica dos espaços mais avançados da cidade – as bordas urbanas. Ao longo do tempo, a fisionomia e o traçado da urbe foram influenciados tanto pelas ações humanas quanto pela localização geográfica em que se formou. Historicamente, são observadas, em áreas de expansão, ocupações controversas do espaço, tanto por parte da população de baixa renda quanto por parte das classes sociais mais abastadas, decorrentes dos processos de especulação e das restrições de localização e de capacidade das áreas urbanas em absorver essas populações, oriundas de processos de migraçãosegregação e que se refletem na consolidação dos atuais padrões espaciais urbanos. No Brasil, pesquisas identificam o período que se estende de fins do século XIX até os anos 1950, como o estágio em que o rural e o urbano eram dois polos delimitados e caracterizados pela dicotomia e contraposição. A partir de 1920, ocorreram investimentos em infraestrutura e ensino e a população economicamente ativa aumentou no setor terciário. Os anos 1930 e 1940 nos apresentaram as condições materiais, que foram lançadas a partir do Estado brasileiro, para que a chamada “revolução urbana” se concretizasse, na fase “desenvolvimentista” do governo Getúlio Vargas (SANTOS, 1993 apud OLIVEIRA, 2012). Nessa direção, a partir dos anos 1940, iniciou-se um processo de urbanização acelerada da população rural, aparentemente sem paralelo na história da humanidade, quer pela velocidade do processo, quer por suas dimensões (SERRA, 1991). 16

1 Texto publicado na Revista AU Arquitetura e Urbanismo, v. 06, p. 01-05, 2014.

Nos anos 1960, houve uma tendência à descompactação e à descentralização, nos padrões contemporâneos, quando fatos denotavam a preferência de pessoas e de alguns equipamentos e serviços pela localização em periferias, na busca pelo “novo” e sob o comando da especulação imobiliária, afetando continuamente as possibilidades de visão da totalidade da cidade. Cada vez mais extensas, as periferias firmaram-se ao longo da década de 1970, em detrimento do centro principal, indicando a espacialização resultante das dinâmicas de deslocamento e de segregação de classes sociais no espaço da cidade. Como observou Oliveira (2012, p. 155): A forma como o Brasil inverteu a sua disposição espacial de país eminentemente rural para um país urbano, no intervalo de meio século, com todos os seus adjetivos e signos de desenvolvimento econômico e social assentes na sua condição industrial e na sua posição na divisão internacional do trabalho, surpreende qualquer especialista europeu. Os anos 1980 e 1990 marcaram um contexto em que as áreas periféricas e de transição rural-urbana passaram a ser territórios onde se evidenciaram, mais do que nos anos anteriores, uma diversidade de interesses e processos, em combinação e conflito, de vários atores sociais modeladores do espaço, fato que acentuou o interesse acadêmico sobre elas. Assim, as últimas décadas assistiram a um crescimento urbano avantajado, com uma forma de estruturação anômala que evidencia a dispersão, a fragmentação e a mescla de territórios urbanos e territórios ditos “semirrurais”, onde se destacam verdadeiras excrescências na malha urbana. Resultam também da interação de ações e projetos e do jogo de interesses dos atores que interagem no espaço urbano. A periferia urbana se tornou hoje um palco de muitos interesses, com variados padrões espaciais, que produzem efeitos sobre a morfologia, a organização funcional da cidade, o desenvolvimento socioeconômico e a qualificação da paisagem urbana, elementos participantes da dinâmica estrutural da cidade, no âmbito das novas relações centro-periferia. Embora essas áreas não tenham sido historicamente o foco central dos estudos 17


sobre o espaço urbano e sobre o seu planejamento, expressam hoje forte convergência de fenômenos, processos e conflitos socioeconômicos, territoriais e ambientais, com repercussões sobre a qualidade de vida das pessoas. Dessa forma, torna-se tarefa intricada delimitá-las e descrevê-las de maneira satisfatória. O estudo da periferização e dos espaços ditos “de transição rural-urbana”, franjas/bordas ou periferias rural-urbanas apresenta muitas dificuldades, pois esses espaços se colocam como territórios de convivência (e conveniência) de diversas configurações e usos, limitações da legislação e de complexos processos socioespaciais, resultantes de modelos que legitimaram uma urbanização espraiada, precária e incompleta da terra urbana (MIRANDA, 2008). Provavelmente, uma das primeiras sistematizações sobre o problema das áreas de transição urbana foi apresentada por Smith (1937), que as viu como áreas construídas próximas aos limites administrativos da cidade (PRYOR, 1968). Santos (1993) apontava o desafio que é tratar do fenômeno urbano, entendendo a cidade como fato que revela problemas estruturais, em um organismo de círculo vicioso onde fatos mutuamente se causam, mas também como elemento de inovação e difusão, que pode ser visto como materialização de diferentes comportamentos e novos modos de vida que condicionam e podem viabilizar os lugares. A complexidade da descrição das propriedades típicas dos espaços territoriais periféricos e rural-urbanos diz respeito à fragmentação e à dispersão, variedade de processos, continuidades e descontinuidades e, daí, a questões de densidade construtiva e populacional, em geral baixas. Os níveis de contato existentes entre o ambiente construído, as áreas passíveis de ocupação urbana e de restrição ambiental constituem também elementos importantes de discussão. Nesse quadro, a estruturação do espaço urbano é fortemente marcada pelas condições de deslocamento cotidiano do ser humano, onde a sua organização é heterogênea e setorizada, a partir das principais rotas de acesso. Como a tendência de concentração de diferentes classes sociais em áreas da cidade, a segregação constitui o outro pilar fundamental da produção do espaço da urbe capitalista, mostrando que a integração e a exclusão não são processos independentes um do outro, mas são duas dimensões do processo de segregação influentes na periferização 18

(VILLAÇA, 1998). Os fenômenos influem na constituição de vetores de expansão, formando uma estrutura espacial básica que se movimenta na direção de um padrão que se realiza predominantemente segundo setores de círculo, mais do que segundo círculos concêntricos, podendo acentuar determinados eixos de expansão e as áreas periurbanas (HOYT, 1939). Fato inquietante é que a dispersão da cidade parece não ter barreiras, onde as forças são predominantemente de distensão, pontuando conflitos entre as condições de acesso e a ocupação e o uso da terra urbana. As manchas urbanas parecem movimentarse continuadamente “para fora”, em um deslocamento centrífugo, produzindo excentricidades que expulsam as pessoas do tecido consolidado e referencial da urbe. Os movimentos, as localidades e escalas diversas e múltiplas são tendências próprias de estruturas urbanas sujeitas a dinâmicas espontâneas e/ou “naturais” de ocupação e uso. A complexidade no espaço urbano parece ser uma função natural do tempo e do uso; a multiplicidade de escalas parece sugerir uma expressão natural da dinâmica social, ao longo do espaço e do tempo. Na verdade, as cidades podem ser visualizadas como estruturas fragmentadas resultantes de um processo de auto-organização, que converge espacialmente para uma espécie de “estado crítico” (em combinação e conflito), caracterizado por uma ordem hierárquica não-linear e pela diversidade de pontos territoriais e de escalas de suas unidades componentes. São sistemas complexos que exibem uma ordem subjacente sob uma aparente desordem, de onde se podem identificar determinados padrões de ocupação e uso do solo na sua lógica evolutiva, onde, em vetores principais de expansão da cidade, os fatos ganham amplitude (SOBREIRA, 2003). A dispersão e a fragmentação mostram certa tensão entre forças de expansão e aproximação no espaço, existindo bordas que estabelecem um extremo, um limite territorial, ou seja, uma fronteira em continuada transformação, ainda pouco conhecida, no âmbito das interfaces existentes entre as possibilidades de acesso e o uso da terra urbana, onde as forças são predominantemente de distensão, com cisão entre setores do tecido urbano. Assim, o padrão de urbanização historicamente caracterizado pelo binômio modernidade-pobreza produziu aglomerações urbanas que experimentam uma expansão extensiva, fragmentada, 19


descontínua e desestruturada, pautada principalmente pelos interesses do mercado – e também pelos interesses políticos do estado – e pontuada pelo transbordamento dos assentamentos precários e pela distribuição desigual dos bens e serviços públicos, em um quadro dicotômico de formalidade e informalidade/ ilegalidade urbana. Nesse contexto, as novas áreas periféricas, de transição rural-urbana e bordas passam a ser, mais que antes, um palco complexo onde se materializa certa convergência social e política, e uma diversidade de interesses, condutas e processos, em articulação e conflito, de vários agentes modeladores do espaço, o que realça a relevância do estudo da periferização e das bordas urbanas, como espaços mais avançados da cidade, e a necessidade de se refletir sobre as novas (des)relações centro – periferias urbanas.

REFERÊNCIAS HOYT, H. The structure and growth of residential neighborhoods in American Cities. USFHA, USGPO, Washington, DC, 1939. MIRANDA, L.I.B. Planejamento e produção do espaço em áreas de transição rural-urbana: o caso da Região Metropolitana do Recife. Tese de doutorado. Recife: UFPE, 2008. OLIVEIRA, A. F. Metrópoles e metropolização no Brasil: o caso de Goiânia. In: Revista Sociedade e Cultura. Goiás: FCS, 2012, p. 155169 PRYOR, R. J. Defining the Rural-Urban Fringe. North Carolina: Published by: University of North Carolina Press, Social Forces, Vol. 47, No. 2. 1968, p. 202-215. SANTOS, M. A urbanização brasileira. São Paulo: HUCITEC. 1993. SERRA, G. Urbanização e centralismo autoritário. São Paulo: Nobel: Editora da Universidade de São Paulo. 1991. SMITH, T. L. The Population of Louisiana: Its Composition and Changes. Louisiana Bulletin, 293. 1937. SOBREIRA, F. J. A. A lógica da diversidade: complexidade e dinâmica em assentamentos espontâneos. Tese de doutorado. Recife: MDU, UFPE. 2003. VILLAÇA, F. Espaço intraurbano no Brasil. São Paulo: Nobel, 1998.

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21


1950

1970

Sudeste

44,5

Centro-Oeste

Região

Urban sprawl, padrões de dispersão e fragmentação:

notas sobre a periferização e dinâmica das bordas intraurbanas, em cidades de porte médio brasileiras

2000

2010

72,7

90,5

92,9

24,4

48,0

86,7

88,8

Tabela 1. Índices de urbanização do Brasil, de 1950 a 2010.

%

Sul

29,5

44,3

80,9

84,9

Norte

31,5

45,1

69,9

73,5

Nordeste

26,4

41,8

69,1

73,1

Brasil

36,2

55,9

81,2

84,4

Organização: Os autores (2015). Fonte: Estatísticas Históricas do Brasil; IBGE 2000 e 2010.

José Augusto Ribeiro da Silveira Milena Dutra da Silva Geovany Jessé Alexandre da Silva

As últimas décadas assistiram a um crescimento urbano avantajado, com uma forma de estruturação anômala que evidencia a fragmentação e a mescla de territórios urbanos e territórios ditos “semirrurais”, onde se destacam verdadeiras excrescências na malha urbana. Observa-se, em escala mundial, que as áreas urbanas quadruplicaram entre as décadas de 1970 a 2000, e que esse aumento esteve vinculado ao grande incremento de população urbana (crescimento vegetativo e, ou, êxodo rural), ocorrido durante esse período (SETO et al., 2011). No Brasil, de forma relativamente análoga, o crescimento populacional, sobretudo nas últimas décadas, também produziu uma larga expansão de áreas com altos índices de urbanização (percentual de população urbana) (Tabela 1), exibindo quantitativos de população variáveis e com características distintas no território (Tabela 2).

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Região

1950

1980

1980/1950

1980

2010

2010/1980

Sudeste

10.720.734

43.550.664

4,06

43.550.664

74.696.178

1,72

Centro-Oeste

423.497

5.246.441

12,39

5.246.441

12.482.963

2,38

Sul

2.312.985

12.153.971

5,25

12.153.971

23.260.896

1,91

Norte

580.867

3.102.659

5,34

3.102.659

11.664.509

3,76

Nordeste

4.744.808

17.959.640

3,78

17.959.640

38.821.246

2,16

Brasil

18.782.981

82.013.375

4,36

82.013.375

160.925.792

1,96

Tabela 2. Crescimento da população urbana do Brasil, de 1950 a 2010.

Organização: Os autores, 2015. Fonte: Estatísticas Históricas do Brasil; IBGE 2000 e 2010.

No Brasil os processos de transformações espaciais, ocorridos após 1970, foram mais acentuados, sobretudo, em cidades de porte médio e pequeno, nas quais os índices de crescimento populacional urbano e de áreas urbanizadas apresentaram-se superiores àqueles das grandes cidades do país, especialmente após a década de 1980 (SANTOS, 2009; PEREIRA, 2004; IBGE, 1970; 1980; 1991; 2000; e 2010). Nesse sentido, as cidades de porte médio constituem-se em instigantes objetos de análise empírica, com fins às investigações da expansão urbana, sobretudo em cidades na região nordeste do país, onde a população urbana cresceu 224%, entre as décadas de 1970 e 2010 (IBGE, 1970 e 2010), como se pode capturar a partir de visualização sobre as Tabelas 1 e 2. Embora essas cidades médias se destaquem quanto ao crescimento da população urbana, os fenômenos e processos de expansão da urbe são, ainda, pouco estudados. Ressalta-se que, investigar as dinâmicas da expansão 23


urbana presentes nas cidades de médio porte, além de fornecer subsídios ao entendimento de processos e fenômenos locais e regionais, propicia a compreensão comparativa dos processos mundiais, haja vista o significativo papel exercido por estas cidades à urbanização global atual, a ser continuado, ainda, por décadas no futuro (QI et al.; 2013). Como mencionado nesta coletânea, Santos (1993) aponta o desafio que é tratar do fenômeno urbano, entendendo a cidade como fato que revela problemas estruturais, em um organismo de círculo vicioso onde fatos mutuamente se causam, mas também como elemento de inovação e difusão, que pode ser visto como materialização de diferentes comportamentos e novos modos de vida que condicionam e podem viabilizar os lugares. Assim, o espaço intraurbano (o espaço interno de uma cidade) é o resultado da relação complexa entre a sociedade que o ocupa e as características territoriais associadas a esses espaços socialmente ocupados: as interações entre a forma física e os processos sociais, ou seja, a cidade como um processo produtivo é a expressão espacial de um produto social, que é essencialmente algo não definitivo, não podendo ser analisada como um fenômeno pronto e acabado, pois as formas e padrões que a cidade assume ganham dinamismo ao longo do processo histórico (GEBAUER, 1981; CASTELLS, 1983). Em cada etapa desse processo, a cidade assume dimensões, intensidades, formas e funções distintas, fenômenos que pontuam os vetores do urban sprawl e as suas bordas, como elementos instigantes à pesquisa científica (CARLOS, 1994). As dificuldades para descrever as propriedades típicas dos espaços territoriais periféricos e rural-urbanos se devem notadamente à fragmentação e dispersão, variedade de processos, continuidades e descontinuidades e, daí, a questões de densidade construtiva e populacional, em geral baixas. Assim, torna-se tarefa intricada delimitá-los e descrevê-los de maneira satisfatória. É importante considerar, ainda, que os fatos, na escala local, estão influenciados por práticas mais permanentes e também por certas descontinuidades e contraposições, definindo o ambiente fragmentado, onde diferentes espaços e usos do solo se aproximam, mas não necessariamente estabelecem conexões, permeabilidades, ou diálogos urbanos. São locais que podem estar simultaneamente fragmentados e articulados, e em 24

combinação e conflito. Na verdade, a multiplicidade de processos que permeiam as áreas periféricas dificulta uma leitura clara dos limites entre o urbano e o rural, o que reforça a necessidade de desenvolver estudos adequados à identificação geográfica dos territórios periféricos rural-urbanos. Por outro lado, poderia parecer, à primeira vista, que não teria sentido delimitar áreas de transição rural-urbana, uma vez que a metropolização penetra nos tradicionais espaços rurais e, as relações econômicas que definem a “ruralização”, também condicionam os espaços periféricos metropolitanos (LEFEBVRE, 2002; SANTOS, 1993 e KAYSER, 1990 apud MIRANDA, 2009). A periferia urbana se tornou hoje um palco de muitos interesses, com variados padrões espaciais, que produzem efeitos sobre a morfologia, a organização funcional da cidade, o desenvolvimento socioeconômico, as relações centro/periferia e a qualificação da paisagem urbana, elementos participantes da dinâmica estrutural da cidade. Embora essas áreas não tenham sido historicamente o foco central dos estudos sobre o espaço intraurbano e sobre o seu planejamento, expressam hoje forte convergência de fenômenos, processos e conflitos socioeconômicos, territoriais e ambientais, com repercussões sobre a qualidade de vida das pessoas. Como amplamente discutido, o desenvolvimento das aglomerações urbanas brasileiras foi marcado por um processo de acumulação de desigualdades socioespaciais e pela implementação de políticas públicas que estruturaram um modelo de centroperiferia responsável por um contínuo deslocamento da mancha urbana para as áreas rurais, semirrurais e para os espaços naturais. Não é possível que ocorra a ocupação e o uso sustentável e socialmente justo do território municipal, como preceituam várias peças da legislação urbana, a exemplo do Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001), se não há pesquisas científicas suficientemente aprofundadas e descritores técnicos de padrões capazes de garantir efetivas possibilidades de reconhecimento e, daí, de subsidiar a identificação de instrumentos urbanísticos aptos ao planejamento nas áreas periféricas e de transição rural-urbana. Apesar do extenso acervo da literatura dedicada ao estudo da cidade, no que se refere às pesquisas no campo periurbano, ainda há limitações no que diz respeito à descrição teórica, categorização e hierarquização dos fenômenos decorrentes do processo 25


histórico de uso e ocupação do território, espraiado, incompleto e especulativo e o seu planejamento. No Brasil, a partir do ano de 1960, houve uma tendência à descompactação e à descentralização, quando fatos denotavam a preferência de pessoas e alguns equipamentos e serviços pela localização em periferias, cada vez mais extensas, em detrimento do centro, acompanhando as dinâmicas de deslocamento e de segregação de classes sociais no espaço da cidade. Ressalte-se o papel desempenhado pelas cidades médias na dinâmica de crescimento populacional e na redistribuição da população urbana em nosso país, a partir da década de 1970 até princípios dos anos 1990, como “porta de entrada” dos fluxos migratórios ruralurbanos, com implicações sobre a organização físico-territorial da cidade (ANDRADE e SERRA, 1998). Muitos imigrantes, incapazes de arcar com elevados custos fundiários e imobiliários, deslocaram-se para áreas periféricas, em um processo de cisão intraurbana. Diante do exposto, se identificam questões-chave que têm guiado a estruturação de pesquisas, a saber: quais são os padrões de dispersão e fragmentação, e os seus graus de tensão e espraiamento, densificação e rarefação populacional e construtiva verificados nos estágios da periferização e na dinâmica das bordas intraurbanas? Essas questões, além da questão da qualidade de vida, podem conduzir à construção de novos modelos representativos da periferização e dos diferentes tipos e dinâmicas das bordas intraurbanas. Apesar de constituírem espaços dependentes de uma estrutura territorial global realizada, o espaço intraurbano, ao contrário de espaços regionais e nacionais, possui, em outra escala, uma dinâmica particular, relacionada à acessibilidade, à localização e à segregação. A estruturação do espaço intraurbano é fortemente marcada pelas condições de deslocamento cotidiano do ser humano, seja enquanto portador da mercadoria força de trabalho – como no deslocamento casa/trabalho – seja enquanto consumidor – reprodução da força de trabalho, deslocamento casa/compras, casa/lazer, escola, etc. –, no sistema de acumulação capitalista. A organização do espaço da cidade é heterogênea e setorizada, a partir das principais rotas de acesso, onde a segregação socioespacial mostra que a integração e a exclusão não são processos independentes um do outro, mas são duas 26

dimensões do processo de segregação (VILLAÇA, 1998). Uma das características marcantes das cidades brasileiras médias e grandes é justamente a segregação espacial dos bairros residenciais, produzindo sítios sociais particulares e, daí, as bordas territoriais em continuada transformação. Diferentes classes sociais tendem a se concentrar, cada vez mais, em distintas áreas ou setores da cidade, com base em eixos de acesso principais, influindo na constituição de vetores de expansão e formando uma estrutura espacial básica que se movimenta na direção de um padrão que se realiza segundo setores de círculo, mais do que segundo círculos concêntricos, podendo acentuar eixos de expansão e áreas periurbanas (HOYT, 1939) (Figura 1). Figura 1. Modelo de Hoyt simplificado.

Fonte: PALEN, 1975, p. 103.

A dispersão da cidade parece não ter barreiras, onde as forças são predominantemente de distensão, pontuando conflitos entre as condições de acesso e a ocupação e o uso da terra urbana, onde as exigências crescentes de mobilidade e a utilização exagerada do automóvel agravam o processo. A mancha urbana parece movimentar-se continuadamente “para fora”, em um deslocamento centrífugo, produzindo excentricidades que expulsam as pessoas do tecido consolidado e referencial da urbe. Existem, aí, fatos pouco esclarecidos, a exemplo dos graus e intensidades da dispersão, forças, indicadores e índices de espraiamento, padrões e permeabilidades existentes nos novos contextos e contatos territoriais periféricos. Para além do padrão de crescimento periférico de outros

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tempos, ligado às classes sociais menos abastadas e marcado pela irregularidade da apropriação dos espaços, os traços do novo desenho urbano apontam simultaneamente a expansão dos loteamentos populares ditos “formais” e a expansão dos condomínios fechados de luxo, acentuando e alargando a segregação tanto dos mais abastados quanto dos menos abastados, fenômenos que vêm tomando proporções importantes especialmente nas cidades de porte médio brasileiras, processo que avança desde os anos 1980. Dadas as configurações do espraiamento, novos formatos de aproximação e interação também se dão entre diferentes classes sociais no espaço da cidade (Figura 2). Nesse cenário, o fenômeno das bordas urbanas assume dimensões complexas, a espera de estudos sistematizados e aprofundados. Relativo ao Grupo de Alto Status

Figura 2. Movimentos de pessoas e grupos, dinâmicas de segregação e produção de bordas urbanas.

C

A1

C - ÁREA CENTRAL E SEU LIMITE

A2

BC - BAIRRO CENTRAL A1 - BAIRRO DE AMENIDADES 1

BC Forma Espacial Relativo ao Grupo de Baixo Status

C

Forma Espacial

2

P2 - PERIFERIA LONGINQUA R - ZONA RURAL 1, 2, 3 - ETAPAS DE MOBILIDADE

3

1 2

P2.2

P2.1 3 F

P1 - PERIFERIA IMEDIATA

F - FAVELA

P1 F

A2 - BAIRRO DE AMENIDADES 2

TRAJETÓRIA DE MOBILIDADE

2

R

Fonte: CORRÊA, 1989 (adaptado pelo autor).

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Segundo Sobreira (2003), o movimento, a diversidade e a multiplicidade de pontos e escalas são tendências próprias de sistemas urbanos sujeitos a “dinâmicas naturais e espontâneas de uso e ocupação”. A complexidade no espaço intraurbano parece ser uma função natural do tempo e do uso; a multiplicidade de escalas parece sugerir uma expressão natural da dinâmica social, ao longo do espaço e do tempo. Na verdade, as cidades podem ser visualizadas como estruturas fragmentadas resultantes de um processo de auto-organização, que converge espacialmente para uma espécie de “estado crítico” (em combinação e conflito), caracterizado por uma ordem hierárquica não-linear e pela

diversidade de pontos territoriais e de escalas de suas unidades componentes. São sistemas complexos que exibem uma ordem subjacente sob uma aparente desordem, de onde se podem identificar determinados padrões de ocupação e uso do solo, na lógica da diversidade urbana, onde, em vetores principais de expansão, os fatos ganham amplitude. O ambiente urbano, com suas diferenciações físicas e sociais, e complexidade do espaço simultaneamente fragmentado e articulado (CORRÊA, 1989; SANTOS, 1993), mostra que esse espaço é também um conjunto indissociável, contraditório e complementar de um sistema de objetos e um sistema de ações. Nesse sentido, as relações estabelecidas no ambiente urbano compõem um mosaico de influências de diversas ordens, que, de alguma maneira, empurra a mancha urbana para fora do tecido consolidado da cidade. A disposição de perímetros inadequados ressalta a expansão anômala da cidade: o urban sprawl, a cidade “espraiada”, esparramada, irradiada para todos os lados. É o crescimento exagerado do tecido urbano, sob a influência de eixos – vetores principais de acesso e de práticas estabelecidas, a partir do jogo de interesses dos diversos atores sociais. O quadro produz subúrbios, condomínios fechados e conjuntos habitacionais populares, com localizações distanciadas do centro principal e da mancha consolidada da cidade, definindo novos limites e bordas intraurbanas. A dispersão e a fragmentação mostram certa tensão entre forças de expansão e aproximação no espaço, existindo bordas que estabelecem um extremo, um limite territorial, ou seja, uma fronteira em continuada transformação, no âmbito das interfaces existentes entre as possibilidades de acesso e o uso da terra urbana. A estrutura resultante apresenta “células” urbanas que se agrupam em ilhas de diversos tamanhos e localizações, definindo cheios e vazios (INOSTROZA, BAUR e CSAPLOVICS, 2012). O avanço contínuo da mancha urbana sobre as suas bordas denota que a dispersão parece não ter barreiras, sejam físicas ou sociais. Nesses casos, as forças são predominantemente de distensão, podendo apresentar baixa densidade, pontuando os conflitos e a certa cisão entre a acessibilidade e o uso e a ocupação da terra urbana, registrando, segundo Meyer (2006), as “peças urbanas” da cidade 29


difusa, em contraposição à “visão de totalidade” das cidades compactas e convergentes (Figura 3). Figura 3. Representação esquemática das dinâmicas de dispersão, fragmentação e compactação na cidade.

Fonte: SOBREIRA, 2002 (adaptado pelo autor, 2007).

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Pesquisas identificam, no Brasil, o período que se estende de fins do século XIX até os anos 1950 como o estágio em que o rural e o urbano eram dois polos bem delimitados e caracterizados pela dicotomia e contraposição. Daí, a intensificação dos processos de industrialização, migração e urbanização configuraram fatos mais complexos de organização espacial, que avançaram em direção às zonas rurais, caracterizando o processo de domínio do urbano e a dependência do rural. Atualmente, se conformam novas inserções econômicas, de especulação periférica e de segregação sobre o “novo”, para além das atividades agrárias e da urbanização geográfica, onde a ocupação do espaço se generaliza, sem permitir claras delimitações, mas, sim, sobreposições (VEIGA, 2006; SILVA, 2002; ASHER, 2001 e MIRANDA, 2009). Os anos 1990 marcaram um contexto em que as áreas de transição rural-urbana passaram a ser um território onde se evidenciou, mais do que nos anos anteriores, uma diversidade de interesses e processos, em combinação e conflito, de vários atores sociais modeladores do espaço, fato que acentua o interesse em melhor caracterizá-las, contribuindo para a formulação de diretrizes de planejamento. Segundo Lacerda e Zanchetti (2000), o período marcou importantes mudanças nos padrões da expansão, com a intensificação das relações intraurbanas e intrametropolitanas; nova conjuntura da questão social, ao incorporar ao debate a questão ambiental, e a redefinição do papel econômico do Estado, valorizando ainda mais as relações de mercado (TOPALOV, 1997 apud MIRANDA, 2009). O padrão de urbanização, historicamente caracterizado pelo

binômio “modernidade-pobreza”, produziu aglomerações urbanas que experimentam uma expansão extensiva, fragmentada, descontínua e desestruturada, pautada, principalmente, pelos interesses do mercado e, pontuada pelo transbordamento dos assentamentos precários e pela distribuição desigual dos bens e serviços públicos, em um quadro dicotômico de formalidade e informalidade/ilegalidade urbana. Nesse contexto, as novas áreas periféricas e de transição rural-urbana passam a ser, mais que antes, um palco complexo onde se materializa certa convergência social e política, e uma diversidade de interesses, condutas e processos, em articulação e conflito, de vários agentes modeladores do espaço, o que realça, desse modo, a necessidade de melhor caracterizá-las para subsidiar o planejamento e a gestão dessas terras-limite.

Debate sobre alguns aspectos conceituais Como localizações mais avançadas da cidade, as bordas podem constituir territórios predominantemente lineares, diferenciados, encerrando lugares, ou separando áreas diferentes, como linhas de trânsito entre lugares. Expressam espacialidades e temporalidades diferenciadas, acentuando problemas urbanos agudos, a exemplo da cisão e da segregação. Por outro lado, as possibilidades de separar – juntar, rodear – dividir das bordas urbanas podem abrir caminho, dada a sua indeterminação original em função da relatividade espaço-temporal, a operações táticas, ao se apresentarem como espaços ambíguos da cidade, nos quais cabe aos atores urbanos materializar novas trajetórias. Guy Debord (1973) expressou a essência do espaço contemporâneo, da urbanização universal, difusa e fragmentada, estruturada em linhas e filamentos definidores de novos percursos e de segregação da seguinte maneira: “Se todas as forças técnicas do capitalismo podem ser entendidas como ferramentas para a feitura de separações, no caso do urbanismo confrontamonos com a base mesma dessas forças técnicas; o tratamento da superfície do solo melhor adequado à sua organização, à própria técnica da separação”. 31


Debord captava a transformação morfológica pela qual ainda passa a cidade, iniciada em meados do século XIX, na direção de um novo padrão periférico e de novas relações centro-periferia, influenciadas pelas novas técnicas, atividades e localizações, e possibilidades de deslocamento/movimento urbano. Desde Cerdá (1867) até os tempos atuais, permanece a crença de que os movimentos e os deslocamentos típicos das pessoas no espaço urbano podem consolidar não só as centralidades, as periferias territoriais e as paisagens, mas também as combinações, disputas e conflitos urbanos. A lógica evolutiva intraurbana, ou seja, as razões e as leis socioespaciais de ocupação diferenciada da cidade, associadas à dinâmica de segregação das diferentes classes sociais, ligase às propriedades territoriais globais, identificadas a partir da morfologia e do padrão da expansão da cidade, onde se podem destacar as localizações, relacionadas ao espaço intraurbano como um todo e referindo-se às relações entre um determinado ponto do território e todos os demais. Essas interfaces se materializam através dos transportes, onde os deslocamentos das pessoas predominam sobre o de matérias ou o de comunicações (VILLAÇA, 1998). No espaço da cidade, tanto as periferias e as suas bordas quanto os centros geram uma fenomenologia que se registra nas ordens física e social, no tempo e no espaço, contribuindo para esclarecimento das dinâmicas territoriais, como lugares de forte efeito (des)organizador da urbe, definindo uma topologia que contribui para a descrição do espaço intraurbano (ARROYO, 2007). Segundo Arroyo (2007), no espaço intraurbano, as bordas, constituindo-se em uma fenomenologia que se registra tanto na ordem física quanto nas ordens social e simbólica, associam-se não só à ideia de confim, limite, muitas vezes pouco conhecido, mas também a uma situação intermediária, de transição entre duas áreas adjacentes. Nesse sentido, as tensões de atravessamento são complementares às tensões de percurso nas bordas propriamente ditas, conformando experiências fundadas na vivência do trajeto, englobando as transformações e diferenciações físico-territoriais. O conceito de borda enriquece ao estabelecerem-se relações com outros conceitos, cuja associação amplia as possibilidades de sua compreensão, considerando os espaços livres públicos e edificados, e a cidade dividida (CERTEAU, 1974). Os espaços 32

livres públicos, como estruturas fundamentais mais permanentes e referenciais (PANERAI,2006), estendem-se como territórios específicos, dotados de marcas próprias e determinados signos de referência e delimitação. Podem estar atravessados por bordas que demarcam áreas diferentes, produzindo separações e suturas (ARROYO, 2002). Detectado no fim dos anos 1930 e princípios dos anos 1940, no âmbito intraurbano, o chamado “periurbano”, especificamente, traduziu-se primeiramente sob dois termos: rural fringe e urban fringe, com a distinção baseada em critérios estatísticos. Provavelmente, uma das primeiras sistematizações sobre o problema das áreas de transição urbana foi apresentada por Smith (1930), que as viu como áreas construídas próximas aos limites administrativos da cidade (PRYOR, 1971). Na literatura especializada, encontram-se outros conceitos e denominações que se referem aos espaços existentes na interface do rural com o urbano, dentre os quais, podem ser destacados: espaços periurbanos (ESPAÑA, 1991), espaço rurbano (FREIRE, 1982), franja urbana ou franja rurbana (JOHNSTON, 1978), franja ruralurbana, franja periurbana, periferia rurbana (PRYOR, 1971; KAISER, 1990); ou para os casos em que a urbanização não constitui uma faixa relativamente homogênea ou contínua nas dimensões físiconaturais e/ou sociais. Aqui, mais componentes dificultam esses estudos, pela sobreposição e indefinição de áreas, padrões e limites, fragmentação generalizada de pontos territoriais e desconexão. Corrêa (1986) ressalta que seria possível, em algumas situações, falar em uma “periferia suburbana, subúrbio ou periferia ruralurbana”, quando acontecem processos dinâmicos de urbanização. Dentre as abordagens clássicas sobre o tema, destacam-se os trabalhos de Wehrwein (1942), Lively (1953), Golledge (1960), Pahal (1962), Pryor (1971) e Kayser (1990). Eles privilegiaram questões como: o problema da delimitação e amplitude das franjas urbanas, os deslocamentos pendulares, a esterilização das terras agricultáveis, a transformação da terra rural em terra urbana, as estratégias de proprietários de terras e dos promotores imobiliários. Por sua vez, os trabalhos de Juilliard (1961), Amato (1970), Munton (1974), Clawson (1970) e Sinclair (1967), abordaram o processo de especulação fundiária, onde o preço da terra agrícola na periferia urbana é influenciado pela expectativa de demanda para fins de 33


urbanização (SINCLAIR, 1967). Tais investigações, embora em sua maioria se refiram à realidade europeia, que é diferente da nossa, oferecem pistas para o entendimento dos espaços periféricos e rural-urbanos brasileiros. Golledge (1960) atribuiu às áreas ditas “periurbanas” a designação rural-urban fringe, conceito atribuído a áreas com “variedade de usos”. Como sabido, a cidade não ultrapassa seus limites em anéis circulares, bem definidos; expande-se de uma maneira tentacular, aparentemente desorganizada, produzindo avanços excrescentes em umas áreas e noutras apresentando pouca amplitude. Carter (1971) conceituou o fenômeno afirmando que historicamente os novos espaços ocupados pela cidade, modos, intensidades, elementos geradores, limites e superação de limites, que modificam estruturas na medida em que o processo de dispersão se desenrola, estão na origem do que se denominou “franja urbana-rural”, como portadora de características distintas, onde somente parte dos seus espaços foi assimilada pela expansão urbana. Aí podem coexistir novos comportamentos, mutações sociais e transições espaciais contínuas. Pryor (1968) estabeleceu subdivisões ao termo “franja rural-urbana”, com base no uso do solo predominante, definindo certo gradiente espacial que, segundo o autor, permitia identificar no território dois subconceitos: franja urbana – (franja urbana-rural) – franja rural. A partir das reflexões de Pryor (1971, p.61), que caracterizou e delimitou as zonas de transição ou “áreas contraídas entre as áreas urbanas e suburbanas da cidade central”, partiu-se para outras tentativas de identificação de tipologias de usos do solo e demográficos, caracterizandoos por uma maior densidade, maior crescimento demográfico e transformações do solo rural em urbano. Kaiser (1990, p.32) propôs uma classificação baseada na influência que os grandes centros urbanos detêm sobre o espaço rural, também considerando que a produção do espaço não decorre de maneira uniforme, apresentando fissuras e descontinuidades, que influem na acentuação de suas bordas. Essa classificação não permite uma delimitação precisa dos espaços periurbanos, tendo em consideração três “coroas periurbanas” que se materializam a partir do centro principal. Outras investigações como as de Donne (1979), DurandLasserve, Samson, Russwurm e McLellan (in Silva, 1995), e Corrêa 34

(1986), pontuam, assim como Kayser (1990), a área rural-urbana como trechos descontínuos e dinâmicos. No entanto, discutem, além disso, as performances dos agentes envolvidos com a comercialização da terra (proprietários e promotores) e dos conflitos gerados, decorrentes de suas práticas e das diferentes demandas por terras. Donne (1979) e Durand-Lasserve (1980) ressaltam que as transformações da terra rural em urbana, posteriormente em urbanizada e construída, ocorrem em função do movimento de deslocamento do espaço residencial das elites, onde se operam mecanismos de seleção especulativa residencial de segmentos sociais. Conforme nos diz Villaça (1998): “A terra urbana só interessa enquanto ‘terra-localização’, ou seja, enquanto meio de acesso a todo o sistema urbano, a toda a cidade.” Nessa direção, a acessibilidade pode ser entendida como um dos valores de uso mais importantes para a terra urbana, embora toda e qualquer terra o tenha, em maior ou menor grau. O deslocamento residencial das elites é estrategicamente produzido pela ação dos promotores imobiliários e pela própria classe social mais abastada, na busca pela dominação do espaço-localização e do tempo, e baliza a transformação do rural em urbano, geralmente na periferia chamada “de amenidades”. A lógica evolutiva de um tecido urbano, dizendo respeito às tendências, indicações, resultados e a determinadas razões, físicas e sociais, resulta em uma determinada forma de ocupação e uso do solo, circunscrita de forma transitória pelas bordas da cidade. As razões podem ser associadas a forças impulsionadoras implícitas, a exemplo da atração exercida por sítios de amenidades, por determinadas localizações urbanas ou por questões econômicas ou políticas, que levam um objeto a ter sua estrutura organizada de uma maneira específica, determinando a dinâmica das bordas e a forma de articulação dos elementos morfológicos urbanos, como sítio geográfico, vias, praças, parcelamentos, etc. Pode definir estágios de ocupação dos espaços-limite da cidade, articulando percursos e processo de evolução urbana, através de propriedades territoriais e de leis socioespaciais. Os espaços livres públicos são um dos principais elementos morfológicos de articulação entre percursos e evolução urbana. A articulação desenvolve-se através da acessibilidade e da mobilidade, onde a variável espaço é um elemento ativo no processo. As propriedades territoriais podem 35


ser identificadas a partir das características específicas do sítio geográfico, dos demais elementos da morfologia e da expansão urbana. As leis socioespaciais, por sua vez, relacionam-se com questões de localização urbana, de direção de expansão, de amenidades, de continuidade e permanência (longa duração) de um vetor de expansão e das menores distâncias entre polos, que podem acentuar e destacar um eixo de crescimento da cidade e as suas bordas (Silveira, Lapa, e Ribeiro, 2007). Dessa maneira, os fatos são também resultantes da interação de ações e projetos e do jogo de interesses dos atores que interagem no espaço urbano. Na realidade, as matrizes teóricas para explicar as delimitações do rural e do urbano se fundamentam, geralmente, em hipóteses antagônicas. Ora formuladas a partir da prevalência do urbano sobre o rural – completa urbanização, encontrada em Lefebvre (2002), quando define o conceito de “sociedade urbana” –, ora formuladas a partir da resistência e da capacidade de renovação das atividades rurais; um renascimento rural. Essa hipótese foi defendida por Kayser (1990, p. 89) quando discute o renascimento do rural ou a nova ruralidade. Mesmo estruturadas antagonicamente, essas duas matrizes encontram uma significativa interface quando tratam da transição rural-urbana e reforçam concomitantemente a ideia de um continuum rural-urbano. Nessa fase, as relações de domínio e dependência são trocadas por outra de independência, relacionadas ao maior ou menor grau de integração aos processos globais. Territórios mais ou menos conectados a esses processos podem incluir tanto área urbana quanto espaços rurais. Assim, a velha oposição cidade x campo deixa de ter sentido do ponto de vista social e econômico. Kayser afirma que os termos rural e urbano determinam modos de utilização do território e se aplicam tanto ao espaço como aos indivíduos. Juntos constituem o que se considera hoje como um “sistema contínuo” [ruralurbano], em que não há uma ruptura. (Kayser, 1990). A esse respeito, Silva (2002) afirma a ideia de continuum e mostra que, no caso brasileiro, os usos tradicionalmente rurais estão cada vez mais permeados de urbanidades, seja a partir dos modelos econômicos de produção, seja a partir dos usos e ocupação do solo. Tal condição caracterizaria o novo rural brasileiro que pode ser identificado a partir de quatro processos: i) O agrobusiness brasileiro, evidenciado por uma agropecuária moderna, baseada 36

em commodities e intimamente ligada às agroindústrias; ii) atividades de subsistência, particularmente a agricultura familiar e a criação de pequenos animais, que visam primordialmente manter relativa superpopulação no meio rural e um exército de trabalhadores necessários à produção do agronegócio; iii) um conjunto de atividades não-agrícolas, ligadas à moradia, ao lazer e a várias atividades industriais e de prestação de serviço; e iv) um conjunto de novas atividades agropecuárias, localizadas em nichos específicos de mercado, o qual fomenta novas cadeias produtivas, partindo do rural mas chegando a uma intervenção nas cidades (Miranda, 2009). O interesse pela análise das sistematizações, vistas como mais clássicas, sobre a tipificação dos espaços semirrurais, no estudo das terras-limite da cidade, foi resgatar as tipologias que partem da leitura sobre o grau de impacto que a urbanização provoca nos territórios rural e/ou semirural. Foram observados nesses modelos os seguintes pontos: i) as possibilidades de escalas de aplicação, regional ou intraurbana; ii) as variáveis utilizadas na caracterização dos diferentes tipos de espaços social, ocupacional, demográfico, etc.; iii) as temporalidades; iv) a incorporação de condicionantes da produção do espaço (papel dos agentes, densidades construtivas, etc.). No estudo de alguns modelos, levam-se em consideração, além das influências do processo de urbanização sobre os territórios mais avançados da cidade, as escalas de aplicação intraurbana e municipal; a consideração de variáveis sócio-ocupacionais, demográficas; as temporalidades e condicionantes da produção do espaço. Nas áreas limite de transição rural-urbana, enquanto zonas de transição do urbano para ambientes naturais, ou de usos do solo rural para urbano, e neste podendo ocorrer o inverso, a expansão geralmente ultrapassa os limites administrativos urbanos das aglomerações, lócus de problemas decorrentes das diferentes dinâmicas da urbanização (favelização, especulação imobiliária, segregação espacial, turismo rural, migrações pendulares, crescimento da economia informal, etc.). Uma abordagem integrada do espaço intraurbano pressupõe também uma aproximação maior do espaço municipal e dos processos que caracterizam o rural brasileiro. Ou melhor, pressupõe a integração de domínios multidisciplinares, ainda relativamente distantes 37


dos urbanistas. Santoro e Pinheiro (2003) alertam que a as múltiplas funções que caracterizam o universo rural, hoje, impõe procedimentos integrados visando alcançar um desenvolvimento urbano equilibrado. A produção e a transformação dos espaços periféricos e dos espaços mais avançados da cidade constituem territorialidades, em um processo predominantemente não linear. Sua fenomenologia apresenta consideráveis dificuldades epistemológicas e metodológicas que a prática do urbanismo deve rever, visando recuperar, adequar e integrar aqueles espaços, onde se avivam conflitos, novas práticas e interações, físicas e sociais. Como lugares, produzem efeitos de (des)organização sobre os espaços da cidade, podendo incrementar a fragmentação e a dispersão urbana. Na verdade, a urbe pode ser vista historicamente como consequência de feitos de suas centralidades, mas outros efeitos importantes se dispersam em sua extensão espacial e se agravam em suas periferias e bordas urbanas. Por sua vez, Asensio (2006) aponta outros elementos estruturais que explicam as novas relações rural-urbanas: i) a evolução do sistema de transportes e das comunicações com a introdução de novas tecnologias, que têm definido alterações nas relações geográficas com o tempo e as distâncias; ii) uma crescente autonomia econômica e demográfica da cidade e o seu transbordamento para áreas tradicionalmente rurais. Como já observado, os processos descritos acontecem concomitantemente ou de maneira fragmentada, conforme os condicionantes locais definem as formas de conexão do território às tendências nacionais de reestruturação no cenário da globalização, com a industrialização da agricultura, que se integra aos circuitos da economia capitalista, cada vez mais dissociados dos circuitos locais. Sob uma ótica urbana, a rurbanização tem um aspecto positivo e pode ser associada à contraurbanização ou exurbanização (deslocamento do lugar de residência para as áreas rurais). Galpin (in Jacobs, 2000) ressalta que a ideia-chave não é a dicotomia entre o urbano e o rural, mas a conformação de uma unidade de contrários. É importante considerar, como destaca Jacobs (2000), que as cidades precisam de zonas rurais próximas e, por sua vez, os territórios rurais não podem prescindir das várias oportunidades expressas e provocadas pelas cidades. 38

A dissolução dos limites espaciais, entre o rural e o urbano, pode ser identificada a partir dos processos socioeconômicos e espaciais, mas não acontecem enquanto referências legais e estatísticas. Os critérios técnicos, legais e administrativos não são as referências mais adequadas, por desenvolverem também outras particulares (híbridas) para analisar e classificar os espaços de transição rural-urbana, que aglutinam características das ordens urbanas e/ou rurais. Assim, as categorias urbano e rural vêm perdendo o seu peso analítico. É importante, ainda, considerar a recomendação de Harvey quando adverte que a imagem do rural resiste e adquire outras valorizações, como suporte físico de diversas atividades, como as atividades residenciais e de lazer. Talvez por isso, conceitos como urbano e rural continuam sendo o foco central de textos urbanos. O autor ressalta que: “apesar de limites espaciais cada vez mais tênues, a dicotomia entre o campo e a cidade resiste por meio de imagens. A constituição das representações sobre campo e cidade pode ser resultado de uma sofisticada forma de alienação produzida pelos capitalistas. Essas imagens são reapropriadas em diferentes contextos por agentes interessados pela constituição de novos valores de uso e de troca.” (Harvey, 1989).

Cidade de João Pessoa, periferias e bordas intraurbanas A cidade de João Pessoa, especificamente, e as áreas periféricas que a circundam passam por processos de modificação da ocupação e do uso do solo intensos, as últimas, pela própria inserção no dinamismo dos espaços urbanos e seus processos especulativos e políticos locais, que privilegiam atividades urbanas, em detrimento das atividades rurais, face à rentabilidade das primeiras. O quadro dificulta a conceituação, caracterização e delimitação das bordas urbanas, constituindo, como visto, territórios de extensão imprecisa. De modo geral, a disputa por recursos nessas áreas também é forte, podendo gerar conflitos provenientes de diferentes avaliações coletivas, corporativas e/ou individuais dos recursos, segundo uma perspectiva econômica ou cultural (Neto, 1999, apud Gualdani; Braga e Oliveira, 2005).

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As condições geográficas locais, relacionadas à intensidade da pobreza, definiram o modelo específico de centro-periferia, caracterizado por um padrão semirradial centrífugo, excêntrico, por setores de círculo (Hoyt, 1939). É acentuado pelo espraiamento e fragmentação, modelo rodoviário, carências de infraestrutura, equipamentos e serviços, especulação fundiária e imobiliária, déficits habitacionais, problemas de acessibilidade e mobilidade e periferização, em um círculo vicioso (Santos, 1993). Como de resto em outras cidades, os excessos do modelo de expansão em tela e da lógica do mercado imobiliário conduziram a resultados, ampliando ainda mais a desigualdade econômica, com implicações sobre as oportunidades urbanas. Nesse quadro, canaliza-se considerável parcela dos investimentos públicos para cobrir a irracionalidade da ocupação da terra urbana, desviando os investimentos da área social para a área irracional. Os fatos acabam afetando, com maior intensidade, as áreas residenciais pobres e as bordas urbanas, segregando-as da oferta predominante de infraestrutura, serviços, empregos e bens. A fragmentação e o distanciamento reduzem mais acentuadamente as oportunidades para os mais pobres, afetando a sua acessibilidade a determinadas localizações intraurbanas. A acessibilidade, como atributo de determinado espaço, representa tanto as possibilidades físicas de alcance a pontos da cidade quanto as oportunidades sociais urbanas (AJOUFIE, BRUSSEL, ZUIDGEEST e van MAARSEVEEN, 2012) Consequência importante do sprawl e do deslocamento dos limites periféricos da cidade, na área social, é a crônica deficiência infraestrutural e o baixo nível de provimentos urbanos, em função da localização, das características restritivas do sítio geográfico e da morfologia, que geralmente ocorrem com maior intensidade na periferia de baixa renda e, consequentemente, influindo na má qualidade de vida da população que ocupa essas áreas. A morfologia é um modo de ver a cidade que garante perspectivas de análise funcional e econômica, referindo-se às características particulares do espaço; os detalhes das articulações, subdivisão e interação da terra urbana, conjuntos de edificações e seus padrões combinados (Krafta, 1997), como serão investigados nesta pesquisa. Têm-se de um lado a estrutura física (forma construída) e de outro as forças sociais (processos), onde o físico interage com o social e, este último, relaciona-se com a estrutura física por intermédio 40

do sistema funcional (usos), onde a acessibilidade exerce papel primordial. As bordas periurbanas, com algumas exceções, representam o setor menos assistido em provimentos urbanos, no âmbito de uma estrutura urbana pouco sistêmica, fragmentada e espraiada, fatos agravados pelas profundas desigualdades sociais. A localização dos bairros e conjuntos habitacionais, na cidade de João Pessoa, e suas singularidades, em termos de uso e ocupação da terra, tendem a interferir na dinâmica do mercado imobiliário, considerando a plataforma física radial, configurando tentáculos urbanos, por setores de círculo, e daí, definindo valores, combinações e conflitos, e influindo nas características específicas dos espaços de transição rural-urbanos. As estratégias locacionais do capital imobiliário incidem em mudanças nas características das áreas da cidade, o que produz efeitos atrativos ou repulsivos, podendo deslocar as demandas, construindo excrescências urbanas. A terra produz rendas diferenciais, conforme o seu uso e condicionantes naturais, sendo esse uso da terra um dos fatores de influência na produção social do espaço, revelando uma estrutura de apropriação (privada) e ocupação baseada em uma sociedade hierárquica e de classes, produzindo efeitos sobre os padrões das diferentes periferias e franjas intraurbanas. Nesse contexto, a dinâmica, física e social, das bordas da cidade é ainda muito pouco conhecida, tanto como objeto teórico quanto como objeto empírico de pesquisa. As suas transformações, deslocamentos e relatividade, no espaço e no tempo, constituem complicadores à investigação dessas áreas. São raros os estudos sobre as possibilidades de planejamento e a aplicação de instrumentos legais nesses espaços. Assim, faz-se necessário pesquisar em cidades médias, além de elementos para uma compreensão aprofundada sobre as variáveis físicas e sociais ligadas à produção das periferias e bordas da cidade, a identificação de leque de possibilidades de planejamento sobre diferentes tipos de linhas-limite intraurbanas. Na verdade, a própria dinâmica estrutural do espaço intraurbano é mal compreendida. Vale recuperar aqui que, como já comentado, ao contrário de espaços regionais e nacionais, o espaço interno de uma cidade possui uma dinâmica particular, relacionada à acessibilidade, às localizações e à dinâmica socioespacial de segregação. No tocante à acessibilidade e à mobilidade, o espaço intraurbano é heterogêneo e setorizado, a partir da localização e das principais rotas de deslocamento

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na cidade, denotando as suas macroestruturas (conjunto de bairros setorizados, a área central principal, as grandes orlas e as vias principais), a segregação, realçando linhas-limite e linhas de transição e atravessamento urbano. No contexto atual, o conceito de urbanidade deve englobar a distinção “urbano-rural”, a dinâmica das bordas e linhas de trânsito e atravessamento entre espaços-limite diferenciados como um continuum e não conduzir a uma visão dicotômica. Atentando para a diversidade dos processos socioespaciais, existem singularidades em relação à produção e às características específicas dos espaços periféricos e de transição rural-urbana. Essas especificidades ligam-se às localizações e inserção na cidade, considerando densidades, ocupação e uso do solo, morfologia e tipologias específicas das edificações, que sofrem a influência das forças e práticas dos diferentes atores sociais que produzem e reproduzem o espaço intraurbano. As singularidades das franjas da cidade, ao gerarem fenômenos de ordens física, social e simbólica, produzem efeitos em todo o espaço da urbe, contribuindo para o entendimento da dinâmica de segregação. Essas investigações vêm tradicionalmente privilegiando questões como as dificuldades quanto ao controle da expansão urbana para além dos limites político-administrativos da cidade; a atração exercida pelas atividades industriais, em relação às outras atividades urbanas; as consequências da implantação de grandes conjuntos habitacionais nas periferias; as atuações dos agentes envolvidos com a transformação do uso da terra e os mecanismos de sua valorização, e a periferização da população de baixa renda. Como visto, o quadro em tela dificulta a conceituação, a caracterização e a delimitação das bordas intraurbanas, constituindo territórios de extensão controversa. De modo geral, a disputa por recursos nessas áreas também é forte, podendo gerar conflitos provenientes de diferentes avaliações coletivas, corporativas e/ou individuais dos recursos, segundo uma perspectiva econômica ou cultural (NETO, 1999; apud GUALDANI; BRAGA e OLIVEIRA, 2005). Assim, compreende-se que o dinamismo das periferias e áreas-limite da cidade expressa as interfaces entre elementos estruturais socioeconômicos manifestados na escala nacional, elementos conjunturais ligados a processos espaciais amplos, como a metropolização/desruralização, e fatores locais – usos do 42

solo preexistentes, práticas e interesses dos diversos atores sociais (Figura 4). O conjunto de condicionantes, associado à organização das práticas socioespaciais, produzem as dinâmicas das periferias e bordas intraurbanas (Miranda, 2008). Figura 4. Processos intraurbanos e produção das bordas.

Fonte: D.F.Lima e J.A.R.Silveira (2011).

Como já realçado nesta coletânea, as dificuldades no estudo dessas áreas, devendo-se à sua dinâmica cotidiana, dispersão, diversidade de processos, continuidades e descontinuidades, e às suas densidades, descortinam a heterogeneidade de usos e formas de ocupação, sendo difícil delimitá-las integralmente, apontando também necessidades no que tange à legislação urbanística. Isto em se tratando dos territórios e dos processos espaciais que neles se concretizam e suas distintas manifestações, condicionadas por permanências, descontinuidades e contraposições, em um quadro simultaneamente fragmentado, não necessariamente articulado e diverso, o que dificulta a identificação de sua amplitude e uma leitura clara desses espaços, na escala intraurbana. As fronteiras da cidade foram impactadas fortemente pelas políticas públicas locais, implementadas ao longo do período 1970 – 1990, mas não foram objeto direto de reflexão e planejamento municipal. Em síntese, a estruturação do espaço intraurbano nas cidades brasileiras é determinada pelas especificidades que conectam as

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localizações e inserção na teia urbana, considerando densidades, ocupação e uso do solo, morfologia e tipologias específicas das edificações, dada a influência das forças e práticas dos diferentes atores sociais que produzem e reproduzem o espaço intraurbano e a sua morfologia (VILLAÇA, 1995. p.485). Sendo a morfologia um modo de ver a cidade que garante perspectivas de análise funcional e econômica, refere-se a características particulares do espaço; os detalhes das articulações, subdivisão e interação da terra urbana, conjuntos de edificações e seus padrões combinados (KRAFTA, 1997). Assim, têm-se de um lado a estrutura física (forma construída) e de outro as forças sociais (processos), em uma interface biunívoca, onde o físico interage com o social e, este último, relaciona-se com a estrutura física por intermédio do sistema funcional (usos), onde a acessibilidade exerce papel primordial na produção dos espaços periurbanos (SILVEIRA, 2010). Como citado, as bordas periurbanas, com algumas exceções, representam o setor menos qualificado, sob os pontos de vista físico e social, em equipamentos e serviços e em provimentos urbanos, no âmbito de uma estrutura urbana pouco equilibrada e sistêmica, fragmentada e espraiada, fatos agravados pelas profundas desigualdades sociais, onde o conjunto de circunstâncias, junto à organização socioespacial, repercute na dinâmica das fronteiras intraurbanas (MIRANDA, 2008). Como visto, compreende-se, assim, que o dinamismo das áreas-limite da cidade expressa às conexões entre elementos estruturais socioeconômicos, elementos vinculados a processos espaciais amplos, como a metropolização/desruralização, e fatores locais, tais como: usos do solo preexistentes, práticas e interesses dos diversos atores sociais. Devido à dinâmica cotidiana, dispersão, diversidade de processos, continuidades e descontinuidades, e às suas densidades, face à heterogeneidade de usos e formas de ocupação, é difícil delimitá-las completamente. Em um quadro simultaneamente fragmentado (não necessariamente articulado e diverso), é dificultada a identificação de sua amplitude e da perceptibilidade desses espaços, na escala intraurbana. Segundo Ojima (2007), dois fatores devem ser considerados no processo de crescimento urbano: o populacional e o padrão de expansão física das ocupações urbanas. O primeiro representa desafio ao exercer importante efeito na expansão da infraestrutura da cidade. O padrão de ocupação pode ser visto como fator 44

essencial para que o crescimento possa se dar com maior ou menor custo social, refletindo impactos sobre as formas de reprodução social. Ainda segundo o mesmo autor, desenha-se atualmente não somente a pressão dos números, mas também as questões de como as formas urbanas se configuram e são moldadas pelas tensões entre crescimento populacional e expansão urbana. A cidade de João Pessoa é considerada uma cidade de porte médio da região nordeste do país, com 723.515 habitantes, 211,47 km2 de área territorial e densidade demográfica de 3.421,36 hab./km2 (IBGE, 2010). Possui uma estrutura tentacular, em uma perspectiva excêntrica, radial centrífuga, desenhando setores de círculo territoriais, em função dos principais eixos de acesso radiais e da dinâmica segregação socioespacial. A título de ilustração, as linhas-limite ou espaços territoriais mais avançados da chamada “Área Central de João Pessoa” englobam e estabelecem, hoje, contatos e interfaces com os bairros do Varadouro, Centro, Róger, Tambiá, Trincheiras, Jaguaribe e Torre, que abrigam uma população de aproximadamente 65.000 habitantes (LAURBE/CT, 2007). Por sua vez, os setores norte, sul e sudeste, que englobam vários conjuntos habitacionais populares da cidade, abrigam população de aproximadamente 120.000 habitantes, distribuídos em cerca de 15 territórios – bairros e conjuntos populares (LAURBE/CT, 2007). O traçado resultante dos principais acessos radiais da cidade é um dos elementos claramente identificadores tanto da forma quanto das possibilidades e intenções de ocupação, planejamento e expansão da cidade, ao longo do espaço e do tempo. De modo geral, a estrutura urbana organiza o conjunto de sistemas e de relações entre os elementos físicos e sociais da cidade, conferindo ao espaço intraurbano seu caráter distintivo (Sampaio, 1999). A excentricidade e o processo de expansão radial, formando cunhas urbanas, também acentuam o papel dos acessos principais e o processo de concentração de grupamentos sociais, em diferentes áreas da cidade. O quadro também contribui para a captura da lógica das dinâmicas de periferização e de produção das bordas urbanas, em função das possibilidades de acesso, características fisicoespaciais e condições socioeconômicas. Uma exploração preliminar sobre os espaços a sul e sudeste da cidade, baseada em pesquisas de alunos PIBIC (2010-2011), sob 45


a orientação dos autores, mostrou que a cidade de João Pessoa, a partir dos anos 1970, teve sua ocupação fortemente determinada pelo surgimento dos conjuntos habitacionais populares, que ocuparam vários pontos da capital paraibana, sendo os maiores conjuntos locados na região Sul da cidade, que teve sua ocupação marcadamente consolidada por esses empreendimentos. Todas essas ocupações utilizaram os espaços para expansão existente, ocupando o máximo de área possível, sendo essa expansão urbana um fenômeno dinâmico influente para a próxima etapa dessa expansão territorial, com a ocupação dos espaços entre os conjuntos habitacionais e os bairros adjacentes, que aumentaram também consideravelmente o número de vazios na malha urbana de João Pessoa. Com a proximidade da mancha urbana dos limites do município, aumentaram os pontos de cristalização do crescimento da cidade, que agora engloba todos os terrenos limitantes da bacia do rio Cuiá e da Bacia do rio Gramame, quando, esta última, delimita a fronteira municipal de João Pessoa. A caracterização dessas periferias e fronteiras intraurbanas engloba aspectos dos padrões – modelos, graus e forças do crescimento e dos eixos de expansão, e das transformações em curso, bem como a investigação dos aspectos morfológicos, tipológicos do ambiente construído, articulações, ocupação e uso do solo, com o estudo desses diferentes padrões físicos de estabelecimentos humanos. Assim, enfatiza-se que os trabalhos envolvem não somente aspectos fisicoespaciais, mas também fenômenos do mercado imobiliário, de compra, troca e venda; fatos ligados ao comportamento e às práticas das pessoas naqueles lugares, e englobando também aspectos da qualidade de vida dos habitantes.

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PARTE II

Da reflexão a investigação

Análises preliminares da distensão intraurbana

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Crescimento da Mancha Urbana na Cidade de João Pessoa, PB1

Milena Dutra da Silva Alexandre Augusto Bezerra da C. Castro Brunielly de Almeida Silva Geovany Jessé Alexandre da Silva José Augusto Ribeiro da Silveira

Introdução

As manchas urbanas se (re)desenham, de forma contínua e dinâmica, movendo-se, dispersando-se, expandindo-se, ocupando o território a partir de diferentes direções de distensão, tamanhos e tipos de crescimento, como resultado da complexa relação entre a sociedade e as características territoriais associadas a esses espaços socialmente ocupados. Entre a década de 1970 à década de 2000, as áreas urbanas mundiais quadruplicaram de tamanho, com aumento vinculado ao grande incremento de população urbana (crescimento vegetativo e, ou, êxodo rural), ocorrido durante este período (SETO et al., 2011). No Brasil, de forma relativamente análoga, o crescimento populacional, sobretudo nas últimas décadas, também produziu uma larga expansão de áreas urbanas. Esses processos de transformações espaciais ocorreram, sobretudo, em cidades de porte médio, nas quais os índices de crescimento populacional urbano e de áreas urbanizadas apresentaram-se superiores àqueles das grandes cidades do país (Santos, 2009; Pereira 2004; 1 Texto submetido para publicação em periódico nacional Cadernos de Arquitetura e Urbanismo (PUC Minas), em dezembro de 2014.

IBGE, 1970; 1980; 1991; 2000; 2010). Ressalta-se que as dinâmicas da mancha urbana, decorrentes da urbanização, não devem ser vistas simplesmente como um processo de mudança espacial, dada pela coalescência dicotômica, em um dado intervalo temporal. Trata-se de um processo complexo e espiralado, implicando em mudanças nos padrões de crescimento, a saltar em toda a paisagem (LI, LI, e WU, 2013). Identificar as dinâmicas espaciais da mancha urbana e caracterizá-las adequadamente configuram etapas iniciais e fundamentais para a compreensão da urbanização. A caracterização da mancha urbana dá-se pela detecção das dinâmicas ocorridas, por intermédio de análises qualitativas e quantitativas, que podem ser obtidas com o emprego de técnicas e métodos em geoprocessamento (XU e MIN, 2013; FITZ, 2008; SILVA, 2007). Entre as vias metodológicas, comuns aos estudos quali-quantitativos sobre expansão urbana e transformações da paisagem, destacam-se as interpretações temporais de imagens de sensores remotos (aerofotos e/ou imagens de satélite) (Liu, 2008; Campbell, 2007; Novo, 1998). Essas análises viabilizam, entre outras, a quantificação do crescimento da mancha urbana, que dada em um ambiente SIG (Sistema de Informação Geográfica) apresenta elevada acurácia (BLASCHKE & LANG, 2007). Embora a quantificação da área acrescida à mancha urbana preexistente seja uma das principais métricas para o monitoramento da distensão do tecido urbano, esta informação, por si só, não permite identificar, em uma perspectiva analítica, a dinâmica de expansão urbana para a compreensão da relação entre esses “novos espaços” acrescidos e o tecido urbano consolidado. Nesse sentido, Araruna e Bentes (2013) indicam a necessidade de classificar esse crescimento da mancha urbana, em função de aspectos espaciais, que consideram, entre outros, a relação de proximidade e de interação entre esses novos espaços e o tecido consolidado. Araruna e Bentes (2013) classificam o tipo de crescimento da mancha urbana em três padrões pautados nas características de dispersão, a saber: “1) conectada – ligada à malha urbana (intraurbana) preexistente; 2) de borda – limítrofe entre os usos urbano e rural; 3) desconectada – desligada da malha urbana e circundada pelo uso rural”. Para autores como Inostroza et al. (2013), essa configuração espacial, adotada pela mancha urbana,

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ao longo de seu processo histórico (relação entre os novos espaços acrescidos a mancha urbana e o tecido preexistente) é classificada como: infill (preenchimento) – inserção de elementos do tecido urbano em vazios urbanos do tecido preexistente; axial (axial) – urbanização em áreas de continuidade do tecido urbano preexistente mas seguindo estruturas axiais (ex.: vias); isolated (isolado) – espraiamento em descontinuidade do tecido da borda urbana. Quando o crescimento da mancha urbana dá-se em descontinuidade ao tecido urbano preexistente há, nessa expressão espacial, o apontamento da adoção de um modelo de expansão urbana que fortalece a distensão do tecido em um espraiamento avantajado e sem aparente contenção do avanço da mancha urbana sobre áreas e usos não-urbano adjacentes. Já o crescimento urbano dado pela inserção de “novos espaços urbanizados” em vazios urbanos do tecido preexistente, representa um crescimento urbano que preserva a delimitação (o contorno) da mancha urbana e contém a sua distensão sobre a paisagem vizinha (ALLY e ATTWA, 2013; INOSTROZA et al., 2013; ARARUNA e BENTES, 2013). João Pessoa, capital paraibana, cidade de porte médio, localizada no nordeste do Brasil, constitui-se em um instigante objeto de estudo, com fins às análises das dinâmicas espaciais da mancha urbana. Já no início da década de 2010, a cidade apresenta mancha urbana em elevada proximidade aos limites politicos-administrativos do município, exibindo um percentual de urbanização de 99% (Censo IBGE, 2010). A presente configuração suscita questionamentos quanto às transformações espaciais, sobretudo quanto à evolução do crescimento dessa mancha urbana, a saber: Quais intervalos temporais se destacam (maior e menor quantidade de áreas acrescidas à mancha urbana)? Quais os tipos de crescimento predominante em cada década analisada? Houvera um tipo de crescimento padrão para a mancha urbana? É sabido que a caracterização e o monitoramento do crescimento da mancha urbana são ferramentas valiosas, que fornecem subsídios às tomadas de decisão relativas ao gerenciamento e planejamento da cidade. Diante do exposto, desenvolvemos o presente estudo objetivando caracterizar o crescimento da mancha urbana de João Pessoa, com ênfase na 56

análise do tipo de crescimento da mancha urbana, da década de 1960 à década de 2010, através de métodos e técnicas em geoprocessamento.

Metodologia Identificação das dinâmicas espaciais da mancha urbana

Com fins de identificar a dinâmica espacial da mancha urbana foi selecionado intervalo temporal correspondente ao aumento do grau de urbanização (crescimento vegetativo da população urbana e, ou, migração) e intensificação da ocupação do solo para usos urbanos no município, a saber, o intervalo compreendido entre as décadas de 1960 e 2010. Foram utilizados recursos como base de dados tantos quantos disponíveis para cada unidade espaçotemporal analisada (Quadro 1). Para analisar as transformações da mancha urbana com maior acurácia, as informações foram trabalhadas em ambiente SIG, em um programa livre para análise espacial e de informação geográfica, Quantum GIS. Os dados espaciais, obtidos através de mapas e imagens de satélites, foram georreferenciados e vetorizados e, a partir destes, foram elaborados mapas temáticos da expansão urbana de João Pessoa (1963 a 2011). Para quantificar o crescimento da mancha urbana foram identificados e mapeados os sítios com ocupação urbana, de 1963 a 2011. Neste trabalho, foram consideradas como sítios com ocupação urbana as áreas que apresentaram ao menos um dos componentes do tecido urbano, conforme Panerai (2006), a saber, presença de: a) redes viárias; b) parcelamento fundiário; e/ou c) edificações.

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Quadro 1. Base consultada para análise do crescimento espacial da mancha urbana de João Pessoa (1963 – 2011).

ANO

BASE DE CONSULTA

FONTE

1963

Lavieri e Lavieri (1992)

1970

SUDENE (1970)

1979

Mapa da Cidade de João Pessoa

Lavieri e Lavieri (1992)

1985

Plano Diretor de Transportes Urbanos da Cidade de João Pessoa (PDTU – PMJP/Governo Estadual da Paraíba, 1985)

1992

Plano Diretor da Cidade de João Pessoa (PD-PMJP, 1994).

1998

Ortofotocarta, datadas de maio e junho de 1998

Material cedido pela Secretaria de Planejamento Municipal de João Pessoa, Divisão de Geoprocessamento (PMJP)

2004

Imagem de satélite Worldview

Secretaria de Planejamento Municipal de João Pessoa, Divisão de Geoprocessamento (PMJP)

2009

Imagem de satélite Geoeye

Programa de livre visualização de imagens de satélite, Google Earth.

2011

Imagem de satélite Geoeye

Programa de livre visualização de imagens de satélite, Google Earth.

entre os usos urbanos e não-urbanos (área rural e/ou áreas de preservação) (Figura 1b); c) isolado, quando os espaços acrescidos à macha urbana estão em descontinuidade completa em relação ao tecido preexistente, representando espaços urbanos isolados (e/ou de baixa conectividade, unindo-se, por exemplo, ao tecido preexistente por uma via) que, em geral, são circundados por usos não-urbanos (Figura 1c). Figura 1. Ilustração dos Tipos de Crescimento da Mancha Urbana. “a”; crescimento em preenchimento; “b”, crescimento em borda; “c”, crescimento isolado. Os números 1, 2, 3 e 4, que acompanham as letras indicativas do tipo de crescimento, indicam algumas variações espaciais para o tipo de crescimento ilustrado.

Para conhecimento da área expandida foi delimitada a área de ocupação urbana, em km2, para cada ano analisado. Posteriormente, para determinação da quantidade de área acrescida à mancha urbana preexistente procedeu-se à diferença entre a área urbana final e a área inicial, para os intervalos temporais analisados.

Identificação do tipo de crescimento da mancha urbana Os espaços acrescidos à mancha urbana foram classificados quanto ao tipo de inserção em relação à mancha urbana preexistente, segundo adaptação da classificação de Araruna e Bentes (2013) e Inostroza et. al. (2013), sendo considerados os crescimentos: a) preenchimento, quando os espaços acrescidos à mancha urbana foram estabelecidos em áreas cujo entorno, ao menos 75% do perímetro, já estava ocupado anteriormente (mancha urbana preexistente) (Figura 1a); b) borda, quando os “novos” espaços da mancha urbana foram estabelecidos em áreas periféricas do tecido, geralmente em áreas limítrofes 58

Elaborado pelos autores (2014), adaptado de Araruna e Bentes (2013) e Inostroza et. al. (2013)

Estudo de Caso: Crescimento da Mancha Urbana na Cidade de João Pessoa O município de João Pessoa está localizado no extremo oriental do estado da Paraíba e ocupa uma área de 210,45 Km2 (0,3% da PB). Capital paraibana limita-se, ao norte, com o município de Cabedelo (rio Jaguaribe); ao sul, com o Município do Conde (rio Gramame); ao leste, com o Oceano Atlântico; e, ao oeste, com o município de 59


Figura 2. Localização do Município de João Pessoa, Paraíba, Brasil.

Santa Rita (rios Mumbaba e Paraíba) e com o município de Bayeux (rio Sanhauá). Localiza-se entre as latitudes 7º15’0”S e 7º3’0”S e longitudes 34º52’W e 34º48’0’’W (Figura 2). A cidade teve a sua fundação em 1585, com mancha urbana inicialmente correspondente a uma reduzida área, abrigando o núcleo administrativo, religioso e prédios para moradia de uma população inferior a 1000 habitantes. Atualmente, João Pessoa, cidade de porte médio, possui 723.515 habitantes (IBGE, 2010). A cidade de João Pessoa, em um intervalo de aproximadamente 50 anos, teve a sua mancha urbana desenhada e redesenhada para acomodar o acréscimo de populações e de áreas de ocupação urbana ao tecido preexistente, durante o seu processo histórico, de 1963 a 2011. De forma geral, observa-se que a área da mancha urbana de João Pessoa se expandiu a uma área quase seis vezes 60

maior que àquela mancha urbana correspondente ao ano de 1963 (Tabela 1). Durante o período de 1963 a 1985, a mancha urbana se expandiu de maneira crescente e contínua. O intervalo citado corresponde ao incremento de aproximadamente 70% da área total atual da mancha urbana de João Pessoa (Tabela 1). O crescimento mais proeminente ocorre durante os intervalos temporais de 1970 a 1979 e de 1979 a 1985, correspondendo, respectivamente, a 20,33 km2 e 29,07 Km2 de área urbana acrescida à mancha urbana preexistente (Tabela 1). Ano

Área Expandida (Km2)

Área da Mancha Urbana (Km2)

1963

*

19,9506

1970

11,1834

31,134

1979

20,3296

51,4636

1985

29,0666

80,5302

1992

10,6024

91,1326

1998

10,423

101,5556

2004

4,097

105,6526

2009

8,341

113,9936

2011

2,51

Área Total da Mancha Urbana (1963-2011)

Tabela 1. Área de ocupação urbana de João Pessoa, Paraíba, Brasil, de 1963 a 2011.

116,5036 116,5036 km2

*Dado ausente, pois o ano de 1963 representa o início do recorte temporal.

A dinâmica espacial da mancha urbana de João Pessoa, no intervalo de 1979 a 1985, justifica-se, sobretudo, pelo estabelecimento de grandes vias e conjuntos habitacionais, elementos, reconhecidamente, geradores e reguladores do espaço. Em 1962, o Governo Federal anunciara a liberação de verbas para a ampliação e construção de trechos de conexão à rodovia BR230: um em orientação sul, conectando a área central da mancha urbana de João Pessoa, em 1963, com a BR-101; e o outro em orientação oeste, estabelecendo conexão do bairro do Varadouro, em João Pessoa, com o município de Bayeux, que a época, havia sido recém elevado ao nível de município. Em paralelo a este contexto, em 1964, foi criado o Banco Nacional da Habitação (BNH), com o intuito de articular a política nacional de habitação e estimular a construção de habitações de interesse social e o financiamento 61


da aquisição da casa própria. O principal público alvo era a população de baixa renda, que em função do mercado imobiliário (e de mecanismos conjuntos de segregação socioespacial), foram comumente conduzidos aos espaços periféricos, distanciados dos centros urbanos. Em João Pessoa, as políticas de habitação decorrentes da criação do BNH surtiram efeito produzindo a distensão da mancha urbana em orientação sul. De acordo com Cavalcanti (1999), o início da ocupação da região sul é marcado pela construção do conjunto habitacional Castelo Branco, em 1969. Com 630 unidades, foi o maior conjunto habitacional construído na época, e o primeiro empreendimento a localizar-se além do limite urbano ao sul. Nesse sentido, destaca-se, ainda, a construção do conjunto habitacional Costa e Silva (1971), que representou um marco importante no processo de apropriação das bordas da cidade (Cavalcanti, 1999). A partir de 1975, com o fim do chamado “milagre econômico brasileiro”, os financiamentos isolados começaram a reduzir. Diante disto, o BNH reativou o mercado popular de habitação, por meio da substituição dos financiamentos individuais pela construção de conjuntos habitacionais, sendo esta uma tendência nacional, também verificada em João Pessoa. Entre 1975 e 1979, mais três conjuntos habitacionais foram estabelecidos em espaços periféricos de João Pessoa: Ernani Satiro, Ernesto Geisel, e José Américo, com financiamento pela Companhia Estadual de Habitação Popular (CEHAP), Estado da Paraíba. Esses conjuntos habitacionais tinham como público alvo a população que residia em áreas com baixo nível de infraestrutura, como falta de pavimentação, saneamento básico, transportes urbanos coletivos e abastecimento de água. Ainda na década de 1970, outro fato contribuinte ao crescimento da mancha urbana foi a aceleração do processo de favelização da cidade, contando com 16 assentamentos subnormais para o período citado, intensificando-se ao longo dos anos. Destaca-se que o perfil da população residente nessas regiões era composto por inadimplentes dos conjuntos do BNH. Na década de 1980, surgem os conjuntos habitacionais Grotões, Valentina Figueiredo, Funcionários II e os conjuntos Mangabeira I e II. Com estas construções o crescimento da mancha 62

urbana foi orientado na direção sudeste. Cabe ressaltar que os conjuntos citados se interligavam diretamente às vias de grande fluxo, como a BR-230, BR-101 e a Avenida Hilton Souto Maior, o que possivelmente atuou como atrativo e estimulador a ocupação desses conjuntos e/ou áreas vizinhas. Em 1985, a região que hoje compreende o bairro Barra de Gramame foi loteado, porém não ocupado. Na época, a região ainda fazia parte da zona rural do município. A partir de 1985, embora a mancha urbana tenha apresentado crescimento contínuo, o volume de área acrescida, ao longo dos anos, tornou-se cada vez menos expressivo, sobretudo durante os intervalos de 1998 a 2004, e de 2009 a 2011, com área expandida equivalente a 4,097km2 e 2,51 km2, respectivamente (Tabela 1). Apenas entre 2004 e 2009 a mancha urbana retorna a uma escala ascendente de área acrescida à mancha urbana, expandindo 8,341 km2 (Tabela 1). A pouca expressividade da expansão da mancha urbana de João Pessoa, a partir de 1985, pode ser vinculada a inviabilidade de acesso da baixa renda a créditos habitacionais de recursos públicos estaduais, ou sob gestão nacional. Com o fim do BNH, em 1986, as ações de construção de conjuntos habitacionais perdeu força, tendo apenas ações pontuais. Além disto, outro fator atuante foi a readequação do plano diretor ao estatuto das cidades em 2008, promovendo o adensamento em vazios urbanos e regulando, assim, o crescimento da mancha urbana. Em meados da década de 2000, mudanças no cenário das políticas públicas para habitação de interesse social podem ser vinculadas ao crescimento da mancha urbana de João Pessoa, de 2004 a 2009. Durante este período ressalta-se que o crescimento da mancha urbana teve sítio preferencial as áreas periféricas, sobretudo na região sul da cidade, neste caso correspondendo aos bairros de Gramame e Muçumagro, em direção ao município do Conde, onde o preço da terra apresentava-se mais acessível.

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Expansão urbana e padrão de

Figura 3. Padrão de distribuição espacial da mancha urbana de João Pessoa (1963-2011).

distribuição espacial A expansão da mancha urbana de João Pessoa não ocorreu de forma radial – regular e equidistante. Nota-se que ao longo dos intervalos temporais analisados a mancha urbana tem áreas incrementadas em regiões distintas, que obedecem à lógica de planejamento da cidade e/ou ao mercado imobiliário. Tomando o ponto inicial de ocupação de João Pessoa, em 1585, como referência, a expansão da cidade, até 1963, se deu em orientação leste, em um raio de distância de 5 km (Figura 3). Este percurso tem como elementos estruturantes as vias Av. Epitácio Pessoa, Av. Senador Ruy Carneiro, BR-203 e a BR101. A área expandida corresponde às ocupações nos bairros do Centro, com Roger, Varadouro, Tambiá, Bairro dos Estados, Bairro do Ipês, Mandacaru, Brisamar, Pedro Gondim, Tambaú e Manaíra, ligeiramente ao norte; e Trincheiras, Jaguaribe, Torre, Expedicionários, Miramar, Cabo Branco, Ilha do Bispo, Cruz das Armas, Castelo Branco e Oitizeiro, ligeiramente ao sul. As ocupações até 1970 fazem com que a mancha urbana se expanda a um raio de distância do ponto inicial de ocupação da cidade superior a 8 km, orientadas ao leste, nordeste, este-sudeste, sul e oeste-sudoeste (Figura 3). Estas ocupações correspondem a células nos bairros de Tambaú, Manaíra, Jardim Oceania, Treze de Maio, Bessa, Ilha do Bispo, Cruz das Armas, Oitizeiro, Cristo Redentor, Varjão, Castelo Branco, Jardim São Paulo, Jardim Cidade Universitária e Anatólia.

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As áreas acrescidas à mancha urbana, de 1970 até 1979, fazem com que esta atinja um raio superior a 10 km de distância do ponto inicial (Figura 3). As ocupações se dão em núcleos orientados de forma semelhante ao período de 1963 a 1970 e correspondem aos bairros de Bessa, Jardim Oceania, Aeroclube, Manaíra, Alto do Céu e Padre Zé (os bairros inteiros), Mandacaru, Bairro dos Ipês, Brisamar, Tambaú, Miramar, Tambauzinho, Expedicionários, Castelo Branco, Altiplano, Bancários, Alto do Mateus, Ilha do Bispo, Oitizeiro, Jardim Veneza, Distrito Industrial, Costa e Silva, Cristo Redentor, Ernani Sátiro, Ernesto Geisel, Água Fria, José Américo, Jardim Cidade Universitária e Portal do Sol. Ressalta-se, ainda, que as ocupações ocorridas de 1970 a 1979 concentram-se no quadrante leste-sul (Figura 3). Entre 1979 e 1985, as áreas com ocupação urbana estiveram em um raio de distância máxima, do ponto inicial de ocupação, superior a 15 km (Figura 3). Durante este período a expansão urbana orientou-se a nordeste, este-sudeste, sul-sudeste, sul e sulsudoeste (Figura 3) e corresponderam a células de ocupação nos bairros de Bessa, Aeroclube, São José, Brisamar, Bairro dos Ipês,

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Alto São Mateus, Oitizeiro, Varjão, Cristo Redentor, Água Fria, Jardim São Paulo, Cidade dos Colibris, José Américo, Bancários, Jardim Cidade Universitária, Altiplano, Ponta dos Seixas, Penha, Mangabeira, Jardim São Paulo II, Costa e Silva, Funcionários, Ernesto Geisel, Gramame (porção vizinha ao Costa e Silva e ao Valentina), Grotão, Cuiá, Planalto da Boa Esperança, Valentina, Muçumagro e Barra de Gramame. As áreas acrescidas à mancha urbana, de 1985 a 1992, ocorreram dentro do raio de distância máxima do ponto inicial de ocupação equivalente a 14 km e expandiram-se às orientações nordeste, leste, este-sudeste, sul-sudeste, sul e sul-sudoeste (Figura 3). Estas áreas correspondem a células nos bairros de Aeroclube, Manaíra, Padre Zé, Altiplano, Castelo Branco, Água Fria, Mangabeira, Cristo Redentor, Oitizeiro, Jardim Veneza, Bairro das Indústrias, Distrito Industrial, Ernani Sátiro, Costa e Silva, Cuiá, Valentina, Paratibe e Muçumagro. Entre 1992 e 1998, as áreas com ocupações urbanas acrescidas à urbe ocorreram em um raio de distância máxima, do ponto inicial de ocupação, correspondente a 17 km, com estabelecimento orientado a leste, este-sudeste, sul-sudeste, sul e sul-sudoeste (Figura 3). As ocupações foram estabelecidas em células nos bairros de Costa do Sol, Mangabeira, Cidade dos Colibris, José Américo, Cuiá, Ernesto Geisel, João Paulo II, Gramame, Paratibe, Muçumagro e Barra de Gramame. No período de 1998 a 2004, as áreas com ocupação urbana estiveram a um raio de distância máxima, do ponto inicial de ocupação urbana, equivalente a 12 km, e se estabeleceram ao nordeste, este-sudeste, sudeste e sul-sudoeste (Figura 3). As ocupações foram estabelecidas em regiões periféricas oeste dos bairros do Varadouro e Róger, e nos bairros dos Bancários, Portal do Sol, Jardim Cidade Universitária, Penha, Ponta do Seixas, Mumbaba, Bairro das Indústrias e Distrito Industrial. De 2004 a 2009, as áreas com ocupação urbana estiveram a um raio de distância máxima, do ponto inicial de ocupação urbana, equivalente a 12 km, com orientação de expansão no quadrante leste-sudeste ao sul-sudoeste (Figura 3). As ocupações foram estabelecidas em células nos bairros Portal do Sol, Mangabeira, Costa do Sol, Água Fria, José Américo, Cuiá, Enerto Geisel, João Paulo II, Ernani Sátiro, Distrito Industrial, Gramame, Paratibe e Muçumagro.

De 2009 a 2011, as áreas com ocupação urbana estiveram a um raio de distância máxima do ponto inicial de ocupação urbana aproximada a 15 km, com orientação de expansão ao nordeste, leste, este-sudeste, sul-sudeste, sul e ao sul-sudoeste (Figura 3). As ocupações urbanas foram estabelecidas nos bairros Altiplano, Mangabeira, Costa do Sol, João Paulo II, Gramame, Planalto da Boa Esperança e Barra de Gramame. Conforme apontado, desde o final da década de 1970 as áreas periféricas do Município de João Pessoa, sobretudo àquelas situadas no recorte sul ao sudeste, têm sido o principal sítio de acomodação da expansão urbana.

Tipos de crescimento Os espaços acrescidos à mancha urbana, da década de 1960 a década de 2010, apresentaram diferentes padrões quanto ao tipo de crescimento, variando em intensidade (quantidade de área acrescida), ao longo do tempo (Figura 4). Ressalta-se que a classificação utilizou a mancha urbana preexistente como referência, logo o espaço-tempo 1963 não foi classificado, uma vez que neste trabalho é a unidade espaço-tempo referência inicial. De forma geral, observa-se que a mancha urbana apresentou como tipo padrão o crescimento em borda, sobretudo no intervalo compreendido entre os anos de 1963 a 1985 (Figura 4). Durante este intervalo a quantidade de áreas de borda foi superior a 70% das áreas acrescidas à mancha urbana, chegando a 94,5% entre os anos de 1970 e 1979. À predominância de crescimento em borda excetuam-se apenas os períodos de 1985 a 1992, por apresentar investimentos em igual proporção entre o crescimento em borda e isolado; e o período de 2004 a 2009, por haver um maior investimento em crescimento urbano em preenchimento (Figura 4). O incremento de espaços urbanos em descontinuidade ao tecido preexistente, dito crescimento isolado, se apresenta como padrão subsequente de crescimento urbano entre os anos de 1963 e 1998 (Figura 4). Observa-se a ascendência de investimento em crescimento isolado de 1979 a 1998 (Figura 4). A partir desta última data, o crescimento isolado torna-se inexistente, havendo 67


Figura 4. Tipo de Crescimento da Mancha Urbana de João Pessoa, Paraíba, Brasil (1963-2011).

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um discreto incremento, de 0,05 km2, apenas entre 2004 e 2009 (Figura 3). Inostroza et al. (2013) apontam que a predominância de crescimento da mancha urbana em borda e/ou isolado caracterizam a adoção de um modelo de expansão urbana fragmentado. Cabe ressaltar que, embora esses tipos de crescimento sejam grandes forças de distensão da mancha urbana, podem apresentar baixa densidade, pontuando os conflitos e a certa cisão entre a acessibilidade e o uso e a ocupação da terra urbana, registrando, segundo Meyer (2006), as “peças urbanas” da cidade difusa, em contraposição à “visão de totalidade” das cidades compactas e convergentes. Acrescenta-se, ainda, que o incremento da mancha urbana ocorrido em borda e/ou isolado configura o avanço da mancha urbana sobre áreas rurais e/ou sobre fragmentos de vegetação remanescente, atuando enfaticamente na modificação da paisagem. Consequência importante do espraiamento urbano (tipos de crescimento da mancha urbana em borda e/ou isolado), e, por conseguinte decorrência do deslocamento dos limites periféricos da cidade, na área social, é a crônica deficiência infraestrutural e o baixo nível de provimentos urbanos, em função da localização, das características do sítio geográfico e da morfologia. Geralmente, esses espaços em descontinuidade ao tecido preexistente da mancha urbana, setor menos assistido em provimentos urbanos, no âmbito de uma estrutura urbana pouco sistêmica, fragmentada e espraiada, acomodam, com algumas exceções, a população de baixa renda, representando a segregação socioespacial. Quanto ao crescimento da mancha urbana em preenchimento, nota-se que em João Pessoa, de 1963 a 2011, as áreas com este tipo de crescimento ocorreram em todos os intervalos analisados e apresentam-se inversamente proporcionais ao crescimento em borda e/ou isolado (Figura 3). Ressalta-se que o maior investimento em incremento de espaços urbanos em preenchimento ocorre a partir de década de 2000, com destaque para o período de 2004 a 2009, em que este tipo de crescimento torna-se predominante (Figura 4). De acordo com Ally e Attwa (2013), o incremento de espaços urbanos em preenchimento desempenha um papel fundamental para a conservação da terra urbanizável, posto como alternativa 69


para o desenvolvimento da expansão urbana, em vias sustentáveis. Os autores apontam que este tipo de crescimento urbano, além de conter o espraiamento avantajado, pode tirar proveito da infraestrutura existente.

Conclusões As dinâmicas apresentadas pela mancha urbana de João Pessoa, Paraíba, Brasil, podem ser enxergadas como a expressão espacial da complexa relação entre a sociedade que as ocupa e as características territoriais associadas a esses espaços socialmente ocupados, ao longo de seu processo histórico. A análise das dinâmicas apresentadas pela urbe apontou que a mancha urbana quase sextuplicou sua área, da década de 1960 a 2010. A maior quantidade de área acrescida deu-se durante as décadas de 1970 (20,33 km2) e 1980 (29,07 km2). Após a década de 1980, a expansão tornou-se menos expressiva, sobretudo nas décadas de 2000 (4,097 km2) e 2010 (2,51 km2). As grandes quantidades de áreas incrementadas justificam-se, sobretudo, pelo estabelecimento de grandes vias e conjuntos habitacionais, elementos, reconhecidamente, gerados e reguladores do espaço. Quanto ao tipo de crescimento, o acréscimo em borda foi predominante, sobretudo nas décadas de 1960 a 1980. O crescimento isolado ocorreu apenas da década 1970 a 1990. Já o crescimento em preenchimento, ocorreu em todos os intervalos analisados, sendo inversamente proporcional ao crescimento em borda e/ou isolado. Esta configuração aponta a que o modelo de expansão urbana, predominantemente adotado por João Pessoa, foi a expansão fragmentada, resultado de ações conjuntas para a produção de espaços segregados. Torna-se interessante pontuar que, o desaparecimento do crescimento urbano do tipo isolado e maior investimento em incremento de espaços urbanos em preenchimento ocorrem no espaço-tempo no qual o solo passível de urbanização, para além do perímetro da mancha urbana, é escasso. Nesse sentido, a adoção do tipo de crescimento urbano em preenchimento parece ocorrer como consequência da fragmentação urbana, assistida ao 70

longo do processo histórico, e não como medida para desestimular a distensão fragmentada. Diante do rápido consumo do solo passível de ocupação urbana, aponta-se como cenário futuro a alteração no tipo de crescimento predominante da mancha urbana. Diante da escassez de áreas passíveis de urbanização é provável que haja consumo de áreas rurais com fins aos usos urbanos, configurando crescimento em borda e/ou isolado, bem como a tendência de condução de crescimento da mancha urbana em preenchimento, com fins a ocupação de vazios urbanos e/ou áreas subutilizadas. Ressaltamos que os breves resultados aqui apontados prestam-se ao início de uma discussão sobre o espaço urbano e os modelos de expansão em tela, que, longe de ser esgotada, deve ser aprofundada e complementada por outros estudos configuracionais, sociais, econômicos e culturais para melhor entendimento do espaço, com fins de aplicação ao planejamento urbano e ambiental.

Agradecimentos Os autores agradecem as agências de fomento à pesquisa Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoa de Nível Superior (CAPES) pela concessão de bolsas de pesquisa e financiamento de projetos aos quais se vinculam este trabalho.

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Distensão Intraurbana:

Os Espaços Periféricos Limítrofes da Cidade de João Pessoa1

Brunielly de Almeida Silva Milena Dutra da Silva José Augusto Ribeiro da Silveira

Introdução As áreas urbanas brasileiras, como amplamente enunciadas, vivenciaram um crescente aumento em sua população urbana, sobretudo nas últimas décadas, fato que colaborou para a composição de cenário de urbanização acelerada, associada, entre outros aspectos, à industrialização e aos processos políticos e de desenvolvimento econômico. Essas aglomerações urbanas surgiram no sentido de viabilizar as relações entre os atores econômicos e sociais da cidade, configurando menores distâncias casa/trabalho, consumidores/ trabalhadores. Assim, as cidades se tornaram parte substancial da produção econômica do país (NETTO, 2010). O aumento da mancha urbana dá-se, então, por dinâmicas que caracterizam e diferenciam a produção dos espaços urbanos. No escopo desse dinamismo, observam-se modelos nos quais cidades se expandem em direção aos seus “espaços limites”, constituindo um modo centro/periferia, que resulta na segregação espacial de grupos de pessoas na cidade. Essa dispersão reproduz o fenômeno conhecido como sprawl urbano, onde a mancha urbana tende a se espraiar pelo 1 Parte do relatório científico produzido no âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC)/Universidade Federal da Paraíba, sob a orientação do Prof. José Augusto Ribeiro da Silveira.

território, se estendendo em direção às suas áreas limite. Trata-se de um modelo de urbanização suburbana, com um crescimento descontínuo, associado à formação de áreas, que geralmente, apresentam baixas densidades demográficas; em um processo que pode ter sua gênese em grupos sociais que mercantilizam essas áreas como sinônimo de qualidade de vida, tanto para habitações populares quanto para condomínios de alta renda (BECHELLI et al. 2010). No entanto, os resultados são bastante negativos, sobretudo quanto ao aspecto socioeconômico, uma vez que as pessoas se dispersam em setores da cidade, ampliando a necessidade de investimentos em infraestrutura, meios transportes e moradia. Há, inegavelmente nesse processo, uma desproporção de investimentos públicos, desprovendo essas áreas de serviços básicos. Evidencia-se, ainda, o prejuízo às questões ambientais, pois o avanço dessa urbanização em orientação aos espaços limítrofes pode gerar pressão em remanescentes florestados e/ ou áreas de preservação em advento de desmatamento, poluição de rios e ocupação do solo em áreas ambientalmente frágeis (ROGERS, 1997). Essa expansão urbana horizontal e a ocupação de espaços de transição rural-urbana é um processo recorrente em cidades brasileiras, tornando-se importante entendê-lo e planejá-lo para que essa distensão possa ocorrer de forma sustentável e/ou menos onerosa. Para Santoro (2012), se o crescimento das cidades ocorrido após a Segunda Guerra Mundial tivesse sido planejado e estruturado não teria ocorrido tão descontroladamente como aconteceu. De acordo com Arroyo (2007), os espaços periféricos, chamados de bordas ou franjas urbanas, além de se referir às áreas que se mantém a margem, no limite, definem também áreas de transição, um estado intermediário entre regiões adjacentes, que expressam espacialidades e temporalidades distintas. São áreas dinâmicas, sem definições e constituições fechadas, estáticas. João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, é uma cidade de porte médio que teve seu aumento populacional e, por conseguinte, da mancha urbana, intensificado a partir dos anos 1960, quando a população residente urbana saltou de 155.117 para 228.418 habitantes em 1970, um acréscimo de 98% (IBGE, 75


2010). O índice de urbanização no Estado também evoluiu, e no ano 2000, atingiu 71,06%. Esses aumentos estiveram relacionados à nova demanda populacional, ao planejamento urbano e políticas públicas de implantação de conjuntos habitacionais, além da especulação do setor imobiliário nessas áreas. A cidade iniciou sua expansão em direção aos eixos leste, com a ocupação da orla marítima, e ao sul. Nessas dinâmicas intraurbanas ocorreram deslocamentos fragmentados, dispersos, com ocupações precárias em áreas sem disponibilidade de infraestrutura urbana, gerando espaços segregados socioespacialmente, desconectados do núcleo consolidado da cidade. Entendendo-se a borda urbana como a área perimetral do município, adjacente às fronteiras político-administrativas, podese lê-la como uma faixa territorial que circunda toda a cidade, englobando bairros com características completamente distintas, desde à morfologia aos níveis de macroacessibilidade em relação à região consolidada da urbe, desde os processo de produção de espaço às características socioeconômicas da população residente. O estudo desses aspectos, bem como a análise comparativa desses bairros são os interesses desse trabalho. Os bairros considerados periféricos, nesses trabalho, não estão associados unicamente às suas questões socioeconômicas, mas às suas conformações espaciais e geográficas, em relação aos espaços limites da cidade. O termo periferia é comumente associado ao baixo padrão econômico e baixos índices de serviços urbanos, conforme afirmam Ribeiro e Silveira: ‘’historicamente, nas cidades latino-americanas, a periferia física quase sempre coincidiu com a periferia no sentido social. Ao longo das fases históricas, a borda periurbana, com raras exceções, representa o setor menos assistido em provimentos urbanos gerais. Esse fenômeno foi ainda agravado na condição contemporânea, onde a superacumulação amplia as desigualdades e os modelos estruturais urbanos globalizados tornam a estrutura urbana pouco sistêmica, muito fragmentada e espraiada’’ (RIBEIRO E SILVEIRA, 2009, p.3). 76

Apesar dessas variações de sentido, bairros considerados de alta renda podem fazer parte da área periférica, decorrentes das peculiaridades, morfologia e processo de produção do espaço de cada cidade. A partir do recorte espacial considerado (bairros situados na borda intraurbana), a análise visa entender o desenvolvimento estrutural da cidade como um todo, que é influenciado por diferentes fatores e condicionantes. Tendo como objetivo identificar e caracterizar diferentes tipos de bordas urbanas que compõe os espaços periféricos da cidade de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba. O desenvolvimento e os resultados obtidos nesse trabalho integram um projeto maior, intitulado ‘’Produção e apropriação do espaço nas fronteiras intraurbanas de cidades de porte médio: um estudo sobre a dinâmica da ocupação e do uso do solo nas bordas da cidade de João Pessoa-PB, Brasil’’, do Projeto de Pesquisa do Programa Nacional de Pós-Doutorado (PNPD Institucional/CAPES, 2011), associado ao Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado (LAURBE), do Centro de Tecnologia da Universidade Federal da Paraíba (CT/UFPB).

Metodologia Área de estudo A cidade de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, é considerada de porte médio, possui uma área territorial de 211,475 km² e população estimada de 769.607 habitantes em 2013 (IBGE, 2010). No intuito de identificar, classificar e analisar as dinâmicas de ocupação dos bairros situados nas fronteiras políticoadministrativas da cidade foi selecionado um recorte espacial de 27 bairros periféricos, que tiveram sua ocupação intensificada dentro do intervalo temporal de 1960 a 2011. Os bairros englobados foram: Bessa, Aeroclube, Jardim Oceania, Manaíra, Tambaú, Cabo Branco, Ponta do Seixas, Penha, Costa do Sol, Barra de Gramame, 77


Gramame, Muçumagro, Paratibe, Distrito Industrial, Bairro das Indústrias, Mumbaba, Jardim Veneza, Oitizeiro, Alto do Mateus, Ilha do Bispo, Varadouro, Roger, Padre Zé, Alto do Céu, Bairro de Ipês, João Agripino e São José (Figura1).

as zonas norte e sul da cidade. A figura 2 apresenta a composição desses setores periféricos. Figura 2. Setorização dos bairros periféricos da cidade de João Pessoa, PB, adotados neste estudo.

Figura 1. Localização dos bairros periféricos da cidade de João Pessoa, PB.

Os bairros componentes do espaço periférico da cidade de João Pessoa foram agrupados de acordo com similaridade de características socioeconômicas, geográficas e ambientais. Essa setorização visou facilitar o entendimento desses fragmentos, uma vez que se distinguem trechos de bordas urbanas com dinâmicas diferentes. Nesses setores há bastante disparidade, desde o processo de ocupação urbana, perfil da população residente à disponibilidade de infraestrutura e serviços, principalmente entre 78

Para a determinação de áreas de preservação ambiental foi utilizado o zoneamento definido pelo Código de Urbanismo (2005). Esses dados foram georreferenciados e vetorizados para definição dos percentuais de áreas com restrição ambiental à ocupação urbana.

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Resultados e Discussão Expansão urbana e os espaços periféricos da cidade

Ao analisar o início da ocupação dos bairros periféricos de João Pessoa, que se deu até a década de 1980, perceberam-se as características e resultados distintos desse processo. Até a segunda metade do século XIX havia uma concentração da malha urbana em torno da cidade baixa e alta, que englobava bairros como Centro, Varadouro, Trincheiras, e posteriormente Cruz das Armas e Roger, conferindo ao setor 6 os primeiros marcos de ocupação urbana na cidade (Figura 2 e 3). A partir do século XX, com a disseminação no cenário nacional dos ideais de reformas urbanas, influenciados pela iniciativa do prefeito Pereira Passos, no Rio de Janeiro, ocorreram reformas e melhoramentos urbanos em João Pessoa. Nas décadas de 1920, 1930 e 1940, associado ao desenvolvimento dos meios de transporte (transição de trens e bondes aos automóveis e ônibus) houve um impulso na superação das distâncias físicas na cidade, iniciando um processo de expansão urbana, primeiro em direção ao leste, através da Avenida Epitácio Pessoa e em seguida ao sul, por meio da Avenida Cruz das Armas (Figura 2). De acordo com Oliveira (2006), foi durante os governos de Nestor de Figueiredo e Oswaldo Trigueiro, na década de 1940, que foram apresentadas propostas de saneamento para o parque Sólon de Lucena e a Avenida Cruz das Armas começou a ser pavimentada, além de terem ocorridos investimentos em infraestrutura e implantação de serviços que intensificaram a ocupação dos bairros ao longo desses eixos de expansão. Desse modo, até 1963, bairros como Varadouro, Ilha do Bispo, Roger, Bairro dos Ipês, Cabo Branco, Manaíra e Tambaú já tinham iniciado sua ocupação, estendendo a mancha urbana da cidade aos setores 1 e 2 (Figura 2 e 3). O processo de ocupação dos bairros da orla marítima (Bessa, Aeroclube, Manaíra, Tambaú, Cabo Branco, Penha, Ponta do Seixas, Costa do Sol e Barra de Gramame) apresentou intervalos diferentes. Para Sousa e Sarmento (2014) a urbanização da faixa 80

costeira se expandiu a partir de um núcleo localizado da praia de Tambaú, e desse núcleo avançou tanto para o sul quanto para o norte. Assim, o bairro Jardim Oceania já apresentava uma ocupação a partir de 1950, dando continuidade ao um crescimento oriundo em Tambaú e a outro vindo do município vizinho, Cabedelo. Na orla, já na década de 1960, os bairros Cabo Branco, Tambaú e Manaíra já tinham sua ocupação do solo mais consolidada, associada ao desenvolvimento da Avenida Epitácio Pessoa e dos meios de transporte; seguido de Bessa e Aeroclube após 1970, que intensificaram sua ocupação com a implantação de infraestrutura de água, esgoto e pavimentação de vias. Esse processo de urbanização transformou rapidamente a paisagem de antigas casas de pescadores e veraneio, em edificações comerciais, de serviços e residenciais de alto padrão. O setor 3 (Figura 2), composto por Ponta do Seixas, Penha, Barra de Gramame e Costa do Sol, com extensas áreas de preservação ambiental, teve dinâmica de ocupação urbana iniciada na primeira metade da década de 1980. Desse modo, a maioria dos bairros da orla apresentou uma ocupação de solo urbano dada de maneira contínua, ao longo dos anos. Atualmente, sete dos nove bairros da faixa litorânea apresentam mais de 90% de área do bairro com ocupação urbana. Trata-se de bairros consolidados e em processo constante de verticalização. A partir da década de 1980, a malha urbana se estende ainda mais ao sul da cidade, configurando uma expansão dispersa e acentuando o quadro de segregação socioespacial, principalmente entre os setores 1 e 2, em relação ao setor 6 (Figura 2 e 3). Nessa dispersão, onde a mancha da cidade se desenvolve em deslocamentos semicirculares centrífugos, predominam conflitos entre as condições de acesso e o uso e ocupação do solo, o que implica na expulsão das pessoas do seu tecido urbano consolidado (SILVEIRA, 2011).

81


Observa-se que todos os 27 bairros limítrofes de João Pessoa já apresentam áreas com ocupação urbana, porém com variações de taxas ocupadas, condicionadas por fatores ambientais, geográficos e socioeconômicos. A tabela 1 apresenta a extensão territorial, a área total e o percentual de área ocupada em cada bairro dos seis setores considerados.

Figura 3. Expansão da mancha urbana da cidade de João Pessoa, PB.

SETORES

1

2

3

4

5

6

82

BAIRRO

PERÍMETRO (km)

ÁREA (km²)

ÁREA OCUPADA (km²)

PERCENTUAL DE ÁREA COM OCUPAÇÃO URBANA P/ BAIRRO (%)

Bessa

6,36

2,041

1,859

91,083

Jardim Oceania

7,34

2,28

2,203

96,623

Manaíra

6,6

2,299

2,273

98,869

Tambaú

3,8

0,846

0,834

98,582

Aeroclube

6,43

2,058

2,026

98,445

Cabo Branco

7,74

3,377

1,315

38,940

Ponta dos Seixas

4,98

0,587

0,534

90,971

Barra de Gramame

17,6

8,745

4,873

55,723

Costa do Sol

15,5

13,21

12,235

92,619

Paratibe

9,05

4,347

3,655

84,081

Penha

3,35

0,388

0,378

97,423

Gramame

24,5

20,724

8,422

40,639

Muçumagro

10,76

3,346

1,357

40,556

Alto do Mateus

7,06

2,549

2,191

85,955

Bairro das Indústrias

8,96

2,77

1,673

60,397

Distrito Industrial

12,77

7,826

6,233

79,645

Ilha do Bispo

10,98

4,814

4,557

94,661

Jardim Veneza

8,14

2,421

1,76

72,697

Mumbaba

19,09

13,957

2,014

14,430

Oitizeiro

8,67

3,139

3,128

99,650

Alto do Céu

6,97

2,522

1,325

52,538

Bairro dos Ipês

6,98

2,139

2,014

94,156

João Agripino

3,2

0,226

0,226

100

Padre Zé

2,9

0,462

0,37

80,087

Roger

4,6

1,176

1,169

99,405

São José

4,87

0,349

0,218

62,464

Varadouro

5,26

0,827

0,817

98,791

Fonte: Elaboração própria

Tabela 1. Percentual de área ocupada de bairros periféricos de João Pessoa, PB.

83


SETORES

O setor 1 apresenta a maior média de área com ocupação urbana horizontal, mais de 96%, considerando as áreas totais dos bairros (Gráfico 1). Já os bairros Gramame e Muçumagro, que correspondem ao setor 4, apresentam os menores percentuais de ocupação, devido à presença de extensas áreas de preservação ambiental e faixas de proteção de rios e mananciais, além da descontinuidade espacial que possuem em relação ao restante do tecido urbano da cidade (Tabela 1). Os demais setores apresentam médias semelhantes de área ocupada por bairro (Gráfico 1).

1

2

3

4

Gráfico 1. Média de área ocupada por setores de bairros periféricos de João Pessoa, PB.

5

Em relação à população, os últimos dados do IBGE (Censo 2010) indicam o número de residentes nesses bairros e confirmam as relações semelhança e disparidades entre os setores e também entre os bairros de cada setor, como Cabo Branco e Ponta do Seixas (Tabela 2).

6

BAIRRO

POPULAÇÃO (HAB.)

DENSIDADE DEMOGRÁFICA (HAB/KM2)

Bessa

13096

6368.02

Jardim Oceania

15283

6621.38

Manaíra

26369

11147.53

Tambaú

10163

10877.72

Aeroclube

9649

4759.77

Cabo Branco

7906

4432.51

Ponta dos Seixas

474

760.17

Barra de Gramame

347

52.39

Costa do Sol

8341

637.4

Paratibe

12396

2916.43

Penha

772

1965.73

Gramame

24829

3182.74

Muçumagro

6276

5393.82

Alto do Mateus

16281

6683.88

Bairro das Indústrias

8712

4859.59

Distrito Industrial

1887

276.17

Ilha do Bispo

7986

1690.17

Jardim Veneza

12812

5743.69

Mumbaba

7926

3530.79

Oitizeiro

29125

9555.99

Alto do Céu

16557

6751.46

Bairro dos Ipês

9121

5014.75

João Agripino

1161

5588.31

Padre Zé

6964

15413.05

Roger

10381

6477.56

São José

7078

20153.07

Varadouro

3720

4689.64

Tabela 2. Densidade demográfica de bairros periféricos de João Pessoa, PB.

Fonte: CENSO IBGE, 2010 (adaptado pelo autor, 2014)

A densidade demográfica desses bairros também varia bastante (Tabela 5), seja alta densidade, com grande número de residentes em bairros de menores extensões territoriais (Padre Zé e Tambaú), ou o inverso, com bairros de baixas densidades, onde 84

85


um número pequeno de população ocupa um bairro de maiores extensões (Barra de Gramame, Costa do Sol e Distrito Industrial), o que configura novamente um quadro de desequilíbrio entre as zonas norte e sul da cidade. Há uma série de discussões sobre densidades populacionais e suas implicações na caracterização do espaço urbano. Atualmente, há uma revalorização das altas densidades, uma vez que essa concentração otimiza custos com infraestrutura de redes de água, esgoto, drenagem, pavimentação e sistemas elétricos, além de evitar a implantação em áreas mais segregadas do núcleo consolidado da cidade. De modo geral, altas densidades e a heterogeneidade de uso e ocupação do solo também reduzem os deslocamentos das pessoas e promovem a valorização dos transportes coletivos e da escala do pedestre na cidade; ao contrário de baixas densidades, tendência vista em cidades norte-americanas, que podem impulsionar a monofuncionalidade de espaços e a segregação entre as classes de alta e baixa rendas, além do uso do transporte individual. No entanto, a questão da densificação não é genérica e ideal para qualquer situação. Mascaró (2001) questiona esse cenário das cidades, como Barcelona e Copenhague, tidas como modelos de consolidação, desenvolvimento urbano e transportes alternativos. Para ele, há outros critérios que devem ser considerados no planejamento da forma urbana, como os condicionantes ambientais e socioeconômicos locais, e que em cidades de climas tropicais, por exemplo, essa estratégia pode gerar resultados insatisfatórios de ponto de vista de ventilação e iluminação naturais. Em João Pessoa, os bairros com os menores índices de densidade demográfica, como Barra de Gramame, Costa do Sol e Distrito Industrial, apresentam condicionantes ambientais e socioeconômicos que caracterizam essas taxas de ocupação.

Zoneamento O zoneamento definido pelo Código de Urbanismo da cidade de João Pessoa (Lei n° 2.102/1975) denota uma série de características predominantes nos bairros periféricos da cidade, e também algumas restrições que devem ser seguidas no uso e ocupação do solo desses setores considerados. 86

Há, ao todo, 36 zonas distribuídas ao longo dos 27 bairros (Figura 8), onde há uma predominância de zonas residenciais (ZR1, ZR2 e ZR3) (Tabela 3). Bairros periféricos

Tabela 3. Zoneamento dos bairros periféricos da cidade de João Pessoa, PB (Código de Urbanismo,2005).

Zonas (Código de Urbanismo, 2005)

Aeroclube

ZA4

ZR3

ZGE

Alto do Céu

ZI3

ZEP2

ZR2

ZEP2

ZR2

Bairro das Indústrias

Alto do Mateus ZI1

ZEP

ZR2

ZEP4

Bairro dos Ipês

ZGE

ZEP2

ZR2

SAA

Barra de Gramame

SPP

ZGE

ZR2

ZEP

Bessa

ZA4

ZEP4

ZR1

ZR3

Cabo Branco

ZT1

ZT2

ZR1

SAA

ZT4

ZEP4

SEII

SEI

ZGE

ZEP

ZR2

RL

CS

SAT

SHII

SHIII

SPP

PEA

Distrito Industrial

ZI1

ZEP

ZR2

Gramame

ZGE

ZEP

ZR2

ZEP2

Ilha do Bispo

ZI2

ZEP3

ZEP2

ZR2

ZCT

ZR1

ZT2

Costa do Sol

Jardim Oceania

ZA4

ZR3

ZEP4

Jardim Veneza

ZGE

ZEP2

ZR2

Joao Agripino

ZGE

ZR2

Manaíra

ZR1

ZA3

Muçumagro

ZR2

ZEP

Mumbaba

ZEP

ZEP2

ZR2

Oitizeiro

ZA2

ZB

ZR2

Padre Zé

ZR2

ZEP2

Paratibe

ZR2

ZEP

ZT2

ZB

STE

PCB

ZEP2

ZA3

ZEP 2

ZEP2

ZGE

ZEP2

SPP

Penha

SAA

ZEP2

EPS

DPS

Ponta dos Seixas

DPS

PCB

EPS

ZEP2

Roger

ZC

ZCT

ZR2

ZEP2

São José

SAA

ZEP2

Tambaú

ZT2

ZT3

ZA3

ZEP2

Varadouro

ZCT

ZEP2

ZC

SAA

Fonte: Elaboração própria

Há variações e diferentes concentrações nesse zoneamento, associadas às características socioeconômicas, espaciais e 87


ambientais dos setores, e de cada bairro especificamente, que acabou refletindo em maiores disparidades no processo de ocupação urbana. Essa legislação já passou por várias modificações com inserção de novos parágrafos, decretos e portarias, no intuito de adequarse aos novos cenários e questões urbanas da cidade. Em 2013, foram realizadas audiências públicas na câmara municipal onde se discutiram propostas de alterações e revisão no código. Entre as novas propostas estavam o ajuste dos conflitos entre Código de Urbanismo, de Obras e de Posturas, revogação de decretos irregulares e edição de novos, além da discussão da possiblidade da elaboração de nova lei, condizente com a nova realidade da estrutura urbana, diferente da década de 1970, quando o código começou a ser editado. Apesar das tentativas de atualização do código em 2013, a última data de 2010. Quanto ao atual zoneamento dos bairros, o código vigente indica que no setor 1 predominam áreas residenciais (ZR1 e ZR3), com a possibilidade desde o uso residencial unifamiliar R1 (uma habitação por lote) ao uso residencial multifamiliar R5 (mais de duas habitações por lote agrupadas verticalmente, com altura limitada em 3 pavimentos) (Tabela 6). Há, também, uma zona turística (ZT2), onde há a permissão de construções de hotéis e pousadas (Tabela 3). O setor 2 se assemelha às características turísticas do setor 1, mas destaca-se a presença de áreas de preservação ambiental, como o Parque Cabo Branco (PCB) e zona especial de preservação (ZEP 2). O setor 3, bairros Penha e Costa do Sol, apresenta uma orla distinta dos setores 1 e 2, com áreas menos urbanizadas, fator relacionado aos aspectos topográficos, com a presença da falésia; e ambientais, com maiores extensões de áreas de preservação (ZEP 1, ZEP 2, SPP). O setor 4, com os bairros Gramame e Muçumagro, também abrange zonas residencial (ZEP 1) e especial de preservação (ZEP 2) (Tabela 3). Há, ainda, nesse setor uma parcela de área rural, que pode ser destinada à expansão da área urbana e às atividades de cultivo de alimentos, além de proteção dos mananciais dos rios Mumbaba e Gramame. A construção de loteamentos urbanos nessas áreas poderá será executada mediante a autorização de lei específica do Conselho de Desenvolvimento Urbano. O setor 5 apresenta maior diversidade de ocupação, com 88

zona residencial (ZR1), zonas de preservação ambiental (ZEP e ZEP2), zona axial (ZA2), que englobam corredores de transporte e áreas destinadas a comércios e serviços, como a Avenida Cruz das Armas. Nesse setor destaca-se a presença de zonas industriais (ZI1), nos bairros Distrito Industrial e Bairro das Indústrias (Figura 4), implantadas nessas áreas para evitar maiores efeitos danosos à população e meio ambiente. Há uma classificação das indústrias quanto à emissão de poluentes, e sua instalação depende de aprovação dos órgãos sanitários e ambientais da cidade. Nesse zoneamento percebe-se, ainda, as alterações ocorridas ao longo do processo de ocupação desses bairros, como o setor 6, que no início da ocupação, teve o bairro do Varadouro com características eminentemente residenciais e com edificações de uso misto, no entanto, hoje é classificado como zona comercial de terminais (ZCT) e zona comercial central (ZC), remetendo a desvalorização que algumas dessas áreas sofrem, voltadas apenas ao uso diurno e comercial, que diminui seu potencial habitacional.

89


Figura 4. Zoneamento dos bairros periféricos da cidade de João Pessoa, PB (Código de Urbanismo, 2006).

A zona adensável prioritária está distribuída ao longo dos setores 1, 2 e 6, compreendo bairros da orla, como Manaíra, Tambaú, Cabo Branco, como também áreas mais antigas da cidade, como Varadouro e Roger. Nessa zona é indicada a intensificação do uso e ocupação do solo devido à maior disponibilidade de infraestrutura básica e rede de viária, sendo permitido índice de aproveitamento básico até o limite de 4,0. A zona adensável não-prioritária está presente nos setores 1, 3, 5 e 6, desde bairros como Bessa e Jardim Oceania a Oitizeiro e Alto de Céu, onde a falta de um dos sistemas da infraestrutura básica indica uma intensificação moderada e índice de aproveitamento até o limite 2,0. Já a zona não-adensável apresenta maior concentração ao sul da cidade, com grandes extensões nos setores 3, 4 e 5, ao longo de Gramame, Muçumagro e Jardim Veneza; e em menor parcela no setor 6. Nela a carência da infraestrutura básica, rede viária e o meio ambiente restringem a intensificação do uso e ocupação do solo. Esse macrozoneamento indica as disparidades vigentes nos bairros periféricos da cidade, onde os setores mais ao norte (1, 2 e 6) concentram os melhores condições de infraestrutura urbana e oferta de bens e serviços, enquanto nos setores ao sul (4 e 5) há maior carência desses serviços e equipamentos urbanos.

Áreas de restrição ambiental à ocupação urbana

Além da classificação – zoneamento do Código do Urbanismo, o Plano Diretor de João Pessoa (2009) apresenta um macrozoneamento dessas informações, fazendo uma classificação mais geral e abrangente para esses bairros. Primeiramente, ele divide a área de município em trechos urbanos e rurais. A área urbana, por sua vez, compreende quatro zonas: zona adensável prioritária, zona adensável não prioritária, zona não adensável e 90 zona de restrição adicional.

A presença de áreas de preservação ambiental se dá em todo território do município de João Pessoa e torna-se um fator importante de restrição à ocupação dos bairros. Nesse sentido, a partir do zoneamento indicado pelo Código de Urbanismo (Figura 8), percebe-se a distribuição das áreas de proteção ambiental na cidade e suas implicâncias na ocupação urbana desses bairros. Todavia, são áreas susceptíveis a invasões e ocupações ilegais, além de alterações no código para absorção da demanda de habitação de interesse social, e não raras às vezes em benefício de interesses do mercado imobiliário. Contudo, existe em cada um dos bairros uma área passível de ocupação urbana e também áreas destinadas à preservação ambiental, que visam manter um equilíbrio entre a necessidade de

91


Tabela 4. Percentual de ocupação excedido às áreas de restrição ambiental em bairros periféricos de João Pessoa, PB.

SETORES

1

2

3

4

5

6

BAIRRO

ÁREA TOTAL (km²)

ÁREA COM RESTRIÇÃO À OCUPAÇÃO (km²)

ÁREA PASSÍVEL DE OCUPAÇÃO URBANA (km²)

ÁREA OCUPADA (KM²)

PERCENTUAL OCUPADO EM RELAÇÃO AS ÁREAS DE RESTRIÇÃO (%)

PERCENTUAL DE OCUPAÇÃO EXCEDIDO OU EM CONFLITO COM O ZONEAMENTO (%)

Bessa

2,041

0,138

1,903

1,859

97,688

-2,312

Jardim Oceania

2,28

0,217

2,063

2,203

106,786

6,786

Manaíra

2,299

0,074

2,225

2,273

102,157

2,157

Tambaú

0,846

0,066

0,78

0,834

106,923

6,923

Aeroclube

2,058

0,58

1,478

2,026

137,077

37,077

Cabo Branco

3,377

0,809

2,568

1,315

51,207

-48,793

Ponta dos Seixas

0,587

0,288

0,299

0,534

178,595

78,595

Barra de Gramame

8,745

3,45

5,295

4,873

92,030

-7,970

Costa do Sol

13,21

7,016

6,194

12,235

197,530

97,530

Paratibe

4,347

0,777

3,57

3,655

102,381

2,381

Penha

0,388

0,173

0,215

0,378

175,814

75,814

Gramame

20,724

9,09

11,634

8,422

72,391

-27,609

Muçumagro

3,346

1,38

1,966

1,357

69,023

-30,977

Alto do Mateus

2,549

0,513

2,036

2,191

107,613

7,613

Bairro das Indústrias

2,77

0,596

2,174

1,673

76,955

-23,045

Distrito Industrial

7,826

1,79

6,036

6,233

103,264

3,264

Ilha do Bispo

4,814

1,463

3,351

4,557

135,989

35,989

Jardim Veneza

2,421

0,643

1,778

1,76

98,988

-1,012

Mumbaba

13,957

4,513

9,444

2,014

21,326

-78,674

Oitizeiro

3,139

0,372

2,767

3,128

113,047

13,047

Alto do Céu

2,522

0,83

1,692

1,325

78,310

-21,690

Bairro dos Ipês

2,139

0,628

1,511

2,014

133,289

33,289

João Agripino

0,226

0

0,226

0,226

100,000

0,000

Padre Zé

0,462

0,225

0,237

0,37

156,118

56,118

Roger

1,176

0,483

0,693

1,169

168,687

68,687

São José

0,349

0,202

0,147

0,218

148,299

48,299

Varadouro

0,827

0,018

0,809

0,817

100,989

0,989

Fonte: Elaboração própria

92

ocupação e a proteção ecológica dessas áreas. Alguns bairros apresentam sua ocupação urbana contida nas áreas destinadas para esse uso, respeitando as diretrizes da legislação vigente, como os bairros Bessa e Cabo Branco (setores 1 e 2) e Bairro das Indústrias (setor 5). No entanto, a maioria deles, 18 dos 27 bairros, já avançou esses limites de alguma uma forma (Tabela 4); seja pela ocupação ter sido iniciada antes da determinação desse zoneamento e definição das áreas de restrição ambiental, seja por invasões ilegais, onde construções se instalam nessas áreas sem planejamento, controle e fiscalização, como o caso do Bairro São José (setor 6). Vale ressaltar, ainda, que os valores expressos em percentuais negativos na tabela 4, aqui, indicam valores que capturam espaços ou estoques ainda salvaguardados de uma “ocupação urbana excedida ou em conflito de uso e ocupação” por bairros em cada setor estudado neste paper. Os bairros com os maiores percentuais de área ocupada em conflito de uso com o atual zoneamento são Costa do Sol e Ponta do Seixas (Tabela 4), que apesar das grandes extensões de áreas de proteção, apresentam marcos de parcelamentos urbanos. Cabo Branco, Muçumagro e Mubamba, ao contrário, ainda apresentam áreas legais passíveis de ocupação urbana.

Limitações físicas ao crescimento urbano: áreas verdes institucionalizadas Com o crescimento e dispersão das áreas urbanas podem ocorrer impactos negativos na cobertura vegetal e, por consequência, no meio ambiente, com desmatamento florestal e danos às áreas ribeirinhas. De modo geral, o desenvolvimento dos centros urbanos nas cidades brasileiras não contou com um planejamento adequado que aliasse atenção às novas demandas construtivas com a manutenção dessas áreas verdes (COPQUE et al., 2011). As constantes alterações ocorridas no tecido da cidade de João Pessoa provocaram redução na cobertura de Mata Atlântica na malha urbana, trazendo prejuízos ambientais, evidenciados por assoreamento de rios, alagamentos, poluição e desconforto térmico.

93


Figura 5. Distribuição da cobertura vegetal em bairros periféricos da cidade de João Pessoa, PB

94

No planejamento urbano, a omissão na preservação de áreas verdes causa problemas nos âmbitos social e ambiental. De acordo com Santos e Santos (2013), bairros como Manaíra, Cabo Branco e Bancários apresentam microclimas específicos dentro do espaço intraurbano de João Pessoa, com um consequente aumento das temperaturas e formação das ilhas de calor, em função da redução da cobertura vegetal, impermeabilização do solo e concentração populacional. A Figura 5 apresenta a distribuição da cobertura vegetal da cidade de João Pessoa, com ênfase nos bairros periféricos. O perímetro dessas áreas deve funcionar como uma barreira física, um fator limitante ao crescimento urbano. A manutenção de espaços verdes na malha urbana está relacionada com seu aspecto essencial: as funções ecológica, estética e de lazer (MASCARÓ, 2004). A preservação dessas massas arbóreas contribui na estabilização climática, redução da poluição

atmosférica e diminuição de temperaturas e ruídos. Além disso, a presença de cinturões e corredores verdes no tecido urbano colabora no equilíbrio biológico dos ecossistemas e relaciona-se com qualidade urbana e ambiental da cidade. Desse modo, considera-se, de maneira geral, que a qualidade do meio ambiente constitui um fator determinante para o alcance de uma melhor qualidade de vida, e apesar do âmbito subjetivo com possa assumir, é uma questão de funcionalidade que passa necessariamente pela organicidade do espaço urbano (GOMES e SOARES, 2004). Para Gomes e Soares (2004, p.27) há uma relação direta entre preservação da vegetação e qualidade ambiental e ressaltam que para determinado espaço urbano possa apresentar qualidade ambiental satisfatória, torna-se condição necessária uma composição paisagística que privilegie, sobretudo, mas não somente, a vegetação [...] Nessas condições, a vegetação constitui componente chave da qualidade ambiental. Forattini (1991) ressalta que o desenvolvimento urbano implica em profunda manipulação do ambiente e em modificações na paisagem, que influem diretamente na qualidade de vida da população residente. Para Alvarez (2004), os processos de ocupação no solo no país têm sido feito de maneira desordenada há muito tempo. Nesse sentido, pouco tem se considerado as áreas verdes como elemento decisivo e amenizador dos impactos negativos da pressão pelo adensamento urbano. Em João Pessoa, assim como em outras cidades costeiras, houve um deslocamento da população do centro em direção à orla e a ocupação desses bairros causou redução da cobertura vegetal existente. De acordo com o zoneamento definido pelo Código de Urbanismo (2005), bairros como Tambaú, Bessa, Ponta do Seixas e Penha apresentam as menores extensões de áreas verdes (em torno de 3 km), se comparadas aos demais bairros periféricos da cidade. Pode-se observar, também, nesses bairros a presença de comunidades habitacionais locadas em áreas de preservação permanente, como a comunidade São Luís, no Bessa, que intensifica o impacto ambiental negativo na vegetação ciliar ao longo do Rio Jaguaribe. Nota-se, ainda, construções de grandes equipamentos como Centro de Convenções, com desmatamento e prejuízos à Mata do Jacarapé (Figura 6).

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Figura 6. Desmatamento para construção do Centro de Convenções.

Fonte: DIEP/SEMAM, 2014

Com o processo de expansão urbana fragmentada ocorrido, principalmente a partir da década de 1980, em direção as zonas sul/sudeste, algumas áreas de Mata Atlântica sofreram maior pressão, como nas margens do Rio Gramame e na Bacia do Rio Cuiá, sobretudo no bairro Paratibe, com a construção de conjuntos habitacionais. Bairros como Gramame, Barra de Gramame, Paratibe e Mumbaba apresentam remanescentes de Mata Atlântica de forma fragmentada e neles há parcelamentos urbanos próximos às áreas rurais, com ausência de equipamentos urbanos e infraestrutura adequada. O gráfico 2 traz as extensões de áreas verdes como indicativo de limitação ao crescimento urbano nos bairros limítrofes de João Pessoa. A presença de áreas de preservação ambiental é mais acentuada em Costa do Sol, Gramame, Mumbaba e Barra de Gramame, onde podem ser identificados fragmentos de ocupação que superam irregularmente esses limites. Gráfico 2. Extensão de vegetação como limitação ao crescimento urbano.

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Esses bairros possuem áreas inseridas em zonas de preservação ambiental, na tentativa de frear a degradação e promover a manutenção dessas áreas dentro do sitio urbano de cidade, apesar das invasões e devastações ocorridas. Nesse sentido, a SEMAM desenvolve um Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica, que traça diretrizes de proteção de áreas frágeis, que apresentam riscos de enchentes e deslizamentos, além de proteção de encostas, nascentes, mata ciliar, manguezais, recuperação de áreas degradadas e criação de parques urbanos. Nesse sentido, os bairros periféricos apresentam suas ocupações condicionadas pela preservação dessas áreas, como João Agripino e Varadouro, que já alcançaram o limite máximo de ocupação horizontal, limitados por essas restrições ambientais.

Limitações físicas ao crescimento urbano: orla marítima A ocupação dos bairros da orla marítima de João Pessoa se deu-se de forma rápida, o que gerou interferências ecológicas e ambientais. Um dos grandes impactos ocorridos foi a construção do Hotel Tambaú, entre 1968 e 1971, que de acordo com Vasconcelos (2010) apesar das influências positivas que gerou, houve também impactos negativos por ter sido construído em uma área ambientalmente frágil e em cúspide praial, que causou danos à dinâmica ecológica e interferência nos ventos. Porém, segundo Gambarra e Tinem (2010), a construção do hotel concretizou interesses políticos e econômicos da expansão da cidade para o mar. Atualmente, o adensamento nos bairros da orla está condicionado pelo artigo 229 da constituição estadual de 1989 e pelo artigo 25 do Plano Diretor (2009), que imprime restrições quanto ao gabarito das edificações em uma faixa de 500 metros ao longo da orla. Construções situadas na primeira quadra contigua a orla não devem ultrapassar 12,90 metros de altura, e as demais seguem em escalonamento. No entanto, cada bairro apresenta respostas diferentes às legislações vigentes, de acordo com os aspectos físico-espaciais, tamanho e zoneamento do bairro. Carvalho et al. (2007) atestam os equívocos desse escalonamento, quanto à permeabilidade dos ventos e aos

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problemas climáticos nos edifícios subsequentes, uma vez que ele funciona como uma ‘’rampa’’ e eleva os ventos alísios, causando de retenção de calor e desconforto térmico. Apesar desses condicionantes, a orla marítima é aspecto de valorização imobiliária e os bairros que apresentam as maiores extensões são Cabo Branco e Costa do Sol, com 5,1 e 4,5 km respectivamente; já Penha apresenta a menor, com aproximadamente 580 metros de extensão marítima (Figura 7). Figura 7. Extensão de orla marítima de João Pessoa, PB

o Projeto Orla traça diretrizes de planejamento através de um desenvolvimento ambiental sustentável. O projeto divide a orla de João Pessoa em quatro Unidades de Paisagem, onde há características espaciais distintas: no setor norte há ocupação formal, infraestrutura urbana consolidada, predomínio da verticalização e pressão em áreas de preservação (zona especial de preservação ZEP 5); enquanto no setor ao sul há praias pouco ocupadas, com fragmentos formais e informais, além da presença de falésias vivas e áreas com vegetação nativa. O projeto apresenta recomendações sobre as ocupações irregulares (geralmente comércios) que se instalam ao longo das faixas de areia, estacionamentos e ressalta proteção às áreas de preservação.

Considerações Finais

Diferente de outras cidades, em João Pessoa não é comum construções que avancem os limites o oceano, como em Dubai, nos Emirados Árabes, que viveu um processo acelerado de urbanização, inclusive sobre o Golfo Persico, com a construção da ilha artificial de 8 km², mas que hoje enfrenta problemas ambientais e de abastecimentos de água e energia. No intuito de regulamentar o uso e ocupação dessas áreas, 98

Ao analisar o crescimento urbano da cidade de João Pessoa e a ocupação de sua área periurbana, percebe-se disparidades entre seus diferentes setores, sobretudo entre o 3 e o 4 (borda sul/ sudeste), que apresentou uma ocupação mais recente (entre 1979 e 1985), se comparado aos setores 1, 2 e 6, áreas mais antigas da cidade, que já possui sua ocupação consolidada. A borda sul/sudeste apresentou-se em um cenário fragmentado, culturalmente associada às classes menos favorecidades e à falta de investimentos urbanos, inversamente ao quadro apresentado pelas áreas norte/nordeste da cidade, onde há o acúmulo de capital, provimentos e infraestrutura urbana, ocupada pelas classes mais favorecidas. Bessa e Barra de Gramame, localizados nos extremos norte e sul, respectivamente, tornam-se contrapontos de uma cidade segregada, resultado de uma dinâmica de ocupação dispersa, que distinguiu socioeconomicamente as pessoas no espaço. A área periférica de João Pessoa, apesar da histórica associação do termo com aspectos econômicos, engloba bairros heterogenêneos e diversos sob vários aspectos, desde a concentração de população, características do zoneamento, percentuais de invasão em áreas de preservação ambiental aos níveis de integração/segregação no tecido urbano da cidade. O setor 1, composto por bairros ao norte, apresenta mais de 96% da área total dos bairros com ocupação urbana, além de uma alta 99


densidade demográfica, com uma média de 7950 habitantes/km². No setor 2, há contraposições, na medida em que Cabo Branco se assemelha em características socioeconômicas e espaciais ao setor 1, o bairro Ponta do Seixas apresenta uma orla menos urbanizada e menor concentração populacional, com condicionantes ambientais e geográficos que limitam sua ocupação. O setor 3 apresenta a menor média de densidade demográfica (1393 hab./km²), e Barra de Gramame é o bairro com o menor número de população residente (347 hab.), de acordo com o Censo 2010. O setor 4, apesar de ser composto por bairros de grandes extensões territoriais, apresenta os menores percentuais de ocupação, associado à sua recente ocupação e à presença de áreas de proteção ambiental. São, ainda, os setores com as menores taxas de integração espacial em relação ao conjunto urbano da cidade. De modo geral, os setores 5 e 6 englobam as áreas mais antigas da cidade, com maiores ofertas de infraestrutura urbana e possibilidades de acesso. No entanto, há algumas inversões no setor 5, como Mumbaba, que apresenta a menor área ocupada, e Oitizeiro, o bairro mais populoso entre os bairros periféricos de João Pessoa. No setor 6, com as áreas adjacentes ao centro, há diversificação de uso e ocupação do solo, com áreas predominantemente residenciais e de comércio e serviços, e que apresenta a maioria dos bairros inclusos na faixa destinada ao adensamento prioritário da população. Assim, a partir da análise do recorte periférico da cidade de João Pessoa foi possível identificar as relações de semelhança e dissonâncias entre os setores e também entre cada bairro. Percebeu-se como processo histórico de expansão urbana da cidade gerou espaços segmentados, distanciados da malha preexistente, em um movimento de dilatação da mancha em direção às suas áreas limites, que resultou em configurações espaciais diversas. Esta pesquisa terá continuidade e buscará outras análises espaciais, bem como, indicadores de qualidade de vida urbana apresentadas nessas áreas.

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103


Diagnóstico da Problemática Territorial da Fronteira Intraurbana Sul-Sudeste de João Pessoa, Pb1

Isabela Kirschner Campos Ana Paula Casassola Gonçalves José Augusto Ribeiro da Silveira

Introdução A cidade de João Pessoa, capital do Estado da Paraíba, é considerada uma cidade de porte médio da região nordeste do país, contando 723.515 habitantes, 211,47 km² de área territorial e densidade demográfica de 3.421,30 hab./km² (IBGE, 2010). Possui uma estrutura tentacular, em uma perspectiva excêntrica, radial centrífuga, desenhando setores de círculo territoriais, em função dos principais eixos de acesso radiais e da dinâmica de segregação socioespacial (SILVEIRA, 2012), conforme ilustrado na Figura 1. Segundo Neves (1986), a expansão territorial de João Pessoa está inscrita no modo de produção capitalista, onde a produção do espaço intraurbano ocorre com bruscas transformações socioespaciais, que impulsionam a configuração de uma cidade fragmentada e desigual. O efeito de periferização recai, de maneira mais perversa, sobre as classes mais pobres, as quais estão sujeitas a deslocamentos cativos nesse espaço. Por conseguinte, as configurações de seu espaço intraurbano e a combinação de suas formas espaciais estão subordinadas às forças produtivas predominantes, evidenciadas em um dado tempo histórico. À medida que a cidade foi passando por grandes intervenções de ordem socioeconômica e política, as desigualdades socioespaciais se ampliaram, evidenciando-se as delimitações entre os bairros

dos ricos e os dos pobres. As bordas urbanas expressam espacialidades e temporalidades diferenciadas, acentuando problemas periurbanos agudos, a exemplo da cisão e da segregação. Por outro lado, as possibilidades de separar – juntar, rodear – dividir das bordas urbanas podem abrir caminho, dada a sua indeterminação original em função da relatividade espaço-temporal, a operações táticas, ao se apresentarem como espaços ambíguos da cidade, nos quais cabe aos atores do planejamento urbano materializar novas trajetórias. Dessa maneira, esta pesquisa trata da dinâmica de estruturação da cidade, por intermédio dos processos de dispersão espacial, com base em uma investigação sobre a produção e a apropriação do espaço nas terras-limite ou franjas do tecido intraurbano, verificando como ocorre o fenômeno do espraiamento urbano e suas implicações físico-territoriais. A pesquisa visa o estudo dos espaços periurbanos, onde serão analisadas as dinâmicas físicas resultantes da dispersão e da fragmentação da cidade, na borda Sul-Sudeste de João Pessoa, Paraíba. Como objetivos específicos, tem-se a alimentação de banco de dados por intermédio da produção de mapas temáticos, baseados em critérios físicos; identificação da evolução da malha urbana, juntamente com suas tendências de expansão, uso e a ocupação do solo atuais (até 2012), na Borda Sul-Sudeste de João Pessoa, Paraíba, verificando suas tensões nas áreas de remanescente da Mata Atlântica. Figura 1. Setores da cidade de João Pessoa-PB, a partir do modelo de Homer Hoyt (1939)

1 Texto publicado e apresentado no II Simpósio de Estudos Urbanos: A dinâmica das cidades e a produção do espaço. Campo Mourão, Paraná, Brasil, em agosto de 2013.

Fonte: Silveira-2004, adaptado por Campos-2013

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Metodologia e etapas de pesquisa O objeto de estudo está determinado por três espaços viários importantes, ou seja, vias arteriais de circulação da cidade – BR230 e BR-101 –, e uma via principal que interliga a BR-230 ao Litoral, a Avenida Hilton Souto Maior. A área também é definida por duas linhas geográficas referenciais importantes, como linhas de força da paisagem (Cullen, 1983), para delimitação territorial do município: o Oceano Atlântico em seu limite Leste, e o Rio Gramame, que faz a divisa entre o Município de João Pessoa e o Município do Conde. Esta delimitação compreende uma área de 8030,10Ha, correspondendo a 37,9% do território da cidade de João Pessoa, conforme ilustrado na Figura 2. Figura 2. Mapa de localização do recorte Borda Sul-Sudeste (cinza escuro).

Estatística – IBGE; Prefeitura Municipal de João Pessoa – PMJP; Imagens de Satélite do Google Earth; entre outros. · 2ª ETAPA: Recorte por amostragem sendo definido em nove setores distribuídos pelo recorte de estudo para coleta de dados in loco. A ênfase do estudo consistiu na análise da morfologia através da aquisição de informações de maneira padronizada e anotações em mapas preparados para obtenção dos dados sobre infraestrutura, uso e ocupação do solo, gabarito das edificações, tendências de expansão, invasões de áreas de preservação, etc. Formação de um banco de dados, conforme ilustrado na Figura 3. Figura 3. Mapa da divisão por setores totalizando em nove recortes para estudo.

Fonte: Secretaria do Planejamento (PMJP) -2013, adaptado por Campos-2013

Fonte: Secretaria do Planejamento (PMJP) -2013, adaptado por Campos-2013

· 1ª ETAPA: Seleção de material bibliográfico e cartográfico pré-existente: dados relativos aos parâmetros infraestruturais: saneamento ambiental (abastecimento de água, esgotamento sanitário, drenagem pluvial, resíduos sólidos), rede elétrica e viária. Fontes: Instituto Brasileiro de Geografia e 106

O recorte espacial da amostragem representa 22,89% da porção do recorte Sul-Sudeste de João Pessoa. Os setores 1, 2, 7, 8 e 9 foram definidos considerando-se que se tratam de trechos mais consolidados, que permitem, de certa forma, poucas mutações e expansões em sua extensão, enquanto os setores 3, 4, 5, e 6 apresentam-se em bordas periurbanas ainda com maior dinâmica espacial, conforme ilustrado na Tabela 1. 107


Tabela 1. Representatividade dos setores

Área de Ocupação (Ha)

Área de Ocupação (%)

João Pessoa

21187,59

100

Recorte Sul-Sudeste

8030,10

37,90

Setor 1

285,90

3,56

Setor 2

300,95

3,74

Setor 3

353,36

4,40

Setor 4

200,19

2,49

Setor 5

132,93

1,65

Setor 6

262,42

3,26

Setor 7

205,40

2,55

Setor 8

99,77

1,24

Setor 9

220,60

2.74

Total Setores:

2061,52

22,89*

Fonte: Campos-2013, a partir da base geográfica da Secretaria do Planejamento (PMJP)-2013 Nota: A representatividade descrita refere-se ao comparativo entre setores e borda Sul-Sudeste

· 3ª ETAPA: Interpretação e análise dos dados obtidos, confrontamento de informações, finalização do banco de dados e elaboração de mapas temáticos, tabelas, diagramas, etc.

Resultados De forma geral, a produção capitalista da borda Sul-Sudeste de João Pessoa envolve três níveis de ação operante: a esfera privada com os proprietários fundiários, os incorporadores, os corretores imobiliários; a esfera administrativa pública, representada pelo Estado e Município e, finalmente, a sociedade civil. Conforme argumenta Corrêa (1995b, p. 13), tal separação “é muito mais de natureza analítica do que efetivamente absoluta”. A borda urbana Sul-Sudeste apresenta complexidade na sua ocupação que, dada a sua dinâmica, está longe de ficar consolidada. É necessário, portanto, considerar as especificidades 108

deste território que, com seus fenômenos e problemáticas, vem sendo produzido ao longo do espaço-tempo. Em uma análise mais geral da localidade, percebe-se quatro questões características da área periurbana que serão abordadas: · O processo heterogêneo em que se desenrola a produção do espaço, trazendo usos urbanos ao meio rural e vice-versa; · A produção capitalista influenciando a paisagem urbana através de fenômenos, a exemplo da especulação imobiliária; · Falta de infraestrutura e serviços acarretando consequências socioespaciais e reduzindo a qualidade de vida para esta população; · Geração de áreas de tensões nas remanescentes da Mata Atlântica, resultantes de um fraco planejamento para a desenfreada expansão urbana; A abertura e asfaltamento de vias de acesso são ações de grande relevo no sentido da valorização crescente do espaço urbano em estudo, uma vez que favorecem a sua acessibilidade e conexões com outros territórios. O setor se comunica com a rodovias BR 230/BR 101, ligando a cidades como Recife, Natal e também ao interior do Estado da Paraíba. A via arterial leva, também, ao aeroporto internacional Presidente Castro Pinto, localizado na região metropolitana de João Pessoa. Outra importante via arterial é a rodovia PB 008, que liga o litoral sul de João Pessoa ao município do Conde (localizado ao sul de João Pessoa). A PB 008 é atendida e alimentada pela avenida Hilton Souto Maior2, e, em conjunto, viabilizam a acessibilidade na área, partindo de vários bairros da cidade até o litoral. A construção das vias arteriais citadas põe-se como fator fundamental no processo de estruturação do espaço urbano abordado, gerando implicações diretas na valorização do preço do solo na área de estudo. Da análise da classificação viária na região, que apresenta uma área de 8.030,10 Ha, vê-se que a malha viária apresenta-se, de certa maneira, complexa e carecendo de uma melhor eficiência sistêmica, pois existem poucos pontos de articulação e conexão, elementos fundamentais que garantiriam a fluidez do tráfego. 2 A avenida Hilton Souto Maior, também conhecida como antiga Estrada da Penha, e a rua João Crisóstomo Ribeiro Coutinho, construída no antigo caminho do Timbó, constituem caminhos que entrecortam a área de estudo.

109


Figura 4. Mapa da classificação viária e pontos de articulação.

Na maior porção territorial, tanto em área urbana quanto rural, é necessário para alcançar a via arterial mais próxima, passar por vias coletoras que por sua vez acabam levando a outras vias coletoras para então chegar às avenidas principais, de número reduzido dadas as proporções territoriais, conforme ilustrado na Figura 4.

Fonte: Campos-2013

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Os raros investimentos em transporte público, no objeto deste estudo, caracterizam e intensificam o espaço urbano desigual, desfavorecendo as possibilidades para que a população se desloque na cidade. Por exemplo, para ir para centros comerciais, o deslocamento possível é apenas para uma subcentralidade comercial, o bairro Mangabeira, onde uma porção foi trabalhada no Setor 1 desta pesquisa. Outras centralidades são encontradas apenas na área urbana central da cidade, abrangendo o bairro Centro, ou na subcentralidade localizada na Zona Leste, mais precisamente o bairro Tambaú, ambos fora do recorte espacial analisado. Para a borda Sul-Sudeste, onde há uma maior concentração de famílias de baixa renda, em relação a outras áreas da cidade, a frequência de transporte público é irregular, ocasionando longo tempo de espera para os ônibus, pois a disponibilidade com melhor qualidade do serviço é localizada no Centro e nas regiões vizinhas. Os bairros apresentam transporte de massa insuficiente,

carecendo de um planejamento eficaz condizente ao uso da terra, predominantemente residencial, com deslocamentos diários pendulares para outros bairros da cidade, visto que a grande parcela da população não trabalha próxima as suas residências. O sistema viário é pobre em conexões com as vias arteriais e principais, apresentando condições de infraestrutura precária, com grande maioria das vias locais em solo natural que, quando comparado a outras zonas da cidade, apresenta um padrão inferior em provimentos infraestruturais e na qualidade do espaço. Em se tratando do uso do solo residencial, é bastante recorrente a divisão do lote privado, pois essa configuração aparece principalmente nas áreas da cidade, que desfrutam de um menor poder aquisitivo, dessa maneira facilitando o acesso a moradia própria ou alugada. Ocorre geralmente no objeto de estudo de três formas: A) Duas casas geminadas unifamiliares divididas espelhadas por um eixo de alvenaria comum a ambas; B) Duas casas unifamiliares separadas, porém apresentando ambas as mesmas leituras de edificação; (C) Duas casas unifamiliares separadas, apresentando diferentes leituras de edificação; (D) Duas casas geminadas unifamiliares divididas por um eixo de alvenaria comum a ambas apresentando diferentes leituras de edificação, conforme ilustra a Figura 5. Figura 5. Diferentes tipologias encontradas nos lotes bifamiliares desmembrados.

Fonte: LAURBE-2013

111


Ainda se tratando do uso do solo residencial, em todo o recorte é possível encontrar o fenômeno da verticalização, aproveitando o maior adensamento previsto para área. Tipologias habitacionais com dois, três ou quatro pavimentos com diversas habitações unifamiliares, interferindo diretamente na paisagem. Exemplos de quarteirões inteiros ocupados com esse padrão podem ser encontrados em locais que possuíam o gabarito de apenas um pavimento ou mesmo passando a avançar ao meio rural. As áreas de pastagem do gado bovino vão ficando cada vez mais escassas e por isso, leva à prática do pastoreio nos logradouros públicos conforme aparecem na figura 6. Figura 6. Habitações multifamiliares próximas ao vazio urbano (A) e gado pastando zona periurbana, ao fundo unidade rural vizinha a habitação multifamiliar ainda em construção (B).

Fonte: LAURBE-2013

Ainda no uso residencial, predominante na área conforme ilustra a Tabela 2, encontram-se loteamentos clandestinos e ocupações irregulares com precárias condições de salubridade. A autoconstrução dessa modalidade tem se revelado como único meio possível de acesso à casa própria para a grande parcela da sociedade de baixa renda ocupante da área. Fatores são atrelados a exemplo da mercantilização do solo urbano e da moradia, cujo valor baseia-se na lógica do mercado financeiro. Segundo Maricato (1982, p. 74): “Se a massa de trabalhadores constrói sua casa, é porque não lhes resta outra alternativa, já que ela não tem condições de comprar esse produto ou pagar por esse serviço, seja pelo baixo poder aquisitivo dos salários, seja porque as políticas oficiais estatais tratam a infraestrutura e equipamentos urbanos, coletivos ou não, como mercadorias a exemplo dos setores privados, [..] ou combinados a eles”. 112

Tabela 2. Uso do Solo dos setores estudados.

Setor

Residencial

Comércio e/ ou Serviço

Misto

Institucional

Industrial

Áreas Verdes

Praças

Vazios Urbanos

Setor 1

5.093

101

225

91

0

13

3

7

Setor 2

4.350

68

418

43

0

0

8

186

Setor 3

3.366

57

21

19

0

0

0

1.178

Setor 4

1.248

57

24

3

0

0

0

408

Setor 5

1.156

29

84

16

0

7

0

392

Setor 6

3.718

51

25

15

0

2

3

91

Setor 7

2.353

116

38

11

1

4

0

39

Setor 8

2.330

61

96

21

6

5

16

10

Setor 9

3.268

119

98

19

0

0

4

169

Total

26.882

659

1029

178

7

31

34

3301

Fonte: Campos-2013

Algumas considerações podem ser capturadas a partir da análise dos setores estudados. Os setores 3, 4, 5 e 6, nos espaços mais avançados da malha urbana da cidade, apresentaram grande quantidade de vazios urbanos, terrenos vagos que são, por vezes, uma necessidade de acumulação do setor imobiliário, no âmbito da expectativa à valorização fundiária urbana. Assim, o (não)uso característico é meramente especulativo, seguindo os mecanismos do mercado imobiliário. A maior quantidade, proporcionalmente a sua ocupação, de residências e usos comercial, serviços e institucional, são os setores 1, 2, 7, 8 e 9 que historicamente, foram ocupados primeiramente a partir de 1980, conforme ilustra a figura 7. Neste período, a cidade expande-se para as áreas mais ao Sul-Sudeste, por meio da construção de grandes conjuntos habitacionais, financiados pelo Sistema Financeiro de Habitação do Banco Nacional Habitação (SFH/BNH). 113


Segundo Cavalcanti (1999), esses conjuntos estão inseridos nas políticas públicas de habitação, as quais tinham como intuito minimizar os impactos causados pela maior valorização do solo urbano, por meio da provisão estatal de moradias populares. Intencionalmente implantados em áreas distantes, fora do tecido urbano. Assim, esses conjuntos passaram a abrigar grande parte dos trabalhadores assalariados de baixa renda. Estes, devido às injunções socioeconômicas que sobre eles recaem, não tendo condições de permanecer nas áreas mais centrais da cidade, recorrem às linhas de créditos facilitados pelo então BNH, bem como das companhias de habitação popular estaduais, a exemplo da CEHAP.

Figura 8. Fenômenos ocorrentes ausência de equipamentos para lazer e ruralidades encontradas no meio urbano.

Figura 7. Evolução da malha urbana.

Fonte: LAURBE-2013

Fonte: LAURBE-2013

Quanto aos espaços públicos verdes e de lazer, nos setores 3, 4, 5 e 6, são quase inexistentes. Faltam praças, espaços de recreação e lazer, voltados à melhoria da qualidade socioambiental. Nos terrenos vazios, aparecem os campos de futebol informais, onde jovens e adultos realizam suas atividades de lazer, muitas vezes ao lado de atividades rurais ou em zonas originalmente de Preservação Ambiental. As crianças acabam brincando nas ruas, muitas delas sem o mínimo de salubridade necessária. Poucos setores apresentam praças urbanizadas, tendo a grande maioria dos setores, número insuficiente tendo em vista a quantidade de moradias, conforme ilustrado na Figura 8. 114

Em relação ao bioma da Mata Atlântica, no objeto estudo, ele vem sendo fragmentado intensamente, nas últimas décadas, de acordo com a Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura Municipal de João Pessoa (SEMAM, 2010). Proveniente da urbanização dispersa porém intensa, a implantação de infraestrutura de pavimentação, iluminação elétrica e rede de abastecimento d’água trazem provimentos urbanos que, muitas vezes, funcionam abaixo da demanda existente nessas áreas. Mesmo assim, cada vez mais é impulsionada a construção de novas edificações, avançando sobre as remanescentes da Mata Atlântica e manguezais, conforme ilustrado na Figura 9.

115


Figura 9. Remanescentes da Mata Atlântica e áreas degradas pela ação humana.

Fonte: SEMAM/PMJP (2010), adaptado por CAMPOS-2013

O bioma Mata Atlântica, na Paraíba, corresponde a uma área total de 657.851,21ha, 11.66% do território do estado. (BRASIL, 2010/Biodiversidade 34). Já a cidade de João Pessoa, conserva extensos remanescentes de Mata Atlântica, fato que a diferencia de outras capitais brasileiras. Entretanto, na Borda Sul-Sudeste, muitos destes remanescentes estão fragmentados, comprometendo a biodiversidade das espécies de fauna e flora, conforme Tabela 3: Tabela 3. Remanescentes da Mata Atlântica.

Cidade João Pessoa (ha)

Borda Sul-Sudeste (ha)

Remanescentes Vegetais

3.439,58

1.579,15

Manguezal

1.060,25

357,30

Áreas Degradadas*

1.690

675,53

Fonte: Campos-2013, a partir da base de dados da SEMAN (PMJP)-2010 Nota: O estado de conservação dos remanescentes naturais foi baseado nos estágios de regeneração (CONAMA N° 10/1993 e CONAMA N° 391/2007), nos aspectos como impactos antrópicos (como exploração de madeira e mineral) e nas ameaças relacionadas à especulação imobiliária.

A necessidade de elaborar e planejar estratégias de políticas públicas para a preservação do meio ambiente levou a um mapeamento macroespacial do município de João Pessoa, referente à sua situação atual de conservação e degradação ambientais. Tais 116

aspectos, por sua vez, estão em constantes atualizações, ou seja, áreas verdes podem desaparecer, assim como áreas degradadas podem ser recuperadas. Quando analisada a área de ocupação dos Biomas e sua relação de degradação, percebe-se que, na Borda Sul-Sudeste, se comparado a João Pessoa, ocorrem: · 41,91% de áreas remanescentes da Mata Atlântica; · 33,69%, dos mangues; e · 39,97% de áreas degradadas. A malha urbana está orientada, quanto ao seu crescimento e ao seu adensamento, de forma dispersa e antiecológica gerando tensões diretamente na Mata Atlântica e, como efeitos, tem-se esses impactos sobre o ambiente natural, além de uma deficiência crônica estrutural e infraestrutural, o aumento dos custos econômicos e ambientais de seu funcionamento e atendimento, e, ainda, diminuição das oportunidades de desenvolvimento humano da população, em termos da qualidade de vida. Pode-se concluir que, a expansão físico-territorial urbana em João Pessoa vem degradando excessivamente o meio ambiente, visto que muitas áreas vistas como de “expansão” (recente) deveriam ter sido preservadas, em função da importância ecológica para a conservação do Bioma Mata Atlântica. O Plano Municipal de Conservação e Recuperação da Mata Atlântica de João Pessoa, elaborado em 2010 pela SEMAM-PMJP, apresenta diretrizes metodológicas que abrangem o constante reordenamento do uso do solo urbano, sendo orientado para responder possíveis mudanças conforme as diretrizes da política urbana de planejamento municipal.

O capitalismo e o espaço periurbano O espaço urbano foi contornado à luz de um modelo socioeconômico capitalista, excludente e dependente, herdado de todo o processo de formação da urbanização e industrialização. Assim, não restam dúvidas de que ele comporta grandes contradições, conflitos e segregações socioespaciais (SILVEIRA, 2012). Na borda Sul-Sudeste de João Pessoa essa realidade, sob vários aspectos, não é diferente. Pois, ao analisarmos o seu processo de expansão urbana, observamos que a cidade tem sido estruturada a partir de um espaço intraurbano fragmentado, gerando vazios 117


urbanos e mal aproveitamento de sua infraestrutura, que quando existe, é precária, além de gerar espaços socioespacialmente desiguais, no qual, poucos são dotados de equipamentos e serviços satisfatório tendo em vista a sua dimensão. Notamos cada vez mais, a ocupação dirigindo-se para os limites do perímetro urbano, onde grande parte dos processos que compõem a problemática urbana na atualidade são de natureza espacial. A luta pela moradia e muitos obstáculos que se verificam no plano da gestão urbana são exemplos de desafios de âmbito espacial. Vemos que a dinâmica de ocupação do solo é conduzida pela extensão espacial e, por outro lado, pela não ampliação da capacidade da infraestrutura correspondente e, no recorte de estudo, a ocupação urbana é configurada, em sua maior parte, com terrenos menores e mais restritos quanto ao adensamento e verticalização, ocupando os setores de valores inferiores. Observa-se que a macroestrutura adensável, definida pelo Plano Diretor (2009), é o setor com maior preço do solo, e dentro desta estrutura, os índices urbanísticos permitidos influenciam no preço do solo, refletidos na dinâmica espacial dentro da cidade. A partir da década de 1990, a maioria das regiões situadas nas áreas de expansão urbana da Borda sul-Sudeste concentram o maior percentual de vazios urbanos e também a população de baixa renda, delineando assim um cenário de segregação social intensa. A ação do Estado como agente da urbanização e como fomentador da produção de moradia, revela-se, porém, ambígua atualmente, agindo atrelado aos interesses do grande capital, secundarizando as políticas de preservação ambiental que acabam deteriorando o meio ambiente natural mais rapidamente. Neste processo, no qual a lógica de ocupação do espaço urbano é ditada entre os meandros dos especuladores imobiliários, em parceria com o poder público, identifica-se uma expansão desenfreada, causando impactos no urbano como espaço de vivência.

118

Considerações Finais No que concerne à produção do espaço urbano Sul-Sudeste pessoense analisado, nota-se a carência de infraestrutura e de serviços urbanos, onde os problemas da área de estudo que aqui analisamos deixam evidente que o espaço apresenta-se como uma importante arena onde se desenrolam fenômenos que atingem profundamente as cidades brasileiras, sobretudo as cidades médias (a exemplo da capital paraibana) e as metrópoles. Referente a expansão da malha urbana, algumas considerações de ordem físico-ambiental se fazem necessárias. Constatamos que os processos de expansão urbana mostrou-se disperso e com inclusão precária, em grande parte, tornando o espaço urbano cada vez mais fragmentado. Esses fragmentos compõem distintas realidades espaciais, influenciando/influenciados pelo âmbito socioeconômico. Tais subespaços compõem realidades em grande medida desarticuladas entre si, como apresentado a partir da análise do sistema viário. Portanto, a fragmentação que ocorre na borda Sul-Sudeste de João Pessoa é essencialmente contraditória. No quesito relativo as condições de vida, à salubridade ambiental, às estruturas residenciais, ao acesso aos equipamentos urbanos e à disponibilidade de infraestrutura urbana coletivos são precários, tendo os custos sociais urbanos mais elevados devido ao modelo espraiado. O elevado custo de provimento infraestrutural, causado pelo excessivo espraiamento, provoca uma deficiência de longo prazo, quase crônica, nas áreas mais periféricas e de baixa renda, particularmente nos setores mais periféricos que tem a sua viabilização reduzida pela baixa densidade e pela baixa capacidade de pagamento por sua população (JOÃO PESSOA, 2010). Observando a evolução urbana neste setor da região sul da capital paraibana, também interferindo nas zonas de preservação de Mata Atlântica onde, em 2010, a ocupação desta área é equivalente a 41,97% da área total em estudo, e observando o mapa de evolução da malha urbana em relação à ocupação, constatou-se que esta expansão territorial já está conflitando com os limites municipais. 119


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122

123


Caracterização Socioeconômica das Bordas Urbanas na Cidade de João Pessoa, Paraíba1

Adalberto Duarte Santos Júnior Milena Dutra da Silva José Augusto Ribeiro da Silveira

Introdução O processo de produção e apropriação do espaço urbano acelerou-se no Brasil em meados do século XX e apresentase diretamente proporcional ao crescimento populacional nas cidades. Atraída pela oportunidade de emprego e renda e uma melhor qualidade de vida, a população migrou para áreas urbanas fazendo com que essas áreas, na década de 1980, já encerrassem 66% da população brasileira (IBGE, 2010). Esse avantajado crescimento populacional justaposto à falta de políticas públicas para um planejamento urbano adequado, por parte do Estado, e por distorções e desigualdades socioeconômicas produziu um cenário de disfunções espaciais no meio intraurbano e de crescimento desordenado. Além das características anteriormente citadas, nas cidades brasileiras ressalta-se a adoção de políticas públicas que reproduzem um modelo centro-periferia que alimenta um contínuo deslocamento centrípeto da mancha urbana em direção as áreas rurais, semirrurais e/ou aos espaços naturais. Esta configuração 1 Texto publicado e apresentado no II Simpósio de Estudos Urbanos: A dinâmica das cidades e a produção do espaço. Campo Mourão, Paraná, Brasil, em agosto de 2013.

espacial resulta na descompactação e descentralização da cidade aumentando a segregação e a fragmentação espacial, e o espraiamento urbano. A dispersão e a fragmentação mostram certa tensão entre forças de expansão e aproximação no espaço, existindo bordas que estabelecem um extremo, um limite territorial, ou seja, uma fronteira em contínua transformação no âmbito das interfaces existentes entre as possibilidades de acesso e o uso da terra urbana. A estrutura resultante apresenta “células” urbanas que se agrupam em ilhas de diversos tamanhos e localizações, definindo cheios e vazios. O avanço contínuo da mancha urbana sobre as suas bordas denota que a dispersão parece não ter barreiras, sejam físicas ou sociais. Nesses casos, as forças são predominantemente de distensão, podendo apresentar baixa densidade, pontuando os conflitos entre a acessibilidade, o uso e a ocupação da terra urbana, registrando as “peças urbanas” da cidade difusa, em contraposição à “visão de totalidade” das cidades compactas e convergentes (MEYER, 2006). Em João Pessoa, o rápido crescimento populacional, após a década de 1970, promoveu uma expansão urbana igualmente ou mais acelerada, sobretudo na região sul do município. A organização da cidade em fatias socioespaciais, baseada no acúmulo de capital, bens e serviços, torna a dinâmica espacial urbana desordenada, sob o ponto de vista de uma cidade mais equitativa. Tal concentração das atividades econômicas mais rentáveis, no centro e/ou em bairros mais nobres, induz ao distanciamento das parcelas mais pobres da população, restringindo oportunidades e aumentando as desigualdades sociais, a segregação, a fragmentação espacial e o espraiamento urbano. Essa configuração nos traz questionamentos quanto à estruturação da cidade, sobretudo no que diz respeito a: Quais as características sociais e econômicas dos espaços mais periféricos de João Pessoa? Quão socialmente segregados são esses espaços? Diante do exposto, este estudo visou a caracterização socioeconômica de espaços periféricos de João Pessoa e dos seus elementos constituintes, no processo de produção e apropriação do espaço nas terras-limite ou bordas do tecido urbano. Esta análise contribui de maneira complementar às pesquisas sobre a produção e apropriação dos espaços periféricos de cidades de 125


médio porte, desenvolvidas pelo Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado (LAURBE/UFPB).

Desenvolvimento Borda urbana

126

Segundo Arroyo (2007), no espaço intraurbano, as bordas constituem uma fenomenologia que se registra tanto na ordem física quanto nas ordens social e simbólica. O termo associa-se não só à ideia de confim, limite, muitas vezes pouco conhecido, mas também a uma situação intermediária, de transição entre duas áreas adjacentes. Nesse sentido, as tensões de atravessamento são complementares às tensões de percurso nas bordas propriamente ditas, conformando experiências fundadas na vivência do trajeto e englobando as transformações e diferenciações físico-territoriais. O conceito de borda enriquece ao estabelecer relações com outros conceitos, cuja associação amplia as possibilidades de sua compreensão, considerando os espaços livres públicos e edificados, e a cidade dividida (CERTEAU, 1974). Como espaços-limite mais avançados da cidade, as bordas constituem territórios predominantemente lineares, diferenciados, encerrando lugares, ou separando áreas diferentes, como linhas de trânsito entre lugares. Expressam espacialidades e temporalidades diferenciadas, acentuando problemas urbanos agudos, a exemplo da cisão e da segregação. Por outro lado, dada a indeterminação original em função da relatividade espaçotemporal, as possibilidades de separar/juntar, rodear/dividir das bordas urbanas podem abrir caminho a operações táticas, ao se apresentarem como espaços ambíguos da cidade, nos quais cabe aos atores urbanos materializar novas trajetórias. Detectado no fim dos anos 1930 e princípios dos anos 1940, o chamado “periurbano” traduziu-se primeiramente sob dois termos: rural fringe e urban fringe, com a distinção baseada em critérios estatísticos. Provavelmente, uma das primeiras sistematizações sobre o problema das áreas de transição urbana foi apresentada por Smith (1930), que as viu como áreas construídas próximas aos limites administrativos da cidade (PRYOR, 1971). Na literatura especializada, encontram-se outros conceitos e denominações que se referem aos espaços existentes na interface do rural

com o urbano, dentre os quais, podem ser destacados: espaços periurbanos (ESPAÑA, 1991), espaço rurbano (FREIRE, 1982) ou franja rurbana, ou franja urbana (JOHNSTON, 1978), franja ruralurbana, franja periurbana, periferia rurbana, ou para os casos em que a urbanização não constitui uma faixa homogênea nas dimensões físico-naturais e/ou sociais. Corrêa (1986) ressalta que seria possível, em algumas situações, falar em uma “periferia suburbana, subúrbio ou periferia rural-urbana”, quando acontece um processo dinâmico de urbanização.

Borda urbana e crescimento populacional As cidades médias exerceram um papel expressivo na dinâmica de crescimento populacional e na redistribuição da população urbana em nosso país, a partir da década de 1970 até princípios dos anos 1990, como “porta de entrada” dos fluxos migratórios rural-urbanos, com implicações sobre a organização físico-territorial da cidade (ANDRADE e SERRA, 1998). Muitos imigrantes, incapazes de arcar com elevados custos fundiários e imobiliários, deslocaram-se para áreas periféricas, em um processo de cisão intraurbana. Desde os anos 1960, houve uma tendência à descompactação e à descentralização, quando fatos denotavam a preferência de pessoas e alguns equipamentos e serviços pela localização em periferias, cada vez mais extensas, em detrimento do centro, acompanhando a dinâmica de deslocamento de classes sociais no espaço da cidade. Os anos 1990, mais do que nos anos anteriores, marcaram um contexto em que as áreas de transição rural-urbana passaram a ser palco de uma diversidade de interesses e processos, em combinação e em conflito, de vários atores sociais modeladores do espaço, fato que acentua o interesse em melhor caracterizálas, contribuindo para a formulação de diretrizes de planejamento. O período marcou importantes mudanças nos padrões da expansão, com a intensificação das relações intraurbanas e intrametropolitanas; com uma nova conjuntura da questão social, ao incorporar ao debate a questão ambiental; e com a redefinição do papel econômico do Estado, valorizando ainda mais as relações de mercado (LACERDA e ZANCHETTI, 2000). 127


O padrão de urbanização historicamente caracterizado pelo binômio modernidade-pobreza produziu aglomerações urbanas que experimentam uma expansão extensiva, fragmentada, descontínua e desestruturada, pautada principalmente pelos interesses do mercado e pontuada pelo transbordamento dos assentamentos precários e pela distribuição desigual dos bens e serviços públicos. Nesse contexto, as áreas de transição ruralurbana passam a ser, mais do que antes, um palco complexo onde se materializa uma diversidade de interesses e processos, em articulação e conflito, de vários agentes modeladores do espaço, o que realça, desse modo, a necessidade de melhor caracterizá-las para subsidiar o planejamento e a gestão dessas terras-limite.

Metodologia O município de João Pessoa está localizado no extremo oriental do estado da Paraíba, com extensão territorial equivalente a 210,45 km2 (0,3% do estado), limitando-se, ao norte, com Cabedelo (rio Jaguaribe); ao sul, com o Conde (rio Gramame); ao leste, com o Oceano Atlântico; e, ao oeste, com Santa Rita (rios Mumbaba e Paraíba) e Bayeux (rio Sanhauá). Localiza-se entre as latitudes 7º15’0”S e 7º3’0”S e longitudes 34º52’W e 34º48’0’’W (Figura 1). Figura 1. Espaço periurbano localizado na região Sul do município de João Pessoa.

Elaboração: LAURBE/CT/UFPB

Gramame, Mangabeira, Muçumagro e Paratibe (Figura 1). Estes bairros representam a produção do espaço urbano mais recente do município, ocorrida entre as décadas de 1980 e 2010. Os dados relativos aos parâmetros socioeconômicos foram obtidos a partir de banco de dados do IBGE, Secretaria de Saúde e da Secretaria de Planejamento Urbano do Município de João Pessoa, além de publicações científicas correspondentes as áreas analisadas. Foram obtidos os dados referentes ao número de habitantes por bairro, renda familiar, grau de alfabetização e uso dos domicílios. Além destes dados, foi obtida a densidade de moradores por unidade habitacional. Visando verificar a cobertura de serviço institucional de educação, foram contabilizados e mapeados os Centros de Referência em Educação Infantil (CREI) e as Escolas Públicas Municipais nos bairros e/ou em sua vizinhança. A disponibilidade de acesso aos serviços de saúde foi analisada mediante o levantamento do número de Unidades de Saúde da Família (USF) por bairro.

Resultados e Discussão Territórios urbanos periféricos e população Os bairros periféricos ao sul de João Pessoa abrigam, conjuntamente, um contingente populacional de 145.026 pessoas, correspondendo a mais de 20% da população municipal (Tabela 1). Entre os bairros periféricos estudados encontra-se o bairro mais populoso da cidade e do estado da Paraíba, Mangabeira (Tabela 1), que corresponde a 10,5% da população da capital paraibana. Este bairro foi um dos marcos iniciais da ocupação da zona sul, formado a partir de conjuntos habitacionais e entregue em duas etapas: Mangabeira I em 1983, com 3.238 habitações, e Mangabeira II em 1985, com 6.344 habitações (CEHAP, 2011).

Para caracterização socioeconômica dos espaços periféricos de João Pessoa, foram selecionados os bairros que constituem o espaço periurbano do município, estabelecidos ao sul, a saber: Barra de Gramame, Costa do Sol, Costa e Silva, Ernani Sátiro, 128

129


Tabela 1 . População por sexo nos bairros periféricos ao sul de João Pessoa, Paraíba, 2010

Local

Homens

Mulheres

Total

Barra de Gramame

182

165

347

Costa do Sol

4.486

3.855

8.341

Costa e Silva

3.925

4.283

8.208

Ernani Sátiro

4.057

4.584

8.641

Gramame

12.000

12.829

24.829

Mangabeira

35.844

40.144

75.988

Muçumagro

3.103

3.173

6.276

Paratibe

5.945

6.451

12.396

Bairros Borda Sul

69.542

75.484

145.026

João Pessoa

337.783

385.732

723.515

Fonte: CENSO IBGE, 2010

130

Mangabeira atua como um polo de atração e centralidade na região, provocando o mesmo perfil de quantitativos populacionais elevados em bairros limítrofes, que utilizam as oportunidades urbanas oferecidas por ele, tais como comércio variado e a ampla gama de serviços. Justifica-se, assim, o quantitativo populacional de Paratibe (Tabela 1), um dos bairros circunvizinhos a Mangabeira e sob a sua influência direta. Gramame destaca-se por apresentar a segunda maior população da borda urbana, ao sul de João Pessoa (Tabela 1). Uma das justificativas para isto encontra-se na implantação de conjuntos habitacionais no bairro, como o Conjunto Gervásio Maia e Conjunto Irmã Dulce que, juntos, oferecem um total de 2.576 unidades habitacionais (SEMHAB, 2012). Barra de Gramame mostra-se como sendo o bairro menos populoso (Tabela 1). Porém, é esperado que este quantitativo populacional seja consideravelmente ampliado nos próximos anos, pois foram aprovados os projetos de dois grandes condomínios para serem implantados no bairro, sendo um de iniciativa do Governo do Estado da Paraíba e outro advindo de iniciativa privada (SEMHAB, 2012). Quanto à classificação populacional por sexo, observa-se, de forma geral, a ligeira predominância da população feminina, que corresponde a 52,05% da população dos bairros periféricos ao sul de João Pessoa (Tabela 1). Este perfil é semelhante à média nacional de população urbana feminina, que equivale a 51,7% (IBGE, 2010). Análises do IBGE (2010) apontam que o maior percentual feminino

na população está diretamente relacionado com o maior índice de mortalidade masculina. Apenas os bairros de Costa do Sol e Barra de Gramame apresentam maior percentual populacional composto por homens, com 53,78% e 52,45%, respectivamente. Em Costa do Sol essa predominância é justificada pela maior natalidade masculina (CENSO IBGE, 2010). Barra de Gramame não possui justificativa para o maior percentual populacional masculino, baseada em taxas de natalidade ou mortalidade e, sim, no fato de possuir maior população de homens de 15 a 19 anos, quando comparado aos dados de sexo feminino por faixa etária (CENSO IBGE, 2010). Quanto à densidade demográfica, observa-se que todos os bairros que compõem a periferia sul de João Pessoa superam a média nacional que é de apenas 22,43 hab./km² (Sinopse do Censo Demográfico, IBGE, 2010) (Figura 2). A maior densidade demográfica observada na região ocorre em Costa e Silva, com 8.445,96 hab./km², e a menor densidade demográfica ocorre em Barra de Gramame, com 52,39 hab./km² (Figura 2). A segunda menor densidade demográfica ocorre em Costa do Sol (Figura 2), que concentra a maior parte do seu adensamento populacional na porção mais urbanizada, conectada diretamente a Mangabeira, refletindo a atração polarizadora que este bairro possui.

Figura 2. Densidade demográfica nos bairros periféricos ao sul de João Pessoa, Paraíba.

Fonte: Prefeitura Municipal de João Pessoa, Secretaria de Planejamento, (elaboração LAURBE/CT/UFPB, 2013)

131


particular permanente no Brasil é de 3,2 e, de 3,4, para a região Nordeste. Sendo assim, todos os bairros componentes da área de estudo encontram-se acima da média regional e nacional. Paratibe está inserido na média regional, em seu limite superior (Tabela 3).

Ocupação domiciliar em territórios urbanos periféricos Os bairros periféricos compreendem cerca de 20% dos domicílios particulares permanentes de João Pessoa, com uma taxa de domicílios ocupados equivalente a 89,31%, superando o percentual municipal (Tabela 2). Tabela 2. Classificação dos domicílios quanto ao uso nos bairros periféricos ao sul de João Pessoa, Paraíba

Local

Domicílios Particulares Permanentes

Domicílios Particulares Permanentes Ocupados

Domicílios Particulares Permanentes não Ocupados

Domicílios Particulares Permanentes não Ocupados - Uso Ocasional

Domicílios Particulares Permanentes não Ocupados - Vago

Barra de Gramame

241

91

150

144

6

Costa do Sol

2.922

2.307

615

128

487

Costa e Silva

2.452

2.336

116

25

91

Ernani Sátiro

2.636

2.472

164

35

129

Gramame

8.173

6.943

1.230

145

1.085

Mangabeira

23.519

21.893

1.626

271

1.355

Muçumagro

2.096

1.732

364

78

286

Paratibe

4.292

3.608

684

173

511

Bairros Borda Sul

46.331

41.382

4.949

999

3.950

João Pessoa

241.754

213.239

28.515

7.489

21.026

Fonte: CENSO IBGE, 2010

132

Embora os bairros periféricos possuam baixo percentual de domicílios não ocupados (uso ocasional e/ou vago), Barra de Gramame diferencia-se por possuir 59,3% dos domicílios assim caracterizados (Tabela 2). Entre esses domicílios destaca-se o uso ocasional (Tabela 2), que são utilizados principalmente como casas de veraneio, tendendo a uma ocupação sazonal em temporadas de férias e/ou feriados. Esse comportamento é reforçado devido a Barra de Gramame situar-se no litoral, em uma área distanciada do “agito” intraurbano e propício para o descanso e lazer (praia). Quanto à densidade de habitantes por domicílio observase que nos bairros periféricos ao sul de João Pessoa os valores variam entre 3,4 e 3,8 moradores/unidade domiciliar (Tabela 3). De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2009/2011 (PNAD, 2011), a média de moradores por domicílio

Bairro

Média de moradores em domicílios particulares ocupados

Barra de Gramame

3,8

Costa do Sol

3,6

Costa e Silva

3,5

Ernani Sátiro

3,5

Gramame

3,6

Mangabeira

3,5

Muçumagro

3,6

Paratibe

3,4

Tabela 3. Média de moradores em domicílios particulares ocupados nos bairros periféricos ao sul de João Pessoa, Paraíba.

Fonte: CENSO IBGE, 2010 (Elaborado pelos autores, 2013)

Taxa de Alfabetização em territórios urbanos periféricos Nos bairros periféricos o percentual de alfabetização é de 89,17% (Figura 3), inferior às médias municipal e nacional, que são de 92,4% e 91%, respectivamente. A taxa de alfabetização dos bairros periféricos de João Pessoa supera apenas a taxa estadual, de 79,8%, a 3º mais baixa do país (IBGE, 2010). O maior percentual de pessoas alfabetizadas se encontra no bairro de Mangabeira, com um total de 94,4%, e o menor percentual está localizado em Barra de Gramame, com 81,3% da população alfabetizada (Figura 3).

133


Renda em territórios urbanos periféricos

Figura 3. Taxa de alfabetização nos bairros periféricos ao sul de João Pessoa, Paraíba.

Fonte: IBGE,2010 e Prefeitura Municipal de João Pessoa. Elaboração: LAURBE/CT/UFPB, 2013

Os dados apontam que os bairros de Muçumagro e Barra de Gramame possuem o maior percentual de população ainda analfabeta, com 12,4% e 18,7%, respectivamente. Este fato relaciona-se à deficiência na infraestrutura educacional, pois são os únicos bairros da área de estudo que não dispõem de nenhum equipamento de ensino, como Escolas Municipais e Centros de Referência em Educação Infantil (CREI) (Figura 4). Figura 4. Escolas Municipais e CREIs e raios de atendimento de 500 m nos bairros periféricos ao sul de João Pessoa, Paraíba

Os bairros periféricos abrigam um percentual elevado de pessoas com baixa renda (0 a >2 salários) (Tabela 4), equivalente a 93,32% da população estabelecida nessas áreas. Quando analisamos isoladamente observamos que a concentração de pessoas com baixa renda em cada bairro distribui-se da seguinte forma: Barra de Gramame (93,52%), Costa do Sol (93,71%), Costa e Silva (94,37%), Ernani Sátiro (90,79%), Gramame (96,07%), Mangabeira (87,93%), Muçumagro (95,61%) e Paratibe (94,54%). Esta distribuição de renda corrobora com outros estudos que apontam as bordas urbanas como receptoras de uma classe detentora de poucos recursos financeiros. O percentual de pessoas que não possuem renda é predominante em todos os bairros periféricos, variando entre 36,53% e 43,8%, quantitativos pertencentes à Mangabeira e à Costa do Sol, respectivamente (Tabela 4). Tabela 4. Rendimento nominal mensal* nos bairros periféricos ao sul de João Pessoa, Paraíba

Rendimento (%) Quantidade de Salário Mínimo

Local Sem Renda

Até 1/2

>1/2 e <1

>1 e <2

>2 e <5

>5 e <10

>10 e <20

Barra de Gramame

37,41

13,31

31,65

11,15

4,68

1,8

-

-

Costa do Sol

43,81

9,65

24,68

15,57

5,72

0,52

0,03

0,01

Costa e Silva

40,59

7,14

31,21

15,43

4,72

0,83

0,06

0,03

Ernani Sátiro

38,52

4,91

27,59

19,77

8,00

1,13

0,08

0,01

Gramame

40,82

10,76

27,75

16,74

3,43

0,38

0,09

0,03

Mangabeira

36,53

4,81

25,82

20,77

9,98

1,79

0,24

0,05

Mucumagro

42,09

10,71

29,2

13,61

3,86

0,33

0,14

0,06

>20

Paratibe

39,00

11,77

27,13

16,64

4,74

0,56

0,13

0,03

Bairros Borda Sul

39,85

9,13

28,13

16,21

5,64

0,92

0,096

0,027

João Pessoa

37,19

5,17

23,47

15,7

10,5

5,09

2,11

0,76

*População com 10 ou mais anos de idade Fonte: CENSO IBGE, 2010 (adaptado pelo autor, 2013)

O bairro de Muçumagro abriga, simultaneamente, a concentração de renda mais alta (mais de 20 salários mínimos) e a segunda maior concentração de pessoas que não possuem 134

Fonte: Prefeitura Municipal de João Pessoa. (Elaboração LAURBE/CT/UFPB, 2013)

135


renda (Tabela 4), realçando aspectos de desigualdade social, internamente ao território. Barra de Gramame abriga o maior percentual da classe de rendimento de 5 a 10 salários mínimos (Tabela 4), apesar de ser o bairro da borda com a menor taxa de alfabetização e não apresentar nenhum de ensino em sua extensão territorial. Observa-se que a maior concentração de população de renda igual e/ou superior a três salários mínimos encontra-se em Mangabeira (12,06%), reforçando, como amplamente discutido, que um polo que oferece oportunidades urbanas de comércio e serviço pode afetar o rendimento de sua população.

Acesso a serviços de saúde em territórios urbanos periféricos As Unidades de Saúde da Família (USF) provém serviços básicos de saúde para a população e possuem equipes responsáveis pela manutenção da saúde na comunidade. A quantidade USFs é variável nos bairros da periferia ao sul de João Pessoa. Mangabeira possui um total de 16 unidades de atendimento, enquanto que Costa do Sol, Barra de Gramame e Muçumagro encontram-se desprovidos de tal atendimento (Figura 5). Figura 5. Quantidade de Unidades de Saúde da Família por bairro

A partir dessa diretriz observa-se uma carência de atendimento em todos os bairros da área de estudo (Tabela 5). Para prestar atendimento, conforme recomendado, o número de USF na borda urbana analisada deveria ampliar os serviços em 104,17% (Tabela 5). O cenário é ainda mais agravante se considerarmos que os bairros que não possuem USF buscam atendimento nas unidades dos bairros circunvizinhos, o que aumenta o tempo de espera pelo atendimento e compromete a qualidade de serviço da USF diante da sobrecarga. Habitantes

Quantidade de USFs

Quantidade recomendada USFs

Barra de Gramame

347

0

1

Costa do Sol

8.341

0

3

Costa e Silva

8.208

2

3

Ernani Sátiro

8.641

2

3

Gramame

24.829

2

8

Mangabeira

75.988

16

25

Mucumagro

6.276

0

2

Paratibe

12.396

2

4

Bairros

Tabela 5. Quantidade de USFs recomendada para a demanda populacional local.

Fonte: IBGE, 2010 e Prefeitura Municipal de João Pessoa, Secretaria de Planejamento, divisão de Geoprocessamento e Cadastro Urbano (adaptado pelo autor, 2013)

Considerações Finais

Fonte: Prefeitura Municipal de João Pessoa (Elaboração: LAURBE/CT/UFPB, 2013)

O Ministério da Saúde recomenda uma unidade de atendimento à saúde da família para no máximo 4.000 habitantes, sendo recomendada a quantidade de 3.000 habitantes por USF. 136

A produção de espaços urbanos periféricos em João Pessoa, a partir da década de 1980, teve, e tem como mola propulsora a implantação de conjuntos habitacionais, que propiciam o adensamento populacional e influenciam no processo de urbanização da paisagem limite da cidade. Foi desta forma que surgiu o bairro mais populoso do Estado da Paraíba, Mangabeira. Outros bairros tem se originado e/ou expandido (produção urbana) da mesma forma, como Gramame. É esperado que o mesmo aconteça em Barra de Gramame, com as futuras implantações de conjuntos habitacionais, aumentando assim o seu contingente populacional e densidade demográfica. Os bairros que constituem a borda urbana, ao sul de João 137


Pessoa, possuem densidade habitacional superior à média regional e nacional. Apenas Paratibe está inserido na média regional. Os domicílios particulares permanentes estabelecidos nos espaços periféricos são em sua grande maioria ocupados. Os domicílios não ocupados, de uso ocasional e/ou vagos, são mais frequentes na faixa litorânea, utilizadas de forma sazonal, principalmente durante o verão, por ser uma área distanciada do agito intraurbano e propício para o descanso e lazer (praia). A taxa de alfabetização da borda se mostra inferior à média do município de João Pessoa, com taxa de analfabetismo superiores a 10% em 6 dos 8 bairros analisados. Barra de Gramame e Muçumagro constituem os percentuais mais altos de população analfabeta, tal estimativa corresponde à ausência de equipamentos de educação como Escolas Municipais e CREIs nos bairros. Os bairros periféricos apresentam elevados percentuais de pessoas com renda baixa. Havendo, ainda, a disparidade entre rendas em Muçumagro, acentuando a desigualdade social. O atendimento básico de saúde na borda mostra-se insuficiente ao não comportar a demanda recomendada pelo Ministério da Saúde em nenhum dos bairros componentes. A situação é ainda mais preocupante nos bairros de Costa do Sol, Barra de Gramame e Muçumagro que não possua em nenhuma Unidade de Saúde da Família. As análises efetuadas apontam que os espaços periféricos mais socialmente segregados são os bairros de Costa do Sol, Barra de Gramame e Muçumagro, por apresentarem maior concentração de pessoas com renda baixa, carência em serviços institucionais de educação e atendimento de saúde.

Agradecimentos Os autores agradecem a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo financiamento de projeto de pesquisa e concessão de bolsas de estudo e aperfeiçoamento profissional. 138

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140

WEHRWEIN, G. S. The rural urban frange. Economic Geography. 1942. 141


Urbanização Dispersa e a Transformação Da Paisagem Natural:

Estudo de caso sobre a dispersão urbana na bacia do rio Cuiá, na cidade de João Pessoa – PB, Brasil1

Wellintânia Freitas dos Anjos Milena Dutra da Silva Alexandre Augusto Bezerra da C. Castro José Augusto Ribeiro da Silveira

Introdução A dispersão urbana, um dos fenômenos destacados da urbanização, representa a cidade irradiada para todos os lados, a “cidade esparramada”, que segue um princípio de “organização” dito desequilibrado e espraiado da cidade (Jacobs, 2002; Ribeiro et al., 2009). Apesar de Reis (2006) e Silveira (2012) apontarem que ainda não há um conjunto de conceitos que sejam reconhecidos como os mais adequados para a caracterização e o dimensionamento da dispersão urbana, com base em estudos capturados, podese conceituar o fenômeno como o aumento avantajado e horizontalizado do tecido urbano, em direção às áreas periféricas da cidade, onde, originalmente, predominaram a presença de solos cobertos por remanescentes florestais e/ou uso para atividades de características rurais. A literatura que aborda o processo de urbanização, sob o modelo de ocupação do território de forma dispersa e fragmentada, denomina o fenômeno de maneira variada, tais 1 Texto submetido para publicação em periódico nacional Ambiente e Sociedade, em fevereiro de 2015. O trabalho constitui parte da dissertação de mestrado da primeira autora.

como: cidade difusa, suburbanização, edge city, urban sprawl, entre outras (INDOVINA, 1990; FISHMAN, 1987; GARREAU, 1991). As diversas designações dadas ao fenômeno, resguardando suas especificidades, demonstram uma ampliação da percepção dessa transformação da ocupação territorial em todo o mundo. Quanto aos fatores que estimularam a expansão urbana dispersa e fragmentada, Limonad (2006) aponta o fato da (re) produção do capitalismo não exigir mais uma concentração espacial das forças de trabalho, infraestrutura e serviços, como no período fordista; a cidade passa a ter suas funções descentralizadas, com núcleos residenciais periféricos e subcentros de comércio e de serviços. Neste caso, o espaço da cidade “(...) é estruturado e reorganizado, principalmente, pelas condições de deslocamento das pessoas, como portadoras da força de trabalho e como consumidoras de bens e serviços” (VILLAÇA, 1998, p. 23). Ainda como fatores influentes Ribeiro et al. (2009) citam a superacumulação na sociedade capitalista contemporânea, a especulação imobiliária e a imposição de supostos conceitos de “qualidade de vida urbana”, além do uso intensivo do automóvel, como forma comum de deslocamento. Nesse sentido, a expansão da cidade em direção às suas áreas periféricas é influenciada, também, pelas ligações viárias e o uso de novas tecnologias de comunicação e de informação, que possibilitaram as conexões entre diferentes pontos do território e, assim, permitiram à população um maior distanciamento dos núcleos urbanos (SPOSITO, 2004; OLIVEIRA, 2006). Esses elementos, ao garantirem uma suposta acessibilidade, atuam sobre o arranjo territorial do crescimento urbano, influenciando na valorização da terra e na produção de novos lugares, e na reestruturação urbana, com as consequentes transformações na paisagem. No processo de dispersão da cidade, observa-se um descompasso entre o crescimento e a distribuição populacional e a expansão física do tecido urbano, onde a distensão horizontal excrescente geralmente é acompanhada da diminuição das densidades populacionais (OJIMA, 2007). Segundo o mesmo autor, esse é um dos fatores que evidenciam a mudança no padrão de ocupação, no âmbito da dinâmica de centrifugação da urbe. Observa-se que as cidades latino-americanas, a partir do 143


século XX, e de forma mais acelerada a partir da década de 1970, assumiram esse modelo de urbanização difusa, diversificado e fragmentado, características das cidades contemporâneas (Figura 1). Figura 1. Tipologia de cidades latinoamericanas - Século XVI-XXI Fonte: BORSDORF, 2003 – Adaptado por Anjos, 2013.

Segundo Silveira (2012), o processo de dispersão das cidades latino-americanas é pautado, principalmente, pelos interesses do mercado, pelo transbordamento dos assentamentos precários e pela distribuição desigual dos bens e serviços públicos, em um quadro dicotômico de formalidade e informalidade/ilegalidade urbana. Ao avaliar a atuação dos diferentes segmentos da sociedade que contribuem para um modelo espraiado de crescimento urbano, Passos et al. (2012) apontam que tanto o poder público quanto o setor privado atuam diretamente na estruturação da malha urbana, colaborando para a expansão da cidade em direção à periferia, que geralmente se configura como área de proteção ambiental ou non aedificandi. De forma mais específica às cidades brasileiras, Silveira (2012) afirma que o desenvolvimento das aglomerações urbanas foi 144

marcado por um sucessivo deslocamento da mancha urbana sobre as áreas rurais, semirrurais e sobre os espaços naturais. Nesse sentido, o processo de expansão da cidade em um modelo disperso e fragmentado pode provocar alterações na paisagem natural, de forma mais intensa do que no modelo de expansão compacto. Isso acontece porque na dispersão urbana, o tecido urbano consolidado, passa a se projetar pelo território de forma descontínua, fragmentando as áreas verdes (manchas de vegetação) e, por conseguinte, tornando-as mais susceptíveis aos impactos negativos causados pela proximidade (vizinhança) às manchas antropizadas e inseridas na paisagem (neste caso, o tecido urbano). Estudos demonstram que, no Brasil, várias cidades, em períodos e localidades diferentes, assumiram forma de expansão urbana dispersa, a exemplo das cidades da região metropolitana do estado de São Paulo, da cidade de Palmas - TO, Belo Horizonte MG, Recife - PE, Cuiabá - MT, João Pessoa - PB, entre outras. Além do modelo de urbanização assumido por essas cidades, o que existe de comum entre elas é a alteração e degradação da paisagem natural (OJIMA, 2006; SILVA, 2013; MIRANDA, 2008; MOLFI, 2009, GALVÃO, 2011; PAIVA, 2006; SILVA, 2013; SILVEIRA, 2012). No processo de expansão da mancha urbana, assiste-se, então, a transformação das áreas não-urbanas da cidade, onde antes existiam fragmentos vegetacionais e, ou, atividades rurais, em áreas urbanizadas que avançam para um grau máximo de artificialização da paisagem (Nucci et al., 1999). Nesse contexto, a presente pesquisa pretende investigar o avanço da mancha urbana e as suas consequências sobre a bacia do rio Cuiá na cidade de João Pessoa, no período de 1970 a 2013, especialmente sobre as áreas verdes de proteção ambiental, como a Zona Especial de Preservação – ZEP. Partindo do pressuposto que a bacia hidrográfica é um sistema adequado aos estudos ambientais, por se tratar de uma unidade que integra os elementos que compõem um geossistema (meio físico, biológico e antrópico), a escolha da bacia do rio Cuiá, como objeto de estudo desse artigo, possibilitou uma análise espaço-temporal de sua ocupação e as consequências desse processo.

145


Causas e efeitos da dispersão urbana na paisagem natural

146

As cidades que possuem o modelo de expansão disperso, de acordo com Mascaró (1989) e Silveira (2012), apresentam, além de maiores custos de urbanização e consumo energético, o aumento nas distâncias dos deslocamentos, a ampliação da segregação socioespacial, e o aumento das possibilidades de degradação intensiva dos espaços naturais. A ocupação de extensas áreas, no processo de espraiamento da cidade, segundo Reis Filho (2006), ocorre devido a necessidade de se suprir a crescente demanda por habitações, e a consequente exigência de provimento de equipamentos, serviços e infraestrutura básica, entre outras e, como efeito, exercem pressão, principalmente, sobre os remanescentes florestais, e consequentemente no aumento da degradação ambiental. Silva e Romero (2010, p.7) também afirmam que o modelo de urbanização disperso provoca impactos ambientais “(...) face ao espalhamento da cidade sobre a paisagem natural, desmatando florestas, se apropriando dos recursos naturais, aumentando a demanda por energia e, produzindo resíduos em excesso”. Para Ojima (2007), o resultado indesejável mais preocupante é a redução das áreas verdes urbanas e a consequentemente perda em funções ambientais (qualitativas e quantitativas) desempenhadas por essas áreas. Ao especular os motivos que levaram a redução das áreas verdes na região metropolitana de São Paulo, entre os anos de 1989 a 2010, Silva (2013) identificou como principal causa, a expansão da mancha urbana consolidada de forma espraiada e fragmentada. Nadalin et al. (2010) ao desenvolverem estudos sobre o planejamento urbano da mesma cidade, constataram que parte das áreas de preservação foram ocupadas por loteamentos clandestinos e favelas, provocando impactos ambientais negativos oriundos da supressão de cobertura vegetal. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, a intensa expansão urbana ocorrida de modo disperso, ao longo dos principais eixos viários ao sul, promoveu o desmatamento da vegetação e impactos negativos sobre as áreas de preservação ambiental (LIMONAD, 2006).

Em Cuiabá-MT, estudos sobre a sustentabilidade urbana, buscando contribuir para a gestão e o planejamento territorial da cidade, apontaram que a expansão ocorrida na cidade, no período de 2000 a 2010, resultou em impactos ambientais negativos, a exemplo da diminuição da mata nativa (SILVA, 2013). De modo similar, problemas ambientais são indicados como consequências da expansão urbana na Região Metropolitana de Recife, principalmente nas bordas da cidade, apontadas em análise por Miranda (2008), que versou sobre processos espaciais e possibilidades de planejamento em áreas de transição ruralurbana. Ao descrever a forma urbana, dispersa e fragmentada, assumida pela cidade de João Pessoa, Silva (1997) constatou que, entre as décadas de 1970 a 1980, a população da cidade cresceu 62%, enquanto a área urbana ampliou-se em 170%. Segundo a autora, neste mesmo período constaram-se graves problemas ambientais, entre eles a supressão das áreas verdes e a poluição dos rios e praias. Ribeiro et al. (2009), ao estudarem o fenômeno da dispersão urbana em João Pessoa, observaram, também, que a expansão da cidade ocorreu de forma extensiva e com grandes vazios urbanos, principalmente entre as décadas de 1970 e 1990, provocando invasões de áreas por assentamentos irregulares e a supressão de áreas verdes. Como efeitos nocivos, resultantes do modelo espraiado e fragmentado da cidade de João Pessoa, Silveira et al. (2007) reforçam a degradação dos recursos naturais como reflexo do aumento do consumo espacial, energético, material, de provimentos urbanos com a diminuição da qualidade de vida da população. Diante dos exemplos anteriormente citados, observa-se como característica comum às cidades com expansão urbana dispersa e fragmentada, a degradação dos recursos naturais dada, principalmente, pela supressão e ocupação indevida das áreas verdes. Cabe ressaltar que essas áreas, através dos seus serviços ambientais, possuem papel relevante na manutenção da qualidade de vida das pessoas, e sua preservação é condição sine qua non para uma cidade ambientalmente equilibrada.

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Áreas Verdes Urbanas: conceitos e funções As áreas verdes, preservadas ou ainda que alteradas, são reconhecidas como componentes da urbe, e elemento cada vez mais presente nos estudos de planejamento e gestão urbana. O valor atribuído a essas áreas decorre dos serviços ambientais prestados por elas, que proporcionam uma melhor qualidade de vida às pessoas que habitam, principalmente, as aglomerações urbanas. De acordo com Alcamo et al. (2003), serviços ambientais são os benefícios que os indivíduos obtêm direta, ou indiretamente, dos processos naturais dos ecossistemas. Apesar do reconhecimento quanto à importância das áreas verdes no ambiente urbano pelos pesquisadores e planejadores que trabalham com essa temática, existem divergências conceituais para designar o termo. A seguir, descreveremos os conceitos atribuídos às áreas verdes, considerados em Leis relacionadas ao tema, e termos sugeridos por diversos estudiosos, e que serão adotados neste trabalho. O Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA (Art. 8º, § 1º, Resolução nº 369/2006) considera área verde os espaços que sejam de domínio público e que “(...) desempenhem funções ecológica, paisagística e recreativa, propiciando a melhoria da qualidade estética, funcional e ambiental da cidade, sendo dotado de vegetação e espaços livres de impermeabilização”. O Ministério do Meio Ambiente - MMA define as áreas verdes urbanas como “conjunto de áreas intraurbanas que apresentam cobertura vegetal, arbórea, arbustiva ou rasteira, e que contribuem de modo significativo para a qualidade de vida e o equilíbrio ambiental nas cidades”. O MMA cita como exemplo de áreas verdes, as Áreas de Preservação Permanente - APP; os canteiros centrais; as praças, parques, florestas e unidades de conservação; os jardins institucionais; e os terrenos públicos não edificados2. Na descrição do CONAMA e do MMA, só possuem status de “áreas verdes”, aqueles ambientes cujo desempenho dos processos naturais colabore diretamente para uma melhor qualidade de vida urbana e, no caso das áreas verdes descritas pelo CONAMA, que sejam de propriedade pública. 2

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Ver em http://www.mma.gov.br/cidades-sustentaveis/areas-verdes-urbanas

O Código Florestal brasileiro (Art. 3º, XX, Lei nº 12.651/2012) define as áreas verdes urbanas como: “Espaços, públicos ou privados, com predomínio de vegetação, preferencialmente nativa, natural ou recuperada, previstos no Plano Diretor, nas Leis de Zoneamento Urbano e Uso do Solo do Município, indisponíveis para construção de moradias, destinados aos propósitos de recreação, lazer, melhoria da qualidade ambiental urbana, proteção dos recursos hídricos, manutenção ou melhoria paisagística, proteção de bens e manifestações culturais”. Hartman et al. (1995) identificam dois tipos de áreas verdes urbanas: os nós e as conexões. Segundo os autores, os nós são espaços livres de diferentes categorias, que servem de atração de pessoas para contemplação e usos recreativos, como parques, praças, áreas vegetadas livres, jardins comunitários, entre outras. Enquanto as conexões são áreas verdes que possibilitam as ligações da paisagem urbana e suas variadas florestas, através dos corredores e cinturões verdes. Trata-se de áreas que, ao mesmo tempo em que preservam os recursos hídricos, também podem favorecer múltiplos usos, a exemplo das ligações de transportes. Levando em conta as definições de áreas verdes, proposta por Hartman et al. (1995), entende-se que, devido as suas características, o Código Florestal considera tanto os nós como as conexões como áreas verdes, com tanto que não estejam disponíveis para construções de moradias. Para Wendela et al. (2012), áreas verdes são espaços ao ar livre com aspectos ambientais que promovam benefícios sociais - como lugar para prática de saúde coletiva; e prestem serviços ambientais - como um bosque que contribui para a redução da poluição do ar e sonora; proporcionem benefícios econômicos como a presença de parques ou praças, que valorizam os prédios do seu entorno e permitem o uso comercial também amigável com a natureza. Autores como Cavalheiro et al. (1999) e Buccheri Filho e Nucci (2006), descrevem as áreas verdes como um “tipo especial de espaços livres” que devem servir à população, onde o elemento 149


fundamental de composição é a vegetação e que, junto com o solo permeável, ocupe, pelo menos, 70% do total da área. Essas áreas devem satisfazer três objetivos: ecológico-ambiental, estéticourbana e lazer (BUCCHERI FILHO e NUCCI, 2006). Após revisão das diversas definições atribuídas ao termo áreas verdes, Bargos e Matias (2011), consideram essas áreas como uma categoria de espaço livre urbano, composta por vegetação arbórea e arbustiva, com solo livre de edificações ou coberturas impermeabilizantes de acesso público, ou não, e que exerçam as funções ecológicas, estéticas e de lazer. Embora os autores, anteriormente citados, apontem a necessidade das áreas verdes serem compostas por no mínimo 70% do total do ambiente com vegetação e solo permeável, eles não apresentam a metodologia e os parâmetros empregados para o estabelecimento do valor referido. Observa-se a reprodução dessa mensuração em outros estudos relacionados à temática. Descrevem-se aqui algumas funções ecológicas, de estética e lazer atribuídas às áreas verdes: a) funções ecológicas: propícias ao aumento do conforto térmico, controle da poluição do ar e acústica, e interceptação das águas das chuvas; b) funções estéticas: valorização paisagística e ornamental do ambiente e diversificação da paisagem construída; e as c) funções de lazer: recreação e socialização da população (BARGOS E MATIAS, 2011). Além das funções antes mencionadas, Nucci e Cavalheiro (1999) citam que as áreas verdes na cidade promovem: estabilização do solo, obstáculos contra o vento, equilíbrio do índice de umidade, fornecimento de alimentos, fixação de carbono, quebra de monotonias das paisagens construídas e o estabelecimento de uma escala intermediária entre a humana e a artificial. As áreas verdes, consideradas como corredores ou cinturões verdes, são faixas lineares de vegetação, que normalmente localizam-se às margens dos cursos d’água, a exemplo das Zonas Especiais de Preservação – ZEP. Essas áreas, além de poderem ser utilizadas para recreação e turismo, têm como principal função minimizar os impactos da urbanização sobre os recursos hídricos. Por este motivo, as áreas verdes requerem uma especial atenção dos gestores e população em geral. Quando localizadas às margens dos cursos d’água, as áreas verdes desempenham as seguintes funções: controle hidrológico, 150

regulando o fluxo de água superficial; redução das possibilidades de contaminação dos corpos d’água com resíduos tóxicos; estabilização dos taludes; proteção das nascentes e mananciais, evitando seu assoreamento; promoção do fluxo gênico para os elementos da flora e da fauna, entre outras funções (NUCCI et al., 1999). Sendo assim, é possível afirmar que, as bacias hidrográficas que possuem cobertura vegetal preservada, ao longo das margens dos recursos hídricos, têm uma maior possibilidade de conservar água de boa qualidade, além de evitar alguns impactos urbanos, a exemplo das enchentes, inundações, desabamento de construções e danos às redes de infraestrutura. Cisotto (2010) afirma que, o desempenho das funções desenvolvidas pelas áreas verdes para amenizar os impactos provocados pela urbanização ao meio físico e, consequentemente, proporcionar benefícios ambientais para os citadinos, está intimamente relacionado com a quantidade, a qualidade e a distribuição dessas áreas dentro da malha urbana. A redução, degradação e fragmentação das áreas verdes urbanas, diminuem a sua capacidade e eficiência para desempenhar os serviços ambientais, que são vitais, não só para uma melhor qualidade de vida da população que habita os aglomerados urbanos, mas para sua própria sobrevivência. No contexto urbano, Lombardo (1985) diz que, para que se proporcione um adequado balanço térmico, é recomendável um percentual de 30% de cobertura vegetal. Para Sukopp & Werner (1991) é estimado que 33% da superfície de centros urbanos devam ser cobertas por áreas verdes ou espaços livres de construção, para proporcionar um melhor conforto ambiental. A Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendam como taxa ideal de área verde, 12 m²/habitante. A Sociedade Brasileira de Arborização Urbana (SBAU) propõe como taxa mínima de áreas verdes públicas para as cidades o valor de 15 m²/habitante (SBAU, 1996). Apesar da taxa de 12 m²/habitante ser bastante divulgada, existe controvérsias sobre essa referência. Não existe um padrão convencional do índice ideal de áreas verdes para uma cidade, como também, não há uma definição dos ambientes que devem ser considerados neste cálculo. O que é consenso entre os estudiosos 151


é a importância da manutenção dessas áreas, por proporcionarem uma melhor interação das atividades humanas com o meio ambiente, e por serem indicadores de qualidade ambiental de uma cidade. O novo texto do Código Florestal (Lei nº 12.651/12), visando colaborar com a manutenção ou mesmo ampliação das áreas verdes nas cidades, instituiu a manutenção de pelo menos 20 m² de área verde/habitante em novas expansões urbanas. Os municípios têm um prazo de até 10 anos para rever o Plano Diretor e leis municipais de uso e ocupação do solo e atender a legislação vigente. Apesar do valor atribuído às áreas verdes por parte das esferas de poderes públicos que instituíram leis para sua proteção e, dos estudiosos que nas pesquisas ressaltam a necessidade da sua ampliação, recuperação e preservação, urge a necessidade de alcançar efetivamente os objetivos da regulamentação para o bom funcionamento da cidade. A documentação técnica e científica e os mecanismos de proteção dos ecossistemas naturais tornamse mais eficazes quando garantem que os ambientes preservados proporcionem interações sociais e ambientais.

Dispersão urbana x Áreas verdes - Estudo de caso: Transformações da paisagem natural da bacia do rio Cuiá, João Pessoa – PB

forma espraiada e fragmentada na direção sul-sudeste, cujo uso e ocupação do solo era rural. Este modelo de expansão resultou na criação de vazios urbanos e promoveu a transformação gradativa do uso e ocupação do solo, de rural para urbano e, de forma acentuada, o desmatamento/degradação das áreas verdes presentes na região. O espraiamento do tecido urbano para região sul-sudeste, impulsionada pela construção dos conjuntos habitacionais e implantação de eixos viários, seguindo a lógica econômica de ocupação do território, de modo especulativo, segregativo e excludente, promoveu à descaracterização da paisagem natural da maior bacia hidrográfica da região e a segunda da cidade de João Pessoa - a bacia do rio Cuiá, que até então, era coberta, majoritariamente, por vegetação nativa. A bacia do rio Cuiá compreende uma área de 40 km² e largura variando entre 1 e 7,5 km. O seu principal curso d’água, o rio Cuiá, percorre cerca de 10 km, da sua nascente no bairro do Grotão, até a desembocadura na Praia do Sol (Figura 1). Na bacia estão inseridos parcial ou integralmente, 21 bairros da cidade de João Pessoa, incluindo o bairro com maior número de habitantes, o bairro de Mangabeira (82.539 habitantes), o de menor densidade, o bairro Barra de Gramame (347 habitantes), e o bairro de maior extensão territorial, o bairro de Gramame (1.952 Km²) (REIS, 2010). Figura 2. Localização da bacia do rio Cuiá, Setor sul-sudeste, João Pessoa-PB

João Pessoa, fundada em 1585 já na condição de cidade, permaneceu com sua estrutura física (5,84 Km²) limitada ao entorno do núcleo de povoação inicial, até a década de 1910. No século XX, significativas mudanças ocorreram na sua infraestrutura, o que possibilitou a sua expansão para a porção leste da cidade (LAVIERI & LAVIERI, 1992). Em 1972, a área urbana ocupada era de 29,01 km², aproximadamente 30% da área total da cidade atual (OLIVEIRA, 2006). A ocupação do território da cidade de João Pessoa, a partir da década de 1970, toma um novo rumo, passando a ocorrer de 152

Elaboração: Anjos, 2013.

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A bacia do rio Cuiá, até a década de 1970, apresentava uma paisagem com aspecto rural, com poucas construções, e algumas extensões de terras utilizadas para cultivos variados. Nesse período, 66% da área da bacia era coberta por áreas verdes. As terras destinadas ao cultivo abrangiam 25%, enquanto que assentamentos rurais ocupavam 6%. As ocupações urbanas correspondiam a 3% (104,65 ha) da área total da bacia. A urbanização da bacia do rio Cuiá se deu por diversos fatores, tais como: implantação de conjuntos habitacionais, aberturas de loteamentos privados e aproveitamento dos vazios urbanos Figura 3. Uso e ocupação do solo da bacia do rio Cuiá, João Pessoa-PB

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Fonte: Laboratório de Ecologia Aplicada - Floresta Nacional da Restinga de Cabedelo/ICMBio Elaboração: Carolina H. Alves, 2013.

existentes nos interstícios desses empreendimentos públicos e privados. Permaneceu, contudo, a ocupação extensiva e de baixa densidade demográfica, trazendo como consequência um elevado custo de expansão de infraestrutura, aumento nos custos de transportes e a supressão da área verde. Um exame comparado do mapa da década 1974 com o mapa de 2012 (figura 2), oferece a visão de um dos aspectos, talvez, mais relevantes na ocupação da bacia do rio Cuiá que foi à redução e fragmentação das áreas verdes, que passaram a ocupar, em 2012, apenas 24% da área total da bacia (conforme visualizado na Figura 2). A urbanização ocorrida, principalmente nos compartimentos do alto e médio curso do rio, limitou a vegetação, praticamente, àquelas localizadas às margens dos recursos hídricos. Grande parte da vegetação nativa foi substituída por culturas de capim de forragem para animais, plantações de raízes e tubérculos, além da vegetação exótica. Em 2012, a área urbana passou a ocupar 69% (2.754,56 ha da bacia, entre conjuntos habitacionais e aglomerados de moradias subnormais). Os espaços voltados para o cultivo foram dando lugar aos loteamentos, sendo reduzidos para 7% (291,54 ha). O baixo curso do rio Cuiá foi o que menos apresentou alterações, resguardando, ainda, um significativo remanescente florestal, em bom estado de conservação (PMCRMA, 2012). Ao analisar-se o Macro Zoneamento de uso do solo da área da bacia do rio Cuiá, constata-se que grande parte da região é considerada como Zona Não Adensável, devido à carência da infraestrutura básica e pelo fato da fragilidade ambiental limitar a intensificação do uso e ocupação do solo. Mesmo assim, em 2013, com exceção do baixo curso do rio, a bacia já se encontrava quase que totalmente loteada ou ocupada por edificações. O adensamento da bacia e o avanço da urbanização sobre o meio natural resultaram no surgimento dos mais diversos conflitos de uso do solo. Em consequência disso, a Zona Especial de Preservação – ZEP da bacia do rio Cuiá, por apresentar restrições mais rígidas para sua ocupação devido à vulnerabilidade da área e sua importância no amortecimento dos impactos da urbanização sobre os recursos hídricos, apresenta uma situação de uso e ocupação que requer uma maior atenção dos órgãos ambientais. 155


A falta de fiscalização e a desatualização, do ponto de vista conceitual dos Códigos de Urbanismo e Meio Ambiente da cidade, favorecem o consentimento de usos e ocupações incompatíveis com as áreas de preservação. O Código de Urbanismo (2008) define que os usos e a ocupação do solo da ZEP devam ser voltados, principalmente, para as atividades esportivas, de lazer e difusão cultural. Porém, nos levantamentos em campo, realizados de novembro a dezembro de 2013, nenhum dos usos compatíveis foram identificados na Zona.

Uso e ocupação do solo da Zona Especial de Preservação da bacia do rio Cuiá As Zonas Especiais de Preservação – ZEP são porções do território, protegidos por lei, nas quais o interesse social de preservação, manutenção e recuperação de características paisagísticas, ambientais, históricas e culturais, impõe normas específicas para o uso e ocupação do solo, por se tratarem de áreas importantes para salubridade e manutenção da qualidade de vida do ambiente urbano (Código de Urbanismo de João Pessoa). A ZEP da bacia do rio Cuiá possui uma área de 12,5 Km², correspondendo a 31% da área total da bacia. O seu uso e ocupação do solo está estabelecido no Código de Urbanismo, destinando-se, principalmente, aos propósitos de lazer e manifestações culturais, com uma ocupação mínima do lote, evitando adensamento e garantindo, desta forma, a proteção das áreas de sensibilidade ecológica e melhoria da qualidade ambiental da cidade. Como apontado ao longo deste paper, a ZEP da bacia do rio Cuiá, apesar de se caracterizar como ambiente de fragilidade ambiental, protegida por dispositivos legais, não ficou isenta das consequências negativas da urbanização. Na realização do trabalho de campo (novembro/dezembro de 2013), para identificação das ocupações e usos do solo, constataram-se diversas situações que estão em desacordo com a legislação urbanística e ambiental. Esses conflitos ocasionam uma série de impactos negativos aos ecossistemas naturais da bacia, deixando-os vulneráveis, e tornando-os muitas vezes uma ameaça ao ambiente urbano. Na nascente do rio Cuiá, dentro da área do raio mínimo de 156

proteção (50 metros), estabelecido pelo Código Florestal (Lei nº 12.651/12), constatou-se a descaracterização da vegetação nativa, a presença de vegetação exótica, de edificações (instituição religiosa e habitações), a utilização da área como campo de pastagem e o descarte de resíduos sólidos. Na ZEP da bacia do rio Cuiá, na margem esquerda e direita do rio, também se identificaram ocupações e usos irregulares, tais como: habitações construídas em lotes menores que o permitido, comunidades subnormais, granjas, criadouros, prédios residenciais, indústrias, comércios e serviços, além do uso da terra para atividades agrícolas de subsistência e pecuária (Figura 3). Figura 04. Usos e Ocupações do solo na ZEP da bacia do rio Cuiá, João Pessoa - PB. A - Padrão residêncial; B – Pocilga; C - Prédio residencial; D - Granja.

Fonte: Anjos, 2013.

As práticas de atividades rurais nas margens dos rios da cidade de João Pessoa são relatadas por Maia (2001): “Nessa cidade, o campo não se limita as bordas do seu “tecido”, mas adentra pela malha, através de vazios urbanos e vales dos rios. Nesses espaços verificamos estábulos, vacarias, granjas e pocilgas” (p. 215). (grifos da autora). Conforme os padrões construtivos estabelecidos através Código de Obras, as edificações identificadas na ZEP da bacia do Cuiá 157


apresentam médio e baixo (predominante) padrão construtivo. As residências de baixo padrão geralmente encontram-se em locais de difícil acesso, por localizarem-se em áreas íngremes ou na planície aluvial do rio, distante das vias locais. As granjas possuem tamanhos, tipologias e padrões construtivos distintos entre si. As residências das comunidades subnormais, em sua maioria, possuem em seus fundos, outras residências ou edículas, criadouros e/ou utilizam a área para o cultivo de plantações variadas. A maioria dos criadouros encontra-se instalado nas margens do rio, com utilização para criação de porcos e gado. Os assentamentos humanos são servidos, em sua grande maioria, somente por dois itens de infraestrutura, quais sejam água e energia elétrica, configurando a ausência de aspectos qualitativos de habitação social. As comunidades não dispõem de equipamentos de serviços públicos ou comunitários. Conforme os dados apresentados nesta pesquisa, reforça-se o quadro de que a ZEP da bacia do rio Cuiá encontra-se bastante descaracterizada, principalmente quanto à sua vegetação. Não obstante, o rigor do instrumento de proteção das Áreas de Preservação Permanente - APP, a exemplo da nascente, não foi suficiente para disciplinar a ocupação e os usos do solo. No que diz respeito aos tipos de ocupações existentes na ZEP, sua escala de construção e os padrões construtivos adotados, observa-se que a legislação urbanística e a ambiental estão sendo infringida de forma omissa ou consentida.

Impactos ambientais na bacia do rio Cuiá

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A ocupação e uso do solo ocorrido a partir da década de 1970, na bacia do rio Cuiá, promoveram a transformação da sua paisagem. Os efeitos desse processo vêm causando impactos ambientais de várias formas e, com isso, ocasionando o desequilíbrio de todo ecossistema natural presente na área. Para identificação dos impactos ambientais na bacia do rio Cuiá, foi considerada a definição expressa pela Resolução CONAMA, nº. 001/86, art.1º “Impacto Ambiental é qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causado por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas (...)’’.

Através do trabalho de campo, se observou vários tipos de impactos ambientais negativos na ZEP, tais como: desmatamento, despejo de efluentes, descarte de resíduos sólidos, soterramento das nascentes, erosão, queimadas, fragmentação dos remanescentes florestais, entre outros (Figura 4). Figura 5. Impactos ambientais na ZEP da bacia do rio Cuiá, João Pessoa-PB. A - Queimada; B – Voçoroca; C – Resíduos sólidos- D – Lançamento de esgoto.

Fonte: Anjos, 2013.

Além dos impactos ambientais negativos verificados na ZEP, também foram identificadas as fontes geradoras desses impactos e as possíveis consequências para o meio natural e a população que reside, principalmente, na área e no seu entorno (Quadro 1).

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Quadro 1. Impactos ambientais identificados na ZEP da bacia do Cuiá, João Pessoa – PB.

IMPACTO AMBIENTAL

FONTE GERADORA

CONSEQUÊNCIA

Desmatamento

- Construção e/ou ampliação das edificações; - Agricultura de subsistência; - Criação de animais; - Cultivo de pastagem; - implantação de estradas vicinais.

- Diminuição da biodiversidade da flora e fauna; - Erosão e empobrecimento do solo; - Inundações; -Carreamento de sedimentos para calha do rio; - Compactação do solo.

Despejo de efluentes

- Poços de visita da rede coletora de esgotos sanitários; - Estação Elevatória de Efluentes; - Residências das comunidades subnormais; - Criadouros.

- Introdução de microorganismos patogênicos no rio; - Eutrofização do corpo d’água; - Disseminação de doenças de veiculação hídrica; - Mortandade de espécies da fauna aquática; - Contaminação do solo.

Deposição de resíduos sólidos

- Criadouros; - Comunidades subnormais localizada as margens do rio; - Comunidades do entorno.

- Surgimento de vetores como roedores e insetos; - Contaminação do solo. - Poluição visual; - Enchentes; - Assoreamento do rio; - Maus odores.

Soterramento/ barramento de nascentes

- Construção e/ou ampliação das edificações; - Criação de gado

- Diminuição do volume de água no rio principal; - Comprometimento das fontes.

Erosão

- Obras de urbanização; - Drenagem desordenada; - Escoamento de efluentes; - Retirada da vegetação.

- Assoreamento do rio; - Alagamento; - Deslizamento; - Voçorocas; - Desnutrição do solo.

Compactação do solo

- Pastoreio; -Construção e/ou ampliação das edificações; - Trafego de veiculo e carroças.

- Diminuição da infiltração da água; - Redução da capacidade de dissipação das águas pluviais; - Menor possibilidade de regeneração da flora; - Favorece a erosão.

Queimadas

- Vandalismo; - Comunidades subnormais (limpeza de terreno); - Atividades agro-pastoris.

-Empobrecimento do solo (nutrientes); -Eliminação do banco de sementes; - Poluição atmosférica; - Doenças respiratórias.

Fragmentação das remanescentes florestais

- Setor imobiliário; - População de baixa renda; - Intervenções governamentais.

- Diminuição dos serviços ambientais; - Efeito de borda; - Dificulta o fluxo genético de organismos.

Elaboração: Anjos, 2013.

Os impactos ambientais acima relacionados causam a perda parcial ou total das características naturais do ecossistema da bacia, comprometendo os serviços ambientais por ele prestados e gerando riscos à saúde da população. É importante reafirmar que a ZEP em estudo apresenta um quadro preocupante, com ocupações indevidas que vêm ocorrendo por comunidades subnormais, obras de infraestruturas e atividades de características rurais, provocando a degradação dos 160

ambientes naturais e, como consequência, a perda da qualidade de vida das pessoas residentes, não só na bacia do rio Cuiá, mas em toda cidade. Reforça-se que um dos principais impactos constatados na área foi à supressão das áreas verdes. A vegetação é um importante elemento da paisagem urbana, sua supressão compromete todo ecossistema da bacia. A supressão ou degradação da vegetação, sem a devida autorização do órgão ambiental, se configura em crime ambiental (Lei de Crimes Ambientais Nº 9.605/1998). Dieb (2013) diz que a urbanização sem planejamento sobre o ambiente fluvial causa situações de risco que, uma vez deflagradas, podem atingir dimensões catastróficas, podendo extrapolar o local de origem e ocasionar a perda de vidas, do patrimônio edificado e natural. Tendo em vista o papel significativo das áreas verdes presentes na ZEP da bacia do rio Cuiá para todo ecossistema natural e, por outro lado, a ameaça que esta área de sensibilidade ecológica vem sofrendo, devido às ocupações e usos indevidos, urge medidas eficazes, para deter o processo de degradação. As formas de organização humana quando estabelecem uma relação de exploração com a natureza, sem respeitar os limites e ritmo que esta impõe, provocam, geralmente, o desequilíbrio de todo um ecossistema. A situação verificada em campo comprova o rompimento do equilíbrio do ecossistema da bacia do rio Cuiá, influenciando na mudança da paisagem, segurança e qualidade de vida da população.

Considerações finais O modelo de urbanização adotado na cidade de João Pessoa se assemelha ao processo ocorrido em outras cidades de mesmo porte no Brasil e no mundo; a urbanização dispersa provoca impactos ambientais negativos, decorrentes, principalmente, do avanço da mancha urbana da cidade de forma extensiva e espaçada sobre o território, em seu estado natural. A expansão territorial da cidade estudada, a partir da década 1970, provocou a degradação e redução de grande parte das áreas verdes da bacia do rio Cuiá. O remanescente florestal, que 161


atualmente concentra-se praticamente reduzido à Zona Especial de Preservação – ZEP, está com sua composição alterada e fragmentada, comprometendo a qualidade dos serviços ambientais prestados por eles. Como a ZEP da bacia do rio Cuiá é atingida diretamente pelos efeitos da dispersão e fragmentação da cidade, para que ocorra uma minimização dos impactos ambientais negativos, torna-se imprescindível a definição de uma política, com respaldo técnico e a devida legitimação da sociedade, para que se possa: recuperar e conservar os remanescentes vegetais; remover as ocupações existentes na APP; implantar a infraestrutura nas comunidades instaladas em áreas reconhecidas como ZEIS; além de uma revisão qualitativa da legislação urbanística e ambiental, para a integração de objetivos entre a política urbana e as ações públicas e as privadas que deveriam ser voltadas para a preservação ambiental da área objeto de estudo, a bacia do rio Cuiá. Considerando que a ZEP da bacia do rio Cuiá é um ambiente importante para a qualidade ambiental da cidade, ao analisar o avanço da mancha urbana sobre esse ecossistema, observouse que as ocupações e usos do solo são ocorrências pontuais, estando grande parte da área, apesar de descaracterizada, livre de ocupações. Essa situação possibilita intervenções que pudessem recuperar as áreas verdes, e as condições necessárias para o melhor desempenho de suas funções ambientais. Para tanto, é necessário que o poder público tenha uma visão holística da situação da bacia e que promova as condições para que a população, que hoje habita esse ecossistema, possa interagir de forma harmoniosa e sustentável.

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Bordas Urbanas:

Análise da produção e apropriação dos espaços periurbanos da cidade do Recife, Pernambuco1

Deyglis Fragoso de Lima Milena Dutra da Silva Cybelle Frazão Costa Braga José Augusto Ribeiro da Silveira Eduardo Viana Lima

Introdução O desenvolvimento e a configuração estrutural das metrópoles são fatos influenciados pelas interações entre as necessidades, interesses e práticas humanas, e o espaço ocupado. A atuação dos diferentes agentes modeladores sobre o espaço, e as características específicas deste último, faz com que a cidade seja um elemento de inovação e difusão, condicionante da formação e materialização dos lugares. Essa interação e dinamismo fazem do estudo do fenômeno urbano um caminho desafiador que deve levar em consideração um somatório de processos nele atuantes para seu melhor entendimento (SANTOS, 1981). As aglomerações metropolitanas do Brasil apresentam arranjo estrutural reconhecidamente assinalado como produto dos processos da desigualdade socioespacial e da prática de políticas públicas que alicerçam uma configuração dicotômica centro periferia (MIRANDA, 2005). Esse modelo induz a uma dinâmica de deslocamento que produz uma aproximação e certo contínuo dos espaços ocupados, sobrepondo áreas rurais e os centros urbanos. 1 Texto publicado na Revista Brasileira da Gestão e Desenvolvimento Regional, v. 10, n. 4, p. 26-45, set-dez/2014, Taubaté, SP, Brasil.

As áreas urbanas e as áreas rurais eram vistas, até a década de 50, como espaços nitidamente delimitados, com arranjo estrutural visto como “diferenciado”. Posteriormente, com a intensificação da industrialização, migração e urbanização, houve, de modo geral, uma reconfiguração espacial das áreas rurais, interpretada como a expansão da área urbana e avanço desta sobre a área rural (VEIGA, 2006; SILVA, 2002; ASHER, 2001). Os processos decorrentes deste avanço propiciaram novas estruturas e leituras de apropriação do espaço municipal. Para identificar espaços urbanos e espaços rurais, considerando a dinâmica das grandes cidades, é importante estudar e destacar as suas zonas periféricas, processos formadores das zonas de transição, que ora são urbanas ora se confundem com as funções rurais no espaço (CHAMPION e HUGO, 2003). As dinâmicas de urbanização são marcadas pela heterogeneidade de usos e formas de ocupação, entretanto, a produção e apropriação do espaço das áreas limite ou “bordas” do tecido intraurbano recaem sobre a investigação do fenômeno da transformação de uso do solo de rural para urbano. Desde o final dos anos 1930, e princípios dos anos 1940, as áreas de transição rural-urbana, como identificadas hoje, surgiram como “áreas construídas próximas aos limites administrativos da cidade” (SMITH apud PRYOR, 1971. p. 59). Essas áreas, embora detenham características urbanas, possuem dependência do núcleo urbano central (JOHNSTON, 1978). Silveira e Ribeiro (2010, p. 05) descrevem as bordas urbanas como “espaços limite mais avançados da cidade”, constituindo territórios predominantemente lineares, diferenciados, encerrando lugares, ou separando áreas diferentes, como linhas de trânsito entre lugares. A Região Metropolitana do Recife (RMR) apresenta em suas bordas urbanas fatores diversificados que propiciaram a produção e apropriação do espaço. Miranda (2009) indica para análise sistemática das áreas de borda urbana a observação dos condicionantes da produção do espaço, a exemplo do papel dos agentes, densidades construtivas, etc. Dada à importância da análise das bordas intraurbanas, este trabalho visou entender a dinâmica dos espaços mais avançados da cidade de Recife, por intermédio do estudo da dinâmica do 169


mercado imobiliário nos bairros de Tejipió e Sancho, considerando o período de 1980 a 2010, pois essa dinâmica liga-se às ações acumuladas e engendradas por agentes que produzem e consomem espaço. As suas ações derivam do processo de acumulação de capital, das exigências (de reprodução) das relações de produção e das combinações e dos conflitos de classe daí originados (CORRÊA, 1989).

aleatória de representatividade, com margem de confiabilidade de 95%. Foram considerados os seguintes fatores: (i) características socioeconômicas dos ocupantes das unidades residenciais; (ii) características dos imóveis; (iii) características de funcionamento do mercado de imóveis; e (iv) infraestrutura das áreas, com enfoque na influência do mercado imobiliário nas mudanças do ambiente construído.

Metodologia

A produção e a apropriação do espaço nas bordas intraurbanas do Recife

Para a análise do espaço intraurbano recifense foram selecionados os bairros de Tejipió e Sancho, situados a sudoeste da cidade, na Região Político-Administrativa 5 (RPA-5). Os assentamentos estão estabelecidos na região limítrofe entre os municípios de Recife e Jaboatão dos Guararapes e configuram uma área contínua entre eles. Foram selecionadas seis áreas específicas para análise (três áreas em cada bairro), correspondentes a espaços mais avançados da área urbana do Recife. Essas áreas foram estudadas através da análise dos dados da Unibase, disponibilizada pela Prefeitura da Cidade do Recife (PCR), e por meio da identificação in loco. Para a análise da dinâmica física, no espaço temporal entre 1980 e 2010, foram utilizados diferentes recursos, considerando as características dos dados e segundo o ferramental e tecnologia disponíveis para cada década. Para análise das décadas 1980 e 1990, foram utilizadas as ortofotocartas obtidas através da Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco (CONDEPE/FIDEM); para o período de 2000 a 2010, foram utilizadas as fotografias aéreas e imagens do satélite QUICKBIRD (Datum SAD-69, de 2002 e 2007), cedidas pelo Departamento de Geoprocessamento da Secretaria de Planejamento da Prefeitura da Cidade do Recife. Além disso, para identificação do crescimento e transformações físicas das unidades habitacionais, na última década, foi realizado levantamento em campo, de abril a junho, e de outubro a dezembro de 2010. Para a identificação da dinâmica físico-social, foram elaborados e aplicados questionários à comunidade residente nas áreas estudadas. O número de amostragem foi definido mediante a utilização do modelo estatístico de amostragem 170

Inicialmente, Tejipió era uma grande propriedade rural na margem esquerda do rio de mesmo nome (COSTA, 1981). Com a invasão holandesa, este engenho foi abandonado, confiscado e vendido pelo invasor como uma grande fazenda a João Fernandes Vieira. O engenho deixou de existir em 1645, e as ruínas da casa da fazenda foram aproveitadas para a construção da Capela de Nossa Senhora do Rosário (FRANCA, 1977). A decadência da economia dos engenhos e a instalação das usinas nos locais mais distantes transformaram as grandes propriedades em sítios e chácaras, cuja denominação era arrabalde. Estes exerceram grande influência na evolução do tecido urbano. Eram ligados ao centro através de caminhos, eixos rodoviários com muita importância na história e de grande contribuição para a população, cujo povoado se transformou em vilas e depois em bairros. O sistema de transporte rodoviário e ferroviário foi expressivo para o desenvolvimento urbano e econômico do local. A estrada de ferro que corta o bairro de Tejipió era utilizada para escoar a produção açucareira dos engenhos (COSTA, 1981). No século XX, os antigos arrabaldes dos Bairros do Barro e de Tejipió, situados no caminho que liga o bairro Afogados ao município de Jaboatão dos Guararapes, contribuíram para fixação das pessoas que encontravam abrigo e descanso no seu percurso de viagem. Com a expansão do processo de urbanização no Recife, na década de 40, e com o desenvolvimento do povoado de Tejipió, as terras que pertenciam a João Ribeiro Sanches foram ocupadas. Essas terras são descritas por Costa (1981, p. 163), como “[...]

171


terras elevadas, clima salubre, onde casas confortáveis foram construídas sem grandes sítios como as do Vilachan, Colaço Leite, Pessoa, Gibson e outros [...]”. Por sua vez, na delimitação do atual bairro do Sancho, as terras foram ocupadas como segunda residência por comerciantes da área central do Recife, que, posteriormente, passaram a utilizá-las como residência definitiva. Segundo Cavalcanti (1998), no mesmo período, houve a invasão das áreas vizinhas aos sítios do Sancho por migrantes da zona rural. O crescimento populacional é um dos fatores influentes na necessidade da produção e apropriação dos espaços. De 1940 a 2010 a população da Região Metropolitana do Recife (RMR) cresceu o equivalente a quase quatro milhões de pessoas. O presente crescimento corresponde a cerca de 50% do crescimento populacional de todo o estado de Pernambuco para o mesmo período (Figura 1). Figura 1. Crescimento populacional na Região Metropolitana do Recife e em Pernambuco de 1940 a 2010.

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas. Coordenação de População e Indicadores Sociais. Gerência de Estudos e Análises da Dinâmica Demográfica. Elaboração própria.

No período de 1980 a 2010, a RMR se destaca como a maior aglomeração urbana do Nordeste e a quinta do país (IBGE, 1980; 1991; 2000; 2010). No período de 2000 a 2010, o crescimento populacional da Cidade do Recife não se comportou de maneira crescente como visto para a RMR. Isto se justifica, pelo fato de que, nesse período, houve uma intensa mobilidade populacional entre as cidades da região, do centro para os municípios periféricos da RMR. Além do fluxo intrametropolitano, houve significativo fluxo migratório vindo das cidades do interior, que também contribuiu para a aceleração 172

no aumento das taxas de crescimento populacional nos municípios vizinhos à Recife (MIRANDA, 2004). A dinâmica migratória citada reflete aspectos da conjuntura macroeconômica e processos espaciais que ocorreram no âmbito intraurbano, como o dinamismo ou crise no mercado de trabalho, as novas estratégias na produção e distribuição de bens e prestação de serviços, e a valorização e/ou especulação imobiliária. É importante ressaltar que a cidade do Recife nasceu como porto e aos poucos foi se estendendo na direção dos engenhos, nas terras continentais às margens dos rios que cortam a cidade. Os altos custos da terra na cidade produziram ocupações em áreas de difícil acesso, áreas insalubres e inadequadas do ponto de vista ambiental, a exemplo dos morros e/ou áreas susceptíveis a inundações, intensificando o número de habitações consideradas subnormais. As bordas intraurbanas, muitas vezes, se caracterizam por possuírem terrenos mais baratos quando comparados a outras áreas da cidade, tornandose financeiramente atrativas a ocupação. Muitos indivíduos ocupam esses espaços por meio de loteamentos ilegais e casas construídas por ajuda mútua dos populares. Durante muito tempo, na cidade do Recife, essas habitações foram chamadas de mocambos, até serem substituídas pelo termo favela (BITOUN, 2000).

Análise da dinâmica imobiliária nas áreas pobres dos bairros de tejipió e sancho: uso e ocupação do solo Tejipió e Sancho constituem áreas periféricas, de borda intraurbana, de grande densidade construtiva e populacional, com padrão semelhante quanto ao uso do solo (Figura 2). Sobreira (2003, p. 34) afirma que essas áreas de borda intraurbana “nascem com características semirrurais e se tornam urbanas, devido à extensão da malha urbana da cidade, que ao longo do tempo acaba envolvendo áreas previamente desocupadas ou ocupadas por assentamentos de baixa densidade”. 173


Figura 2. Uso do solo nos bairros de Tejipió e Sancho, borda intraurbana sudoeste do município do Recife, 2010.

Os bairros apresentam perfil domiciliar, com uso residencial predominante em toda a sua extensão (Figura 2). De acordo com Arroyo (2007), bairros com esse perfil são característicos de cidades cindidas, onde há uma segregação nítida de bairros segundo a sua função e classe social.

Tejipió tem origem no próprio bairro. Essa não é uma característica comum às regiões de bordas, que, geralmente, possuem um fluxo constante de pessoas, cuja movimentação é impulsionada pelo processo migratório das áreas rurais às periferias urbanas. Características

Tejipió

Sancho

Feminino

41,84

42,10

Masculino

58,16

57,90

18 – 25 anos

3,06

2,34

26 – 30 anos

6,63

4,09

(%) Sexo

Tabela 1. Perfil dos proprietários de residências nos bairros de Tejipió e Sancho, Recife, Pernambuco.

Faixa etária

31 – 35 anos

9,69

7,60

36 – 40 anos

12,75

9,94

41 – 45 anos

17,35

15,20

46 – 50 anos

19,90

10,53

>50 anos

30,61

50,29

Estado civil

Fonte: Lima (2010).

A maioria das unidades habitacionais em Sancho e Tejipió é própria (Figura 2). Os proprietários dessas unidades são, em grande parte, casados e com idade superior a 40 anos (Tabela 1). Trata-se de uma população relativamente envelhecida. O aumento no índice de envelhecimento da população de Tejipió e Sancho já havia sido observado nas pesquisas para o Atlas de Desenvolvimento Humano (ADH) do Recife (2005), em análises referentes ao período de 1991 a 2010, corroborando a hipótese de consolidação dessa área de borda intraurbana. As décadas de ocupação residencial em Sancho e Tejipió também indicam a referida consolidação da área. De acordo com Oliveira (2008, p. 07), a consolidação e o crescimento das áreas de expansão urbana são garantidos pelas economias internas e externas geradas pelo processo de desenvolvimento vigente nessas áreas. Um percentual superior a 51% da população de Sancho e 174

Casado (a)

53,06

40,12

Separado (a)

14,28

13,45

Solteiro (a)

12,24

18,13

Viúvo (a)

20,40

18,30

Fonte: Lima (2010).

Quanto ao gênero dos proprietários, foi identificado que 58,16% deles, em Tejipió, é do sexo masculino e 41,84% do sexo feminino (Tabela 1). Em Sancho, 57,9% são do sexo masculino e 42,1% do sexo feminino. Embora a maioria dos proprietários seja do sexo masculino, as mulheres apresentam grande representatividade enquanto chefe de família, com perspectivas de aumento deste percentual. Em Sancho houve um aumento de 100% do número de proprietários do gênero feminino, no período de 1991 a 2000 (ADH, 2005; IBGE, 2010). Quanto aos proprietários de residência em Sancho e Tejipió, de origem migratória, a maioria tem de 10 a 20 anos de tempo de residência. Esses habitantes representam parte do processo 175


de migração que ocorreu na cidade do Recife, desde a década de 1940, e foi reduzida na década de 1980. Em Tejipió, o registro de aquisição de imóvel por imigrante mais recentemente ocorreu no período de 2009 a 2010, correspondendo a quatro propriedades. Em Sancho, as aquisições mais recentes ocorreram de 2005 a 2009 e correspondem a 13 propriedades. Quanto ao número de pessoas por domicílio, houve, em ambos os bairros, um padrão de três pessoas por unidade habitacional, seguidas por àquelas ocupadas por duas e por quatro pessoas, consecutivamente (Figura 3). Poucas unidades são ocupadas por um único residente. Isso se justifica pelo fato da maioria dos proprietários serem casados e/ou já terem constituído família. Figura 3. Densidade populacional em unidades habitacionais dos bairros de Tejipió e Sancho, borda intraurbana sudoeste do município de Recife, Pernambuco, 2010.

Fonte: Lima (2010).

No início da década de 1990, os domicílios eram ocupados por uma média de 5,15 pessoas por unidade habitacional, nos bairros de Sancho e Tejipió, número este que reduziu a 3,75 indivíduos por unidade na década seguinte, sobretudo no bairro do Sancho (ADH, 2005). A redução continuou paulatinamente ao longo da década de 2000 e 2010. Nota-se que a redução de números de habitantes por domicílio é inversamente proporcional ao crescimento do número de unidades habitacionais nos bairros. De acordo com Sobreira (2003, p. 34), “os assentamentos que se desenvolvem relativamente livres de pressão urbana tendem a crescer de forma mais dispersa, [...] resultando, portanto, em estruturas de menor densidade”. Quanto à aquisição dos imóveis em Tejipió e Sancho, a forma majoritária é configurada pela compra de imóvel já construído (67,86%, em Tejipió, e 60,82% em Sancho). A autoconstrução foi 176

apontada por 16,84% dos proprietários, em Tejipió, e 6,43% em Sancho. Foram apontados também pelos proprietários outros meios de aquisição de imóvel, tais como: troca por outro imóvel, herança e recebimento como pagamento de dívidas, entre outros, que correspondem juntos ao percentual de 9,7%, em Tejipió, e 20,47%, em Sancho. A indicação da aquisição do imóvel através da invasão de espaços vazios e/ou abandonados é inexistente, para os proprietários em Tejipió, com apenas uma indicação em Sancho (0,58%). A compra dos lotes corresponde a apenas 5,61%, em Tejipió, e 11,67%, em Sancho. Outro elemento contribuinte ao forte adensamento construtivo e populacional na área de borda intraurbana analisada é a construção de imóveis para locação e/ou a destinação de parte do imóvel para este fim. Segundo Sobreira (2003), no processo de ocupação do espaço, “de um lado está a força de expansão, do centro para as bordas, que traduz a necessidade de crescimento em estrutura; de outro a força de compactação, da borda para o centro, que traduz a necessidade de ocupação de um espaço que é limitado”. Os imóveis locados correspondem a 30,98%, em Tejipió, e 23,77% em Sancho, e apresentam uma média de quatro pessoas por unidade habitacional. Quanto aos domicílios que tiveram sua tipologia alterada para prática de locação, ou construção em pequenos espaços vazios do lote, ou, ainda, através da verticalização, onde o proprietário reside em parte do imóvel, foram identificados os porcentuais de 6,41%, em Tejipió, e 11,64%, em Sancho. A prática de locação é responsável por parte da renda familiar e/ou constitui a única fonte de renda da família. De acordo com o IBGE (2010), o número de unidades habitacionais destinadas à locação tem crescimento mais forte do que o número de domicílios próprios de 2008 a 2009. Os valores cobrados pela locação dos imóveis são estabelecidos por tabelas próprias dos agentes imobiliários (proprietários) e atendem a critérios de localização, a exemplo da proximidade a equipamentos urbanos e/ou vias principais de acesso. Os aspectos construtivos e tipológicos não apresentam grande relevância para determinação dos valores cobrados. Os valores mais altos variam de R$ 300 a 400 reais mensais, mas são minoria em ambos os bairros (5,76% em Tejipió e 10,27% em Sancho). A maioria dos 177


imóveis alugados custa de R$ 200 a 300 reais/mês (21,15% em Tejipió e 31,50% em Sancho), seguidos por aqueles que variam entre R$ 100 e 200 reais/mês (19,87% em Tejipió e 21,91% em Sancho). Apenas em Sancho foi identificado um imóvel com custo de locação inferior a R$ 100 reais/mês. Os inquilinos foram atraídos pela proximidade à residência de parentes, valor acessível de aluguel (comparados a outros valores praticados em Recife) e acesso a equipamentos urbanos e transporte ao centro. Estes últimos influenciam na consolidação do espaço de moradia por parte das famílias mais pobres, que se instalaram nos arredores desses equipamentos. Os bairros de Tejipió e Sancho são carentes em comércio e serviços (Figura 2), devido à proximidade de alguns centros comerciais e de abastecimento, como o Centro de Abastecimento de Gêneros Alimentícios de Pernambuco - CEAGE/PE, localizado na BR 101 em Jardim São Paulo, Recife, e o Centro Comercial de Cavaleiro, em Jaboatão dos Guararapes, justificando a predominância do uso residencial na área. Quanto à ocupação do solo, observa-se um reduzido percentual de vazios urbanos, indicando que a borda intraurbana tem baixa possibilidade de crescimento horizontal (Figura 2). Se levarmos em consideração que o crescimento populacional estimado para o estado tem perspectiva de crescimento que excede 1 milhão de habitantes, até 2031, seria precipitado suscitar a cristalização ou inércia da área estudada. Provavelmente, o crescimento populacional será acomodado pelo crescimento construtivo verticalizado.

Os condomínios habitacionais e o processo da verticalização nos bairros de Tejipió e Sancho

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Os condomínios verticalizados surgem na paisagem dos bairros de Tejipió e Sancho na década de 1980 e se intensificam na década de 2000. Na década de 1980, o processo de verticalização dos bairros surge como parte do processo da dinâmica das bordas, através das condições favoráveis que os promotores imobiliários encontraram

nas áreas periféricas. A dimensão dos lotes possibilitou uma mudança de uso nos bairros, nos quais as grandes propriedades deram lugar aos condomínios verticais destinados as famílias de classe média, que se beneficiaram pela política de habitação do Banco Nacional de Habitação (BNH). O Conjunto Vinícius de Moraes, no Sancho, foi um dos primeiros condomínios do bairro construído no fim da década de 1970, com 17 blocos e 32 unidades habitacionais em cada bloco. Em Tejipió, destacase como verticalização pioneira, na década de 1980, o Residencial Mônaco, com quatro blocos e 16 unidades habitacionais em cada bloco, construído nas proximidades da estação do metrô Tejipió. Após a extinção do BNH, na década de 80 e início da década de 90, com os novos programas da Companhia Metropolitana de Habitação de Pernambuco (COHAB-PE), no bairro do Sancho, foi construído o Conjunto Manuela Valadares, com cinco blocos e 16 unidades em cada bloco, nas proximidades do Hospital Otávio de Freitas. Durante a pesquisa de campo deste trabalho foi constatado que as unidades habitacionais do Conjunto Manuela Valadares encontravam-se interditados por risco de desabamento, com famílias realocadas para outros imóveis e casas de familiares no próprio bairro. Em 1998, com a extinção da COHAB-PE, retornam as dificuldades de acesso à habitação e os novos programas da Caixa Econômica Federal passaram a ser intermediadores entre as famílias que têm acesso às cartas de crédito e a iniciativa privada. No mesmo período, o Banco Interamericano de Investimento (BID) se incorporou ao Programa Habitar-Brasil, sendo a forma mais viável de aquisição de imóveis para as famílias mais pobres (ALMEIDA SOUSA, 2007). O avanço do setor imobiliário alterou novamente a fisionomia dos bairros de Tejipió e Sancho, entre os anos 2000 e 2010. Desta vez, por empreendimentos com tipologias diferentes das estabelecidas nas décadas de 1980 e 1990, destinados às famílias da classe média e classe média alta, com equipamentos de lazer e segurança. Destaca-se como pioneiro o condomínio Casa Solar Residence, construído em uma antiga chácara localizada na Avenida Dr. José Rufino, em Tejipió, em frente a vários equipamentos de educação pública. O sucesso de vendas do Casa Solar Residence 179


impulsionou a construção de novos empreendimentos com características e destinação similares (Vila Jardim Condomínio Club, Torres da Liberdade, ed.. Maria Rodrigues etc). Excetua-se o condomínio Bosque das Palmeiras Life, sendo o único que faz parte do Programa Minha Casa Minha Vida (Programa do Governo Federal em parceria com Estados, Municípios, iniciativa privada e movimentos sociais) na tentativa de viabilizar a produção ou aquisição de novas unidades habitacionais, ou a requalificação de imóveis urbanos (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2011). Com o surgimento de habitações destinadas à classe média, os agentes imobiliários utilizam como atrativo para as vendas na área, a facilidade de acesso ao centro do Recife e a proximidade de áreas de conservação de Mata Atlântica, além da existência de equipamentos urbanos de saúde, segurança e educação.

A

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D

B E

O processo recente de invasão Em decorrência dos preços praticados pelo mercado imobiliário na área e com a existência de algumas propriedades inativas ou desocupadas, outros processos, além dos já mencionados na pesquisa, dinamizaram a lógica de produção e apropriação do espaço nas bordas intraurbanas estudadas. Em Tejipió, entre a Avenida Aprígio Guimarães (em frente ao Hospital Otávio de Freitas, limite entre os bairros de Tejipió e Sancho) e a margem norte do Rio Tejipió, houve a ocupação irregular de uma propriedade privada (Figura 4A-F). Essa ocupação ocorreu em abril de 2010, por cerca de 200 famílias, onde a distribuição de energia é clandestina e o abastecimento de água é inexistente. O terreno é vegetado, com declive em sentido à margem do rio.

C

F Imagens C-F fonte: Lima (2010).

De acordo com a CEHAB-PE, a área corresponde a 13.559,30 m² (68,00 x 162,70 m), com um galpão de pré-moldado de concreto desativado. As habitações ilegais foram construídas com madeira e papelão (Figura 4C). Baltrusis (2004, p. 07) indica que o processo de migração é a causa da ocupação nas áreas avançadas da cidade e que os assentamentos informais são consequências desse processo, contribuindo com o aumento da irregularidade urbana. Na visita de campo realizada, de outubro a dezembro de 2010, foi possível constatar que grande parte das habitações subnormais foi rapidamente substituída por construções de alvenaria (Figura 4D-F). Também observamos o surgimento de bares e outros serviços (Figura 4E-F).

Figura 4. Ocupação irregular de uma propriedade privada em Tejipió, borda intraurbana sudoeste do Recife. A- Vista de imagem de satélite através do Google Earth, Tejipió, 2007, anos antes da ocupação. B- Vista de imagem de satélite através do Google Earth, Tejipió, 2011, quatro meses após a ocupação (manchas esbranquiçadas na área verde). C- Habitação subnormal de madeira e papelão. D-F - Construções de alvenaria em substituição às habitações subnormais.

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Considerações finais A produção e apropriação do espaço nas bordas intraurbanas, entre os municípios de Recife e Jaboatão dos Guararapes, apresentam condições diferenciadas, por ser uma área relativamente adensada, quando comparada às bordas registradas em literatura especializada (pouca densidade construtiva e populacional). A fenomenologia das bordas, sob os pontos de vista físico e social, auxilia a compreensão do complexo urbano. Foram identificadas, na borda intraurbana sudoeste do Recife, características como consequência do modelo de cidade espraiada, a saber: carências em infraestruturas e serviços urbanos, especulação fundiária e imobiliária, desiguais condições de acesso a terra e à moradia, adensamento construtivo e populacional, etc. O recorte temporal adotado (1980-2010) apresentou-se compatível à análise dos processos de produção e apropriação do espaço na borda intraurbana do Recife, por concentrar eventos que promoveram mudanças nas áreas, como por exemplo, no sistema de transporte. Este último apresenta grande destaque como agente promotor do adensamento construtivo e populacional na área. A predominância da aquisição do imóvel, através da compra de unidades já construídas, indica que a maioria dos proprietários de Tejipió e Sancho se estabeleceu após o processo de ocupação dos espaços por meio de invasão. Toda a área da borda intraurbana analisada, originariamente, foi ocupada através de invasões, em períodos distintos, excetuandose apenas a área que pertencia ao hospital Otávio de Freitas, no bairro de Tejipió, desapropriada no final dos anos 1990 para a implantação do projeto de realocação, do governo do estado, às famílias das áreas de risco da RMR, sendo assim, provavelmente, as demais aquisições de lote, nessas áreas, através da compra, foram efetuadas pelos atuais proprietários aos invasores. O tempo de moradia de residentes fixos, bem como a constatação de uma população envelhecida, na borda intraurbana, indicou que a área já está consolidada, quanto à produção e apropriação do espaço. As baixas disponibilidades de vazios urbanos, somadas 182

ao surgimento de algumas edificações verticalizadas, indicam que esta será a dinâmica incorporada para atender a demanda habitacional na área, quer pela construção de residências ou pela reforma de unidades já existentes, ou ainda a produção de unidades multifamiliares na área. A prática da invasão, como mais um achado da pesquisa, contribui para a constatação de que o dinamismo nas áreas limite da cidade vai além da relação rural-urbana, conceito mais clássico para essas áreas. Vale ressaltar, ainda, que estamos falando de áreas relativamente adensadas e com pouco solo disponível.

Agradecimentos Os autores agradecem à Universidade Federal da Paraíba / Programa de Pós-Graduação em Engenharia Urbana e Ambiental e Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico (CNPq) e Tecnológico e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio fundamental ao desenvolvimento deste trabalho.

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[SOBRE OS AUTORES] Adalberto Duarte Santos Júnior

Graduando em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba.

Alexandre Augusto Bezerra da C. Castro

Arquiteto e Urbanista, Mestre em Engenharia Urbana e Ambiental, Professor Assistente A do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal da Paraíba, membro do Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado (LAURBE-UFPB), Professor das Faculdades Integradas de Patos (FIP). Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional, com ênfase em Infra-Estruturas Urbanas e Regionais, atuando principalmente nos seguintes temas: Transporte e Uso do Solo, Morfologia Urbana e Expansão Urbana.

Ana Paula Casassola Gonçalves

Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (2001), mestre pela Universidade Federal Fluminense (2007), doutora em planejamento urbano e regional pelo Instituto de Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2013). Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional, em habitação popular e urbanização de favelas, atuando principalmente nos seguintes temas: arquitetura e urbanismo: crítica, políticas públicas, planejamento urbano e projeto de arquitetura e urbanismo. Trabalhou com pesquisa em urbanismo para Fundação Oswaldo Cruz (2007-2008); em 2010, trabalhou como professora do Instituto Politécnico de Cabo Frio, escola técnica experimental da UFRJ; desde setembro de 2013 é arquiteta concursada da Secretaria Municipal de Urbanismo do Rio de Janeiro.

Brunielly de Almeida Silva

Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba.

Cybelle Frazão Costa Braga

Possui graduação em Engenharia Civil pela Universidade Federal da Paraíba (1999), graduação em Direito pelo Centro Universitário de João Pessoa (1999), mestrado em Engenharia Civil [C. Grande] pela Universidade Federal da Paraíba (2001) e doutorado em recursos naturais pela Universidade Federal de Campina Grande (2008). Foi Consultora do Proágua Semiárido, Coordenadora de Gestão Operacional do Instituto de Gestão das Águas do RN, Diretora Presidente da Agência Executiva de Gestão das Águas do Estado da Paraíba e Consultora do Banco Mundial. Atualmente é professora do IFPB, além de pesquisadora em projetos na UFPB, UFCG e Banco Mundial.

Deyglis Fragoso de Lima

Graduado pela Universidade Federal de Pernambuco em Bacharelado em Geografia (UFPE - 2002/2007), com extensão em Geografia e Planejamento Regional pela Universidade Nova de Lisboa (UNL - 2005/2006); Mestre em Engenharia Urbana e Ambiental pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB - 2009/2011). Atualmente é pesquisador do Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado (LAURBE/CT/UFPB), e membro do Grupo de Estudos sobre o Mercado Fundiário e Imobiliário - (GEMFI / UFPE). Atuando em áreas da Geografia Humana, com ênfase em Geografia Urbana e Regional, Planejamento Urbano e Regional, Questões Ambientais Urbanas, Análise da Dinâmica Fundiária e Imobiliária,e Estudos sobre os Espaços Periurbanos.

Eduardo Viana Lima

Possui graduação em Geografia pela Universidade Federal da Paraíba (1984), mestrado em Sensoriamento Remoto pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (1990) e doutorado em Geografia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2000). Atualmente é professor Associado da Universidade Federal da Paraíba. Tem experiência na área de Geografia, com ênfase


em Quantificação em Geografia, atuando principalmente nos seguintes temas: Geoprocessamento, Geografia, Sensoriamento Remoto, Cartografia, Análise Geoambiental.

Geovany Jessé Alexandre da Silva

na concepção e apropriação do espaço. II) Urbanismo: com ênfase na área de Planejamento Urbano e Regional.

José Augusto Ribeiro da Silveira

Doutorado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (2008-2011), Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAU-UnB. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Uberlândia (2003), mestrado em Geografia pela Universidade Federal de Mato Grosso (2006-2007). Atualmente é Professor em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Paraíba-UFPB, atuando na graduação e pós-graduação (PPGAU - Arquitetura e Urbanismo e PPGECAM - Engenharia Civil e Ambiental), com participação e colaboração em projetos de pesquisa junto ao “Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado” (LAURBE-DAU-UFPB), “Laboratório de Sustentabilidade Aplicada à Arquitetura e ao Urbanismo” (LaSUS-FAU-UnB), do Grupo de Pesquisa “A Sustentabilidade em Arquitetura e Urbanismo” (FAU/UnB-CNPq), e no “Grupo de Estudos Estratégicos e de Planejamento Integrados” (GEEPI/UFMTCNPq). Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase em Adequação Ambiental Arquitetônica e Urbanística, atuando principalmente nos seguintes temas: Arquitetura e Urbanismo, Projeto Arquitetônico, Projeto de Urbanismo, Tipologias Arquitetônicas, Planejamento Urbano e Regional, Produção do Espaço Regional. Linha de Pesquisa de Doutorado: Paisagem, Ambiente e Sustentabilidade.

Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba (CT,1982), aperfeiçoamento em planejamento urbano pela Escola Nacional de Habitação e Poupança (ENHAP, 1984), especialização em Gerenciamento da Construção Civil pela USP/UFPB (USP,CT,1993), mestrado em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco-CAC-UFPE (MDU,1997) e doutorado em Desenvolvimento Urbano pela Universidade Federal de Pernambuco-CAC-UFPE (MDU,2004). Atualmente é Professor Associado no Departamento de Arquitetura do Centro de Tecnologia da Universidade Federal da Paraíba-UFPB, onde coordena o Laboratório do Ambiente Urbano e Edificado - LAURBE, com atividades de ensino, pesquisa e extensão universitária. Leciona na graduação (curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo) e na pós-graduação (Programa de Pósgraduação em Arquitetura e Urbanismo-PPGAU e Programa de Pós-graduação em Engenharia Urbana e Ambiental-PPGEUA). É professor-pesquisador líder do grupo de pesquisa Planejamento Urbano e Transportes-CNPQ. Tem experiência nas áreas de Arquitetura e Urbanismo, com ênfase na área de Urbanismo, atuando principalmente nos seguintes temas: acessibilidade, uso do solo, áreas centrais, expansão intraurbana, sistemas de transporte e morfologia da cidade.

Isabela Kirschner Campos

Milena Dutra da Silva

Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Paraíba (2008-2013). Atua como arquiteta urbanista no Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento Costa do Sol, uma entidade sem fins lucrativos que presta consultorias municipais e institucionais, trabalhos técnicos, projetos e pesquisas visando o planejamento urbano municipal, elaboração de plano de habitação, planos diretores, projeto e construção de Habitação de Interesse Social, etc. atuante no Estado da Paraíba. Área de interesse: I) Arquitetura: Habitação de Interesse Social, com ênfase

Possui graduação em Ciências Biológicas (UFRPE - 2006), mestrado em Botânica (PPGB/UFRPE - 2008) e doutorado em Geografia (PPGEO/UFPE - 2012). Atua em Ensino, Pesquisa e Extensão. Pesquisadora pelo Programa Nacional de Pós-Doutorado (UFPB, Início em: 2012). Tem experiência em estudos integrados do meio ambiente atuando principalmente nos seguintes temas: Sensoriamento Remoto e Geoprocessamento aplicado ao Planejamento Urbano e Ambiental, Vegetação e Sensoriamento Remoto; Gestão Ambiental e Paisagem; Áreas Verdes Urbanas;


Ecossistemas Nordestinos. Professora Visitante do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (UFPB) e professora temporária de Ecologia Vegetal (Departamento de Engenharia e Meio Ambiente/UFPB)

Wellintânia Freitas dos Anjos

Mestre em Engenharia Urbana e Ambiental (UFPB). Especialista em Ciências Ambientais (FIP). Graduada em Geografia (Bacharel e Licenciatura - UFPB) e Técnica em Tecnologia Ambiental (CEFET). Na Prefeitura de João Pessoa ocupou o cargo de Secretária Adjunta de Meio Ambiente; Secretária Executiva do Fundo Municipal de Meio Ambiente e do Comitê Gestor Orla de João Pessoa-PB. Representou os Órgão Municipais de Meio Ambiente da Região Nordeste no Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA. Fez parte da Diretoria da Associação Nacional de Órgão Municipais de Meio Ambiente - ANAMMA. Foi fundadora e Presidente da Associação de Órgão Municipais de Meio Ambiente da Paraíba - ANAMMA/PB.

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