parte II local

_ políticas públicas no século XIX e o desenvolvimento do bairro Campos Elíseos
No final do século 19, a cidade de São Paulo se torna o motor de desenvolvimento do país e nesse processo se desfaz de seu passado colonial a fim de construir uma nova imagem (Sant, C; et al, 2017). A cidade cresce em busca por novos espaços em decorrência do crescimento demográfico que em uma década cresce 269,3% (Moroz-Caccia Gouveia, 2010). O aumento exponencial dos habitantes da cidade de São Paulo é explicado pela entrada em massa de imigrantes, e pelo estabelecimento da elite cafeeira, outrora rural na cidade (Gouveia, 2016). Como a saúde era um tema tratado apenas por políticos e pela elite, a principal preocupação da época era a defesa sanitária ao invés da criação de hospitais (Filho, 2012). As políticas de saneamento da cidade tinham como foco a luta contra epidemias e doenças, com especial atenção para as habitações populares, as quais eram vistas de maneira preconceituosa como focos de “degradação moral” (Branquinho, 2007).
Caso emblemático dessa concepção foi a construção do bairro Campos Elíseos, idealizado por Nothmann e Glete. De concepção higienista e características importadas, inspirado nos padrões franceses de urbanismo, o bairro Campos Elíseos é desenhado na intenção de atrair a nova elite cafeeira (Sobrinho, 2013). Com ruas alargadas e lotes amplos, o desenho respeitava as recomendações do Código de Postura de 1886, que trazia diretrizes indicativas para as edificações. Essas deveriam ser implantadas com recuos frontais e também laterais, o que permitiria melhores condições de conforto as edificações (Bronkhorst, 2014).
Grande parte da implantação das casas obedecem esses ditames, como por exemplo, o Palácio dos Campos Elíseos, projetado por Matheus Häusler. Entretanto, por mais que essas regras determinassem o padrão de ocupação do lote, o bairro foi ocupado por uma vasta diversidade de grupos com diferentes necessidades. Dessa forma, desde o principio, observa-se diferentes padrões de ocupação, com o predomínio do uso residencial.
As políticas públicas voltadas a saúde eram distante das outras políticas sociais, com ações fragmentadas e por muitas vezes aplicadas de maneira parcial (Mota et al., 2014). Em resposta ao baixo número de hospitais e a precariedade no atendimento aos doentes, há um enorme crescimento de associações civis que buscam oferecer os serviços de saúde aos seus membros. Como é o caso da Santa Casa de Misericórdia, localizada na Vila Buarque, bairro próximo ao Campos Elíseos. Descendente do modelo português, a Santa Casa era o modelo filantrópico assistencial de saúde desde o período colonial e continuou a crescer em número de leitos e de profissionais independente da falta de recursos (Filho, 2012). Outras instituições filantrópicas também se organizaram e criaram seus próprios serviços assistenciais, como os imigrantes, os novos trabalhadores urbanos e até mesmo outros grupos religiosos que não eram bem aceitos na instituição católica Santa Casa. Esses grupos ofereciam quantias de dinheiro a assistência básica à saúde, auxílio que foi aumentando a ponto de fomentar a criação de hospitais. O primeiro grupo de imigrantes a inaugurar um hospital foram os portugueses, que teve o exemplo seguido pelos italianos, alemães, sírios-libaneses, japoneses e outros.
Nos anos 30, um grupo de educadoras lideradas por Dª Maria Antonietta de Castro, convida a Dª Pérola Byington a liderar a organização intitulada de Cruzada Pró-Infância com o objetivo de combater a mortalidade infantil. Dentre os inúmeros projetos que desenvolvia, em 1959, a Cruzada inaugura o Hospital Infantil e Maternidade da Cruzada Pró-
Construído por Rino Levi e Roberto de Cerqueira César, a arquitetura do hospital tem como conceito a subordinação ao programa e as condições do terreno (Revista Hospital Hoje, 1955).
Aproxima arquitetura hospitalar do modernismo, a partir da construção de blocos independentes que se conectam, com o objetivo de promover uma maior integração entre as seções hospitalares e promover mais fluxos para todos os usuários (Filho, 2012).
O hospital funcionava por meio de arrecadação de fundos; do voluntariado de muitos profissionais; de laboratórios que realizassem os exames de forma gratuita e de farmácias que doassem remédios. Todas as funções eram gerenciadas e articuladas por Pérola Byington, até a sua morte em 1963.
Devido a crise econômia nacional de 1989, a Cruzada transfere à Secretaria Estadual da Saúde a administração do Hospital, por intermédio da locação do seu prédio e com a garantia de que a continuidade dos serviços de saúde se mantivessem gratuitos à mulher e a à criança (ALESP, 2016). Segundo a Coordenação de Epidemiologia e Informação da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo (CEInfo), o Hospital Pérola Byington - Centro de Referência da Saúde da Mulher - continua, hoje, a ser administrado pela Secretaria de Estado da Saúde. Atualmente é um equipamento de saúde pública, de âmbito estadual, que tem por finalidade prestar assistência médico-hospitalar a população feminina. Composto por duas unidades: o complexo hospitalar e a unidade ambulatorial; em localizações distintas. Segundo o Governo do Estado de São Paulo, essas unidades serão desativadas e transferidas para um novo terreno, localizado também na região central - no Bairro Campos Elíseos - e portanto, o projeto da unidade de cuidados paliativos será também implantado próximo a essa nova
_ O novo edifício do Hospital Pérola Byington e suas controversas dinâmicas urbanas no Bairro Campos Elíseos
Imbuídos do velho discurso de “revitalização”, o governo do estado, prefeitura e iniciativas privadas se envolveram em uma parceria público privada para a construção do novo edifício do Hospital Pérola Byington, localizado na região dos Campos Elíseos. Desenhado com uma arquitetura genérica, o novo projeto para complexo hospitalar contará com 44,4 mil m² de área construída e irá oferecer 162 leitos SUS. Estima-se o aumento do número de cirurgias oncológicas e da capacidade de atendimento ambulatorial.
A mudança de localização do edifício hospitalar acontece envolta por ilegalidades e agressões por parte do
poder público sobre a população local, como desapropriações, reintegrações de posse e demolições. De acordo com Viana (2017), conforme citado por D’arc (2006), o processo de “revitalização” vivido no Brasil, nada mais é do que o atendimento de uma demanda classista que se aproveita dos poucos instrumentos de regulação para manter as demandas do mercado, acelerando o processo de fragmentação do espaço.
A quadra 36, futura localização do Hospital Pérola Byington, pertencente a Zona Especial de Interesse Social (ZEIS), se tornou um caso emblemático inserido neste contexto. O governo se aproveitou da população marginalizada para desrespeitar as regras urbanísticas vigentes e transformou o território em campo de experimentação de maneiras de ordenar (Miranda, F; et al, 2017) remo-
vendo os moradores da quadra 36 sem oferecer alternativas que atendessem as suas necessidades. De forma a enfrentar essas questões, o Fórum Mundaréu da Luz - coletivo que reúne pessoas e instituições - busca o enfrentamento dessas questões em conjunto com a população local; apresentando, em 2018, propostas de intervenção que auxiliariam o desenvolvimento do bairro, com base em dois cenários possíveis: o que haveria a ocupação da quadra pelo hospital e o cenário em que isso não ocorreria.
Como a construção dessa nova edificação já está em curso desde de agosto de 2019, acredito que a infraestrutura que estou propondo deva ser pensada para essa nova localidade. A atual edificação, voltará a ser ocupada pela instituição privada filantrópica a qual pertence, a Cruzada Pró-Infância, des-
sa forma, não podemos imaginar quais serão os futuros usos destinados a edificação de Rino Levi.
É importante também salientar que o modelo brasileiro de parceria público privada (PPP) é uma forma de provisão de infra-estrutura e serviço público em que o parceiro privado é responsável pela elaboração do projeto, financiamento, construção e gestão, que posteriormente são transferidos ao estado, no caso, daqui a 20 anos. O conceito de PPP difere do conceito de privatização, pois, as privatizações implicam na venda do bem público à iniciativa privada, enquanto que nas parcerias, a infraestrutura retorna ao poder público (Brito e Silveira, 2005). Compreendendo esse processo, entendo que o hospital continuará integrado ao SUS, assim como a edificação que proponho.
Perdizes
Consolação
São Paulo possui uma população de 12,18 milhões de habitantes distribuídos pelos 1.509 km² do seu município dividido em 32 subprefeituras e 96 distritos. É parte central da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), que é classificada como a quinta maior aglomeração urbana do mundo. A cidade de São Paulo apresenta um centro urbano que engloba 8 distritos, incluindo o de Santa Cecília, em destaque nas figuras 14 e 15, onde se localiza o projeto.
Os distritos centrais representam 2% da área total do município com 4% da população total da cidade residente, segundo o IBGE (2010).
Analisando a média de habitantes por hectare do município de São Paulo - 74 hab/ha - percebe-se que as maiores densidades populacionas se concentram nos distritos de Santa Cecília, Consolação, Bela Vista, Liberdade e República. No distrito de Santa Cecília, é possível identificar a necessidade da implementação de mais serviços que gerem emprego, pois, é um dos distritos centrais que apresentam uma baixa densidade de empregos por habitantes e por hectare.
fonte: spurbanismo
fonte: spurbanismo
fonte: spurbanismo
fonte: spurbanismo
baixa densidade de empregos por habitantes
fonte: spurbanismo
O clima de São Paulo é classificado como subtropical, com índices de precipitação menores no inverno e temperatura média anual de 19,25º. Com verões caracteristicamente intensos e invernos brandos, o clima também é influenciado pela circulação da brisa marítima em decorrência da proximidade da cidade com o oceano e também devido a circulação forçada pela topografia - Serra do Mar e da Cantareira. Durante os meses frios predominam os efeitos climáticos relacionados a circulação nos vales e montanhas, enquanto que nos meses mais quentes, há o predomínio das características climáticas relacionadas à brisa marítima.
Quando se faz o recorte climático
da região central da cidade de São Paulo, o clima é identificado como Tropical Úmido de Altitude do Planalto Atlântico, apresentando variações de acordo com as características da área analisada. Fatores como uso do solo e quantidade de vegetação alteram o microclima. Devido a essas alterações no microclima, a cidade de São Paulo também está estruturada em unidades climáticas urbanas. A área escolhida para a intervenção projetual está localizada na porção sul do distrito de Santa Cecília, a qual pertence a unidade climática urbana central I, caracterizada com temperatura predominante na primavera e no outono de 28ºC. Os ventos predominantes estão a sudeste.
O terreno se localiza em uma área área extremamente consolidada, com facilidade de acesso para toda a cidade. Próximo ao terreno se encontra o terminal Princesa Isabel, a estação de metrô Marechal Deodoro e a estação de trem Júlio Prestes. A localização do terreno permite várias camadas de acesso a infraestrutura por parte da população. A estação da luz, além de conectar o centro aos bairros periféricos e a outras cidades, como Jundiaí, tem acesso direto também ao aeroporto internacional de guarulhos.
referências
01 Praça da Luz
02 Praça da República
03 Parque Ibirapuera
04 Parque Trianon / MASP área do projeto
05 Memorial da América Latina
nova localiazção do pérola
antiga localização do pérola terminal de ônibus existente
estações de metrô estações de trem
raio de 500 m
linha de trem existente
linha de metrô existente
hidrografia
parques estaduais e municipais perímetro do centro extendido
quadras viárias
fonte:
escala 1:5000
comércio e serviços residencial uso misto (residencial, comércio e serviços)
sem predominância
área do projeto
novo pérola
Para promover o rápido intercâmbio de profissionais e pacientes com o hospital, a área do projeto está localizada a 400m do novo hospital. O terreno conta com 1502m² de área e nas ilustrações abaixo temos a identificação das cotas de nível e suas dimensões.
Localizado na esquina da Alameda Nothmann e da rua Conselheiro
Nébias, atualmente o terreno é usado como estacionamento e em seu entorno foi identificado usos característicos de um bairro residencial, como um pequeno mercado e na esquina a frente do lote um bar. A rua Conselheiro Nébias é mais silenciosa, e é utilizada como estacionamento para carros, enquanto que a Alameda Nothmann é mais movimentada.
O lote se insere na zona de centralidade que, de acordo com o Plano Diretor, são porções do território em que se pretende promover majoritariamente os usos não residenciais, com densidades construtiva e demográfica médias, que promovam a qualificação paisagística e dos espaços públicos.
Também no Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo, o terreno pertence a Macroárea de Estruturação Metropolitana, área que é caracterizada pela existência de vias estruturais que articulam os diferentes pólos de emprego; onde se verifica mudanças econômicas e nos usos, sendo necessário se pensar no equilíbrio entre as relações entre emprego e moradia. Dentre as diretrizes para esta parcela territorial, o plano busca o fortalecimento do caráter de centralidade municipal através do aumento da densidade populacional e da oferta habitacional, otimizando a infraestrutura existente e fortalecendo a base econômica local. A inserção de uma edificação de uso institucional de saúde corrobora os ensejos previstos pelo plano diretor.
É válido ressaltar que esta em processo de aprovação o Projeto de Intervenção Urbana (PIU), para redefinir a legislação urbanística dos distritos centrais, incluindo o distrito onde se localiza o terreno escolhido para este projeto. Além dessas modificações, o projeto propõe intervenções, como a requalificação e ampliação do passeio sobre o leito carroçável na Alameda Nothmann, aumentando a qualidade do uso peatonal na rua em que se insere o projeto.
taxa de ocupação: 0,70
recuos frente: 5m fundos e laterais: 3m
coeficiente de aproveitamento máx: 2m
gabarito máx: 48m
parâmetros de ocupação do lote
O entorno próximo e a trajetória solar, que possibilita o entendimento da condição de insolação do terreno.
Analisando o mapeamento realizado, o projeto se insere em um contexto urbano com facilidade de acesso devido aos diversos modais que servem o centro, possibilitando a conexão com a cidade e além cidade. Ao analisarmos o traçado do bairro dos Campos Elíseos percebe-se poucas vias locais e também que é marcado por barreiras, como a linha do trem e o “minhocão” que configuram quebras na continuidade do traçado. A largura das avenidas Rio Branco e Duque de Caxias aumentam a desconexão do bairro com o entorno, criando um ambiente cercado dentro da cidade. O terreno é adjacente a duas vias coletoras, a Alameda Nothmann e a Conselheiro Nébias. Na Alameda Nothmann existem dois pontos de ônibus nas quadras próximas, facilitando o acesso por esse modal. Em relação a vegetação, nas proximidades, está localizada a Praça Princesa Isabel e também podemos perceber alguns maciços arbóreos no entorno, que podem possibilitar a melhora do microclima local, uma vez que as folhas absorvem a radiação solar e aumentam a umidade atmosférica, que refresca o ar próximo.
A região é marcada pela diversidade de usos, com predominância do uso residencial. É notada também a presença de lotes sem predominância de usos e no entorno próximo há a existência
de edificações não utilizadas, algumas vandalizadas e outros terrenos também subutilizados como estacionamento.
A região é um polo cultural, e próximo estão o centro cultural Porto Seguro, a Sala São Paulo, teatros e o Sesc Bom Retiro. Existem também muitos usos educacionais. Em relação as edificações de saúde, no entorno próximo foram identificadas 10: três hospitais privados, dentre eles a Santa Casa, duas amas especialidades, uma unidade odontológica móvel, duas unidades básicas de saúde (UBS), uma unidade para atendimentos de emergências, uma unidade para atendimento especializado em DSTs e o instituto do câncer Arnaldo V de Carvalho.
Essa diversidade de usos e equipamentos enriquece a qualidade do projeto, quanto mais pessoas souberem e se interessarem pelo projeto, mais as pessoas se adaptarão ao tema e aos cuidados necessários existentes no final da vida. A arquitetura estará presente no dia a dia das pessoas, e as conversas sobre morte e morrer se tornam menos assustadoras e mais intuitivas.
A inserção do equipamento possibilitará a geração de empregos na região, fato que, segundo Herta Franco, pode impulsionar a qualificação do bairro para os moradores atuais, ao criar mão de obra e geração de renda.
Ao analisar o traçado viário do bairro, percebemos que existem grandes vias com alta circulação de veículos, prejudicando a circulação peatonal, como é o caso da avenida rio branco, onde se localizará o futuro hospital pérola byington. Sugiro a criação de um caminho demarcado entre o meu projeto e o novo hospital, de maneira a orientar os pa-
cientes do hospital a encontrar o projeto. Um desenho urbano informativo que possa promover também a divulgação do serviço a população.
Essa diretriz caminha em consonância com os projetos urbanos previstos para a região como a ampliação da alameda nothmann e de seu passeio peatonal.
rota peatonal
rota ambulância
* edificação a 500 m do hospital
* ampliação da alameda nothman
* diretriz: informações sobre a edificação no caminho | wayfinding