II CONGRESO INTERNACIONAL DE VIVIENDA COLECTIVA SOSTENIBLE - SAO PAULO

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18, 19 e 20 de abril de 2016 1


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Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP 18 a 20 de abril 2016

COORD. Prof. Paulo Bruna (FAUUSP FAAP) Prof. Leandro Medrano (FAUUSP) Prof. Josep Maria Montaner (MLVSSXXI / Ayuntamiento de Barcelona) Profa. Zaida Muxí Martínes (MLVSSXXI / ETSAB-UPC) Profa. Renata Coradin (MLVSSXXI/ FIAM-FAAM)

1A ED. | 2016 Master Laboratório de la Vivienda Sostenible del Siglo XXI Universidade Politécnica da Catalunya (UPC) Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP).

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APRESENTAÇÃO | PRESENTACIÓN Josep Maria Montaner | Zaida Muxí Paulo Bruna | Leandro Medrano Renata Coradin

CONFERÊNCIAS | CONFERENCIAS 20

Eric Mumford THE HISTORICAL DISCOURSES OF LATE CIAM AND HUMAN SETTLEMENTS IN HISTORICAL PERSPECTIVE

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Franziska Ulmann CHOREOGRAPHY OF LIFE

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Raúl Valles URUGUAY El cooperativismo de vivienda, el trabajo de los técnicos y el sistema como instrumento para la rehabilitación urbana.

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Carlos Eduardo Dias Comas OSCAR NIEMEYER E A HABITAÇÃO COLETIVA DE INTERESSE SOCIAL

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Raquel Rolnik O QUE ESPERAR DA POLÍTICA URBANA EM 2016? OU O LADO BOM DA CRISE

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Núria Parlon Gil RESILIENCIA LOCAL, DEMOCRACIA Y EMPODERAMIENTO; MÁS ALLÁ DE LOS LÍMITES FORMALES DE LA PLANIFICACIÓN URBANÍSTICA: La experiencia de rehabilitación en Santa Coloma de Gramenet.

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Elisabete França URBANIZAÇÃO DE FAVELAS, O DIREITO À ARQUITETURA

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Matias R. Alonso Ron SUBSECRETARIA DE HÁBITAT E INCLUSIÓN Gobierno de la Ciudad de Buenos Aires.

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Andrade Morettin Arquitetos Associados REURBANIZAÇÃO DE FAVELA JARDIM LIDIANE

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ArquiTraço HIS INTEGRADA À URBANIZAÇÃO DE FAVELAS

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Valeria del Puerto DOS EDIFICIOS DE VIVIENDA COLECTIVA EN BUENOS AIRES

90

LaCol LA EXPERIENCIA DE LA BORDA De la promoción al proyecto


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1. TEORIA E HISTÓRIA DA HABITAÇÃO COLETIVA | TEORÍA E HISTORIA DE LA VIVIENDA COLECTIVA Introdução por | Intodución por Josep Maria Montaner | David H. Falagán

102

Manuela Uribe Buitrago | Enviago, Colombia COREOGRAFÍAS DE PAISAJE EN LA ARQUITECTURA DE LA VIVIENDA COLECTIVA

108

Telma de Barros Correia | São Paulo, Brasil INDÚSTRIA E HABITAÇÃO COLETIVA: BRASIL, 1900-1950

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Esteban Jaramillo | Christine Van Sluys | Quito, Equador LA GRANJA Y SOLANDA Dos proyectos urbano residenciales en Quito

120

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136

Lívia Paula Zanelli de Morais | David Moreno Sperling | São Paulo, Brasil TEORIA E PROJETO: Habitação através das pesquisas do MVRDV Larissa Casemiro Fiorin | Luiz Recamán | São Paulo, Brasil HABITAÇÃO SOCIAL E URBANIZAÇÃO NA INDUSTRIALIZAÇÃO DE SÃO PAULO: O primeiro momento brasileiro de interferência estatal no âmbito habitacional Lilian Pieres Staningher | Ana Maria Reis de Goes Monteiro | Campinas, Brasil BATATUBA: Vila operária das indústrias Bata no Brasil Giselle Cerise Gerson | Maria de Jesus Britto Leite | Recife, Brasil AS PREFERENCIAIS AMBIENTAIS DE MORADORES NA CONCEPÇÃO DOS ESPAÇOS LIVRES COLETIVOS EM ÁREAS DE BAIXA RENDA

144

Camilla Mayra Heck Maia de Abreu | Porto Alegre, Brasil LUGAR DO BRINCAR NA INFÂNCIA URBANA Análise do ambiente e do comportamento infantil em áreas de lazer de edifícios residenciais multifamiliares em Porto Alegre-RS.

150

Cristiana Eusepi | Veneza, Itália LA MAISON TURQUE Forme e modi dell’abitare a Istanbul

156

Ugo Rossi | Treviso, Itália THE ROAD AND THE HOUSE The possible salvation of urban living

162

Atxu Amann | Gonzalo Pardo | Madri, Espanha CUERPO, SALUD Y PLACER EN EL ESPACIO DOMÉSTICO CONTEMPORÁNEO

168

Matilde Plastina | Roma, Itália ABITARE IL TEMPO Lo spazio liquido della residenza

174

Luz Paz Agras | Coruña, Espanha VIVIR EN LA RUINA La construcción de vivenda como testimonio de una época

180

Graziano Brau Pani | Barcelona, Espanha HOW TO ANALYSE AND EVALUATE MAT-HOUSING

188

Rafaela Nunes Mendonça | Simone Barbosa Villa | Uberlândia, Brasil OS MODOS DE MORAR EM APARTAMENTOS MÍNIMOS CONTEMPORÂNEOS: Análises e reflexões para obtenção de sua qualidade

196

Denise Antonucci | São Paulo, Brasil ARQUITETURA E HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL A Produção Estatal da Moradia em São Paulo

204

Graziela de Oliveira Becker| Porto Alegre, Brasil VILA FLORES Da produção rentista a centro cutural colaborativo

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210

Kátia Fernanda Marcheto | Porto Alegre, Brasil INTERVENÇÕES EM EDIFÍCIOS HABITACIONAIS DO PATRIMÔNIO MODERNO: O caso do Parque Guinle

216

Juan Carlos Bamba Vicente | Guayaquil, Equador NI ESPACIO PÚBLICO, NI ESPACIO PRIVADO: ESPACIO COLECTIVO Del soportal de la manzana cerrada colonial al espacio libre del bloque lineal moderno en la ciudad de Guayaquil

226

Fernanda Fontana De Gasperin | Leicester, United Kingdome FLEXIBILITY AND MASS HOUSING The modernist legacy to the present day

228

Luiz Augusto Maia Costa | Caio Barbato Maroso | Campinas, Brasil REFLEXÕES ACERCA DOS EMPREENDIMENTOS DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA A PARTIR DAS RELAÇÕES SOCIOESPACIAIS GERADAS IN LOCO. Estudo de Caso de Jaguariúna/SP.

234

Marcela Marques Abla | Rio de Janeiro, Brasil PERSPECTIVA DE UMA POLITICA HABITACIONAL POR QUATRO URBANISTAS DO SÉCULO XX Elizabeth Denby, Carmem Portinho, Margarete Schütte-Lihotzky e Catherine Bauer.

240

Ibrahim Massaru de Borba | Luiz Antonio Recamán de Barros | São Paulo, Brasil CASAS DE ARTIGAS Produção residencial e sua inserção no meio urbano

248

Jaume Asensi Carles | Barcelona, Espanha REVISIÓN HISTÓRICA DE LOS ESPACIOS COMUNES EN EDIFICIOS DE VIVIENDA COLECTIVA Bases para su comprensión y desarrollo

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254

Alejandro J. Peimbert | Juan Carlos García | Mexicali, México IMAGINARIOS DE LA VIVIENDA COLECTIVA EN MÉXICO: Un caso en la frontera noroeste

260

Ángela Cardiel Casado | Mexicali, México SOBRE NOMBRES DE ESPACIOS O de la utilidad del “llamar” en la vivienda

266

Mateus dos Santos Batista | Matheus Moura Martins| Marielle Rodrigues Pereira | Palmas, Brasil TAQUARUÇU: Desafios para a arquitetura vernacular em sua paisagem

272

Ruslan Muñoz Hernández | Habana, Cuba EL QUEHACER CONSTRUCTIVO DESARROLLADO POR EL INSTITUTO NACIONAL DE AHORRO Y VIVIENDA (INAV) EN LA HABANA (1959-1962)


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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD Introdução por | Intodución por Paulo Bruna | Renata Coradin | Alessandra Bedolini

324

Patricia Reus | Jaume Blancafort | Murcia, Espanha VISTABELLA, DE BARRIO SIMBÓLICO PARA LA FALANGE A ESCENARIO DE LAS EMERGENCIAS POLÍTICAS POST 15M EN MURCIA, ESPAÑA La forma urbana para comunidades fuertes

332

Jorge L. Vieira | Rúbia C. Peterson | Silvio B. de Abreu Filho | Porto Alegre, Brasil HABITAÇÃO COLETIVA NA FRONTEIRA DA TRAMA URBANA: CONSTRUIR CIDADES OU ENCLAVES?

284

Giovanna H.B. Albuquerque | Luiz Recaman | São Paulo, Brasil HABITAÇÃO SOCIAL E URBANIZAÇÃO NA INDUSTRIALIZAÇÃO DE SÃO PAULO: O Edifício Japurá de Eduardo Kneese de Mello

292

Tiago Augusto da Cunha | Maristela Siolari | Viçosa, Brasil INDÍCIOS DE IMPRECISÃO ENTRE PÚBLICO ALVO E ATINGIDO PELO PROGRAMA “MINHA CASA MINHA VIDA” EM SÃO PAULO

338

Luana Rocha de Souza | Danielle Costa Guimarães | Macapá, Brasil PROPOSTA DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL PARA MACAPÁ - AP Modo de vida, inserção urbana e apropriação do espaço público

300

Maria Paula Albernaz | Rio de Janeiro, Brasil FORMAS DE OCUPAÇÃO DO SOLO NA TIJUCA Bairro residencial da cidade do Rio de Janeiro

344

Amanda Arcuri | Marcos Favero| Rio de Janeiro, Brasil PÓS-DESASTRE: HABITAÇÃO E DESENHO URBANO

350

Ricardo Socas Wiese | Joana Pinotti Zin | Erechim, Brasil A POTENCIALIDADE DA HABITAÇÃO COLETIVA UNIVERSITÁRIA NA CONFIGURAÇÃO DOS ESPAÇOS UNIVERSITÁRIOS E SUA RELAÇÃO COM A CIDADE CONTEMPORÂNEA

356

Amparo Casares Gallego| Corunha, Espanha HACIA UNA PANIFICACIÓN URBANA INCLUSIVA Concurso Internacional de Arquitectura, Desarollo Urbano y Vivienda Sostenible, Guanajuato, México, 2002

362

Jaume Asensi Carles | Barcelona, Espanha ESPACIOS COMUNES Y CIUDAD Lugares de Relación entre los edificios de vivienda y el entorno urbano

368

Fernando C. N. Minto | Kelson V. Senra | Thomas A. J. Burtscher| Rio de Janeiro, Brasil MINHA CASA MINHA VIDA SUSTENTÁVEL - DUQUE DE CAXIAS, RJ Um debate sobre a qualidade na produção do espaço urbano

306

Maria Cristina da Silva Schicchi | Campinas, Brasil REABILITAÇÃO NOS CENTROS E BAIRROS HISTÓRICOS RESIDENCIAIS: A EXPERIÊNCIA RECENTE DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO ENTRE AMÉRICA LATINA E ESPANHA

312

Nicola Barbugian | Padova, Itália ANTONIO SANT’ELIA. L’IMMAGINE DELLA CITTÀ NUOVA Il rapporto tra architettura e infrastrutturazione metropolitana nem “nuovissimo mondo meccanico” all’inizio del XX secolo

316

Laboratorio de Investigación en Teoria y Práctica Arquitectónica | Buenos Aires, Argentina SUSTITUCION PROGRESSIVA DE ASENTAMIENTOS INFORMALES Método y aplicación

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374

María Elisa Rocca| Buenos Aires, Argentina LA CONSTRUCIÓN DE LA CATEGORÍA DE COLUGAR Estudio comparado entre los edificios de vivienda Walden 7 y el Barrio Parque Los Andes

382

Delia Pasella | Maurizio Serra| Alghero, Itália INTERVENTI RESIDENZIALI PUBBLICI NELLA CITTÀ STORICA IN ITALIA Tentativi contemporanei di riconquista sociale dell’edilizia minore della città storica in spopolamento

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394

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Andrés Cánovas | Nicolás Maruri | Atxu Amann | Madri, Espanha LA CONSTRUCCIÓN ESTRATÉGICA DEL LUGAR: El contexto desde una perspectiva de forma

422

Marlon Paiva | Maria Cristina Schicchi | São Paulo, Brasil PREÂMBULO DE UMA DEMOLIÇÃO: Do são vito em São Paulo ao Aleixo no Porto

Pablo Benetti | Maria Lucia Pecly | Solange Carvalho | Rio de Janeiro, Brasil PROTÓTIPOS MINHA CASA+SUSTENTÁVEL Proposição, avaliação, sistematização e disseminação de soluções de projeto que contribuam para elevar o desempenho de empreendimentos de Habitação de Interesse Social (HIS) do Programa Minha Casa, Minha Vida.

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Bruna Rodrigues de Oliveira e Fabrício de Francisco Linardi | Sorocaba, Brasil HABITAÇÃO SOCIAL E VAZIOS URBANOS EM ÁREAS CENTRAIS Contribuição para a resolução de problemas urbanos integrados na cidade de Sorocaba.

Simone B. Villa | Gabriela O. Bertuluci | Juliano C. C. Oliveira Batista. | Urberlândia, Brasil ESTRATÉGIAS DE ADENSAMENTO HORIZONTAL E VERTICAL E SUSTENTABILIDADE PARA HABITAÇÃO SOCIAL: A experiência do projeto Mora

434

Geovani Rafael Batista | Rosângela Favero |Santa Catarina, Brasil. ANÁLISE SOBRE A REALIDADE E PROPOSTAS DE MELHORIAS PARA AS CONDIÇÕES HABITACIONAIS DE XANXERÊ, SANTA CATARINA, BRASIL

442

Alexandre Fabiano Benvenutti | São Paulo, Brasil REVITALIZAÇÃO DO CENTRO: Preservação do patrimônio histórico, infraestrutura e espaço público

448

Tainá Silva Melo | Maceió, Brasil OS EMPREENDIMENTOS RESIDENCIAIS FECHADOS DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA: Fronteiras à (e/ou espaços de) sociabilidade da cidade contemporânea?

454

Daniela Andrade Monteiro Veiga | Bahia, Brasil TODOS JUNTOS E MISTURADOS, INDISSOCIÁVEIS, NA PRODUÇÃO DAS CIDADES: A capacidade da provisão habitacional pública e privada no Brasil

Jones Vieira Pinto | Nirce Saffer Medvedovski | Yuri da Silva Bastos | Pelotas, Brasil CONTRIBUIÇÕES PARA ANÁLISE DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA PARA UMA CIDADE DE PORTE MÉDIO: Pelotas-RS – estudos sobre os agentes promotores e inserção urbana Camila Caetano Feliciano | Celina Fernandes Almeida Manso | Goiânia, Brasil UMA NOVA PROPOSTA HABITACIONAL A PARTIR DO RESGATE DO SENTIDO DO LUGAR: O caso das habitações de interesse social na comunidade quilombola urbana Jardim das Cascatas em Aparecida de Goiânia, Goiás, Brasil. Danielle Costa Guimarães | Angela Gordilho-Souza | Bahia, Brasil HABITAÇÃO, URBANIZAÇÃO E DESURBANIZAÇÃO: Como serão as cidades brasileiras pós MCMV?

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Gilda C. Bruna | Ivan A. Pereira | Nathalia da Mata M. Pinto | São Paulo, Brasil HABITAÇÃO COLETIVA SUSTENTÁVEL MOLDANDO A CIDADE Sustentabilidade na Habitação em São Caetano do Sul Daiane Regina Valentini | Janete Facco | Queila Rissi Conde | Chapecó, Brasil HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL E MOBILIDADE URBANA EM CHAPECÓ-SC Infraestrutura urbana e acessibilidade a equipamentos públicos de lazer, saúde e educação

472

Ana Cristina S. Morais | Luiza P. F. Guerino | São Paulo, Brasil CONJUNTOS RESIDENCIAIS NOVE DE JULHO E SANTA CRUZ: O IAPB na urbanização e industrialização de São Paulo

480

Fabrício Arriaga | Niteroi, Brasil PRODUÇÃO HABITACIONAL EM NITERÓI/RJ Habitação sobre um molde de cidade possível

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Filomena Nascimento | Lisboa, Portugall PARA A COMPREENSÃO DO AMBIENTE CONSTRUÍDO Mumbai, uma casa chamada cidade

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HABITAÇÃO COLETIVA SUSTENTAVEL PARA IDOSOS Célia Regina M. Meirelles | Gilda C. Bruna | Renata Lima de Mello |São Paulo, Brasil

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QUALIDADE AMBIENTAL EM HIS: Uma avaliação do programa Minha Casa Minha Vida Simone B. Villa|Rita De Cássia P. Saramago|Lucianne C. Garcia|Uberlândia, Brasil

522

AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA NO CONJUNTO HABITACIONAL CIDADE VERDE Débora Cristina Araujo | Simone Barbosa Villa | Uberlândia, Brasil

528

UMA ARTICULAÇÃO ÉTICO-POLÍTICA PARA A SUSTENTABILIDADE: O grito de uma minoria na obra de Lina Bo Bardi e Glauber Rocha Iazana Guizzo, Leonardo Francisco Amaral e Hilton Berredo | Rio de Janeiro, Brasil

532

AVALIAÇÃO PÓS-OCUPAÇÃO DA QUALIDADE ESPACIAL E AMBIENTAL DE HABITAÇÕES COLETIVAS VERTICALIZADAS DESTINADAS A CLASSES MÉDIAS Simone B. Villa|Rita De Cássia P. Saramago|Caio A. A. Silva|Uberlândia, Brasil

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RECICLAGEM DE EDIFÍCIOS PARA HABITAÇÃO SOCIAL: Aproximação entre experiências europeias e brasileiras Renata Ocanha Góes | Maria Cristina da Silva Schicchi | Campinas, Brasil

Pablo Medinaceli | Victoria Fernández Bruniar | CABA, Argentina MUTACIONES URBANAS

Plan estratégico para el desarrollo de viviendas en ciudades emergentes. Proyecto de localización y diseño de viviendas masivas.Transformación urbana de la ciudad de Añelo, Provincia de Neuquén, Argentina y sus zonas de influencia en la Patagonia.

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3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD Introdução por | Intodución por Leandro Medrano | Cássia Bartsch Nagle

Olivia de Oliveira | Ana Fernandes | Salvador, Brasil REGENERAÇÃO DE VAZIOS CONSTRUIDOS EM AREAS URBANAS CENTRAIS DE SALVADOR Alternativas e oportunidades para a produção de habitação-cidade.

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Rúbia Carminatti Peterson | Jorge Luiz Vieira | Fernando Barth | Lisiane Ilha Librelotto | Criciúma, Brasil AVALIAÇÃO DE PARÂMETROS PROJETUAIS E CONSTRUTIVOS EM HABITAÇÕES DE INTERESSE SOCIAL EM CRICIÚMA/SC

590

Mariana Porto Viana | Ana Raquel Avelino Diniz Gonzaga | Vaneli Santos Neves | Cinthia Mayara Silva | Campina Grande, Brasil A UTILIZAÇÃO E REUSO DE ÁGUA NAS ÁREAS COMUNS DE CONDOMÍNIOS RESIDÊNCIAS HORIZONTAIS NA CIDADE DE CAMPINA GRANDE, PARAÍBA

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Lorenna Aleixo Lobo | Darja Kos Braga | Manaus, Brasil ESTUDO DE VIABILIDADE DE APLICAÇÃO DO SELO CASA AZUL EM HABITAÇÕES DE INTERESSE SOCIAL DO PROGRAMA PROSAMIM EM MANAUS

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Ricardo Socas Wiese | Eduarda Beatriz Valandro da Silva | Erechim, Brasil HABITAÇÃO COLETIVA UNIVERSITÁRIA E SUSTENTABILIDADE: Reflexões acerca dos espaços da moradia estudantil, baseadas em critérios qualitativos de sustentabilidade.

Liena Nieves Pelegrín Breffe | Dayra Gelabert Abreu | Havana, Cuba ESPACIOS DE USO COMÚN EN EDIFICIOS DE APARTAMENTOS EN ZONAS COMPACTAS DE LA HABANA. UNA PROPUESTA SUSTENTABLE PARA LA CIUDAD

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Poliana Figueira Cardoso | Javier Mazariegos Pablos | São Carlos, Brasil CERTIFICAÇÃO AMBIENTAL DE HABITAÇÕES NO BRASIL E AS FASES DE CICLO DE VIDA

570

Rosa Maria Locatelli Kalil | Adriana Gelpi | Passo Fundo, Brasil HABITAÇÃO SOCIAL E NOVAS TECNOLOGIAS: Desafios de inovação e sustentabilidade

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Carla Campos | Lucas Nunes Oliveira | Marielle Rodrigues Pereira | Palmas, Brasil MAPEAMENTO DA ARQUITETURA DE TERRA NA ROTA DAS CACHOEIRAS: Taquaruçu e um olhar atento à sua arquitetura popular

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Jadiane Beilfuss | Rosa Karina Carvalho Cavalcante | São Cristóvão, Brasil CASA HIDELMAR SANTOS ARAÚJO: Iniciativa de sustentabilidade e problemas de conservação

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4. HABITAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL | VIVIENDA E INCLUSIÓN SOCIAL 607

612

Introdução por | Intodución por Zaida Muxí |Daniela Arias | Roser Casanovas

Maria Carolina Maziviero | Alane Santos Silva | São Paulo, Brasil O CASO DO COMPLEXO PARAISÓPOLIS EM TRÊS GESTÕES: Diferenças conceituais dos diversos programas de urbanização

618

Ligya Hrycylo Bianchini | Maria Cristina Da Silva Schicchi | São Paulo, Brasil AS POLÍTICAS DE INCLUSÃO SOCIAL NO CENTRO DE SÃO PAULO: Um desafio a ser enfrentado

624

Débora de Camargo Cavalheiro | Alex Abiko | São Paulo, Brasil ANÁLISE DO TRABALHO SOCIAL EM SEUS EIXOS DE TRABALHO E RENDA NO PROJETO DE REASSENTAMENTO URBANO DA SERRA DO MAR/ESTADO DE SÃO PAULO

630

Maria Augusta Justi Pisani | Ricardo Carvalho Lima Ramos | São Paulo, Brasil HABITAÇÃO SOCIAL EM EDIFÍCIOS PÚBLICOS DESOCUPADOS: Uma possibilidade sustentável para o centro velho de São Paulo

636

Mónica Mejía-Escalante | São Paulo, Brasil | Medellín, Colômbia LOS DESPLAZADOS NO PUEDEN DISFRUTAR DE UNA VIVIENDA ADECUADA Situaciones desde sentencias de tutela

642

Daniella Burle de Loiola | São Paulo, Brasil CONJUNTO HABITACIONAL OU CASA EVOLUTIVA? A vivienda elemental no Chile e sua capacidade de promover a integração social

648

Alessandra Brito, Luciana Martins e Geisa Bugs | Novo Hamburgo, Brasil (DES) BORDES URBANOS: Estudo dos vazios x habitação social em Novo Hamburgo/RS

654

Nelson Mota | Delft, Holanda HOUSING WITH THE PEOPLE The Emancipatory Potential of Social Architecture

660

Carlos Lima | Marcela Abla | Marcelo Andreoli | Rio de Janeiro, Brasil DESAFIOS E DISSONÂNCIAS DA HABITAÇÃO SOCIAL NO RIO DE JANEIRO: O caso do Complexo do Alemão.

666

Maria Paula Albernaz | Juliana Canedo | Fernando Minto | Rio de Janeiro, Brasil TRANSFERÊNCIA DIALÓGICA DE SABERES PARA MELHORIA HABITACIONAL Urbanização da Comunidade Indiana na cidade do Rio de Janeiro

672

Rodrigo C. Palma | Pablo C. Benetti | Renata Gracie | Janaina M. Santos | Rio de Janeiro, Brasil HABITAÇÃO SOCIAL E MOBILIDADE URBANA: O Programa Minha Casa Minha Vida na cidade do Rio De Janeiro

678

Mariana R. Castro | Doris Catharine C. Knatz Kowaltowski | Daniel de Carvalho Moreira | Vanessa Gomes da Silva | Campinas, Brasil AS PESQUISAS SOBRE O PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA

688

Solange Carvalho | Tatiana Terry | Daniela Javosky | Rio de Janeiro Brasil MORAR CARIOCA VERDE – URBANIZAÇÃO DAS FAVELAS DA BABILÔNIA E CHAPÉU MANGUEIRA Reflexões sobre o discurso e resultados do projeto-piloto em sustentabilidade para as favelas cariocas

694

Francesca Sarno | Alex Kenya Abiko | Maria Argenti | Roma, Itália | São Paulo, Brasil PROCESSI NEBULOSI PER PROBLEMATICHE REALI. L’INCLUSIONE SOCIO-SPAZIALE NEL PROGETTO PARAISÓPOLIS. Avaliação Pós-Ocupação e Logica Fuzzy come metodologia di analisi nei Programmi di urbanizzazione di favelas.

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702

Felipe de Freitas Moreira | São Paulo, Brasil HELIÓPOLIS E AS ESTRATÉGIAS DE ENFRENTAMENTO DA CIDADE REAL

710

Emilia Rosmini | Maura Percoco | Maria Argenti | Roma, Itália IMPARANDO DALLE OCCUPAZIONI INFORMALI Progetti pilota di autocostruzione e autorecupero a fini residenziali a Roma

718

Emma López-Bahut | Coruña, Espanha ALTERNATIVAS EN LA VIVIENDA COLECTIVA DESDE LA AUTOGESTIÓN DE LA CIUDADANÍA. DIFERENTES CASOS DE ESTUDIO EN ESPAÑA.

724

Natasha Cabrera, Damiana Pacheco, Anabel Sarmiento | Cuenca, Equador POSIBILIDADES DEL CONVENTILLO COMO VIVIENDA COLECTIVA EN CENTROS HISTÓRICOS DE AMÉRICA LATINA Cuenca – Ecuador como caso de estudio

730

Karla Christina Batista de França | Brasília, Brasil HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL E GOVERNANÇA URBANA: Desafios e potencialidades na Área Metropolitana de Brasília

736

Debora Sanches e Angélica Alvim | São Paulo, Brasil HABITAÇÃO SOCIAL NA ÁREA CENTRAL DE SÃO PAULO REALIZADA DE FORMA PARTICIPATIVA

740

Stephan Treuke | Bahia, Brasil A REPRODUÇÃO DA SEGREGAÇÃO RESIDENCIAL NA INTERSEÇÃO DAS POLÍTICAS URBANAS SÓCIOHABITACIONAIS: O (des)caso de Novos Alagados (Salvador, Bahia)

746

Maria Augusta Justi Pisani e Gilda Collet Bruna| São Paulo, Brasil ANÁLISE PÓS-OCUPAÇÃO DO EDIFÍCIO RIACHUELO DECORRIDOS 7 ANOS DE SUA REABILITAÇÃO.

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752

Jorge Humberto Flores Romero | Juan Carlos Lobato Valdespino. | Morelia, México VIVIENDA LAB - LA VIVIENDA COMO MANIFESTACIÓN DE IDENTIDAD CULTURAL.

760

Priscila González Pereira | Heredia, Costa Rica MUJER Y ÁMBITOS DE LIBERTAD: Espacios alternativos de reintegración social a partir del diseño participativo con mujeres encarceladas en Costa Rica.

768

Fabricia Zulin | São Paulo, Brasil CONJUNTOS VERTICALIZADOS “MINHA CASA MINHA VIDA” CONDUZIDOS POR ENTIDADES: Casos na Região Metropolitana de São Paulo

774

Lara Isa Costa Ferreira | Karina Oliveira Leitão | São Paulo, Brasil O DIAGNÓSTICO NA URBANIZAÇÃO DE ASSENTAMENTOS PRECÁRIOS: Notas a partir de experiências recentes no Brasil

778

Mariana Cicuto Barros | Catharina Cristina Teixeira, Cristina Boggi Da Silva Raffaelli, Miguel Antonio Buzzar, Nathalia Nicodemos Peixoto De Oliveira e Rafael Urnhani | São Paulo, São Carlos, Brasil PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA ENTIDADES Possibilidades De Participação No Acesso A Terra Urbanizada – Modalidade Compra Antecipada

782

Ana Gabriela Godinho Lima | Mario Biselli | São Paulo, Brasil INOVAÇÃO E TRADIÇÃO NO PROJETO DA GLEBA G - CONJUNTO RESIDENCIAL HELIÓPOLIS


788

Ana Paula Antunes Medina | Gabriela Morais Pereira | Laguna, Brasil “A VOZ DO PESCADOR:” Estudo para proposta de habitação social coletiva em uma comunidade tradicional pesqueira na cidade de Laguna/SC

794

Fabrício O. Zanoli | Barbara Lopes Barbosa | Salvador, Brasil GAMBOA DE BAIXO, A COMUNIDADE FORTIFICADA: Resistência e ocupação popular diante da prática da gestão pública em Salvador-BA

800

Regina Miliorança | Daiane Regina Valentini | Chapecó, Brasil A ARQUITETURA E O URBANISMO COMO PROMOTORES DA DIGNIDADE SOCIAL Cenários para a Habitação de Interesse Social no Município de Xaxim-SC

806

Juan Carlos Lobato Valdespino | Morelia, México ENTORNOS URBANOS UNIVERSITARIOS La vivienda para estudiantes en barrios universitarios. Caso de estudio, Campus Universitario de la UMSNH, en Morelia, Michoacán, México.

814

André Luiz Barros da Silva | Salvador, Brasil HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL PARA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA EM SALVADOR-BA Processos e resultados da atuação da Residência Profissional em Arquitetura, Urbanismo e Engenharia da UFBA.

822

Isaque Fontes Silva | Rair Santos Ribeiro | Marielle Rodrigues Pereira | Palmas, Brasil (RE) APREENDENDO O BARRO: CASAS DE TERRA EM TAQUARUÇU

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

O tema central desta seção é a discussão dos parâmetros urbanísticos mais convenientes para organizar um bairro de habitações coletivas, com vida e qualidades urbanas. As altas densidades, se por um lado favorecem a integração social e diminuem os tempos de conexão com a cidade histórica, por outro têm seu sucesso vinculado à qualidade do programa escolhido, do projeto proposto e da relação com o contexto urbano de inserção. A partir dos textos apresentados, pretende-se revisar criticamente os parâmetros urbanísticos propostos, com ênfase na relação entre a arquitetura e a cidade, entre o que é proposto e a realidade de quem a habita, tocando aspectos como: a densidade, a disponibilidade de infraestrutura, a heterogeneidade social e de usos, a diversidade tipológica, a acessibilidade, o transporte público, as áreas verdes, a oferta e qualidade dos espaços públicos, etc.

El tema central de esta sección es la discusión de los parámetros urbanísticos más convenientes para organizar un barrio de viviendas colectivas con vida y calidades urbanas. Las altas densidades, si por un lado favorecen la integración social y disminuyen los tiempos de conexión con la ciudad histórica, por otro tienen su éxito vinculado a la calidad del programa elegido, del proyecto propuesto y de la relación con el contexto urbano de inserción. A partir de los textos presentados se pretende revisar críticamente los parámetros urbanísticos propuestos, con énfasis en la relación entre la arquitectura y la ciudad y la realidad de quien la habita, tocando aspectos como: la densidad, la disponibilidad de infraestructura, la heterogeneidad social y de usos, la diversidad tipológica, la accesibilidad, el transporte público, las áreas verdes, la oferta y calidad de los espacios públicos, etc.

OS PROGRAMAS HABITACIONAIS O Programa de financiamento habitacional Minha Casa Minha Vida (PMCMV), implementado no final dos anos 2000 pelo Governo Federal Brasileiro, é um tema abordado na grande maioria dos artigos, seja a partir da análise de projetos, seja através de estudos sobre a atuação e a abrangência do programa, seja através de pesquisas que buscam compreender os impactos futuros desta produção nas dinâmicas habitacionais e sociais do País.

LOS PROGRAMAS HABITACIONALES El Programa de financiamiento habitacional Minha Casa Minha Vida (PMCMV), implementado en finales de los años 2000 por el gobierno brasileño, es un tema abordado en la gran mayoría de los artículos, sea a partir del análisis de proyectos, a través de estudios sobre la actuación y amplitud del programa o mediante investigaciones que buscan comprender los impactos futuros de esta producción en las dinámicas habitacionales y sociales del país.

Alguns trabalhos, como os de Jones Vieira Pinto, Nirce Medvedovski e Yuri da Silva Bastos, buscam

Algunos trabajos, como los de Jones Vieira Pinto, Nirce Medvedovski y Yuri da Silva Bastos, aportan

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caracterizar os agentes construtores privados que atualmente monopolizam a produção de Habitação de Interesse Social (HIS) no Brasil, vinculada ao PMCMV, e que priorizam o lucro em detrimento da qualidade dos espaços construídos, rebaixando a produção de habitação a um mero elemento de especulação financeira, dificultando a formação de cidades com qualidade.

una mirada a los agentes constructores privados que actualmente monopolizan la producción de Vivienda Social en Brasil, vinculada al PMCMV, y que priorizan el lucro en detrimento de la calidad de los espacios construidos, rebajando la producción de vivienda a un simple elemento de especulación financiera, dificultando la formación de ciudades con calidad.

Os autores Jorge Luiz Vieira, Rúbia Peterson e Silvio de Abreu analisam a produção de HIS realizada a partir de programas de financiamento no Uruguai e no Brasil entre os anos de 1985 e 2010 e verificam que, enquanto no Uruguai existe maior diversidade de programas proporcionando flexibilidade nas realizações, no Brasil a prevalência de um modelo centralizador limita a flexibilidade de soluções tipológicas, resultando na produção de tecidos homogêneos e segregados.

Los autores Jorge Luiz Vieira, Rúbia Peterson y Silvio de Abreu analizan la producción de vivienda social realizada a partir de los programas de financiamiento en Uruguay y en Brasil entre los años 1985 y 2010 y verifican que, mientras que en Uruguay existe mayor diversidad de programas que proporcionan flexibilidad en las realizaciones, en Brasil la prevalencia de un modelo centralizador limita la variación de soluciones tipológicas, resultando en la producción de tejidos homogéneos y segregados.

Daniela Guimarães e Ângela Maria Gordilho observam que o atual programa habitacional brasileiro está construindo “não-cidades” e desenvolvem um trabalho no qual questionam “Como serão as cidades brasileiras pós MCMV?”

Daniela Guimarães y Ângela Maria Gordilho observan que el actual programa habitacional brasileño está construyendo “no-ciudades” y desarrollan un trabajo en el cual cuestionan “Cómo serán las ciudades brasileñas pos MCMV?”

Por outro lado, os autores Pablo Benetti, Maria Lucia Pecly e Solange Carvalho relatam a experiência do desenvolvimento de protótipos para o PMCMV com ênfase numa abordagem projetual mais sustentável, objetivando buscar melhoria dos parâmetros de qualidade e habitabilidade para a produção de HIS no Brasil.

Por otro lado, los autores Pablo Benetti, Maria Lucia Pecly y Solange Carvalho relatan la experiencia del desarrollo de prototipos para el PMCMV con énfasis en una actuación proyectual más sustentable. El objetivo es buscar una mejoría de los parámetros de calidad y habitabilidad para la producción de vivienda social en Brasil.

A mesma linha de raciocínio é seguida pelos autores Simone Villa, Gabriela Bertuluci e Juliano Oliveira, que em seu artigo compartilham as pesquisas desenvolvidas pelo Projeto MORA buscando, a partir da análise de projetos, soluções inovadoras do ponto de vista da tecnologia, da flexibilidade espacial e do uso de materiais e sistemas sustentáveis.

Esta misma línea de pensamiento es seguida por los autores Simone Villa, Gabriela Bertuluci y Juliano Oliveira, que en su artículo comparten las investigaciones desarrolladas por el Proyecto MORA buscando, a partir del análisis de proyectos, soluciones innovadoras desde la perspectiva de la tecnología, la flexibilidad espacial y el uso de materiales y sistemas sustentables.

ESTUDOS DE CASOS DE EDIFÍCIOS DE HABITAÇÃO COLETIVA Alguns trabalhos são dedicados ao estudo de projetos específicos. A autora Giovanna Albuquerque, por exemplo, analisa o padrão de urbanização da cidade de São Paulo durante os anos 1940 a partir do caso do Edifício Japurá, projetado por Eduardo Kneese de Mello. Contamos ainda com o artigo escrito por Marlon Paiva e Maria Cristina Schicchi, que investiga o processo de degradação de edifícios habitacionais selecionados

ESTUDIOS DE CASOS DE EDIFICIOS DE VIVIENDA COLECTIVA Algunos trabajos están dedicados al estudio de proyectos específicos. La autora Giovanna Albuquerque, por ejemplo, analiza el estándar de urbanización de la ciudad de São Paulo durante los años 1940 a partir del caso del Edificio Japurá, proyectado por Eduardo Kneese de Melo. Contamos también con el artículo escrito por Marlon Paiva y Maria Cristina Schicchi quienes, a partir de los estudios de casos del Edificio São Vito,

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para atender aos programas de realojamento de famílias, a partir dos estudos de casos do Edifício São Vito, em São Paulo, e do Conjunto de Moradias Populares do Aleixo, no Porto. REVITALIZAÇÃO DE CENTROS URBANOS A revitalização de centro urbanos e históricos é outro tema bastante abordado pelos autores. Bruna de Oliveira e Fabrício Linardi estudam a relação entre a produção de habitação social e os vazios urbanos em áreas centrais na cidade de Sorocaba, enquanto Maria Cristina Schicchi nos apresenta o trabalho de cooperação internacional entre América Latina e Espanha na reabilitação de centros e bairros históricos residenciais. Delia Pasella e Maurizio Serra analisam as dinâmicas ocorridas em algumas cidades históricas italianas e propõem uma interessante reflexão sobre a necessidade de repensar o patrimônio construído, que padece em condição de abandono, como uma estratégia política e econômica para responder às exigências do habitar contemporâneo. EXPERIÊNCIAS E SOLUÇÕES PROJETUAIS No âmbito da pesquisa e da busca por soluções projetuais de qualidade, o grupo de pesquisadores do Laboratorio de Investigación en Teoría y Práctica Arquitectónica (LITPA) estuda as complexidades contemporâneas relacionadas com a problemática habitacional informal, ressaltando a importância de reconhecimento das configurações existentes e identificação das potencialidades da arquitetura informal. O trabalho apresentado por Patricia Reus e Jaume Blancafort relata a experiência desenvolvida em Vistabella, na Espanha, destacando a importância de atuar introduzindo melhorias nos espaços públicos a partir do reconhecimento das particularidades do local, incentivando a participação e as práticas de apropriação por parte dos moradores, o estudo do consumo do tempo para a realização das atividades cotidianas e a valorização da perspectiva de gênero. Atxu Amann, Andrés Cánivas e Nicolás Maruri relatam minunciosamente a experiência de intervir em trechos consolidados da cidade a partir do desenvolvimento de mecanismos de projeto específicos e pontuais, voltados ao tratamento das características peculiares de cada local. Com relação aos temas da inserção urbana e da transição entre os espaços públicos e privados, o

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en São Paulo, y del Conjunto de Viviendas Populares del Aleixo, en Porto, investigan el proceso de degradación de estos edificios habitacionales destinados a atender programas de realojo de familias. REHABILITACIÓN DE CENTROS URBANOS La rehabilitación de centros urbanos e históricos es otro tema bastante abordado por los autores. Bruna de Oliveira y Fabrício Linardi estudian la relación entre la producción de vivienda social y los vacíos urbanos en áreas centrales en la ciudad de Sorocaba, mientras Maria Cristina Schicchi nos presenta el trabajo de cooperación internacional entre Latinoamérica y España en la rehabilitación de centros y barrios históricos residenciales. Delia Pasella y Maurizio Serra analizan las dinámicas ocurridas en algunas ciudades históricas italianas y proponen una interesante reflexión sobre la necesidad de repensar el patrimonio construido en condición de abandono, como una estrategia política y económica para responder a las exigencias del habitar contemporáneo. EXPERIENCIAS Y SOLUCIONES PROYECTUALES En el ámbito de la investigación y la búsqueda hacia soluciones proyectuales de calidad, el grupo de investigación del Laboratorio de Investigación en Teoría y Práctica Arquitectónica (LITPA) estudia las complejidades contemporáneas relacionadas con la problemática habitacional informal, resaltando la importancia de reconocimiento de las configuraciones existentes e identificación de las potencialidades de la arquitectura informal. El trabajo presentado por Patricia Reus y Jaume Blancafort relata la experiencia desarrollada en Vistabella, en España, destacando la importancia de actuar introduciendo mejorías en los espacios públicos a partir del reconocimiento de las particularidades locales, incentivando la participación y las prácticas de apropiación por parte de los habitantes, el estudio del consumo del tiempo para la realización de las actividades cotidianas y la valoración de la perspectiva de género. Atxu Amann, Andrés Cánivas y Nicolás Maruri relatan detalladamente la experiencia de intervenir en tramos consolidados de la ciudad a partir del desarrollo de mecanismos de proyecto específicos y puntuales, volcados al tratamiento de las características peculiares de cada zona.


artigo de Jaume Asensi Carles investiga os espaços comuns nos edifícios de habitação, entendendo-os como lugares capazes de potencializar a função social imprescindível na dinâmica das cidades. Elisa Rocca, a partir da análise de dois importantes edifícios, o Waden 7, em Barcelona e o Barrio Parque Los Andes, em Buenos Aires, nos apresenta o conceito de “colugar”, atribuindo nome a esses espaços de transição, muito importantes para a construção de habitações coletivas de qualidade.

De modo geral, espera-se que as discussões aqui apresentadas alimentem novas pesquisas e contribuam para a evolução e o desenvolvimento de atuações e soluções no sentido de criar cidades mais igualitárias, capazes de proporcionar melhor qualidade de vida a seus moradores.

Con respecto a los temas de inserción urbana y de la transición entre los espacios públicos y privados, el artigo de Jaume Asensi Carles investiga los espacios comunes en los edificios de vivienda, entendiéndolos como lugares capaces de potencializar la función social imprescindible en la dinámica de las ciudades. Elisa Rocca, a partir del análisis de dos importantes edificios, el Waden 7, en Barcelona y el Barrio Parque Los Andes, en Buenos Aires, nos presenta el concepto de “colugar”, atribuyendo nombre a estos espacios de transición fundamentales para la construcción de viviendas colectivas de calidad. De modo general, se espera que las discusiones aquí presentadas alimenten nuevas investigaciones y contribuyan a la evolución y el desarrollo de actuaciones y soluciones para la creación de ciudades más igualitarias, capaces de proporcionar mejor calidad de vida a sus habitantes.

PAULO BRUNA RENATA CORADIN ALESSANDRA BEDOLINI

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Giovanna H.B. Albuquerque1 | Luiz Recaman2 | São Paulo, Brasil HABITAÇÃO SOCIAL E URBANIZAÇÃO NA INDUSTRIALIZAÇÃO DE SÃO PAULO: O Edifício Japurá de Eduardo Kneese de Mello

RESUMO Este trabalho se propõe a aprofundar os estudos relacionados ao Edifício Japurá, construído em São Paulo em 1945 como parte dos projetos habitacionais promovidos pelos Instituo de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (IAPI). Ao implementar um projeto de habitação social nas áreas centrais, o edifício foi precursor de uma perspectiva que passou a fazer parte da agenda urbana brasileira apenas no início do século XXI. O intervalo temporal desta pesquisa (1930-1964) tem especial interesse pelo fato de captar a influência do urbanismo moderno nos projetos de habitação social na cidade de São Paulo. Assim, ao estudar as relações existente entre o Edifício Japurá e a cidade, pretende-se revelar as implicações de suas concepções urbanas em relação à caótica evolução cidade de São Paulo. Nesse sentido, a pesquisa propõe: a) análise espacial das tipologias propostas; b) a relação dessas tipologias com a cidade existente; c) a transformação desses espaços do habitat no desenvolvimento da cidade; d) a recepção e incorporação à disciplina das diferentes alternativas e e) a consolidação documental desses projetos para futuras pesquisas. Esse projeto é parte de uma pesquisa mais ampla, coordenada pelos professores Luiz Recamán e Leandro Medrano (FAUUSP), dedicada ao estudo de todos os projetos habitacionais construídos em São Paulo entre 1930 e 1964. Palavras-chave Eduardo Kneese de Mello, habitação coletiva, arquitetura moderna, edifício Japurá

ABSTRACT The objective of this research is to identify the spatial patterns (understood as the relationship between architecture and city) in the project of Japurá Building, built in São Paulo during 1940 decade by IAPI. By implementing a social housing project at the heart of downtown area, Japurá was a predecessor of a perspective that only became part of urban agenda by the beginning of the 21st century. The time range of this research (1930-1964) is justified by the influence of modern urbanism in housing projects during this period in the city of São Paulo. By studying the relation between the Japurá Building and the city, the implication of its urban conception and the chaotic evolution of São Paulo will be revealed. In this sense, this research proposes: a) spatial analysis of the typologies; b) the relationship of these typologies with the existing city; c) the transformation of these spaces of habitat in the development of the city; d) the reception and incorporation of these alternatives to discipline and e) the consolidation of the documents of these projects for future research. This project is part of a wider research, coordinated by the teachers Luiz Recamán and Leandro Medrano (FAUUSP), dedicated to the study of all housing projects built in metropolitan area of São Paulo between 1930 and 1964. Keywords Eduardo Kneese de Mello, social housing, modern architecture, Japurá building

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1 Autora deste artigo, que está vinculado ao projeto FAPESP no. 2013/14951. 2 Orientador do artigo e coordenador do projeto FAPESP no. 2013/14951.


URBANISMO EM SÃO PAULO: A LEGISLAÇÃO URBANA O estudo da formação do urbanismo nas cidades brasileiras pode ser dividido em dois momentos: de 1930 a 1950 e de 1950 a 1964. O primeiro momento é marcado pela elaboração de planos que tem como objeto a área urbanizada existente, propondo a articulação entre os bairros, o centro e a expansão da malha através de sistemas de vias e de transportes de superfície; é nesse período também que são formuladas as primeiras propostas de zoneamento. O segundo momento marca o início dos planos regionais, tomando a nova realidade da época: a migração campo-cidade, o processo crescente de urbanização, o aumento da área urbana e consequente conurbação. (Leme, 1999) A partir do século XIX o modelo do urbanisto higienista passará a ser um dos elementos mais fortes da ordem urbanística das cidades brasileiras. O Código Sanitário foi um dos maiores definidores de normas urbanas e reinterpretava a questão da moradia pobre e da rentabilidade do solo urbano. O discurso pragmático dos órgãos públicos visava a produção imobiliária, defendendo interesses dos empreendedores imobiliários e investimentos altamente lucrativos, deixando de lado o as necessidades da população mais pobre. (Leme,1999) Ao longo do século XX a cidade de São Paulo assistiu a grande crescimento econômico e populacional, com a aceleração do processo de industrialização, que trouxe consigo necessidades relacionadas à modernização do ambiente construído e particularmente do quadro urbano. No entanto, essa expansão não veio atrelada a um desenvolvimento social equitativo, reproduzindo o caráter parcial e excludente da modernização do país como um todo (Somekh, 1997) Em 1931, o então prefeito Anhaia Mello reconheceu que a cidade clandestina era maior do que a oficial. A leitura das mudanças nas legislações apresentadas no livro “A cidade e a Lei” de Raquel Rolnik, permite a interpretação do código territorial que se estabeleceu em 1934, não como uma tentativa de solucionar os problemas habitacionais, mas como uma legislação que “tolerava” exceções às regras de uso e ocupação do solo e definia quais “ganhavam” o direito de receber investimentos públicos.

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O objetivo básico da política urbana dos anos 30 era proteger os bairros residenciais de alta renda, buscando cuidar da cidade burguesa e dos interesses aristocráticos. A anistia e o zoneamento seletivo compunham os dois lados da mesma moeda, as massas chegaram ao poder subordinadas ao estado populista e protecionista, e as elites se deslocaram sem perder seu lugar dentro da cidade controlada (Rolnik, 1997). São Paulo se configurou dessa forma: um espaço contido no interior da moldura da legislação urbanística e outro, muito maior, situado numa zona intermediária entre o legal e o ilegal. O Velho Centro era tido como uma zona concentradora de paisagens formais, ricas e valorizadas e as periferias como zonas de pobreza e ilegalidade. O tema das densidades que no início do século XX estava restrito à superlotação das moradias nos cortiços e nos subúrbios populares tomou nova dimensão com a verticalização. A possibilidade de manter uma alta densidade e, portanto, um grande rendimento econômico construindo edifícios em áreas nobres deu nova perspectiva para os empreendedores da época e a verticalização se tornou a marca da modernidade da cidade. Em 1929, Prestes Maia apresentava o Plano de Avenidas. O projeto apresentava uma visão de conjunto da cidade, partindo da crítica à centralidade absoluta, criando um sistema de vias perimetrais concêntricas associado a um conjunto de artérias radiais. O zoneamento associado ao Plano não foi implementado, ficando a critério dos próprios empreendedores a definição do uso do solo. O Plano de Avenidas alterou profunda e permanentemente a configuração urbana da cidade de São Paulo. Em 1954 foi apresentado o plano “Elementos Básicos para o Planejamento regional de São Paulo”, focado no controle da expansão urbana, tanto vertical quanto horizontal. Esse é o segundo momento do planejamento urbano brasileiro. O estudo partiu da ideia de que uma seria formulado um plano nacional de urbanismo, fixando distribuição das populações, usos de terra e vias de comunicação. O plano nacional em conjunto com o pragmatismo das grandes obras de Prestes Maia consolidou a dualidade em torno da qual tem gravitado a política urbanística até nossos dias. (Rolnik,1997)


HABITAÇÃO SOCIAL NO BRASIL: OS INSTITUTOS DE APOSENTADORIA E PENSÕES (IAPS) Com a Revolução de 1930 o governo assume uma postura intervencionista, passando a coordenar tanto o processo de produção como o mercado de locação habitacional. O governo passa a agir regulamentando as relações entre locadores e inquilinos, pretendendo produzir ele próprio a moradia do trabalhador. (Bonduki, 1998a). Institucionalmente, as medidas que marcaram essa intervenção foram o Decreto-Lei do Inquilinato de 1941, que congelou os aluguéis, o Decreto-Lei n.58/1938 que regulamentou a venda de lotes a prestação, a criação das carteiras prediais dos Institutos de Aposentadorias de Pensões (IAPs) a partir de 1937 e a criação da Fundação da Casa Popular (Bonduki, 1998a); O Estado Novo passa a assumir a responsabilidade pelo provimento de habitações adequadas para as classes trabalhadoras. (Bruna, 1998). O ônus de produção de habitação foi transferido do setor privado, que então se encontrava desestimulado pelo controle dos aluguéis, para o setor público e para o próprio trabalhador. O capital privado ficou livre para ser investido nos setores industriais, considerados estratégicos. Ao produzir ele próprio a moradia, o governo agiu para reduzir o custo da reprodução da força de trabalho, contribuindo para a industrialização do período. Apesar disso, o número de habitações produzidas no período que vai de 1930 a 1964 é insignificante diante da forte urbanização do país: foram produzidas 175 mil unidades para um aumento de 24 milhões de habitantes nas áreas urbanas. (Bonduki, 1998a). A consequência dessas medidas foi a ampliação do modelo de auto empreendimento da casa própria em assentamentos precários e periféricos. Apesar do tema ter sido tratado como uma questão social, não se formulou uma verdadeira política pública de habitação. Até 1964 a questão habitacional foi tratada de forma fragmentada por diferentes órgãos, para o atendimento de sua própria clientela. Os principais órgãos promotores foram os vários IAPs, cuja finalidade básica não era realizar atendimento habitacional. (Bonduki, 1998a); A criação dos IAPs a partir de 1933 representou a estatização da previdência social no Brasil. Em

1937, o Decreto n. 1.749 criou condições para a atuação dos IAPs em habitação, autorizando-os a criar carteiras prediais e a destinar até a metade de suas reservas para a inversão imobiliária. O objetivo de construir um patrimônio sólido, que representasse segurança financeira, gerou uma preocupação com a qualidade das edificações a serem construídas; assim foram contratados profissionais da área de engenharia e arquitetura (Botas, 2011). A ação imobiliária fazia parte de um projeto de investimento na industrialização e na urbanização, portanto não tinham apenas o objetivo de ampliar o acesso à habitação, elas sobretudo buscavam dar maior rentabilidade às reservas dos institutos. O EDIFÍCIO JAPURÁ DE EDUARDO KNEESE DE MELLO Apresentado ao IAPI em 1945, o edifício Japurá foi precursor de empreendimentos promovidos pelo setor privado denominados Edifícios-Galerias, que na década de 1950 incorporaram novos programas ao centro. A concepção do edifício associou o conceito de habitação mínima com economia e racionalidade, buscando o melhor aproveitamento do solo e seu uso público. Sua construção estava relacionada com o processo de renovação da área central, resultado da implantação do Plano de Avenidas, tendo substituído um dos maiores complexos de cortiços da capital paulista, o que lhe conferiu um caráter higienizador e de controle social (Bonduki, 2014). A não implantação do zoneamento proposto por Prestes Maia e a equipe de engenheiros da Secretaria de Obras deixou a critério dos empreendedores a ocupação do território fraturado pelas demolições no entorno das novas avenidas. (Bonduki, 2014) O edifício foi implantado no vale do córrego do Bexiga, no bairro da Bela Vista, uma das regiões mais acidentadas do centro. O local era um complexo labiríntico de cortiços, denominado Vila Barros, implantados a partir de 1920, cujo proprietário era o Sr. Francisco Barros. Neste complexo, pátios irregulares articulavam o conjunto de quatro diferentes cortiços (fig.1), sendo o Navio Parado o maior deles. O local era condenado pelos órgãos sanitários, sendo um símbolo da “promiscuidade” em que vivia parte significativa dos trabalhadores. Erradicar os cortiços e favelas fazia parte da agenda governamental da ditadura. Na capital paulistana, ao contrário de outras cidades, não se estruturou uma ação pública nesse sentido. O

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processo imobiliário foi responsável por resolver o “problema”, por mecanismos de mercado, levando à demolição de muitos cortiços e ao deslocamento dos moradores para lotes periféricos. Ao contratar o arquiteto Eduardo Kneese de Mello, o IAPI viabilizou um empreendimento-modelo de renovação da área central, eclipsado pelo processo de verticalização que tomou conta da metrópole paulistana. O edifício foi projetado a partir da proposta habitacional dos immeubles-villas de Le Corbusier, constituído por um edifício vertical que agregava unidades habitacionais, serviços básicos e equipamentos. O Edifício Japurá implementou um modelo de conjunto habitacional integrado à cidade por meio de equipamentos e serviços de acesso público. (fig 2.) Situado no fundo do vale, o terreno se apresenta abaixo do nível da rua em muitos pontos, condição bastante explorada pelo arquiteto. O projeto baseou-se na criação de dois blocos, sendo o principal de uso residencial, tipo laminar e implantado no fundo do vale - na mesma posição do Navio Parado - e o bloco menor, de uso misto - com lojas e pequenas unidades habitacionais-, implantado no limite da rua. Os dois blocos se ligam por passarelas sinuosas que saem da rua no nível térreo do bloco menor, e chegam ao primeiro pavimento da lâmina habitacional. A passarelas são unidas por uma praça para uso coletivo dos moradores. Kneese de Mello trabalhou nos limites do código de obras Arthur Saboya (fig. 3), procurando viabilizar a máxima verticalização possível para o bloco principal. A legislação permitia uma altura equivalente a uma vez e meia a distância entre o edifício e o alinhamento do outro lado da rua. O edifício principal foi concebido como uma grande lâmina com apartamentos duplex e comporta 288 unidades habitacionais distribuídas em catorze pavimentos. Além de propiciar a divisão entre espaços íntimos e aqueles a usos sociais, a adoção dos apartamentos duplex reduziu os gastos ao projetar apartamentos em dois níveis com corredor central somente nos andares pares. As unidades duplex possuem 60 m² e são divididos em duas tipologias diferentes: ambas contam com sala, cozinha, banheiro e dois quartos. A ventilação e iluminação dos banheiros é feita através de um poço central, repetido 9 vezes ao longo do comprimento do edifício, cada um deles compartilhado por 32 habitações.

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O projeto encabeçava o edifício com uma grande marquise no majestoso terraço-jardim na cobertura e contava com projeto paisagístico de Burle Marx. O nível inferior à rua comportava o térreo de pilotis do edifício central - uma grande área livre e coberta, além de um playground, jardins e um pequeno lago para uso dos moradores. Ao implementar um projeto de habitação social nas áreas centrais, o edifício foi precursor de uma perspectiva que passou a fazer parte da agenda urbana brasileira apenas no início do século XX. O EDIFÍCIO E A CIDADE: UMA ANÁLISE GRÁFICA Como parte da pesquisa em andamento que reúne metodologias do Grupo de Investigación en Vivilenda Colectiva Contemporánea (GIVCO) e do grupo de pesquisa Pensamento Crítico e Cidade Contemporânea (PC3), organizou-se um levantamento gráfico do entorno urbano do Edifício Japurá. Esse levantamento contempla informações do período anterior e na época de sua construção (mapas SARA 1930 e VASP de 1954 respectivamente) e atualizado (mapa CESAD). Os desenhos foram padronizados conforme o exemplo que segue: Alisando as mudanças ocorridas no entorno imediato do edifício Japurá, notamos a evolução da malha do centro em direção a um plano cada vez mais rodoviarista, com a criação de viadutos, alargamento de faixas, criação de terminais rodoviários e construções de grande porte. Essa disposição da cidade, iniciada com a implantação do Plano de Avenidas, colaborou para a falha de muitas atividades propostas pelo edifício Japurá, como o térreo livre, os equipamentos públicos e a oferta de comércios e serviços, dependentes de uma cidade que investisse na circulação de pedestres e uso de espaços de convívio. Também como resultado dessa pesquisa, desenvolve-se um “caderno” sistematizado que denominamos “Caderno de Habitação Coletiva”. Além de um caderno para o Edifício Japurá, foram desenvolvidos outros para todos os edifícios habitacionais promovidos pelos IAPs para a cidade de São Paulo. Esse projeto é parte de uma pesquisa mais abrangente que contempla os principais edifícios habitacionais produzidos no Brasil e no exterior a partir do século XX. No caderno estão contidas, sob forma de uma tabela organizada pela equipe e igual para todos


os conjuntos, informações práticas sobre o projeto: data do projeto, data da construção, arquitetos, cliente, sistema de financiamento, usuários; também suas coordenada, orientação, localização, situação urbana e dados sobre a área do terreno, área construída, altura, número de aberturas e outros dados relevantes para o entendimento do conjunto. O conteúdo gráfico consiste em redesenho digital e em escalas pré-determinadas (1:100 e 1:300) de técnicos do projeto, como plantas, cortes e elevações. Os mapas de entorno oferecem a possibilidade de análise da inserção do projeto em diferentes épocas (1930, 1954 e 2005) nas escalas 1:500 e 1:4500. DISCUSSÃO Essa pesquisa procurou identificar um padrão de urbanização na cidade de São Paulo dos anos 1940, e a articulação entre processos de urbanização e as tipologias de habitação coletiva Moderna propostas pelo Estado. Entende-se, no atual estágio da pesquisa, que a proposta de verticalização do Edifício Japurá – dada nos moldes da Unité d’Habitation Corbusiana – não resultou em um novo modelo de urbanismo ou mesmo de edifício habitacional. Essa dimensão projetual que estende as qualidades do edifício às qualidades urbanas, conforme pretendiam tanto os planos urbanos, a legislação, e a arquitetura moderna, não resultaram em modelos que a cidade pudesse absorver na sua configuração territorial. Os elementos gráficos produzidos durante a pesquisa, somados aos estudos relacionados às dinâmicas disciplinares dos períodos, sugerem que a modernidade espacial do edifício Japurá se confinou – no decorrer do desenvolvimento urbano local – à lógica fragmentária do lote, padrão que a cidade massiçamente iria adotar: o lote determinando o edifício.

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Figura 1: Planta do complexo de cortiços denominado Vila Barros. Fonte: BONDUKI, 1998. p.55

Figura 2: Planta do nível térreo mostrando o edifício em lâmina e o bloco anexo. Croquis do arquiteto ilustram os usos desejados para cada ambiente na concepção do projeto. Fonte: Revista Acrópole 119, 1948.

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Figura 3: Estudos de recuo e altura baseados no código de obras Artur Saboya, então vigente na cidade de São Paulo. Fonte: Revista Acrópole 119, 1948.

Figura 4: Andares ímpar e par de um bloco de 4 apartamentos, organizados ao redor do poço central. Fonte: Desenho próprio baseado na Revista Acrópole nº119, 1948.

Figuras 5 e 6: Desenhos do Edifício Japurá e seu entorno em 1930 e 1954, produzido a partir dos mapas SARA e VASP.

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Figura 7: Desenho do Edifício Japurá e seu entorno em 2005, obtido no CESAD FAU-USP. Figura 8: Exemplo da apostila CHC desenvolvida em parceria com o GIVCO (ETSAMUPM)

LUIZ ANTONIO RECAMÁN BARROS luizrecaman@gmail.com Luiz Recaman possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo (1983), graduação em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo (1987), mestrado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (1995) e doutorado em Filosofia pela Universidade de São Paulo (2002). Atualmente é prof. dr. da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e do seu programa de Pósgraduação em Arquitetura e Urbanismo. Suas principais pesquisas tratam da Estética da Arquitetura, Crítica de Arquietura, Arquitetura Moderna Brasileira e da relação entre Habitação Social e desenvolvimento urbano. É co-autor do livro "Brazil's Modern Architecture" (Phaidon, 2004) e "Vilanova Artigas: Habitação e cidade na modernização Brasileira" (Unicamp, 2013)

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GIOVANNA HELENA BENEDETTI DE ALBUQUERQUE giovanna.albuquerque@usp.br Formação _Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, USP, Brasil. Previsão de conclusão: Fevereiro 2017 Atividades acadêmicas _ Bolsa de Iniciação Científica FAPESP sob orientação do Prof. Dr. Leandro Medrano. Tema: “Habitação Social e urbanização na Industrialização de São Paulo: O Edifício Japurá de Eduardo Kneese de Mello”. Previsão de Conclusão: Setembro 2015 _ Artigo "COTA DE SOLIDARIEDADE: COMPARANDO POLÍTICAS ENTRE CIDADES NORTE AMERICANAS E SÃO PAULO" publicado na Revista PARC (Pesquisa em Arquitetura e Construção) vinculada ao dpeartamento de Arquitetura e Urbanismo da UNICAMP.


2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Tiago Augusto da Cunha | Maristela Siolari | Viçosa, Brasil INDÍCIOS DE IMPRECISÃO ENTRE PÚBLICO ALVO E ATINGIDO PELO PROGRAMA “MINHA CASA MINHA VIDA” EM SÃO PAULO

RESUMO Como asseverado por Santos (1999), a macro política habitacional brasileira pode ser compreendida em três grandes períodos – pré Banco Nacional de Habitação (BNH); a gestão do BNH e o período pós BNH. Por certo, cada um desses grandes intervalos temporais apresentam suas nuances. Por exemplo, mais recentemente, sobretudo, após 2002, novos instrumentos e objetivos foram adicionados à política habitacional nacional, voltados à inclusão e equidade social ao garantir acesso à habitação à população financeiramente mais carente. Nesse sentido, interessa ao presente estudo investigar a acurácia do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), elucidando se os aportes estão, de fato, atingindo a população mais privada de meios físico-financeiros para adquiri-la. Neste sentido, a partir de dados provenientes da Secretaria Nacional de Habitação (SNH) e da Caixa Econômica Federal (CEF) que esmiúçam o déficit habitacional municipal e os empreendimentos destinados a saná-lo segundo faixas de renda, verificou-se que a relação público alvo/público atingido é divergente. Opta-se por um recorte temporal e territorial, haja vista que apresenta os mais significativos valores absolutos de déficit habitacional da União, desta forma os dados utilizados, compreenderam os empreendimentos aprovados até 2013 no Estado de São Paulo. O corrente artigo é fruto do grupo registrado no Diretório CNPq “Território & Desigualdades” da Universidade Federal de Viçosa (UFV), contando com a colaboração de diversos pesquisadores de outros centros de estudos.

INTRODUÇÃO Historicamente, ao menos no caso brasileiro, a questão habitacional foi abordada a partir de espasmos periódicos – com momentos de estabilidade mais ou menos duradoura – condicionada a aspectos macro e micro econômicos. De modo que o sistema responsável pela política habitacional nacional, tal como hoje se encontra, foi um processo de construção (e desconstrução) paulatina de intenções por vezes desconexas experienciadas ao longo do último século. É preciso ter em mente o cenário de desigualdades gritantes – fossem sociais ou regionais – nacional. Nele estratos inteiros da população brasileira se veem privados de acessar moradia de modo digno. A formulação, nesse sentido, de meios de se equalizar as inequalidades de aquisição deste bem passa pelas mãos do Estado, coube a ele incentivá-la. Ao mesmo tempo, o Estado, lança mão do Mercado objetivando garantir a construção de novas unidades habitacionais. No entanto, talvez esse seja o primeiro paradoxo que reitera o ciclo vicioso incapaz de garantir moradia a todos e, por conseguinte, abrandar desigualdades sociais, hoje, perenes. Ou seja, valer-se de artifícios que promulgam, ainda que indiretamente, especulação imobiliária e concentração/ acumulação de riquezas. Reproduz-se, assim, o fenômeno que se planteava mitigar.

1 Professor Adjunto (DArqUrb-UFViçosa). e-mail: tiagoac@ufv.br 2 Professora Adjunta (DArqUrb-UFViçosa). e-mail: siolari@ufv.br 3 Santos, C. H. M. (1999). Políticas federais de habitação no Brasil: 1964-1998. Texto para Discussão, n. 645. Brasília: IPEA. 4 Bonduki, N. (2008). Política habitacional e inclusão social no Brasil: revisão histórica e novas perspectivas no governo Lula. Revista eletrônica de Arquitetura e Urbanismo, 1, 70-104. 5 Valença, M. M., & Bonates, M. F. (2010). The trajectory of social housing policy in Brazil: From the National

Palavras-chave: Habitação; Demanda; Desigualdade Social; Programa Minha Casa, Minha Vida; São Paulo.

Housing Bank to the

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Ministry of the Cities. Habitat International, 34(2), 165-173. 6 Sánches Casanova, W. M. (2013) ¿ Derecho a la vivienda, o derecho al crédito para la vivienda?. AlegatosRevista Jurídica de la Universidad Autónoma Metropolitana,. 83. 7 Rolnik, Raquel, & Klink, Jeroen. (2011). Crescimento econômico e desenvolvimento urbano: por que nossas cidades continuam tão precárias?. Novos Estudos CEBRAP, (89), 89-109. Recuperado em 29 de setembro de 2015, de http://www.scielo.br/ scielo.php?script=sci arttext&pid=S0101330020110001 00006&lng=pt&tlng=pt 10.1590/S0101-33002 011000100006 8

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Ermínia, M. (2003). Metrópole, legislação e desigualdade. Estudos avançados, 17(48), 151-166. 9 Pugh, C. (1991). Housing policies and the role of the World Bank. Habitat International, 15(1), 275-298.

Nesse sentido, as políticas habitacionais jamais foram, de fato, universalizantes, ao menos no caso brasileiro. Por sujeitarem-se à capacidade de crédito, financiamento, endividamento e, logo, renda, deixando em segundo plano as desigualdades socioeconômicas. Parece ser este o grande obstáculo de acesso à moradia e que se encontra no bojo das políticas habitacionais. Camadas inteiras da população brasileira conviveram gerações à margem do mercado. Como garantir-lhes habitação se sua capacidade de endividamento é mínima?

pela intensificação do processo de industrialização e concomitante processo de urbanização. Ou seja, o período pré-BNH destaca-se pelo crescimento da população brasileira como um todo e, sobretudo, pela emergência dos processos de redistribuição e concentração populacional condicionada pelos também processos de acumulação espacial do capital.

Parece ser este o desenho responsável pelo descompasso entre público atendido e público demandante.

Enquanto o período gênese da política habitacional nacional se caracterizava por soluções atomizadas e desarticuladas, o período subsequente é notabilizado pela centralização, reflexo do regime político de então5.

ANACRONISMOS ESTRUTURAIS NA POLÍTICA HABITACIONAL NACIONAL Autores como Santos (19993) e Bonduki (20084) concordam que a política habitacional brasileira pode ser sintetizada em três grandes períodos: até 1964 (período pré Banco Nacional de Habitação – BNH), aquele entre 1964 e 1986 (compreendido entre os anos de criação e extinção do BNH) e, por fim, pós 1986 (pós BNH). Decerto, cada um deles apresentava particularidades quanto às metas de cobertura, abrangência e universalização de moradias segundo públicos específicos. Parece essencial, pois, abordar as características, os desenhos formatações institucionais nos três períodos elencados pelos autores, a fim de se compreender o percurso histórico e seus reflexos na déficit habitacional, assim como da dificuldade de enfrentá-lo diretamente. Partindo, portanto, de uma perspectiva histórica, é a partir dos anos 1930 que esta questão começa a se fazer presente, enquanto política problematizada pelo Estado nacional. Entretanto, este é o mesmo momento político em que, apesar do interesse das autoridades sobre o tema, esta questão se desenvolve no mesmo contexto que as demais políticas sociais – de clientelismo, paternalismo, autoritarismo e exclusão. Este ínterim até 1964 se notabiliza por soluções habitacionais pontuais, cuja preocupação jamais residiu na universalização da habitação, propostas pelos Institutos de Aposentadoria e Previdência (IAP) e pela Fundação da Casa Popular. É preciso não perder de vista que a problemática habitacional que se apresenta está atrelada às questões econômicas, sociais e urbanas, geradas

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Dessa forma, ao passo em que se estabelece uma questão habitacional eminentemente urbana, é inequívoca a inabilidade em enfrentá-la.

Não menos importante foi o fato de a produção habitacional em escala passar a ser conduzida como medida de desenvolvimento econômico (e não como solução de problemas sociais e urbanos, como era de se esperar diante do acúmulo déficit). Ela, política, passa a atacar em três frentes distintas: a) garantindo emprego e renda para uma população pouco qualificada, b) dinamizando setores da indústria da construção civil e c), embora indiretamente, aquecendo o setor financeiro ao alavancar o crédito6. “O sistema [pré 64] de concessão de empréstimos a valores nominais fixos distorcia o mercado em três aspectos: primeiro, premiava os mutuários, os quais pagavam suas amortizações em cruzeiros desvalorizados; segundo, afastava a poupança voluntária desse mercado, tendo em vista as taxas reais de juros fortemente negativas; terceiro, minguava a capacidade de aplicação das poucas instituições existentes.” (KAMPEL; VALLE, 1974, p.13 apud SANTOS, 1999, p.10)

Todavia, a resposta à incapacidade de captação, gerenciamento e rentabilidade dos recursos só reiterou a marginalidade, a exclusão e a segregação7. Apartou estratos da população brasileira que estavam, da mesma forma, à margem do mercado formal de trabalho8. A rentabilidade (amparada por juros ajustáveis) e a segurança de retorno do investimento tornaram-se as pilastras do sistema. A situação habitacional se deteriora ainda mais a partir das mudanças estruturais que preconizavam o Estado Mínimo9. “[...] recessão, inflação, desemprego e queda dos níveis salariais. Este processo teve enorme repercussão no Sistema


Financeiro da Habitação (SFH), com a redução da sua capacidade de investimento, devido à retração dos saldos do FGTS e da poupança e forte aumento na inadimplência, gerado por um cada vez maior descompasso entre o aumento das prestações e a capacidade de pagamento dos mutuários.” (BONDUKI, 2008, p. 75)

A partir daí uma política habitacional de fato integrada e de abrangência nacional inexiste por, pelo menos, uma década e meia. De acordo com Santos (1999), a questão habitacional é verdadeiramente retomada somente em 1998. Ainda que houvesse instrumentos voltados às camadas mais populares, eles eram inócuos frente ao déficit e a demanda acumulados desde o início do século XX. Novamente, os recursos destinavam-se a financiar prioritariamente empreendimentos cuja rentabilidade e retorno eram confiáveis, garantidos, seguros. Em suma, houve avanços, mas não houve, efetivamente, qualquer mudança de paradigma. Por fim, outro trunfo foi a aprovação, em 2005, do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS)10. Talvez o principal instrumento voltado à população mais carente e que, reconhecidamente, não é atingida pelas linhas de crédito usuais. Porém, a limitação estrutural do fundo é que ele é composto basicamente por recursos não onerosos provenientes do Orçamento Geral da União (OGU). Os repasses são instáveis dependendo das circunstâncias. Enfim, definitivamente não é uma mudança substancial a ponto de sanar os valores absolutos do déficit habitacional básico. Hipotetiza-se, assim, que a formatação da política e do sistema para operacionalizá-la é excludente em si. Seus critérios de seletividade de público baseiam-se na sua capacidade de endividamento e de pagamento do financiamento, a fim de que o próprio sistema não colapse. No entanto, parece ser esta fórmula ineficaz para aqueles não se encaixam dentro do processo emprego formal, renda substancial, capacidade de poupança, aquisição de crédito, endividamento, pagamento, etc.. METODOLOGIA Haja vista que o principal intuito do presente artigo é esclarecer o possível desequilíbrio entre os mais carentes por habitação e público, de fato, atingido pelo programa, a presente investigação se vale de duas principais fontes de dados. A primeira, proveniente da Fundação João Pinheiro (FJP-MG), retrata o déficit habitacional em 2000 e 2010.

A base permite desagregações por faixas de renda (para algumas variáveis), por situação de domicílio (também para algumas variáveis) e territoriais (municípios com 20.000 habitantes ou mais, mas sobretudo, até o recorte mínimo das microrregiões estaduais). A segunda, por sua vez, refere-se aos empreendimentos construídos ou, no mínimo, contratados para o Estado de São Paulo até 2013. Tais dados foram obtidos junto à Secretaria Nacional de Habitação (SNH) do Ministério das Cidades (MC). A base foi, em realidade, alimentada pela Caixa Econômica Federal (CEF), principal operadora financeira do sistema. Como será visto mais à frente, elege-se o Estado de São Paulo como recorte territorial, por aí se concentrar os maiores valores absolutos do déficit habitacional. Temporalmente, foram utilizados os dados de 2000 e 2010, por já estarem disponíveis e por serem mais representativos do PMCMV. Por fim, opta-se por trabalhar-se unicamente com o déficit habitacional básico. Ou seja, o somatório dos domicílios rústicos, improvisados e da coabitação familiar. Exclui-se, assim, componentes do tipo “ônus excessivo com aluguel” e “déficit por depreciação”, uma vez que “[...] na inadequação, um domicílio pode figurar diversas vezes; nesse caso, o domicílio não deve ser reposto, mas sim adequado, e segundo cada critério no qual se encaixa.” (Fundação João Pinheiro, 2010). RESULTADOS E DISCUSSÃO Cenário das últimas décadas Embora, mais recentemente tenha ocorrido um reavivamento da política habitacional tanto em termos conceituais, assim como econômicos – fruto de um cenário macroeconômico favorável – a questão do déficit básico perdura. Os dados da Tabela 1 esclarecem a magnitude do problema e seu agravamento ao longo da década 2000-2010. Percebe-se que embora o déficit básico relativo de moradias brasileiras tenha diminuído ao longo da década (passando de 13,2% para 12,1% dos domicílios permanentes), o mesmo não ocorre com os valores absolutos. Nesse caso, nota-se um aumento de algo como 1 milhão ao total. Um valor desmedido para um déficit já gigantesco.

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10 Azevedo, S., & ANDRADE, L. A. G. (2007). Desafios da habitação popular no Brasil: políticas recentes e tendências. Habitação social nas metrópoles brasileiras. Uma avaliação das políticas habitacionais em Belém, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro e São Paulo no final do século XX. Coleção HABITARE/ FINEP. Porto Alegre: ANTAC..


Os dados permitem depreender, ademais, alterações na localização do déficit (graf. 1).

Esse conjunto representa quase 70% do total do déficit habitacional básico nacional.

Constata-se um abrandamento do déficit na Região Nordeste, enquanto seu acirramento e, provável concentração, na Região Sudeste ao longo do período (graf. 2 e 3).

Novamente, nota-se a partir dos dados, uma concentração do déficit segundo renda, novamente, nas Regiões Sudeste e Nordeste (graf. 5).

Nesse sentido, os gráficos permitem constatar a agudeza do fenômeno – fosse em escala nacional, regional e estadual – através do incremento dos valores absolutos do déficit. Os dados, inclusive, justificam a escolha do Estado de São Paulo como estudo de caso. Eles são inequívocos ao demonstrar que o déficit aí se acentua, correspondendo a valores absolutos colossais. Ademais, proporcionam uma derradeira leitura e ilustram dívidas e passivos urbanos gerados num momento de inflexão da sociedade brasileira. A opção pelo latifúndio, pela monocultura extensiva, pela não reforma agrária, pelo êxodo rural em direção às cidades, pela concentração em centros urbanos, etc.. Oriundos de um processo de desenvolvimento econômico e industrial extensivo, horizontal, excludente, desigual. Pautado na exploração da mão-de-obra e, consequente, marginalidade de estratos populacionais, que sem alternativas se vêm obrigados a morar mal (ocupações, favelas, mananciais, loteamentos clandestinos, irregulares, cortiços, coabitações forçadas, aluguéis extorsivos, etc.) ou, em última instância, a não residir de forma alguma. A população incialmente expulsa do campo - inclusive pela não reforma agrária - encontrou outra barreira no seu destino: outra variedade de não reforma fundiária, agora, urbana. Em outras palavras, pela também concentração e controle de terras, imóveis e recursos nas mãos de poucos. Os descendentes dos desterrados do campo de outrora, e outros mais, podem não compreender inteiramente o desdobramento de seus passados, mas são eles os integrantes da massa que compõe o déficit habitacional atualmente. Entretanto, tratar dos valores totais de déficit de moradias não dá a real dimensão daqueles que mais a carecem (graf. 4). Torna-se evidente, portanto, que há um perfil muito bem delineado de estrato populacional que mais necessita de habitação: indivíduos e famílias cujo rendimento atinge no máximo 3 salários mínimos.

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Dado os valores absolutos do déficit básico de moradias paulista, o Estado de São Paulo sozinho representa 18,5% dos casos de déficit brasileiro até 3 salários mínimos. Por fim, esmiuçando o caso paulista, constata-se ali que quase 60% (59,5%) de sua população de até 3 salários mínimos compõe o déficit básico de moradias estaduais (graf. 6). Uma fração digna de nota, embora ligeiramente menor comparativamente à participação da mesma camada nos demais Estados investigados (ES, MG e RJ). Em suma, o caso paulista é interessante de ser problematizado. Em síntese, tendo-se em vista que trata-se do Estado mais rico da Federação, seu déficit, o perfil da população componente dele, não é exagero dizer que é um Estado extremamente desigual no que se refere à habitação. Indícios de desarmonia Segundo dados da Secretaria Nacional de Habitação (SNH) do Ministério das Cidades (MC) e da Caixa Econômica Federal (CEF), 606.093 unidades habitacionais foram contratadas pelos programas Minha Casa, Minha Vida I e II para o Estado de São Paulo até o ano de 2013. Desse total, 603.733 destinavam-se a abrandar o déficit urbano e, somente, 2.360 o rural. A inversão de recursos, nesse caso, é totalmente assimétrica-desmedida. Os empreendimentos contratados para zonas rurais não passam de 0,4% do total. Da mesma forma, essas 2.360 unidades não passam de 7,6% do total do déficit habitacional rural básico, em São Paulo, em 2010. Regressando à discussão sobre o déficit total e focalizando o déficit urbano. As 606.093 unidades contratadas equivalem a 40,5% do déficit habitacional básico paulista em 2010. A porcentagem é ligeiramente maior quando se seleciona somente o déficit urbano. Nesse caso, as unidades contratadas correspondem a 41,2% do total do déficit habitacional básico urbano paulista em 2010.


No entanto, os valores absolutos de unidades construídas - ou em vias de - não dão a real grandeza da seletividade criada pelo impedimento financeiro em adquirir casa própria. Em outras palavras, não ilustram o real público alvo dos empreendimentos. E, assim, a ineficácia em se atingi-lo. Como demonstrado na seção anterior, aproximadamente 60% do déficit habitacional básico paulista é composto por indivíduos e famílias com até 3 salários mínimos. Entretanto, só 30,5% dos empreendimentos contratados eram voltados para essa mesma faixa de renda (graf. 7).

Ela ao priorizar a “financerização” da moradia, intencionalmente ou não, é responsável por selecionar o perfil da população componente do déficit segundo o mesmo critério. Parte do problema foi sanado com a criação do SNHIS (Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social) e FNHIS (Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social). Contudo, é inegável que, dado o passivo constantemente gerado e acumulado ao longo de décadas de políticas e objetivos habitacionais infelizes e ineficazes, muito ainda está por ser feito.

Curiosamente, os dados demonstram justamente o oposto da necessidade mais urgente. As 184.185 unidades habitacionais contratadas para a faixa 1 - 30,5% de moradias contratadas correspondem a algo como 20% (20,7%) do déficit habitacional básico paulista em 2010 para a mesma faixa de renda. Diferentemente do que ocorre com a faixa 2. Ela representa 16% do déficit habitacional básico paulista, entretanto, 45,5% das unidades contratadas lhe eram destinadas (15% a mais do que a faixa 1). Essa quantia dá conta de resolver 87% dos casos de déficit desta esta faixa. Em suma, falta acurácia ao PMCMV. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os dados indiciam que a política habitacional brasileira norteada por mecanismos mercadológicos (financiamentos onerosos, juros, capitalização, valorização, etc.) está sendo inócua, quando não agravando o problema do déficit habitacional básico. O caso paulista é o retrato desta miopia. Boa parte do déficit habitacional básico se concentra nos estratos populacionais de menor rendimento (0-3 salários mínimos). As causas não são fortuitas, aliado à desigualdade regional e social enorme, a priorização pelo retorno financeiro, objetivando a capitalização a juros altíssimos, torna a formatação do Sistema Nacional de Habitação um limitador a priori.

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Tabela 1 - Déficit Habitacional Básico (Valores Absolutos e Relativos em relação ao total de domicílios permanentes) segundo situação de domicílio, Estados da Região Sudeste, Regiões Brasileiras, Brasil, 2000-2010 Total Urbano 2000 2010 2000-2010 2000 2010 2000-2010 Recortes DefAbs DefRel DefAbs DefRel VarAbs VarRel DefAbs DefRel DefAbs DefRel VarAbs VarRel Territoriais Estado de SP 773.490 7,5 1.495.542 11,6 722.052 4,1 718.283 7,4 1.464.295 11,9 746.012 4,5 Estado de ES 78.758 9,4 106.447 9,6 27.689 0,3 60.925 8,9 97.696 10,5 36.771 1,6 Estado de MG 443.352 9,3 557.371 9,2 114.019 -0,1 350.898 8,8 507.756 9,8 156.858 1,0 Estado de RJ 365.000 8,6 515.067 9,8 150.067 1,2 350.983 8,6 506.756 10,0 155.773 1,4 Centro-Oeste 385.168 12,2 560.555 12,9 175.387 0,7 307.216 11,2 506.006 13,1 198.790 1,9 Nordeste 2.515.163 22,1 2.111.517 14,1 -403.646 -8,0 1.475.523 18,1 1.532.184 13,7 56.661 -4,4 Norte 812.605 28,9 823.442 20,6 10.837 -8,3 473.335 23,2 585.725 19,4 112.390 -3,8 Sudeste 1.660.600 8,2 2.674.428 10,6 1.013.828 2,4 1.481.089 8,0 2.576.502 10,9 1.095.413 2,9 Sul 516.603 7,2 770.749 8,7 254.146 1,5 402.925 6,8 685.111 9,0 282.186 2,2 Brasil 5.890.139 13,2 6.940.691 12,1 1.050.552 -1,1 4.140.088 11,1 5.885.528 11,9 1.745.440 0,9 Onde: DefAbs = Déficit Básico Absoluto; DefRel = Déficit Básico Relativo (em relação ao total de domicílios permanentes). Dado em porcentagem; DefRel = Déficit Básico Relativo (em relação ao total de domicílios permanentes). Dado em porcentagem; DefRel = Déficit Básico Relativo (em relação ao total de domicílios permanentes). Dado em porcentagem; VarAbs = Variação Absoluta do Déficit Básico ao longo do período; VarRel = Variação Relativa do Déficit Básico (em relação ao total de domicílios permanentes) ao longo do período. Dado em porcentagem; Fonte: Déficit Habitacional no Brasil 2000. Déficit Habitacional no Brasil 2010. Fundação João Pinheiro. Tabulação e elaboração própria.

TIAGO AUGUSTO DA CUNHA ta_cunha@yahoo.com.br

MARISTELA SIOLARI DA SILVA siolari@ufv.br

Graduado Arquiteto e Urbanista pela Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP, atual IAU-USP, 2005). Especialista em Geoprocessamento pelo Programa de Pós-graduação em Engenharia Urbana da Universidade Federal de São Carlos (PPGEU, UFSCar, 2007). Mestre em Demografia pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH, UNICAMP, 2010). Doutor, também, pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH, UNICAMP, 2014). Atualmente, Professor Adjunto do Departamento de Arquitetura e Urbanismo (DAU) da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Atuando, sobretudo, nos seguintes temas: tendências de ocupação do território, planejamento urbano e regional, habitação, infraestrutura urbana, geoprocessamento, migração, redes sociais e cadeias migratórias, mobilidade residencial e fluxos populacionais.

Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Estadual de Londrina (1998), mestrado em Tecnologia do Ambiente Construído e doutorado em Teoria e História da Arquitetura e Urbanismo - ambos pelo Programa de Pós-Graduação do Depto de Arquitetura e Urbanismo dla Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo. Professora do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa na área de Projeto. Coordenadora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Viçosa.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Maria Paula Albernaz | Rio de Janeiro, Brasil FORMAS DE OCUPAÇÃO DO SOLO NA TIJUCA Bairro residencial da cidade do Rio de Janeiro

INTRODUÇÃO Para refletir sobre as qualidades físico-espaciais das habitações impõe-se analisar formas de ocupação do solo acumuladas ao longo do tempo, até hoje presentes no tecido urbano, e inseri-las em uma discussão sobre arquitetura e cidade. Essas variações manifestam-se na relação entre o edifício e o seu entorno, resultando em uma organização espacial que nos mostra, por um lado, a história do pensamento sobre o urbano, e, por outro, as consequências da produção imobiliária para a cidade e seus habitantes.

– pela relevância na diminuição do consumo de recursos e deslocamentos urbanos, favorecendo centralidades locais, presente em trabalhos de diferentes autores1; diversidade urbana – referida à produção de espaços que abriguem pessoas de camadas sociais distintas, e suporte de usos diversificados2; prevalência do espaço público em relação ao privado para gerar oportunidades de comunicação e exploração, e vitalidade urbana3; continuidade do tecido urbano, contrapondo-se à fragmentação espacial e referindo-se à capacidade de convivência do “antigo” com o “novo”4.

O trabalho apresenta os resultados preliminares da pesquisa “Padrões de ocupação do solo nas áreas residenciais da cidade do Rio de Janeiro”, sendo desenvolvida desde outubro de 2014 com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ e parceria da Secretaria Municipal de Urbanismo da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, na qual se avaliam as relações entre formas urbanas e problemas da cidade contemporânea. Tem como motivações o reconhecimento da baixa qualidade projetual na produção habitacional recente e a necessidade de aprimorar ferramentas pedagógicas para o ensino do projeto urbano. Pretende igualmente investigar parâmetros urbanísticos essenciais para regulamentação de novas construções.

Na medida em que essas noções têm uma forte interação – compactação favorece a diversificação, ambas beneficiam o espaço público e, em conjunto, tendem a privilegiar a continuidade do tecido urbano, na pesquisa realizada se entrelaçam formas de aferição de alguns dos aspectos relacionados. No entanto, se destacam a densidade domiciliar e demográfica medindo graus de compactação, a variedade tipológica e a mistura de usos na conferência da diversidade, o diálogo entre o público e o privado e a distribuição de áreas livres mensurando o espaço público valorizado e as relações espaciais do edifício na reflexão acerca da continuidade do tecido urbano.

Para construir um sistema de avaliação da qualidade de vida urbana, privilegiamos noções consagradas a partir da crítica à cidade moderna, consideradas decisivas no enfrentamento de problemas da cidade contemporânea, destacando-se: cidade compacta

A escala da abordagem utilizada é a da quadra urbana, que permite comparar padrões de ocupação do solo no seu tecido5. No artigo limitamo-nos à análise do recorte compreendendo o quadrilátero composto pelas ruas do Bispo, Haddock Lobo, Professor Gabizo e Barão de Itapagipe, situado no bairro da Tijuca, na zona norte da cidade do Rio de

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1 Entre eles: Rogers, R. (1997). Cities for a small planet. London: Faber and Faber; Reis Filho, N. G. (2006). Notas sobre Urbanização Dispersa e Novas Formas de Tecido Urbano. São Paulo: Via das Artes. 2 Proposta pioneira de Jacobs, J. (2000) [1961]. Vida e morte nas grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes. 3 Ver entre outros autores: Gehl, J.(2013). Cidades para pessoas. São Paulo: Perspectiva; Solà-Morales, M. de. (2008). De cosas urbanas. Barcelona: Editorial Gustavo Gili. 4 Conforme indicado em Choay, F. (2006). A alegoria do patrimônio. São Paulo: Estação Liberdade, Editora UNESP, em sua análise de áreas sujeitas à preservação cultural.


5 Panerai, P. (2005). Urban forms : the death and life of the urban block. Oxford: Architectural Press. 6 Aizen, M., Albernaz, M. P., Dezouzart, E., Pechman, R. e Vaz, L. (1984) História de Bairros: Tijuca. Rio de Janeiro: Index/ João Fortes. 7 Panerai, P. (2005). Urban forms : the death and life of the urban block. Oxford: Architectural Press. 8 Consideramos no “tipo” tanto o partido arquitetônico adotado para o edifício residencial (compreendendo arranjo no terreno, volumetria e composição de fachadas) quanto processos de produção (abrangendo situação fundiária, métodos construtivos e agentes envolvidos), pois de ambos decorrem relações com o entorno, configurações externas e internas e possibilidades de vivência espacial. 9 Borges, M. V. (2007). O Zoneamento na Cidade do Rio de Janeiro: gênese, evolução e aplicação. Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado do Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. 10 Idem.

Janeiro (fig. 1) cuja escolha junto aos parceiros da Prefeitura deveu-se à intensidade de sua ocupação, expressividade tipológica e elevado interesse do mercado imobiliário nos últimos anos. INVESTIGAÇÃO NO TECIDO URBANO Modelo urbanístico e tipos habitacionais A área do atual bairro da Tijuca foi sendo lentamente incorporada à malha urbana do Rio de Janeiro a partir de finais do século XIX, com a implantação do transporte de carris elétricos em 1870, seguido de outros serviços, apesar da ocupação ter se iniciado em fins do século XVIII, com a edificação ao longo do Caminho Velho da Tijuca, eixo da atual Rua Haddock Lobo, no recorte estudado6. A estrutura do tecido resultante do parcelamento das grandes propriedades aí existentes em lotes urbanos, ainda hoje presente, obedeceu a princípios simplificados cujos traços mais marcantes são o traçado regular, o aproveitamento máximo do terreno e a divisão rígida do espaço público e privado. Inicialmente se constituiu pelo reticulado formado com a abertura de ruas que partiam transversalmente aos eixos dos antigos caminhos e pela configuração de enormes quadras, cujo maior lado se voltava para as vias principais. Posteriormente, as quadras alongadas foram sendo subdivididas – com abertura de novas ruas e travessas e implantação de vilas – buscando ocupar o seu miolo. Esse modelo de ocupação corresponde ao da cidade tradicional, no qual quadras - de formato variado, interdependentes, configuradas a partir das edificações - são elementos estruturantes da escala maior da cidade, seguindo uma lógica econômica e regras legais7. Na composição do tecido urbano atual na área estudada, identificamos uma grande variedade de tipos habitacionais8, implantados em diferentes períodos (fig. 2), cuja convivência nos permite a sua classificação como cumulativo. No conjunto, sobressaem aqueles constituídos por prédios verticais que progressivamente foram substituindo térreos, assobradados, sobrados e casas geminadas – ainda remanescentes em pequeno percentual de ocupação. A tendência ao desaparecimento de prédios horizontais só parece improvável para as vilas, pois significaria a negociação com inúmeros proprietários, que com o tempo adquiriram as casas de aluguel do único dono. Na intensidade de ocupação dos tipos mais frequentes encontram-se retratadas as épocas de booms imobiliários na cidade, refletidos na Tijuca: de 1951 a 1963 e de 1967 a 1973, em decorrência,

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respectivamente, de financiamentos das caixas de aposentadorias e do sistema BNH/SFH. Nesses períodos ocorreu também um incentivo da legislação urbanística para aumento no número de pavimentos nas zonas residenciais, que passa de dois para seis pavimentos em 1950 e até 11 pavimentos em 19709. Nas ruas de fluxo viário mais intenso, a maior frequência é de prédios mistos (comércio no térreo e quatro a oito pavimentos superiores de residências), introduzidos pela legislação urbanística de 196110. Explica-se a inovação tipológica pela correspondência temporal com o período auge do movimento rodoviarista – do final dos anos 1950 até meados dos anos 1970, quando há um estímulo à renovação nessas vias e ao seu alargamento. Densidades e diversidade urbana Apesar da presença de terrenos vazios e algumas atividades ocupando áreas enormes, a densidade demográfica no recorte estudado é relativamente alta11, superando a considerada adequada para viabilizar os custos de implantação da infraestrutura urbana12. Na comparação entre tipos habitacionais, os de maior densidade são aqueles constituídos por prédios verticais. Excetua-se dentre eles, tipo mais recente (torre com ampla área de lazer nos fundos) cuja densidade equivale às vilas e aos prédios residenciais de pequeno porte (que alcançam no máximo quatro pavimentos). O prédio misto sobre embasamento é o tipo com maior densidade. As casas, podendo ou não ser subdivididas em dois domicílios, constituem o tipo com menor densidade. Entretanto a alta densidade na área estudada não se deve apenas à verticalidade. Iniciativas de caráter informal - desmembramento do lote, divisão do número de domicílios, acréscimo de unidades construídas ou subdivisão de andar – em térreos, sobrados, casas geminadas e vilas permitiram um acréscimo domiciliar (fig. 3). O aumento da densidade da quadra também se dá com o aproveitamento dos terrenos profundos através da construção de prédios em fita, em períodos distintos, com maior ou menor informalidade (fig. 4). A estratégia do aproveitamento dos terrenos somada à variedade tipológica acaba favorecendo uma oferta diversificada de moradias, que respondem demandas de camadas sociais e grupamentos familiares distintos. A diversidade social também é verificada na diferenciação do número de cômodos ou área construída dos domicílios. A maioria têm três quartos, mas há muitos com dois e alguns com


um quarto ou mais de três. Há ainda alguns dos tipos implantados entre 1950 e 1976 com oferta de unidades diferenciadas no andar recuado de cobertura ou no térreo. Favorecidos pelas normas urbanísticas, comércio e serviços espalham-se nas lojas dos térreos dos prédios mistos, voltadas para as vias de fluxo viário mais intenso e nas esquinas das ruas internas (fig. 5). Verifica-se também a instalação de atividades que requerem amplas superfícies, aproveitando as dificuldades de ocupação residencial no miolo da quadra. Espaço público e continuidade do tecido urbano No tecido cumulativo, consolidado com a gradual constituição de lotes urbanos e construção de suas edificações, sem preocupação ou exigência de abertura de praças e outras áreas semelhantes, soma-se à característica da clara divisão entre espaço público e privado – o percentual reduzido de áreas destinadas ao espaço público. Composto apenas por calçadas que variam de 1,20 metros a cinco metros de largura corresponde a 19,10% e 11,65%, respectivamente, da superfície das quadras I e II estudadas. Tal como observado por Panerai (2005)13 para a cidade tradicional, o espaço público compõe-se das frentes heterogêneas formadas por alinhamentos incompletos, recuos e afastamentos variados. Pelos acréscimos para aumento de domicílios, térreos, sobrados, casas geminadas e vilas perderam ao longo do tempo áreas livres correspondentes ao espaço privado comum ou individual, evidenciada na comparação atual com plantas dos projetos aprovados na área. As áreas livres do espaço privado individual prevalecem em amplos terrenos vazios. Com a alta participação de tipos habitacionais implantados antes de 1976, o espaço privado comum distribui-se, sobretudo, no nível do solo. No entanto, as áreas livres destinadas ao lazer correspondentes a esse espaço predominam nos tipos implantados após 1976, quando o incentivo legal é para localizar áreas comuns nos embasamentos em nível elevado (fig. 6). Seu afastamento do espaço público – seja pela localização em andar superior ou nos fundos do lote, impede uma interligação com este que o valorize. Os recuos, mesmo gradeados, e as separações de pátios e jardins que permitem visualização,

compõem “lugares intermédios”, “não estéreis e partes estimulantes do tecido urbano multiforme, propiciadores da mescla entre o público e o privado”14, que favorecem a “formação de olhos” para “vigiar a rua”15. A valorização do espaço público também se dá pelo número elevado de acessos ao logradouro, propiciada pela forma original de repartição de seus lotes, com testada estreita, e pela concentração de pessoas em decorrência da presença de usos diversificados. Apesar da ocupação gradual e com tipos habitacionais distintos, o tecido urbano no recorte estudado apresenta em muitos trechos planos edificados contínuos ou quase contínuos, e alinhados no perímetro da quadra (fig. 7). Decorrem da implantação contígua de prédios do mesmo tipo, que obedecem a uma mesma lógica, como o correr de térreos e assobradados ou casas geminadas, junto às esquinas ou nas entradas das vilas, com maior dificuldade na renovação, ou os prédios mistos, nas vias de maior fluxo, cujas lojas nos térreos abrem para a rua. Muitos dos prédios residenciais médios edificados entre os anos 1960 e meados de 1970, cujo térreo é fechado pela frente da portaria e entrada da garagem, ou dos prédios sobre pilotis, também conformam um plano alinhado e quase contínuo no perímetro da quadra. Nas ruas de maior fluxo viário, em todos os edifícios citados acima, exceto nos prédios mistos com embasamento, as janelas - independentemente de interligadas a varandas - nos cômodos fronteiros do edifício, configuram um espaço de transição público-privado, estabelecendo um diálogo da rua com o edifício. Há ainda a destacar, a permeabilidade no deslocamento gerada no interior das quadras com os acessos interligados pelas ruas particulares das vilas fronteiras, e a permeabilidade visual dos prédios sobre pilotis. APONTAMENTOS Na aplicação dos indicadores de qualidade de vida urbana no recorte da Tijuca constatam-se vantagens do tecido urbano cumulativo da cidade tradicional em termos de compactação, diversidade, valorização do espaço público e continuidade do tecido, além de facilidades detectadas por Panerai (2005)16: acesso à edificação, serviços/ comércio em lojas voltadas para ruas, atividades nas calçadas. Parece claro que a coexistência de tipos habitacionais de épocas distintas responde a demandas distintas, não constituindo empecilho para a conti-

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11 351,92 hab/ha e 653,80 hab/ha, respectivamente, nas quadras I e II estudadas, calculadas na pesquisa de campo em função do número de domicílios existentes e do número médio de pessoas residindo no mesmo domicílio na Tijuca (Censo 2010, IBGE). 12 Entre 300 e 600 hab/ há. Mascaró, J, L. & Yoshinaga, M. (2005) Infraestrutura urbana. Porto Alegre: Editora +4. 13 Panerai (2005), op. cit. 14 Solà-Morales (2008), op. cit. (p. 105) 15 Jacobs (2000), op. cit. 16 Panerai (2005), op. cit.


Fig. 1 Área estudada

nuidade do tecido urbano. A variedade tipológica associada tanto aos interesses do capital e do Estado quanto a soluções atreladas à informalidade e afetas ao lugar - permitindo inclusive que tipos ultrapassados no tempo se viabilizem economicamente para proprietários imobiliários - é certamente a maior responsável pela diversidade social. Os prédios sobre elevado embasamento implantados a partir de 1976, as torres com áreas de lazer nos fundos dos lotes e os muros cegos de terrenos vazios constituem nota dissonante na aproximação espaço público/ privado e na continuidade do tecido urbano. Ainda há uma margem considerável para renovação, podendo significar aumento de pessoas a usufruírem habitação em um bairro com boa infraestrutura, mas também desequilíbrio na oferta de moradias para grupos da população que buscam alternativas fora do mercado imobiliário formal, na valorização do espaço público e na continuidade do tecido urbano.

Fig. 2 Mapa Tipos

O mercado formal e informal imobiliário oferecem riscos para a qualidade de vida urbana. Mas no último estão apresentadas soluções criativas que representam ganhos para uma vivência voltada para o espaço público, além de estratégias que buscam atender novas exigências urbanas que de certo modo se apoiam na flexibilidade presente em alguns dos tipos. Talvez seja esse o maior ensinamento para o projeto urbano.

habitacionais

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Fig. 3 Casa nos fundos do terreno. Foto Maria de Miranda Fig. 4 Prédio em fita. Foto Maria de Miranda Fig. 5 Prédio misto. Foto Maria de Miranda

Fig. 6 Prédio sobre embasamento. Foto Maria de Miranda

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Fig. 7 Plano contínuo e alinhado. Foto Maria de Miranda

MARIA PAULA ALBERNAZ mpaula.albernaz@gmail.com Graduada em Arquitetura pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro – FAU/UFRJ (1976), mestre em Planejamento Urbano e Regional pela UFRJ (1985) e doutora em Geografia pela UFRJ (2007). Professora do Departamento de Urbanismo e Meio Ambiente da FAU/UFRJ. Autora de livros sobre história urbana, manuais de arquitetura e urbanismo e um dicionário ilustrado de arquitetura. Atualmente leciona em disciplina no ateliê integrado de projeto urbano; desenvolve pesquisa sobre morfologia urbana no Rio de Janeiro e projeto de extensão voltado à regularização de favela carioca.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Maria Cristina da Silva Schicchi | Campinas, Brasil REABILITAÇÃO NOS CENTROS E BAIRROS HISTÓRICOS RESIDENCIAIS: A EXPERIÊNCIA RECENTE DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL PARA O DESENVOLVIMENTO ENTRE AMÉRICA LATINA E ESPANHA

INTRODUÇÃO Este artigo apresenta parte de um trabalho empreendido no âmbito de uma pesquisa mais ampla denominada “GESTÃO DO PATRIMÔNIO URBANO E ARQUITETÔNICO. CIDADES LATINOAMERICANAS: Uma aproximação necessária”1, concluída em 2012, que procurou responder a indagações sobre as teorias e práticas de reabilitação de centros históricos difundidas em países latino-americanos por distintos agentes participantes dos processos de intervenção em bairros ou centros históricos. Neste texto são apresentadas as experiências realizadas com a participação de técnicos da Junta de Andalucía, entre 1989 e 2009, desde uma discussão da praxis de cooperação para o desenvolvimento, envolvendo financiamentos e transferências de conhecimento, até a discussão sobre as relações sociais e técnicas estabelecidas entre técnicos espanhóis e latino-americanos, construída a partir do conhecimento acumulado das experiências anteriores de intervenção nos próprios bairros e centros históricos espanhóis. Em particular, são apresentadas as intervenções realizadas nas cidades de Havana Velha (Cuba), Santiago do Chile (Chile) e São Luís (Brasil). São detalhados os programas definidos nos acordos, os financiamentos, as etapas de trabalho, os atores, as ações e os projetos realizados em cada cidade. Como conclusão se estabelece uma comparação entre os resultados e discute-se o alcance da cooperação como forma de atuação sobre o território por distintos agentes estrangeiros.

O trabalho tem como foco as mudanças urbanísticas ocorridas nos últimos 20 anos, em que a questão da preservação do patrimônio urbano e arquitetônico ganhou importância como elemento indutor de novas atividades econômicas nas cidades, a partir de intervenções nos bairros e centros históricos. O trabalho de cooperação pode ser concebido como uma forma contemporânea de operar a circulação de ideias e a transferência de conhecimentos técnicos, ao envolver equipes de países distintos e permitir a atuação simultânea em vários contextos. No caso da cooperação espanhola, esta atuação permitiu reunir e sistematizar questões comuns às cidades latino-americanas, tanto do ponto de vista histórico e sociocultural quanto os procedimentos de gestão. O período analisado é particularmente importante porque explica porque foi possível uma ampliação da presença espanhola junto às municipalidades latino-americanas. Trata-se do momento que sucedeu a retomada dos regimes democráticos em quase todos os países latino-americanos, do qual emerge o protagonismo dos governos locais, situação muito semelhante ao das cidades espanholas durante o seu período correspondente de transição democrática (1978 - 1982). Assim como muitas cidades europeias, nos anos 1960 os centros históricos das cidades espanholas apresentavam condições de deterioração e obsolescência decorrentes da ênfase anterior dada aos planos de extensão urbana e à formação de novos centros. O período desenvolvimentista (1959-1974) trouxe o abandono e a demolição de setores significativos em muitas cidades históricas por razões espe-

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1 A pesquisa foi financiada pela FAPESP, processo nº2009/00549-7. 2 Pol Méndez, Francisco. “La Recuperación de los centros históricos de España”. Jornadas de Estudio Recuperación de centros históricos. García, Silvestre M. (coord.). Almería: Instituto de Estudios Almerienses, 1993, p.114.


3 Antigua Consejería de Vivienda y Ordenación del Territorio, mais tarde Consejería de Obras Públicas y Vivienda. 4 Agência Andaluza de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento.

5 PROGRAMA de COOPERACIÓN INTERNACIONAL. Documentos de Síntesis u otras valoraciones enviados por los coordinadores, enero de 2009. Consejería de Vivienda y Ordenación del Territorio, Junta de Andalucía.

6 Entrevista concedida pessoalmente em Sevilha, em janeiro de 2010.

culativas. Este fato se somou à falta de instrumentos urbanísticos especificamente definidos para operar com a cidade histórica, uma vez que a legislação e a técnica urbanística estavam pensadas para o controle da extensão da cidade. Por outro lado, a entrada no período democrático desencadeou um cenário de reivindicações sociais e culturais favorável a uma discussão sobre a recuperação da cidade histórica e de aproximação às políticas europeias de reabilitação urbana, estabelecidas, em primeira instância, por poderes locais de matiz progressista, a exemplo do que ocorreu na cidade italiana de Bolonha. Segundo Pol Méndez2, é desta forma que ‘ideas-fuerza’ de conservação e recuperação física e social da cidade foram se configurando como políticas públicas. Foi essa experiência acumulada em pelo menos dez anos de enfrentamento de problemas urbanos na cidade consolidada que acabou por transformar-se em modelo exportável para as cidades latino-americanas, em momento correspondente de transição democrática nos países latino-americanos. Ainda que em cada país ou cidade os técnicos espanhóis tenham uma participação distinta e os aportes financeiros e técnicos sejam definidos juntamente com as equipes locais, estabeleceu-se um regime sistemático de atuação a ponto de haver acordos de cooperação com praticamente todos os países latino-americanos. Os programas operados pela atual Consejería de Fomento y Vivienda3 no Programa General de la AACID4 possuem um departamento específico dentro da Consejería, para execução como política de estado. A atuação se dá através do financiamento de experiências de intercambio e formação de técnicos e profissionais, dentro da estratégia denominada ‘urbanística de la recuperación’, a mesma que serviu de base para as políticas urbanas introduzidas pelo governo socialista a partir de 1982. Neste contexto se inserem os acordos de cooperação com países latino-americanos que apresentaremos a seguir. COOPERAÇÃO – BRASIL A cooperação com o Brasil se inicia no primeiro governo de Luis Inácio Lula da Silva, com intuito de atuação prioritária no Nordeste Brasileiro que, segundo o relatório da Junta de Andalucía5, teriam os estados com maior concentração de carências no país. O acordo foi firmado entre o coordenador geral da cooperação internacional espanhola, Fernando Carrascal Calle6 e a representante da Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades.

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Nesta reunião foi definido que além do trabalho de intervenção em sete cidades incluídas no Programa de Áreas Centrais (São Luís, Recife, Belo Horizonte, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre), os cooperantes teriam que cumprir o requisito de financiar a publicação do “Manual de Reabilitação de Áreas Centrais”, com as experiências de reabilitação em curso no âmbito da Rede de Centros Urbanos. Efetivamente, o primeiro produto da cooperação em termos técnicos foi a publicação do “Guia” e do “Plano Guia de Arquitetura e Paisagem de São LuísIlha do Maranhão e Alcântara” em 2008, seguido da reabilitação de edifício com 18 unidades de habitação social, entre 2008 e 2011, situado na rua Humberto de Campos, 107 , no Bairro do Desterro, no centro histórico da cidade. O mesmo teria sido realizado para a cidade de Belo Horizonte, cujos trabalhos se iniciariam com a elaboração de um plano guia de arquitetura e paisagem. Entretanto, a municipalidade pouco se interessou pelo plano, dado que as dimensões e características da cidade eram muito distintas da cidade nordestina. Neste sentido, foram propostas a elaboração do Guia de Arquitetura de Salvador, do Recôncavo e a reabilitação de vários edifícios na Rua do Tesouro para residência estudantil. Para tais atividades, a Junta participaria com o montante de 465.000€ entre 2008 e 2011. Reabilitação de edifício para habitação social situado na Rua Humberto de Campos O edifício reabilitado é um imóvel de propriedade pública da Prefeitura, obtido através de cessão da Gerencia Regional de Patrimônio. O imóvel está localizado na Zona de Preservação Histórica e fazia parte do Programa de Reabilitação do Centro Histórico. Possui três pisos que permitiram obter 18 unidades para famílias de baixa renda. Para esta obra foram utilizados 32.619,70 €, abaixo do montante inicialmente previsto que era de 55.000,00€, sendo que o restante do orçamento foi financiado pela Prefeitura através da Fundação Municipal de Patrimônio Histórico (FUMPH). Após esta primeira experiência, a municipalidade solicitou a participação da Junta na reabilitação de outros edifícios com problemas sociais no bairro do Desterro, evidência de que a experiência cumpriu seu papel multiplicador.


COOPERAÇÃO – CHILE No “Documentos de Síntesis u otras valoraciones enviados por los coordinadores enero de 2009”7, onde foram apresentados os relatórios das diversas missões de cooperação em curso, a arquiteta responsável pela cooperação no Chile, Lina Llorente8, afirma que a colaboração com os países ibero-americanos segue processos mais ou menos similares que poderiam ser descritos da seguinte forma: En primer lugar se realizaba una primera obra de confianza, de una envergadura y singularidad notables, en el caso de Chile fue la construcción de la Comunidad Andalucía, en Argentina la manzana de San Francisco o en Ecuador la Casa de los Siete Patios. Recientemente la manera de iniciar la relación con los países ha sido la publicación de guías de las ciudades más relevantes como el caso de Colombia o Venezuela. Posteriormente se realizaban intervenciones de mejoramiento de vivienda en sectores delimitados dentro de la ciudad, como las intervención en el Barrio Centenario de Santiago, o el programa “Pon a Punto tu casa” en Quito.

Esta síntese, de fato, corresponde à forma de introdução, condução e ampliação crescente da atuação da Junta na gestão do território das cidades latino-americanas. O Brasil constituiu exceção ao processo contínuo de avanço da participação da cooperação espanhola na gestão de áreas históricas, por vários motivos que aqui seria impossível detalhar. No caso do Chile, passou-se de Santiago a Lota e Los Ángeles na Região do Bio-Bio, a Chiloé e Valparaíso. Em 2010, a Junta já possuia um alto nível de relação com o Ministerio de Vivienda, que pode ser constatado na figura 2 abaixo. Entre os programas enumerados na tabela da figura 2, o mais relevante é, sem dúvida, o Programa de Reabilitação de Bairros Centrais. Em termos financeiros a Junta aportou entre 1990 e 2007 para os programas descritos, 1.845.301€. Reabilitação da Comunidad Andalucía (1990-1992) Considerada uma das experiências mais emblemáticas de reabilitação realizada pela Junta, a reabilitação de 180 habitações na comuna de Santiago Centro, a Comunidad Andalucía, cujo projeto foi feito pelo arquiteto Fernando Castillo Velasco, foi a que teve maior aporte econômico, em torno de um milhão de dólares. Trata-se de um conjunto de habitações articuladas ao redor de um sistema de espaços comuns hierar-

quizados, onde se desenvolve a vida comunitária, com um centro que funciona como área de concentração de equipamentos. Os edifícios se distribuem em blocos de 3 e 4 plantas. A tipologia utilizada se baseia no conceito de habitação progressiva implementado pelo Ministerio de Vivienda. As unidades constituem um volume de 2 ou 3 andares com superfície de 30 m². Através de autoconstrução de pisos (mezaninos), a habitação pode chegar até 70 m². Após o término das obras e a ocupação dos moradores, se recuperaram $686.662,00 dólares do montante inicialmente investido, o que possibilitou a constituição de um fundo rotativo que permitiu financiar vários outros projetos. Este procedimento é apontado como um dos legados mais importantes desta experiência, visto que permitiu a conclusão do ciclo de gestão proposto, demonstrando ser uma experiência economicamente viável. COOPERAÇÃO – HAVANA VELHA A cooperação da Junta de Andalucía com Cuba tem uma das trajetórias mais complexas e completas de todos os âmbitos de cooperação realizados na América Latina. De fato, a cooperação com o subcontinente teria começado com Cuba, logo após a declaração de Habana Vieja patrimônio da Humanidade, em 1982, não fosse um incidente diplomático que faria o orçamento aprovado para a recuperação da Plaza Vieja, no centro histórico da cidade, ser deslocado para a reabilitação da Casa de los Sete Pátios, em Quito, no Equador. De qualquer modo, o início da cooperação com o país foi protelado para o ano de 1991, sendo a reabilitação do centro histórico conduzida pelos técnicos da Oficina del Historiador de La Habana, sob a direção do historiador Eusébio Leal Spengler, referência na área cultural e política, tendo sido delegado pelo Governo Central para conduzir o processo de transformação da cidade após a entrada do país no período especial (1990)9. A Oficina, que é uma S.A., tem autonomia para realizar acordos de cooperação, contratações e outros expedientes jurídicos necessários para viabilizar os investimentos estrangeiros. Isto fez de La Habana Vieja um território privilegiado de experimentação de métodos e técnicas de recuperação, com avanço sistemático da criação de novos programas para recuperação física e social. A partir deste novo paradigma de desenvolvimento, criou-se uma estrutura centralizada na atuação da HABAGUANEX, empresa que opera os programas e investimentos turísticos.

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7 PROGRAMA de COOPERACIÓN INTERNACIONAL. Documentos de Síntesis u otras valoraciones enviados por los coordinadores, enero de 2009. Consejería de Vivienda y Ordenación del Territorio, Junta de Andalucía.

8 Entrevista concedida por escrito em outubro de 2010.

9 O Decreto-Ley no. 143 de 1993 do Consejo de Estado de la República de Cuba amplia a autoridade e a personalidade jurídica da Oficina del Historiador de la Ciudad e declara o Centro Histórico ”Zona Priorizada para la Conservación”.

10 Entrevista concedida em Cádiz e por escrito em outubro de 2010.


A cooperação se inicia em 1991 e até o ano de 2009 totalizava um investimento total de 3.556.010,00 €. Todas estas atuações foram acompanhadas pelo arquiteto Francisco Gómez Díaz, quem permanece há mais de 20 anos como coordenador. Reabilitação de San Inácio nº360 – Plaza Vieja (2005-2010) A primeira intervenção realizada pela Junta de Andalucía em Havana foi a recuperação do Malecón que se estendeu de 1991 até 2002. O Malecón é um espaço emblemático do urbanismo cubano, um passeio costeiro cuja construção se inicia em 1901, com a construção do muro de proteção marítimo e se prolonga até a segunda metade do século XX , como obra incluída obrigatoriamente em todos os planos de governo. O investimento total da Consejería de Vivienda y Ordenación del Territorio foi de 1.206.500 euros, com a recuperação de 1650 habitações. A partir desta experiência pioneira, que permitiu consolidar as relações entre os países cooperantes, a atuação junto à Oficina del Historiador de la Ciudad se concentrou na reabilitação do perímetro histórico declarado pela Unesco, iniciando pela reabilitação de uma residência tradicional situada na Rua San Inácio nº360 (fig.4 e 5).Trata-se de uma construção encortiçada, em péssimas condições, ocupada por 55 famílias que foram deslocadas para habitações provisórias ou “de transito”ou para residências já reabilitadas no centro histórico. O investimento total da Junta foi de 857.500,00 euros, sendo o projeto concluído em 2006 e a obra realizada entre 2007 e 2010. Neste caso, embora o coordenador geral da cooperação com cuba fosse o arquiteto Francisco Gómez Días, este projeto particularmente foi elaborado pelo arquiteto Fernando Visedo Manzanares que obteve ao final 14 habitações e a recuperação do pátio central para serviços no térreo. A reabilitação desta residência praticamente coroou a recuperação da Plaza Vieja. Alguns dos problemas apontados por este arquiteto10se relacionam às condições de operacionalização das obras por parte da Oficina, principalmente devido à dificuldade de obtenção de material e ritmo das obras. Foi necessário lidar com a falta de motivação dos mestres de obra, dado que o trabalho não era devidamente reconhecido e muito especializado, de segurança em relação ao material retirado da obra, com o desconhecimento técnico da mão-de-obra, levando ao não cumprimento de determinadas especificações, agravadas com a

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administração da obra à distância, já que as viagens de coordenação ocorrem a cada 3 meses, o que finalmente também compromete o ritmo dos trabalhos. Tais problemas resumem os enfrentados por quase todos os coordenadores, pois o funcionamento da cooperação depende de uma afinação de conhecimentos, compreensão e compartilhamento de métodos e técnicas entre as equipes. Quando há uma defasagem neste conhecimento ou na comunicação, os cronogramas tendem a se estender por um prazo maior do que o previsto, resultando em maior custo. Por isso, o trabalho de cooperação resulta melhor na medida em que há um amadurecimento do trabalho conjunto. Dos três casos apresentados, apenas no Chile e em Cuba os coordenadores permanecem há mais de vinte anos. CONCLUSÕES O trabalho procura demonstrar que a cooperação internacional entre a comunidade andaluza e as cidades latino-americanas nasce da simultaneidade dos processos em curso nas cidades, de forma mais geral e da similaridade de uma parte significativa das transformações políticas, econômicas e espaciais vividas pela Espanha e pelos países latino-americanos em seus respectivos períodos pós-democratização. A preocupação com o processo, buscando elaborar metodologias conjuntas, que envolvam população, técnicos e políticos locais, além de ter uma “finalidade comum” e compartilhada (inclusive custos), sinaliza para a possibilidade de construção de um ideário urbanístico para além das divisas nacionais ou continentais, ainda que seja necessário aperfeiçoamentos. Como foi possível apontar, o trabalho de cooperação se torna potencialmente mais colaborativo na medida em que é inserido no cotidiano das gestões municipais e não operado com uma gestão paralela, concorrente e às vezes em detrimento das questões prioritárias dos governos locais. Esta diferença foi notável na forma de operar do governo brasileiro em relação às municipalidades chilenas e ao governo cubano. No caso brasileiro, as intervenções se restringiram apenas ao período de execução dos projetos, revelando principalmente os problemas de continuidade de gestão, enquanto nos outros dois contextos, a cooperação se manteve por mais de vinte e cinco anos, com atuações consecutivas em várias cidades e comunidades e em âmbitos mais abrangentes, permitindo a elaboração de planos e projetos de médios e longos prazos e a formação permanente de técnicos locais.


Fig. 1. Reabilitação de edifício na rua Humberto de Campos 107.. Fonte: acervo da equipe. Foto: Carolina Gonçalves Bexiga, 2009.

Fig. 2.Cooperação Chile. Reproduzido do documento “FICHAS de PROGRAMAS y ACTUACIONES POR PAÍSES Octubre 2008”. Fonte: Consejería de Vivienda y Ordenación del Territorio, Junta de Andalucía. Documento gravado em 09/01/2009, não mais disponível.

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Fig.3. Comunidad Andalucía. Vista do interior do pátio, à esquerda e externamente, à direita. Fonte: levantamento próprio, 2010.

Fig.4. Reabilitação da residência na Rua San Inácio, 360. À esquerda, vista interna do pátio recuperado. À direita, vista da Plaza Vieja reabilitada onde o edifício se situa, destacando-se à direita a fachada do edifico ainda em obras. Fonte: Levantamento próprio, respectivamente, em 2013 e 2007.

Fig.5. Vista da residência da Rua San Inácio, 360. À esquerda em obras e à direita, após a reabilitação. Fonte; Levantamento próprio, respectivamente, em 2007 e 2013.

MARIA CRISTINA DA SILVA SCHICCHI cristina.schicchi@puc-campinas.edu.br Arquiteta e urbanista, doutora pela USP (2002). Professora titular e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Urbanismo e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Pós-doutora pelo Programa Oficial de Postgrado de la Universidad de Sevilla (jan/jul 2010) com apoio da FAPESP. Coord./Pesquisadora principal da FAPESP no Convênio FAPESP-Condephaat (2012-14). Coordenadora de projeto de Cooperação Internacional com a Universidad de Oriente (Projeto CAPES/MES/Cuba 210/13). Coordenadora de pesquisa junto ao CNPQ (Edital

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Universal 2014). É bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq Nível 2. Foi co-orientadora convidada de alunos do Mestrado em Arquitectura da Universidade do Porto (2010-11) e do Máster en Arquitectura Avanzada da Universidad Politécnica de Valencia (2011-12). Pesquisadora convidada do Máster en Arquitectura y Patrimonio Histórico da Universidad de Sevilla (apoio Fundación Carolina, 2013). Secretária Executiva ANPARQ (2015-16).


2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Nicola Barbugian | Padova, Itália ANTONIO SANT’ELIA. L’IMMAGINE DELLA CITTÀ NUOVA Il rapporto tra architettura e infrastrutturazione metropolitana nem “nuovissimo mondo meccanico” all’inizio del XX secolo

UNA CITTÀ NUOVA Nella stagione di grande rinnovamento delle idee nei primi anni del Novecento, il movimento futurista assume in Italia un ruolo emblematico a seguito della sua sistematica tendenza a stabilire relazioni con discipline differenti, del suo annunciare programmi in anticipo sulle stesse opere, del suo coinvolgere con proposte provocatorie il pubblico espandendosi in ogni manifestazione della vita. Il giorno 11 luglio del 1914 l’architettura fornisce ufficialmente il suo contributo a quella che Balla e Depero proporranno nel 1915 come Ricostruzione futurista dell’universo, attraverso un manifesto teorico dalla carica dissacratoria corredato da una serie di disegni di architetture simbolo firmato dall’architetto Antonio Sant’Elia, all’epoca ventiseienne.1 La controversa figura di Antonio Sant’Elia - con il suo progetto mai costruito della Città Nuova (1914) - assume un ruolo chiave nella costruzione dell’immaginario metropolitano contemporaneo in cui i temi dell’infrastruttura e delle connessioni che questa stabilisce tra le parti della città risultano dominanti. Quella che a prima vista appare come una sequenza di progetti o di inquadrature scenografiche concepite in modo indipendente si rivela invece la prefigurazione complessiva di un progetto organico, concepito e trasmesso al tempo stesso attraverso lo strumento del disegno. La Città Nuova, presentata dal ventiseienne Antonio Sant’Elia nel maggio del 1914, supera qualunque modello consolidato precedente. Alti edifici collegati tra loro da sequenze di ponti in ferro e viadotti si affacciano su una rete di trasporti multilivellare che scava il livello della strada in profondità.

Le immagini intense di una città boccioniana “che sale”, pulsante di vita e vibrante di rumori, “meccanica” nel suo essere scenario del movimento di mezzi spinti dall’elettricità o dai nuovi carburanti, da un lato guardano alla metropoli - europea - che cresce verso l’alto per aumentare il numero dei suoi abitanti mentre al tempo stesso riduce al minimo i tempi di percorrenza al suo interno. Dall’altro lato invece trasmettono la sensazione di un’utopia fin troppo trasgressiva, lontana dalla quotidianità della città di inizio Novecento. Una città che non è più ancorata al suolo, ma che lo nega nel suo collocarsi su una tabula rasa, sospesa poi nella fragilità di viadotti e passerelle sospese nel vuoto. (fig. 01, 02, 03, 04) IMMAGINARI METROPOLITANI Ogni movimento o corrente culturale si nutre delle immagini del proprio tempo, di quello che si usa chiamare con un termine efficace l’immaginario collettivo di un’epoca. Un fatto inevitabile non solo oggi in una società basata sulle immagini trasmesse dal reticolo dei mass media, ma anche un secolo fa quando la comunicazione e la conoscenza delle immagini avveniva esclusivamente attraverso la stampa (libri, riviste illustrate, giornali) e cominciava a diffondersi anche mediante la fotografia e il cinema anche a livello “popolare”. Il sottotitolo della mostra di Nuove Tendenze2, Milano l’anno 2000, richiama il precedente del libro di Antoine Moilin, Paris, l’an 2000 del 1869. Un romanzo visionario in cui Moilin, medico, uomo politico e scrittore, descrive una capitale francese dove la pienamente compiuta rivoluzione socialista e il progresso scientifico hanno mutato profondamente

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1 Sant’Elia, Antonio (1914). Architettura Messaggio, prefazione al catalogo della mostra Nuove Tendenze. Milano.

2 Il 20 maggio 1914 si apre in via Agnello 8, nei locali della Famiglia Artistica a Milano, la Prima esposizione d’arte del gruppo Nuove Tendenze. Antonio Sant’Elia presenta per la prima volta 16 disegni del progetto della Città Nuova.


3 Belloni, Emilio (19091910). Il Corso d’Italia a Milano, in «Le Case Popolari e le Città Giardino», pp. 110-118. Sul Corso d’Italia si veda anche Grandi, Maurizio e Pracchi, Attilio (1980). Milano: Guida all’architettura moderna, p. 97. 4 Nurra, P. (1909-1910). Un nuovo grande quartiere a Milano nella zona compresa tra Milano e Sesto San Giovanni, in «Le Case Popolari e le Città Giardino», p. 163; Bertarelli, Luigi Vittorio (1908), Città che nasce, in «Touring Club Italiano», Agosto 1908, pp. 345352.

non solo l’immagine costruita della città, ma anche l’insieme della vita sociale, comprese le singole ritualità. Un immaginario affine a quello proposto dalla letteratura di fantascienza trova spazio nelle riviste americane dei primi anni ‘10 del Novecento. Periodo in cui vengono stampate e diffuse rappresentazioni di New York City vista come megalopoli con il proprio modello di concentrazione urbana risolta in altezza per l’esiguità delle aree edificabili. Spaccati prospettici a volo d’uccello che mostrano una città di edifici alti sormontati da torri, strade fiancheggiate da alti edifici che si estendono fino all’orizzonte, traffici veicolari e pedonali separati e minuziosamente incanalati tra ponti, ascensori e scalinate. Il continuum edilizio basato sull’interconnessione altimetrica degli edifici avrebbe fornito il principio di unità urbanistico-architettonica della Città Nuova. (fig. 05) La grande crescita demografica della Milano di inizio Novecento comportò, unitamente agli slanci ottimisti sul progredire della tecnica, il fiorire di proposte urbanistiche sovradimensionate rispetto ai reali bisogni della città. La nuova borghesia industriale milanese aveva iniziato a operare modifiche nella morfologia della città introducendo nuovi mezzi di trasporto e nuovi tipi edilizi per una metropoli in piena espansione che introducevano nuove scale di progetto nella fabbrica cittadina. Il primo tema a diventare protagonista nella progettazione è quello del trasporto, solo in un secondo momento si inizierà a discutere di politiche abitative. Nel 1907 l’ingegner Emilio Belloni progetta Il Corso d’Italia, un grande asse largo circa ottanta metri lungo trenta chilometri tracciato dal Duomo fino al fiume Ticino3. Lungo questa sorta di autostrada, suddivisa in varie fasce di traffico, correvano incanalati anche tutti i nuovi servizi: elettricità, gas, acqua, posta pneumatica, telegrafo, ma anche riscaldamento, ventilazione e un sistema di aspira-polveri centralizzato ante litteram. Un anno più tardi il progetto della Società Anonima Quartiere Industriale Nord Milano (1908) dell’ingegner Evaristo Stefini consisteva invece in un piano di città lineare sviluppato lungo un asse denominato Viale Monza che collegava la stazione di Porta Garibaldi con Sesto San Giovanni, il polo industriale principale della città, continuando poi fino al Parco di Monza4. L’elemento principale del progetto è ancora una grande strada centrale divisa in una serie di corsie per tipologia di traffico. Lungo tutto

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il corso sono distribuiti sottopassi e sovrappassi sotto forma di viadotti a struttura metallica che collegano i due lati del corso tra loro. Su entrambi i lati una striscia ininterrotta è riservata ad un tessuto residenziale a bassa densità, una sorta di città giardino. Alle spalle di questa, una seconda fascia è invece destinata a industrie e servizi collettivi. La visione urbana generata non coincide più con la città compatta, concentrica, che cresceva per anelli organici attorno al nucleo storico. La Città Nuova è quanto meno parzialmente ancorata alla serie dei nuovi progetti dei grandi industriali di Milano, il cui antistoricismo di avanguardia era necessariamente elemento caratterizzante i progetti. La rivoluzione dei trasporti era nell’aria, ma forse era stata calcolata su scenari sovradimensionati rispetto alle realtà italiane di inizio Novecento. IL NODO SANTELIANO La serie delle tavole della Città Nuova, sebbene frammentaria, è resa omogenea da un’unità di stile, ma soprattutto da un’unità di visione. La città è basata su di una complessa rete di servizi e di trasporto che in alcuni disegni porta a contare fino a sette livelli sovrapposti di traffico; al di fuori della griglia tridimensionale delle comunicazioni si innalzano veri e propri agglomerati di edifici connessi tra loro da ulteriori reti di circolazione su più livelli. La città si caratterizza per essere quindi una città di nodi, di ingranaggi facenti parte un meccanismo complesso che si può leggere a scale diverse: dalla scala megastrutturale del nodo per eccellenza, la stazione per treni e aerei, che riceve, interseca, smista i traffici a lungo raggio e li connette con il tessuto più minuto del traffico urbano, fino al dettaglio del sistema pedonale che porta l’abitante dalle viscere della città fino alla porta di casa per mezzo di sistemi di passerelle, rampe di scale e ascensori. L’ossessione data dal continuo ridisegno di schizzi che trattano il tema dei piccoli nodi sono indicativi della volontà maggiore di sciogliere il nodo gordiano della città contemporanea, attraversata, sovente divisa, da una rete complessa di flussi. “Come conseguenza del problema urbanistico - scrive van Doesburg nel 1927 - il problema del traffico occupa un posto importante accanto a quello dell’abitazione. La crescente circolazione di macchine […] fra non molto determinerà […] situazioni catastrofiche. […] Alcuni architetti e ingegneri progressisti suggeriscono rinnovamenti radicali come per esempio lo sviluppo forzato del traffico aereo. […] È davvero possibile e quasi certo che il traffico aereo, che viene sempre più usato […], porterà a un vero cambiamento nello sviluppo stradale. Come


conseguenza di questo l’urbanistica si svilupperà in un’altra misura. Il “tetto” diviene la “facciata”, la “strada” può svilupparsi in più piani uno sopra l’altro, in proporzione al traffico. L’architetto italiano Sant’Elia fu il primo che nei suoi progetti, particolarmente geniali, per la “Città Nuova” (1913-14) dette forma a questo pensiero. In questi progetti vi sono indicazioni profetiche che solo ora vengono comprese nel loro giusto valore e in confronto i poveri progetti urbanistici di Le Corbusier-Saugnier scompaiono. L’architettura stradale di Sant’Elia è stata progettata in modo completamente organico partendo da una corretta nozione dell’evoluzione di tutte le “funzioni stradali”. Il traffico interno ed esterno (ascensore, treno, tram, aeroplano) è talmente integrato che qualsiasi trasformazione della città appare possibile. In questa possibilità di ampliamento o di trasformazione del traffico e della città in proporzione equilibrata, si nasconde il grande vero valore di questi progetti che sono nati prima ancora che si pensasse ad un aumento così continuo del traffico. Adesso che quest’ultimo minaccia lo sviluppo delle città, prescindiamo dalle tracce romantiche di questi progetti, e li prendiamo per quello che sono: documenti di una organica architettura stradale”5.

Una lettura interessata al rapporto con l’infrastruttura porta a considerare non l’urbanistica, ma l’architettura a scala urbana (o metropolitana) il campo di azione del progetto di Antonio Sant’Elia. Ciò che distingue questa città dai modelli americani è l’integrazione tra architettura e sistema delle infrastrutture stradali, lo stretto rapporto tra tipologia e morfologia urbana. La specificità e il contributo più originale è determinato dalla serie di disegni che meglio definiscono - sperimentando continuamente - le interrelazioni tra edifici a gradoni, collegamenti verticali e rete viaria su più livelli. Questi elaborati superano la distinzione tra disegno architettonico e definizione dello spazio urbano. (fig. 06, 07, 08)

Oggi, nell’apparente efficienza di una città disgregata, emergono nuovi temi dominanti. Mentre si abbandonano a se stesse vecchie e nuove periferie, le attività tendono a concentrarsi e chiudersi in cittadelle e poli ristretti snervando il tessuto della città e svuotandola delle sue fondanti prerogative scambiatrici, non solo di merci, ma anche di idee e cultura. Tutto ciò nel paradosso dato dall’elevato livello tecnologico assunto dalle comunicazioni. La Città Nuova si concretizza per Sant’Elia con un’immagine in positivo di città, capace di farsi interprete di una cultura fondata su più larghe aspettative sociali e maggiori potenzialità tecniche. La Città Nuova, nel suo positivismo tratto anche dalle immagini letterarie della fantascienza, promuove nelle sue architetture di massa un’uguaglianza sociale resa possibile proprio dagli strumenti del “nuovissimo mondo meccanico”6.

5 Van Doesburg, Theo (1927). Architectuurvemieuwingen in het buitenland, in «Het Bouwbedrijf», IV, n. 9, pp. 217-20; trad. it. in Mariotti, A. (1973). L’avanguardia italiana secondo Van Doesburg, in «Casabella», XXXVII, n. 380-81, pp. 78-79.

6 Sant’Elia, Antonio. Op. cit.

L’ipertrofia delle reti di trasporto non è solamente effetto della fiducia nella tecnica, è anche espressione del ruolo centrale individuato da Sant’Elia nel rapporto tra architettura e infrastrutturazione metropolitana. Rapporto decisivo nella contemporaneità perché grazie ad una progettazione che tenga in primo piano i nodi connettivi di questo rapporto (a tutte le scale) diviene possibile fornire qualità architettonica e urbana tanto ai singoli manufatti quanto all’immagine complessiva della città.

01_Disegno dell’Autore, Casamento con ascensori esterni, galleria, passaggio coperto, su tre piani stradali (linea

EREDITÀ DI SANT’ELIA Il tema dominante del progetto è il rapporto tra infrastrutturazione metropolitana (centrali elettriche, stazioni ferroviarie, reti di servizi) e un’abitabilità poco definita. In questa visione della città come macchina composta da ingranaggi ai quali è conferita qualità architettonica stanno l’interesse e l’attualità della poetica di Sant’Elia. Il suo operare si traduce non solo nella continua ricerca di dare forma alle nuove tipologie architettoniche della modernità, ma nel coniugare esigenze tecniche, strategie territoriali e valore formale in una progettazione che avviene a scale diverse. Le tavole di Sant’Elia, attraverso lo strumento del disegno, sintetizzano un progetto organico di città, una prefigurazione complessiva di strategie e tipologie che non si riducono ad un particolarismo contingente, applicato punto per punto alla città e spesso poco più che ornamentale.

tramviaria, strada per automobili, passerella metallica), fari e telegrafia senza fili, prospetto laterale.

02_D.d.A., Casa a gradinata con ascensori dai quattro piani stradali, prospetto frontale.

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03_D.d.A., Casa a gradinata con ascensori esterni e galleria interna a profilo parabolico, prospetto laterale. 04_D.d.A., Casamento con ascensori esterni, galleria, passaggio coperto, su tre piani stradali (linea tramviaria, strada per automobili, passerella metallica), fari e telegrafia senza fili, prospetto frontale. 05_The Circulation of the Future and Cloudscrapers of New York, in «L’Illustrazione Italiana», 31 agosto 1913. 06_07_D.d.A. Attraverso ipotesi di sezione (06) o spaccato (07) è possibile leggere la sovrapposizione dei diversi livelli, ma soprattutto sono individuabili le continue relazioni e intersezioni tra i piani e i dispositivi di collegamento. È quindi individuabile una serie di sequenze attraverso le quali l’abitante della Città Nuova può percorrere gli spazi di un’infrastruttura che è così integrata alle

NICOLA BARBUGIAN nicola.barbugian@gmail.com

masse degli edifici da esserne inseparabile.

Italian, born in Padua in 1984. PhD architect with honors in Architectural Composition at Università IUAV di Venezia with a thesis on the Italian architect Antonio Sant’Elia and his project of the Città Nuova. Since 2010 he works as teaching assistant and researcher at IUAV with main interests on housing, futurism and connections between art and architecture. Internship at the Farnesina Design Collection at the Ministry of Foreign Affairs in Rome. He lives and works between Padua, Venice and Rome.

08_D.d.A. Ridisegno interpretativo di una serie di schizzi di Antonio Sant’Elia per la definizione di un nodo che distribuisce e organizza diversi percorsi pedonali.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Laboratorio de Investigación en Teoria y Práctica Arquitectónica | Buenos Aires, Argentina SUSTITUCION PROGRESSIVA DE ASENTAMIENTOS INFORMALES Método y aplicación

INTRODUCCIÓN El concepto de “derecho a la ciudad” que proviene de Lefebvre (1973) y que ha desarrollado posteriormente Harvey (2011) y Sassen (2010), enunciaba que entre los derechos básicos de los ciudadanos, junto al derecho de la libertad, trabajo, salud y educación, se debía incluir el derecho a la ciudad es decir el derecho de los ciudadanos a vivir en territorios propicios a la convivencia y ricos en usos diversos, en los que el espacio y los equipamientos públicos sean factores de desarrollo colectivo e individual en un entorno seguro que favorezca el progreso personal, la cohesión social y la identidad cultural. En la construcción progresiva de la ciudad, los procesos de igualdad social tienden a instalar el problema de la vivienda como condición igualitaria para la comunidad, ligada a la calidad del hábitat y del ambiente. En términos arquitectónicos y urbanos, se manifiesta como una relación sostenida entre diseño arquitectónico, tecnología, igualdad e inclusión en el contexto socio-cultural. Desde este punto de vista, la “vivienda social” es un material más de trabajo en la densificación y extensión de la ciudad. Si consideramos que la tendencia de crecimiento de las ciudades y de su población es permanente, también lo es la presión para acceder a infraestructura y a obtener más y mejor calidad de servicios. Se propone una mirada sobre lo existente que permita identificar, explorar y proponer las características evolutivas del “proyecto de arquitectura” en la construcción de la ciudad. El impulso de la propia dinámica de renovación y consolidación es

aprovechado para encauzar un programa colectivo y solidario, dirigido a objetivos con mayor compromiso con la estructura arquitectónica de la ciudad. “El proyecto residencial” es un instrumento a vigorizar para reubicar a la vida cotidiana en el centro de las actividades individuales y sociales. Como enuncia Heidegger (1951), somos en la medida que habitamos. La apropiación del lugar significa construirlo, habitarlo en conformidad a la dignidad de las personas. El término “residencia” refiere no solamente al hogar confortable y acotado, sino a la capacidad popular de crear el hábitat de una comunidad que convive en circunstancias específicas sociales y físicas del lugar. Asimismo el ciudadano o habitante, es el sujeto responsable de su ambiente en el proceso de construcción de su propia historia y destino, y con la potencialidad de la conjugación colectiva de la acción habitacional para convertirse en el medio de organización de un desarrollo social autónomo, sostenido y equitativo. En relación a los asentamientos informales, entendemos que consolidar lo establecido, en la medida que esté en orden con la construcción de un bienestar progresivo de la sociedad y de sus circunstancias urbanas y ambientales, significa incluir, integrar y para ello son necesarias acciones transdisciplinarias de integración proyectual. Se parte del principio de “radicación sostenible” en oposición al de “erradicación” como consecuencia inevitable de fenómenos residenciales no queridos.

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EXPLORACIONES PROYECTUALES. CASOS DE APLICACIÓN La ciudad de La Plata, caso de estudio representativo de ciudades de dimensión intermedia, presenta un significativo crecimiento por extensión del modelo fundacional, generando sectores periféricos integrados o no al cuerpo de la ciudad, con diversos grados de dispersión o consolidación, predios abandonados, postergados, conflictivos y/o vulnerables en sus condiciones de propiedad de la tierra o de riesgo ambiental. Dichos sectores son ocupados por población de bajos recursos, en un contexto en permanente presión para acceder a la tierra, vivienda y equipamientos, en mayor y mejor calidad de servicios (fig1). Las formas genéricas de las ocupaciones responden a datos culturales, hábitos, conocimientos técnicos, recursos humanos, formas de organización, condiciones y datos particulares del territorio y del asentamiento, conectividad con el contexto físico y social, y características de los bordes. Las organizaciones urbanas y arquitectónicas espontáneas son conjuntos cargados de señales que cuentan con un gran potencial para alcanzar una recuperación progresiva basada en acciones mínimas que se apoyan en la estructura general de lo existente, recuperando aquello que puede ser mantenido y mejorado en sus condiciones originales. Es preciso explorar las diversas conformaciones espaciales que presentan los asentamientos irregulares en relación al sitio donde se insertan. Para ello, la investigación tiene como objeto de estudio, 3 casos de características diferentes y particulares, para la exploración de estrategias y métodos de intervención en ocupaciones con viviendas precarias, con el objeto de sustituir asentamientos espontáneos y degradados por intervenciones residenciales de calidad apropiada para su integración progresiva al contexto urbano. Se realizaron exploraciones proyectuales en: Caso 1: Un tejido consolidado al borde del casco urbano - la manzana. Caso 2: Ruptura de tejido - Los bordes del arroyo El Gato. Caso 3: Predio suburbano identidad y patrimonio “La Fábrica de Gorina” CASO 1: UN TEJIDO CONSOLIDADO AL BORDE DEL CASCO URBANO - LA MANZANA El sector de estudio se localiza en uno de los bordes del Casco Fundacional de La Plata. La intervención se realiza en la manzana ubicada entre las calles:

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Avenida Circunvalación, 531, 15 y 16. Predio no parcelado inserto en la estructura urbana de la ciudad formal, con acceso a la infraestructura de todos los servicios y excelentes condiciones de accesibilidad (fig. 2). El método de sustitución progresiva propuesto permite evaluar factibilidades de intervención en un asentamiento informal consolidado donde deberán coexistir la materialización de la mejora habitacional, la presencia de las viviendas precarias y aquellas a preservar debido a sus condiciones de habitabilidad o estado dominial. Proceso de construcción en el tiempo que implica aceptar la coexistencia de intervenciones parciales. Se propone una estrategia de ocupación de los espacios intersticiales, vacíos dentro de la ocupación y el producido por el desmonte progresivo de las edificaciones precarias. Se exploran intervenciones individuales a través de estructuras de vivienda colectiva que registren una modulación factible de ser aplicada a un parcelamiento y construcción lote a lote de dimensiones equivalentes al loteo tradicional de la ciudad y acorde a la dimensión de la manzana. Los conjuntos habitacionales, contenedores de la densidad, optimizan el uso del suelo posibilitando la incorporación de equipamiento comunitario y espacios libres para uso colectivo. El desarrollo del método prevé, en primer lugar, determinar la densidad existente en el asentamiento, la cantidad de habitantes totales y los m2 a edificar. Al no contar con un censo que arroje datos precisos, se estima una cantidad de habitantes a partir de los m2 construidos brutos existentes que se observan en la foto aérea del asentamiento, superficie del polígono de la planta de techos de las viviendas precarias de un solo nivel. Obtenido el dato de los m2 construidos existentes, se desarrollan hipótesis de densidades de ocupación posibles para la edificación a construir, con rangos que van desde los 9m2 a los 20m2 brutos por habitantes (fig. 3). Estos valores aplicados a la hipótesis de habitantes de la manzana, permiten establecer rangos posibles de cantidad de m2 totales a construir para la propuesta de edificación en el predio. El rango de densidades establecido, tiene parámetros extremos en valores que están por debajo y por encima de lo razonable, a los


efectos operativos. Se considera que un valor de 9m2 brutos por habitante corresponde a parámetros de hacinamiento, y un valor de 20 m2/hab es excesivo. A partir de fotos aéreas del sector y relevamiento de campo, se identifican los vacíos existentes, las edificaciones a preservar y aquellas a sustituir. El registro simultáneo de edificaciones a desmontar y de vivienda colectiva a construir permite delimitar etapas posibles de intervención, las cuales serán organizadas de manera estratégica con el fin de alcanzar una morfología final de manzana que, reconociendo e incorporando las particularidades y heterogeneidades, contenga en su configuración una homogeneidad de perfiles y densidades; racionalidad en el uso del espacio libre y calidad ambiental. El proceso de sustitución se inicia con la construcción de un primer edificio localizado en el vacío existente, permitiendo relocalizar un primer grupo de habitantes y comenzar con el desmonte de sus viviendas, logrando de esta manera nuevos espacios para nuevas construcciones y ganancia de espacio público (fig. 4). Se propone construir una unidad habitativa de planta baja y 3 niveles, altura límite que puede prescindir de medios de elevación mecánicos y de los costos de gestión y mantenimiento que estos conllevan. El total de la edificación se divide en sub unidades definidas por pares de vivienda por planta, articulados por escalera de acceso común y núcleo de servicio, constituyéndose como la mínima unidad susceptible de ser construida en cada etapa. La configuración de las viviendas se establece a partir de una grilla estructural básica generada sobre una retícula modular de 3x3 m, medida mínima adoptada que posibilita la organización de diferentes áreas funcionales de la vivienda1 y sub módulo de la dimensión de la manzana, que permite trabajar parcelamientos posibles de 9 y 12 m de ancho. A partir de esta geometría se plantea una base de 6x9 m configurada por 6 cuadrados de 3x3, en una serie de 4 vigas paralelas de 6 m y 8 columnas perimetrales, desplazando las vigas longitudinales de 9 m hacia el interior. De esta forma se plantean 5 módulos posibles de ser configurados como hueco de escalera, para el caso de unidades desarrolladas en dos niveles y reducir las luces mayores de las losas de 6 a 4 m. Esta configuración se duplica en forma simétrica dejando un módulo central destinado a las circulaciones comunes, y un núcleo mínimo de cocina y baño que abastece a la configuración inicial de la vivienda.

Esta disposición permite configuraciones diversas, acoplamiento de módulos y formas variadas de distribución y superficie de las viviendas, desde una “vivienda inicial” de 42 m2 en un solo nivel, con el área de expansión dispuesta a la orientación más favorable, con un crecimiento máximo de 80 m2 en un solo nivel, y hasta 120 m2 si la vivienda se desarrolla en dúplex. (fig. 5) CASO 2: RUPTURA DE TEJIDO - LOS BORDES DEL ARROYO EL GATO La cuenca del arroyo El Gato consiste en un cauce levemente sinuoso de 35 km. que atraviesa áreas de diversa conformación socio espacial y ambiental con situaciones de riesgo en aquellas donde se localizan asentamientos precarios, desintegrados, conflictivos y sin calidad ambiental, tal es el caso del sector del arroyo que es área de intervención. El arroyo, a cielo abierto, actúa como barrera del desarrollo urbano provocando una interrupción de la trama urbana sin un criterio de reconocimiento y adecuación topográfica hacia el trazado del canal. Recientes catástrofes meteorológicas en la región, pusieron en evidencia la fragilidad de la convivencia naturaleza/ciudad y la vulnerabilidad de las infraestructuras urbanas. El Estado está emprendiendo obras de infraestructura en el cauce del arroyo que resuelven la ampliación y agilización del drenaje sin abordar cuestiones paisajísticas y ambientales. Se suma a esto que la intervención en el área implica la necesaria solución al asentamiento existente localizado en ambas márgenes del arroyo, sobre el camino de sirga. La propuesta para el área se desarrolla en el contexto de lo que se denominan “Canales – Parque -Inundables”. Se basa en el principio en el que “… las obras de infraestructura integradas al paisaje urbano generan beneficios más allá de su mera función hidráulica”. (Allard, Rosas, 2007, p.38). A partir de la identificación de espacios vacíos y en relación a la propuesta general se exploraron estructuras residenciales, que actúan como ordenadores del territorio. Dichas estructuras, dos placas paralelas relacionadas a partir de una serie espacios vacíos y núcleos verticales en medios niveles, contienen en el nivel 0.00 y cota segura de inundación, diversos espacios de índole colectivos que permiten una planta libre y flexible, adaptable a los distintos modos de habitar. Aceptan a su vez diversos modos de construcción logrando una convivencia adecuada de la población con el arroyo.

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1 Montaner, J M. Muxí Martínez, Z. (2010). Reflexiones para proyectar viviendas del siglo XXI. Obtenida de: http:// dearq.uniandes.edu.co/ articles/2010/reflexionespara-proyectar-viviendasdel-siglo-XXI


En los niveles superiores, la estructura resuelve los espacios destinados a las viviendas, módulos de servicios y módulos habitables, en una organización lineal definida por una estructura de dimensiones regulares y repetidas. Se establece de esta manera una configuración genérica que posibilita flexibilidad en la organización interior de las casas, a partir de la racionalización de la estructura organizativa de la planta y de la concentración en los tres niveles del corte, según módulos que definen los espacios habitables (fig. 6). CASO 3: PREDIO SUBURBANO IDENTIDAD Y PATRIMONIO - “LA FÁBRICA DE GORINA” Las viviendas existentes conforman el insumo para pensar transformaciones, formas y contenidos que encierran lo espontáneo. Se trata de acciones “con” el objeto o lugar degradado y no “sobre” él. El predio “La Fábrica”, se encuentra en un territorio suburbano de 6 Hectáreas de superficie, en la localidad de Gorina al norte del Casco de la ciudad de La Plata. Tiene características de alternancia con el espacio rural, típico de las proximidades a los centros urbanos bonaerenses y se ha transformado en un “área de oportunidad” urbana y ambiental. Se encuentra ocupado desde hace años por numerosas familias, que han desarrollado fuertes vínculos con el lugar de asentamiento. Existen actualmente edificios y galpones construidos para las actividades industriales que tuvieron lugar allí previamente, que constituyen huellas de una historia vinculada al proceso de crecimiento y desarrollo de la localidad. La tendencia de crecimiento del asentamiento se define por circulaciones relacionadas al espacio construido individual, con vacíos residuales interpuestos y falta de espacios públicos constituidos. La formulación de la propuesta urbana y arquitectónica que surge del relevamiento físico y social propone el trazado de nuevas calles al interior del predio permitiendo la organización de las viviendas existentes en terrenos accesibles y posibilitando la disposición de nuevos terrenos susceptibles de ser loteados en una estructura de trazado regular. (fig. 7) Según conceptos desarrollados por Montaner, Muxi (2010) la intervención en las viviendas existentes se genera a través de la construcción del núcleo sanitario “ámbitos especializados” generando un mejoramiento significativo de la calidad de vida de sus habitantes. Esta etapa incluye la conformación y calificación del espacio exterior propio de la vivienda. Luego se prevé el crecimiento de la vivienda

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a partir de la construcción de “ámbitos no especializados”, espacios cuyas funciones no necesitan de infraestructura y pueden ser determinados por los usuarios. Es un proceso denominado “arquitectura de transición” que implica el desarrollo de formas residenciales iniciales a permanentes. Esta vivienda se inicia como una unidad económica mínima albergante de un grupo social y continúa su proceso de inclusión socio-ambiental para poder formar parte de una estructura integrada. Para la construcción de nuevas viviendas, se configura un prisma de dos niveles que incluye los espacios exteriores de la vivienda: patio - galería - cochera, considerándolo como lugar multifuncional de uso intenso, según las condiciones culturales de los usuarios del caso. Funciona como reunificador visual de la unidad y como regulador ambiental en cuanto a temperatura del aire y ventilación. Puede funcionar aislada o apareada en diversas organizaciones formales: Bloque, cintas, puntos permitiendo variantes de espacios intermedios - calles, patios, plazas - hasta llegar a construcciones en altura a partir de una estructura tridimensional asistida por un núcleo de circulaciones verticales manteniendo patios propios y espacios intermedios que reinterpretan los ámbitos urbanos típicos del nivel suelo de la ciudad. La propuesta supone la utilización de diversas “materialidades” y lenguajes arquitectónicos, basados en tipos constructivos tradicionales, garantizando condiciones de proyecto, ejecución, transformación y crecimiento que aseguren la no dependencia a sistemas o materiales duros y la eficacia de la continuidad y homogeneidad de los resultados. Distintas necesidades, distinta gente, distintos tiempos, suponen resultados coherentes y continuos. REFLEXIONES FINALES Las complejidades contemporáneas, y en particular aquellas relacionadas con la problemática habitacional informal, nos hacen reflexionar sobre la necesidad de hallar un método racional para la determinación de formatos que incorporen y den respuesta a las “inéditas” complejidades del mundo actual. Las exploraciones proyectuales propuestas pueden considerarse como áreas tipo para evaluar su rol en la contribución a la integración social y física progresiva de la ciudad no formal a la formal. La idea de construir la ciudad formal a partir de la organización de la arquitectura informal considera dos aspectos: el reconocimiento de las configuraciones


existentes indagando en las potencialidades de la arquitectura informal y la identificación de las condiciones de la posible configuración formal progresiva. Los tres casos presentados tienen datos generales y características particulares constituidas con señales arquitectónicas diversas que en ningún caso resulta de organizaciones o superficies abstractas, ni refiere a sus habitantes como “clientes anónimos”. Se identifica el resultado arquitectónico, producto de bajos recursos, con la aplicación de “tradiciones técnicas espontáneas”. Esto nos enfrenta a la posibilidad de renovar el desafío de la difundida consigna de construir una “arquitectura de la pobreza”, tratando de alentar la imaginación de otros y nuevos resultados, consolidando una manera histórica de transformar a la necesidad en una virtud. Un hábitat integrado implica avanzar en el conocimiento de condiciones de inclusión de los actores más débiles, en éste caso en su capacidad de acceder a una vivienda digna, como sustento de la misma y de su significado en la construcción del entorno urbano con un grado de relación apropiado entre vecinos y al espacio público de relación, como primer escalón de soporte de interacción social y vida comunitaria en la ciudad.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS Allard, Rosas, J. (2007) Parque inundable La Aguada. Recuperando un río urbano postindustrial en Santiago de Chile. Revista summa+1,89, 38. Harvey, D. (2011). Il Capitalismo Contro il Diritto alla Cittá. Italia: Ombre Corte. Heidegger, M. (n.d). Construir, habitar, pensar. Obtenida de: http://www.geoacademia.cl/docente/ mats/construir-habitar-pensar.pdf. Lefebvre, H. (1973). El derecho a la ciudad. Barcelona: Península. Montaner, J M. Muxí Martínez, Z. (2010). Reflexiones para proyectar viviendas del siglo XXI. Obtenida de: http://dearq.uniandes.edu.co/articles/2010/reflexiones-para-proyectar-viviendas-del-siglo-XXI Sassen, S. (2010).Territorio, Autoridad y Derechos: de los ensamblajes medievales a los ensamblajes globales. España: Katz.

Potenciar las consideraciones de la producción de la ciudad interrelacionando resultados de la investigación en arquitectura de vivienda social, espacio público e integración urbana; contribuyendo a la construcción del marco teórico - conceptual de la temática del hábitat social en la región a partir del desarrollo de modelos que prefiguren alternativas posibles en los sectores seleccionados para el caso.

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Fig 1. Ubicación de las áreas de estudio

Fig 2. Caso de estudio manzana al borde del casco fundacional

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Fig 3. Cuadro para cálculo de densidades y superficie a construir

Fig 4. Sustitución progresiva del asentamiento informal Fig 5. Configuración de la unidad habitativa estructura de base

322


Fig 6. Intervención en el arroyo el gato Fig 7. Intervención en la fábrica de gorina

LITPA (LABORATORIO DE INVESTIGACIÓN EN TEORIA Y PRÁCTICA ARQUITECTÓNICA) Sessa Emilio ; Ponce Nora; Pagani Valeria;Iturria Vanina;Carrica Florencia;Ruiz pablo;Rosa Pace Leonardo;Carasatorre cristina; Tuller Susana vpagani@hotmail.com Laboratorio de Investigación en Teoría y Práctica Arquitectónica, conformado por Arquitectos-Docentes-Investigadores, integrantes además del Taller Vertical de Arquitectura, 1ro a 6to año FAU UNLP, especializado en investigación proyectual, que consiste en la aplicación de conceptos teóricos y fundamentos proyectuales, sobre casos que involucren la problemática urbana y arquitectónica, específicamente de vivienda y espacio público. Se articula el desarrollo teórico, la práctica profesional y la transmisión académica en grado y posgrado, con la formación de recursos humanos, y con actividades de extensión, convenios y transferencia. Difusión e intercambio de resultados en conferencias, mesas redondas, congresos, seminarios, publicaciones varias.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Patricia Reus | Jaume Blancafort | Murcia, Espanha VISTABELLA, DE BARRIO SIMBÓLICO PARA LA FALANGE A ESCENARIO DE LAS EMERGENCIAS POLÍTICAS POST 15M EN MURCIA, ESPAÑA La forma urbana para comunidades fuertes

INTRODUCCIÓN “Mares hay muchos, barrios solo uno”( Barratier, 2008) 1 El objeto de esta investigación es el barrio de Vistabella en Murcia, España. Esta unidad urbanística fue construida tras la Guerra Civil para acoger a funcionarios, excombatientes y familias que estaban viéndose afectadas por las obras de renovación emprendidas en el centro de la ciudad. Concebido como un organismo urbano prácticamente autónomo en lo que era el extrarradio de la ciudad, 60 años después Vistabella apenas ha sufrido modificaciones estructurales en su inevitable actualización física; Al tiempo que, el crecimiento de la ciudad ha enriquecido las actividades cotidianas y metropolitanas en su entorno más próximo con equipamientos de distinto carácter y nuevas conexiones. Fiel al pensamiento político de posguerra, el proyecto de Vistabella trató de construir la escenografía adecuada para una comunidad ultraconservadora que nacía en la intimidad del hogar y se concretaba en una sociedad radiante, vigilada por Dios y por los propios vecinos. En este entramado, ideado como utopía radical, actualmente se desarrolla una vida social intensa y llena de heterogeneidades que además contiene un llamativo compromiso ciudadano. “El barrio lo hacemos entre todos”(Asociación de Vecinos de Vistabella)2

Prueba de esta responsabilidad, además de la evidente vitalidad del barrio, es que en sus calles y

plazas se ha gestado parte del proceso constituyente que ha trasladado las inquietudes del movimiento ciudadano surgido con el 15M hasta las urnas. De hecho es revelador que la candidata municipalista (Ahora Murcia) al Ayuntamiento, en las elecciones del 24 de mayo de 2015, ha sido la presidenta de la Asociación de Vecinos de Vistabella y el candidato al gobierno regional por Podemos, así como muchas de las personas que les acompañaban en sendas listas son o han sido vecinos del entorno.

1

“Vistabella liderará Murcia, una ciudad que necesita reinventar-

3

se”(Jarauta, 2015) 3

JARAUTA, Francisco

El objetivo que nos planteamos en este estudio es doble. Por un lado reconocer aquellos rasgos urbanos que definen el ecosistema de Vistabella como un espacio en el que, sin estar relacionado con una renta elevada, se percibe una alta calidad de vida4, a la vez que existe un significativo compromiso de la comunidad con el día a día de sus miembros. Y por otro identificar cuestiones en las que se deben introducir mejoras que ahonden en el valor del barrio. MATERIALES Y MÉTODO

BARRATIER, Christophe (2008) Faubourg 36. París: Sony Pictures Classics. 2 Frase que cierra todas las comunicaciones de la Asociación de Vecinos.

(2015) Discurso pronunciado en el cierre de la campaña electoral de Ahora Murcia el 22 de mayo de 2015. Murcia. 4 NIMZ, Franziska (2012). Vistabella-Die, Schöne Aussicht’ in Murcia. Ethnographie Eines

“Ningún sistema de indicadores puede reducir la realidad de

Spanischen Stadviertels.

las ciudades a una consideración numérica, por potente que sea

Munich: Ludwin-

el sistema y lo sofisticada que sea la metodología utilizada. Sin

Maximilians-Universität

embargo, sí puede ofrecer valiosas herramientas interpretativas”

München. Institut für

(Rueda & Aguado, 2012) 5

volkskunde/europäische

Para sondear los rasgos urbanos que alimentan y dan soporte al fenómeno observado, la percepción de una alta calidad de vida y el considerable compromiso social de los vecinos de este barrio, y detectar nichos

324

ethnologie.


5 RUEDA, Salvador. & AGUADO, María Dolores. (2012) Guía Metodológica para los sistemas de Auditoría, Certificación o Acreditación de la Calidad y Sostenibilidad en el Medio Urbano. Madrid: Ministerio de Fomento 6 CHOMBAR DE LAUWE, Paul. Henry. (1976). L’apropiation de l’espace par les enfants i precessus de socialisation. Estrasburgo: Décimo tercera conferencia internacional de la psicología del espacio construido. 7 CASANOVAS, Roser & GUTIÉRREZ, Blanca (2013) La vida cotidiana en las áreas mono funcionales de baja

de inversión en mejoras estructurales se ha recurrido a la evaluación del conjunto a través de un sistema construido por los autores a partir de las aportaciones hechas por expertos que observan la calidad de vida urbana desde tres perspectivas distintas: La del fomento de la sociabilidad, la del equilibrio en el consumo de tiempo empleado en la realización de actividades cotidianas y la de la perdurabilidad y el impacto del sistema sobre el medio. Apropiación En primer lugar el tratamiento del ciudadano como sujeto activo de la ciudad aparece en la propuesta de la organización sin ánimo de lucro, Project for Public Spaces (PPS) cuyo método ha sido desarrollado a partir del análisis de miles de casos en todo el mundo desde que se fundó en 1975. Su extensa experiencia les ha permitido definir unos parámetros comunes a todos los casos analizados en los que el espacio público ha mostrado una gran capacidad para generar y mantener una comunidad fuerte y activa. Su método de evaluación está basado en la descripción del lugar en función de su respuesta a cuatro cuestiones básicas: La sociabilidad que fomenta. Los usos y actividades que se producen en él. El confort y la imagen que ofrece.

Estas actividades son estructuradas en dos grandes grupos; las que tienen que ver con la producción y las que tienen que ver con el cuidado, de los congéneres (la familia), de uno mismo y de la comunidad. A todas ellas el contexto urbano debe responder satisfactoria y equitativamente para ser considerado un entorno de calidad7. El urbanismo con perspectiva de género constata si existe una la relación adecuada entre los tiempos que cualquier individuo dedica a resolver sus asuntos productivos y reproductivos, imprescindibles para asegurar una vida digna, lo que permite fomentar la dedicación al desarrollo personal y el de la comunidad. Esta metodología describe cinco aspectos fundamentales sobre los cuales concreta un sistema de indicadores. Proximidad: Habla de una relación eficaz espacio-tiempo, de la ubicación cercana y accesible de aquellos lugares que resuelven nuestra vida cotidiana en todas las esferas que son controlables por el individuo. Fundamentalmente el cuidado, el desarrollo personal, la socialización y la acción política. Diversidad: Es la mixtura social, física y funcional que permite la variedad de personas, actividades y usos.

La accesibilidad y conexiones que proporciona.

Autonomía: La seguridad percibida y la accesibilidad tanto física como psicológica.

Un cuestionario de 36 preguntas, avaladas a través de imágenes del lugar, ofrecen una idea concreta de la calidad de ese espacio en función de su capacidad para promover la apropiación del mismo por parte de los usuarios que lo frecuentan.

Vitalidad: La presencia simultánea y continua de personas y la densidad de actividades y usos en las calles, espacios de relación y equipamientos favorecen el encuentro, la socialización y la ayuda mutua entre las personas.

NIMZ, Franziska (2012).

“Apropiarse de un lugar no es únicamente hacer de él una utili-

Vistabella-Die, Schöne

zación reconocida, es establecer con él una relación, integrarlo

Aussicht’ in Murcia.

a las vivencias propias, enraizarse, dejar en él la huella propia

Representatividad: El valor del apego, el reconocimiento y la participación de las personas en las decisiones urbanas.

Ethnographie Eines

y convertirse en actor de su transformación”(Chombar De Lauwe,

Spanischen Stadviertels.

1976)6

densidad. Postsuburbia. Rehabilitación de urbanizaciones residenciales de baja densidad. Zaida Muxí Martínez (coord.). Barcelona: Comanegra. 8

Munich: LudwinMaximilians-Universität München. Institut für volkskunde/europäische ethnologie.

Consumo de tiempo Para completar la evaluación realizada a través del método PPS es interesante incluir la aportación que introduce el urbanismo con perspectiva de género en el análisis de la calidad de vida en la ciudad: El parámetro tiempo en las actividades cotidianas de la población atendiendo a toda su diversidad.

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Para medir esta respuesta el método define unas preguntas y una escala de satisfacción. Los materiales empleados para la obtención de estos valores son, el reconocimiento directo del barrio así como planimetrías en las que se señalan los usos cotidianos y sus distancias a los distintos puntos del mismo.


Sostenibilidad Por último, es interesante introducir el enfoque que nos permite observar la sostenibilidad del sistema, es decir, su perdurabilidad en un marco socialmente equitativo, económicamente viable y ambientalmente responsable, con el ánimo fundamental de localizar nichos de mejora que permitan al barrio no solo ahondar en el bienestar presente sino propiciar un modelo urbano más sostenible. Para ello aplicamos el procedimiento desarrollado por la Agencia de Ecología Urbana de Barcelona (Bcnecología) ya que es el avalado por el Ministerio de Fomento del Gobierno de España y se presenta como una herramienta para impulsar la sostenibilidad en las ciudades europeas. Los límites de la investigación centran nuestro interés en lo morfológico de modo que de todos los indicadores de este sistema nos restringimos al cálculo de aquellos que tienen que ver con la forma ya que el método completo incluye cuantificaciones de gestión y metabolismo que quedan fuera de los límites de esta exploración. Para obtener el valor de cada uno de estos indicadores se ha realizado una planimetría exhaustiva con todos los datos y medidas necesarias. Cabe señalar que este sistema de evaluación, frente a los otros dos, es cuantitativo lo que significa que establece unos parámetros numéricos de referencia. La aplicación de este método lleva por tanto aparejado un análisis crítico de los resultados ya que no presenta opción de aplicar correctores para adaptarlos a las circunstancias específicas del lugar. RESULTADOS A continuación se presentan de forma esquemática los resultados obtenidos a partir de la aplicación del sistema de indicadores construido para alcanzar los objetivos marcados en esta investigación. Estos resultados explican la influencia que lo urbano ejerce sobre la percepción recogida en los estudios antropológicos realizados sobre el barrio8. En este sentido Vistabella no solo ofrece soporte a los aspectos mínimos que definen una vida digna, sino que también funciona como un escenario confortable y bello que aporta espacios para la salud psicosocial del individuo a través del encuentro en espacios que fomentan las relaciones interpersonales y animan la implicación del individuo en lo común. Igualmente se puede detectar un evidente nicho de inversión en movilidad amable y sostenible.

DISCUSIÓN Esta investigación ha tratado de observar el barrio desde tres perspectivas complementarias que destaquen las razones urbanas que contribuyen a explicar la realidad actual de Vistabella en la que prevalece la idea de comunidad frente al ciudadano anónimo. La primera, el método PPS tiene connotaciones fundamentalmente psicológicas. En realidad lo que mide es si contiene alguna de las cualidades necesarias para despertar apego y si este se produce. El camino es válido en cuanto a que precisamente el afecto desemboca instintivamente en los sentimientos de protección necesarios para que una persona decida dedicar su tiempo a la mejora de su entorno. Este argumento nos lleva al siguiente método, el lugar es bello, cómodo, agradable, pasan cosas interesantes en él, pero si no tenemos tiempo para dedicarle es muy difícil que el compromiso que despierta se materialice en acción y entonces lo disfrutamos como meros espectadores. Aquí la evaluación realizada desde la perspectiva de género nos ha permitido constatar que efectivamente las condiciones del barrio y su entorno inmediato fomentan la emancipación del individuo ofreciendo una vida cotidiana en la que es posible dedicarle energía no solo a las actividades básicas que garantizan nuestra subsistencia y la de nuestro grupo familiar sino que también es posible encontrar tiempo y espacio a lo largo del día para actividades personales y políticas dentro del propio barrio. Por último la aplicación del sistema de indicadores de sostenibilidad urbana ha evidenciado varias cuestiones. La primera tiene que ver con el propio sistema, al aplicarlo podemos observar que los valores de referencia no son matizables, algo evidentemente necesario. En nuestro caso hay dos de ellos, el que mide el espacio de estar por habitante y la percepción de verde urbano que no cumplen con los mínimos fijados. Pero en la realidad para el ciudadano local, hecho a determinadas condiciones en su entorno construido, Vistabella es una “ciudad jardín”, como se la conoce popularmente, y Murcia un ámbito de tradición árabe en el que se entiende mejor el espacio contenido que el gran espacio abierto y en la que la vegetación en general tiene un porte muy distinto al de otras zonas. Parece evidente que los valores establecidos como óptimos deben poder ajustarse en función del tamaño de la ciudad, su ubicación e incluso de la cultura a la que pertenece. Pues se trata de medir el cumplimiento de las expectativas del individuo respecto a su entorno.

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Por otro lado el estudio de los resultados obtenidos sí que nos permite resaltar la evidente necesidad de invertir en redes alternativas de transporte que empiecen por ofrecer una red de carriles bici segura y eficaz. En este entorno se da la paradoja de que existen espacios de aparcamiento para bicicleta suficientes y usuarios tanto habituales como potenciales, pero el uso de la misma es peligroso y por tanto no se fomenta su utilización, lo que mejoría el transporte en términos de impacto ambiental pero también en cuanto al tiempo que ahorra en nuestro día a día. CONCLUSIONES De la evaluación realizada se desprenden los rasgos que fomentan la existencia de una comunidad satisfecha con su calidad de vida cotidiana y comprometida con su constante construcción. Existe masa crítica suficiente como para promover vitalidad: Hay actividades diversas que atraen a personas de distintas edades y condición social. Tiene una densidad de población suficiente hacer viables ciertos servicios y negocios de proximidad. El contexto urbano suscita el apego de los vecinos por su barrio: El entorno es bello y peculiar lo que además fomenta sentimientos de identidad y pertenencia. Existe vegetación abundante y diversa que enriquece el ecosistema urbano. Tiene dotación de mobiliario urbano para hacer atractiva la calle y que la gente esté cómoda, pueda sentarse, mantener limpio el entorno, jugar, hacer ejercicio, etc. Se facilitan las relaciones interpersonales ofreciendo espacio y tiempo para alimentarlas: El uso de la calle es eminentemente peatonal. Existen lugares de “estar” con bancos para sentarse. Hay una red próxima y variada de usos y equipamientos cotidianos. Esta misma evaluación evidencia por otro lado varios nichos de inversión. Es evidente que el uso diario del barrio pone sobre la mesa cuestiones urgentes y minuciosas como la falta de una marquesina en una parada de autobús o el arreglo de un alcorque, pero este método lo que nos ha permitido ha sido vis-

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lumbrar temas estructurales para mejorar las prestaciones del conjunto: Dando respuesta a una apuesta real por la movilidad sostenible: Realizando una red de carril bici segura que conecte el barrio con el resto de la ciudad. Ofreciendo una provisión de plazas de aparcamiento fuera de la calzada que libere el espacio público de la presencia de coches. Fomentando la representatividad igualitaria entre hombres y mujeres: El cambio de los nombres de las calles que además de hacer cumplir la ley de memoria histórica según la cual “escudos, insignias, placas y otros objetos o menciones conmemorativas de exaltación personal o colectiva del levantamiento militar, de la Guerra Civil y de la represión de la dictadura” deben ser retiradas de los edificios y espacios públicos, permitirán una representación de género más equitativa pues hoy en día todas las calles del barrio ostentan un nombre masculino.


Fig. 1. Plaza Federico Servet, 1953 Fig. 2. Plaza Federico Servet, 2015

Fig. 3. Cuentacuentos organizado por la Asociación de Vecinos de Vistabella. Autor. Ángel Ruíz

Tabla 1. Metodologías de evaluación empleadas

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Tabla 2. Resultados para el método PPS

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Tabla 3. Gráfico de satisfacción en los indicadores desarrollados según la perspectiva de género

Tabla 4. Resultados para el método BCN_ecologia

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Fig. 5. Exhibición de Acrobacias en la plaza central. Autor. Ángel Ruíz Fig. 4. Mercadillo y actividades paralelas organizado por la Asociación de Vecinos de Vistabella. Autor. Ángel Ruíz

Fig. 6. Una tarde en la plaza central. Autor. Ángel Ruíz

Fig. 8. Noche Vieja 2014-2015. Autor. Ángel Ruíz

PATRICIA REUS; JAUME BLANCAFORT patricia.reus@upct.es; jaume.blancafort@upct.es Profesores con estudio de arquitectura propio. El trabajo profesional de blancafort-reus arquitectura ha obtenido, a lo largo de sus diez años de historia, numerosas distinciones. Han recibido el Premio de Investigación Urbincasa-UPCT a la eco-innovación y el desarrollo de actividades sostenibles. Están realizando el doctorado en la universidad de Alicante, y tienen un Máster en arquitectura y urbanismo sostenible superado con una cali

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Jorge L. Vieira | Rúbia C. Peterson | Silvio B. de Abreu Filho | Porto Alegre, Brasil HABITAÇÃO COLETIVA NA FRONTEIRA DA TRAMA URBANA: CONSTRUIR CIDADES OU ENCLAVES?

INTRODUÇÃO O segundo lustro dos anos 1980, foi marcado por uma série de eventos importantes a nível internacional, que se refletiram e se refletem até o presente sobre a arquitetura. Os fenômenos políticos, econômicos e sociais em curso naquele período, resultantes do enfraquecimento do Estado Providência, do desmantelamento da União Soviética e dos movimentos de retorno à democracia nos países latino-americanos, reverberaram sobre à produção da arquitetura. Se esta vinha sofrendo os efeitos de uma crise que se estendia desde os anos de 1950, quando surgem as primeiras críticas mais contundentes ao Movimento Moderno, os anos de 1980 se revelam como um cenário fértil de possibilidades para a recomposição da arquitetura como disciplina que constrói a cidade. No cenário internacional, a realização da IBA-87, em Berlim, resultou em experimentações concretas, ao mesmo tempo singulares e diversas, decorrentes da presença maciça de arquitetos críticos do Movimento Moderno que contribuíram para voltar o foco sobre o tecido tradicional da cidade. Desse lado do Atlântico, entre os arquitetos brasileiros e dos demais países sul-americanos, se verificam movimentações sobre a arquitetura, a cidade e o tema da habitação social, sintonizadas com as críticas em curso, na busca por alternativas para superação dos modelos produzidos pelas políticas habitacionais promovidas pelos regimes militares. No caso do Brasil e do Uruguai, embora muito próximos geograficamente, se observam movimentos

semelhantes, entre 1985 e 2010, mas que resultam em situações distintas que decorrem de suas particularidades históricas de construção de seus arcabouços de regulação das políticas de financiamento, organização social, dimensões demográficas e geográficas, além das diferenças de atuação profissional no campo da produção da habitação de interesse social. Enquanto no Uruguai prevalece maior diversidade de programas de financiamento, que possibilitam variadas tipologias para atendimento de distintos segmentos de renda, no Brasil, predomina um modelo centralizador e muito limitado em termos de flexibilidade tipológica, o que resulta na produção de tecidos homogêneos e segregados que se repetem por todos os cantos do país. O artigo procura, a partir de três estudos de caso de tipologias construídas no período de 1985 a 2010, nas cidades de Criciúma, Porto Alegre e Montevidéu, com base na aplicação de alguns parâmetros da escala urbana, avaliar a condição de urbanidade e de coesão dos tecidos urbanos onde os mesmos se inserem. METODOLOGIA A partir de uma investigação de doutorado em curso, sobre a produção de conjuntos habitacionais em altura, nas cidades de Porto Alegre e Criciúma, no Brasil, e de Montevidéu, no Uruguai, entre 1985 e 2010, com base em alguns padrões espaciais investigados por DEILMANN et al (1973 e 1980)1, ALEXANDER et al (1980)2, BARROS (2011)3, de tipos com base em PANERAI (1983)4 e SOLÁ-MORALES (1997)5, e de parâmetros de qualidade para implementação de projetos habitacionais definidos por

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1 DEILMANN, Harald; KIRSCHENMANN, Jörg C.; PFEIFFER, Herbert (1973). El Hábitat. Barcelona : Gustavo Gili. DEILMANN, Harald; BICKENBACH, G.; PFEIFFER, Herbert (1980). Conjuntos residenciales: en zonas centrales, suburbanas y periféricas. Barcelona : Gustavo Gili.

2 ALEXANDER, Christopher et al.(1980). A pattern languaje/Un lenguaje de patrones - Ciudades. Edifícios. Construcciones. Arquitectura/ Perspectivas. Barcelona : Editorial Gustavo Gili. 3 BARROS, Raquel Regina Paula Martini (2011). Habitação coletiva: a inclusão de conceitos humanizadores no processo de projeto. São Paulo : Annablume.


4 PANERAI, Philippe et al.(1983). Elementos de análisis urbano. Madrid : Instituto de Estudios de Administración Local - Colección “Nuevo Urbanismo”.

5 SOLÀ-MORALES, Manuel de (1997). Las formas de crecimiento urbano. Barcelona : Edicions UPC.

6 FERREIRA, João Sette Whitaker (2012). Produzir casas ou construir cidades? Desafios para um novo Brasil urbano. Parâmetros de qualidade para implementação de projetos habitacionais e urbanos. São Paulo : LABHAB; FUPAM.

7 ROLNIK, Raquel (2014). Ferramenta para avaliação da inserção urbana dos empreendimentos do MCMV.São Paulo : USP/ LabCidade.

FERREIRA (2012)6 e ROLNIK (2014)7, verifica-se a possibilidade de se estabelecer critérios de qualidade dos projetos quanto à urbanidade e habitabilidade, avaliando-se parâmetros de localização, mobilidade urbana, integração urbana, oferta de equipamentos comunitários, implantação, tipologia dos edifícios e tipologia das unidades. Apresentam-se aqui, as análises preliminares quanto aos parâmetros de avaliação de urbanidade na escala urbana: localização e integração urbana. Com relação ao parâmetro de localização se definiram três variáveis: a) distância ao centro, medida pelo raio com centro geométrico coincidente com o centro tradicional de cada cidade, b) distância ao centro, medida pelo menor percurso realizado a pé, bicicleta ou por transporte público, e c) inserção do conjunto no tecido urbano, avaliando se o mesmo se encontra em tecido urbano consolidado, em tecido periférico consolidado ou em frentes de expansão periférica. Quanto à integração urbana, foram consideradas as variáveis: a) perímetro de contato com entorno urbanizado, b) tamanho das quadras, c) índice de aberturas para o espaço público e d) rede de circulação de pedestres. O trabalho compreendeu levantamento bibliográfico sobre o tema nos dois países, levantamento da produção de habitação de interesse social em altura, nas cidades de Criciúma, Porto Alegre e Montevidéu, nos arquivos das prefeituras e das agências regionais da Caixa Econômica Federal, dados gráficos e fotográficos sobre os projetos de habitação de interesse social elaborados preferencialmente por arquitetos, projetados ou construídos no período de 19852010, visita aos locais de implantação dos conjuntos selecionados para análise de urbanidade e habitabilidade, entrevistas com técnicos e agentes políticos do setor, em cada país, e complementação das análises por meio do Google Earth e do Street View. Para localização dos conjuntos em cada cidade se utilizaram bases cartográficas georreferenciadas obtidas dos sítios da Web das prefeituras de Criciúma e Porto Alegre e da Intendência Municipal de Montevidéu. APLICAÇÃO - ESTUDO DE CASOS Os critérios de avaliação foram baseados nas publicações apresentadas por FERREIRA (2012) e ROLNIK (2014). Selecionou-se um conjunto em cada cidade para aplicação dos parâmetros de avaliação de urbanidade na escala urbana. Para cada indicador de medição dos parâmetros se estabeleceram critérios de qualificação e correspondentes quantitativos de avaliação (tabela nº. 1). Os conjuntos selecionados foram Residencial Mantova, na cidade de Criciúma/SC, com projeto

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aprovado em 2009 e concluído em 2012 com recursos do PMCMV (Programa Minha Casa Minha Vida), faixa 2; Residencial Repouso do Guerreiro, na cidade de Porto Alegre/RS, com projeto aprovado em 2009 e concluído em 2011 com recursos do PMCMV, faixa 1; e Conjunto COVIREUS al Sur, na cidade de Montevidéu, Uruguai, com projeto aprovado em 1999 e concluído em 2013 com recursos do MVOTMA (Ministerio de Vivienda Ordenamiento Territorial y Medio Ambiente) e executado por cooperativa de ajuda mútua. Conjunto Mantova O Conjunto Residencial Mantova, com 160 unidades distribuídas em 10 blocos de 4 apartamentos por andar e quatro pavimentos sem elevador (fig. nº. 1), se localiza entre a localidade de Santa Luzia e o bairro São Sebastião, a Oeste do Centro da cidade de Criciúma, em uma região que herdou áreas degradas pela atividade carbonífera. O empreendimento está próximo do centro do bairro Santa Luzia e de equipamentos de educação e de saúde básica implantados nos bairros adjacentes. O equipamento escolar mais próximo está a 650 metros. O conjunto é atendido por linhas do sistema integrado de transporte coletivo a partir do Terminal Pinheirinho, localizado a cerca de 3 Km a Leste, defronte ao campus da UNESC (Universidade do Extremo Sul Catarinense). O deslocamento por ônibus é de 8,0 Km até o Terminal Central, localizado contíguo ao Centro da cidade. A frequência fica entre 15 e 20 minutos por causa do tempo de transferência no terminal Pinheirinho. As paradas de ônibus ficam a menos de 300 metros do acesso ao conjunto e o sistema opera com frequência regular nos dias úteis por 18 horas e meia. A pontuação dos dois parâmetros soma 15 pontos (vide tabela nº. 2), o que indica que o conjunto está inserido em tecido urbano periférico e fragilmente integrado ao seu entorno (CEU - Contato com Entorno Urbano de apenas 11%), se caracterizando como uma ilha isolada por muros, não havendo ocupação contínua nos seus limites (vide fig. nº. 2). Conjunto Repouso do Guerreiro O Conjunto Residencial Repouso do Guerreiro, com 300 unidades distribuídas em 15 blocos de 4 apartamentos por andar e cinco pavimentos sem elevador (fig. nº. 3), se localiza no bairro Restinga, defronte a Avenida Edgar Pires de Castro, na periferia Sul da cidade de Porto Alegre. O bairro tem sua origem com a implantação de conjuntos habitacionais empreendidos nas décadas de 1960 (Restinga Velha),


1970 e 1980 (Restinga Nova) pelo DEMHAB (Departamento Municipal de Habitação). O empreendimento está a 2.500 metros do centro do bairro Restinga, onde se concentram os principais equipamentos de educação e de saúde básica. O equipamento escolar mais próximo está a 2.150 metros. O transporte público das linhas que atendem ao bairro fazem parte dos eixos 100 e 200 das linhas Centro-Sul. O percurso total de deslocamento por ônibus, dependendo da linha, pode ser de 20,5 Km ou 24,0 Km até o Terminal do Centro. A frequência de ônibus fica em média acima dos 20 minutos com número limitado de linhas que operam acima de 17 horas diárias. As paradas de ônibus ficam a menos de 300 metros para as linhas via Varejão e de 790 metros para as linhas que partem do bairro Restinga. A soma dos valores dos dois parâmetros atingiu apenas 3 pontos (vide tabela nº. 2). Este valor indica que o conjunto está inserido em tecido urbano de expansão periférica e fragilmente integrado ao seu entorno (CEU - Contato com Entorno Urbano de apenas 12%), se caracterizando como uma ilha isolada por muros, não havendo ocupação contínua nos seus limites e com deficiências no atendimento adequado de transporte, de passeios e de equipamentos (vide fig. nº. 4). Conjunto Covireus al Sur O Conjunto COVIREUS al Sur se situa na área de influência do Plano de Reabilitação do Bairro Sul, elaborado pela Intendência Municipal de Montevidéu, em convênio com a junta de Andalucia, Espanha, e com envolvimento técnico e de assessoramento da Comissão Assessora do Plano Diretor, do Centro Comunal da Zona Nº. 1 e da equipe municipal do Serviço de Estudos Territoriais. Deflagrado no início da década de 1990, o Plano Integral contempla intervenções de reabilitação no bairro, melhorando as condições de habitabilidade e qualidade de vida de seus habitantes com o propósito de se evitar que continue sua degradação urbana. Em 1997, a Intendência Municipal cedeu para a Federação de Cooperativas os terrenos com prédios em estado de abandono com o intuito de se constituir uma cooperativa de ajuda mútua para construção de habitação aos trabalhadores de três sindicatos locais e algumas famílias com necessidade de moradia que viviam no próprio bairro. Localiza-se na área de influência do Centro e muito próximo da Ciudad Vieja, com uma oferta de equipamentos de educação e saúde e de comércio e serviços diversificados, com ruas calçadas,

arborizadas e iluminadas. Conta com 8 linhas de ônibus cuja parada mais distante está a cerca de 600 metros. Dessas, 6 linhas operam 24 horas com frequência entre 5 e 20 minutos. O conjunto compõe edifícios em fita de 5 pavimentos, no alinhamento predial, conformando quadras fechadas com miolo de uso coletivo, com 182 unidades (fig. nº. 5). Sua localização e configuração, que contribui para a manutenção do tecido tradicional das áreas mais antigas da cidade, fazem com que o padrão de urbanidade atinja 33 pontos (tabela nº. 2), se caracterizando como conjunto implantado em tecido consolidado e com alto grau de integração urbana (CEU=100%; fig. nº. 6). CONCLUSÃO Os parâmetros de urbanidade na escala urbana aqui testados podem servir como ferramenta para a avaliação mais criteriosa de projetos. Fica demonstrado que, enquanto no Uruguai se verificam ações para que a habitação social contribua efetivamente para a construção da cidade, o mesmo não ocorre no contexto brasileiro. No Brasil, prevalece uma política de financiamento baseada na atuação preponderante de agentes privados, e uma legislação que induz à reprodução de modelos baseados em duas tipologias herdadas do extinto SFH-BNH. Elas são dissociadas de planos municipais de ordenamento territorial e de programas de financiamento para criação de carteiras de terras, gerando distorções no desenvolvimento urbano. Isso torna mais necessário considerar a inserção urbana dos conjuntos como fator determinante na contenção das periferias urbanas e na indução do crescimento, que o atual programa de financiamento brasileiro não dá conta de resolver. A Ley Nacional de Vivienda, aprovada em 1968 pelo parlamento uruguaio, embora tenha sofrido algumas distorções que levaram ao enfraquecimento do sistema cooperativista em detrimento do sistema de produção de mercado, durante o regime militar e nos períodos posteriores de governos neoliberais, se baseia nas necessidades das pessoas, o que propicia produção com diversidade de soluções. A habitação de interesse social, no Uruguai, é um campo de atuação profissional importante, o que torna o protagonismo dos arquitetos muito intenso, especialmente nas críticas e na formulação das políticas, com participação nos principais órgãos oficiais responsáveis pelos planos e programas do setor. No Brasil, a questão do projeto é considerada irrelevante, sendo, portanto, desprezada a participação dos arquitetos, relegados a uma atuação secundária de cumprimento meramente normativo e técnico-econômico, subordinados a regras rígidas que engessam as possibilidades de inovação, qualidade e criatividade.

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Fig.1: C. R. Mantova - Criciúma/SC - Foto: Imobiliária Duda Imóveis

Fig.2: Localização e integração urbana C. R. Mantova - Criciúma/SC

Fig.3: Repouso do Guerreiro - Porto Alegre/ RS - Foto: Guilherme Santos -PMPA

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Fig. 4: Localização e integração urbana C. R. R. do Guerreiro - Porto Alegre/RS.

Fig. 5: C. R. Covireus al Sur - Montevidéu/Uy Foto: Arq. Marcos Bracco

Fig. 6: Localização e integração urbana C. R. Covireus al Sur Montevidéu/Uy

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SILVIO BELMONTE DE ABREU FILHO abreuarq@terra.com.br Arquiteto pela Faculdade de Arquitetura da UFRGS (1975), Mestre pelo IEDES da Université de Paris I Panthéon-Sorbonne (1979), Doutor em Arquitetura pelo Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura PROPAR da UFRGS (2006), Professor Titular do Departamento de Arquitetura da Faculdade de Arquitetura da UFRGS, Professor e Pesquisador do PROPAR desde 1981, com ênfase nas áreas de tipologias habitacionais e morfologia urbana, análise tipo-morfológica, desenho urbano, planos e projetos urbanos. JORGE LUIZ VIEIRA jov@unesc.net

RÚBIA CARMINATTI PETERSON carminattipeterson@gmail.com

Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo (1983) e mestrado em Geografia (2002) pela Universidade Federal de Santa Catarina. Admitido como aluno regular no curso de Pós-Graduação e Pesquisa em Arquitetura - PROPAR da Universidade Federal do Rio Grande do Sul , em 2013, nível doutorado, na linha de pesquisa Tipologias Arquitetônicas e Morfologia Urbana. Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Extremo Sul Catarinense, desde 2003 até o presente e, coordenador do mesmo, de 2003 até 2012. Atualmente, coordena o Projeto de Extensão Habitat Saudável e Sustentável da Universidade do Extremo Sul Catarinense.

Graduada em Tecnologia em Cerâmica (2000) e em Arquitetura e Urbanismo (2011) pela Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC. Pós graduada em Gestão empresarial (2003) pela mesma instituição e mestre em Arquitetura e Urbanismo (2013) pelo Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo-PósARQ da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Atualmente leciona no Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Extremo Sul Catarinense e faz parte do Grupo de Pesquisa Habitação, Espaço Público e Cidade.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Luana Rocha de Souza | Danielle Costa Guimarães | Macapá, Brasil PROPOSTA DE HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL PARA MACAPÁ - AP Modo de vida, inserção urbana e apropriação do espaço público

INTRODUÇÃO A provisão de habitações de interesse social (HIS) em Macapá é resultante regras de programas federais, concebidas sem levar em conta fatores como o modo de vida e o cotidiano das famílias beneficiárias, o que diminui a qualidade do projeto. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho foi propor uma solução projetual de HIS, por meio de um método que possa proporcionar a inserção urbana, que disponibilize espaços públicos adequados para favorecer sua apropriação e que leve em consideração o modo vida das pessoas. A intenção foi diminuir custos e número de possíveis modificações posteriores nas moradias e aumento no tempo de permanência dos moradores. Para estudo de caso foi escolhida a ocupação informal na área úmida das Pedrinhas, em Macapá-AP. O método utilizado consistiu no analítico, foram realizadas revisão bibliográfica, estudo in loco e aplicação de 30 entrevistas com os moradores do interior da ressaca, para compreender melhor as especificidades dos moradores e suas necessidades mais latentes. A análise do modo de vida foi baseada, principalmente, no conceito de habitus do Bourdieu, que consiste na origem das disposições que são adquiridas por meio das experiências sociais aprendidas, é a sabedoria prática, que define os modos de pensar e agir diante de certas conjunturas (Bourdieu, 2009)1. O habitus se torna perceptível no cotidiano das relações sociais de diversas maneiras, através de vontades, preferências, valores, opiniões, intuições, expectativas, gostos, no modo de se comportar, nas táticas e estratégias.

ESTUDO DE CASO Macapá (AP) é uma cidade permeada por áreas úmidas, localmente intituladas de ressacas, que sofrem pressão por ocupação informal. A população de mais baixa renda ocupa essas áreas, na maioria das vezes, por falta de opção, tendo em vista que não possuem renda para se inserir formalmente no mercado imobiliário. A ressaca das Pedrinhas está situada em Macapá-AP, no bairro Jardim Marco Zero (fig. 1). Ela encontra-se em processo de ocupação urbana (Takiyama et al, 2012)2 e contém 250 residências em seu interior. As casas nela situadas são simples, de madeira e são palafitas (casas acima do solo). Vale salientar a importância dada à construção das varandas nestas casas, provenientes tanto da cultura ribeirinha, como também, destinado a um espaço para relaxar, atar rede, contemplar o movimento das pessoas nas estivas, interagir com os vizinhos. Esse espaço também é destinado à plantação de pequenas hortas por uma parte dos entrevistados. A maioria dos entrevistados provém de outros estados, migraram em busca de melhorias de vida, porém tiveram que se acostumar a ter um cotidiano difícil, ocasionado pela falta de infraestrutura, de saneamento e de segurança. Apesar das dificuldades, eles nutrem identidade com o lugar, pois possuem relações de vizinhança, parentesco, gostam da tranquilidade do lugar e, em alguns casos, há proximidade do trabalho (alguns, inclusive, possuem um pequeno comércio na frente de sua casa).

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1 Bourdieu, Pierre (2009). O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil. 2 Takiyama, Luís Roberto et al. (2012). Projeto zoneamento ecológico econômico urbano das áreas de ressacas de Macapá e Santana, estado do Amapá: relatório técnico final. Macapá: IEPA. 3 SOBARZO, Oscar (2006). A produção do espaço público: da dominação à apropriação. GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, 19, 93- 111. 4 Carlos, Ana Fani Alessandri (2007). O lugar no/do mundo. São Paulo: Labur Edições.


5 Ferreira, João Sette Whitaker (coord.) (2012). Produzir casas ou construir cidades? Desafios para um novo Brasil urbano. 1. ed. São Paulo: LABHAB; FUPAM. 6 Gambim, Paula Silva (2007). A influência de atributos espaciais na interação entre grupos heterogêneos em ambientes residenciais. (Tese inédita de Mestrado) Programa de Pós-graduação em Planejamento Urbano e Regional, Faculdade de Arquitetura, UFRGS, Porto Alegre. 7 Serpa, Ângelo (2007). O espaço público na cidade contemporânea. São Paulo: Contexto. 8 Jacobs, Jane (2000). Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes. 9 Lynch, Kevin (1980). A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes.

Em contraponto à cidade como espaço capitalista (espaço dominado pela ação estatista e pela lógica da valorização), está a apropriação do espaço. A apropriação do espaço se refere às relações socioespaciais produzidas pelo uso, pelas práticas cotidianas que configuram o plano do vivido e que criam a identidade e o sentimento de pertencimento dos indivíduos (Sorbarzo, 2006)3. São os lugares, termo definido por Carlos (2007, p.17)4 como “porção do espaço apropriável para a vida” que o homem utiliza, que dizem respeito a seu cotidiano e a seu modo de vida, por exemplo, como se locomove, onde trabalha, caminha, se diverte. Em relação ao seu cotidiano, estes utilizam os mercados próximos, estão bem inseridos na malha urbana, pelo fácil acesso ao transporte público, pela proximidade de equipamentos comunitários e de trabalho. A maioria dos entrevistados costuma ter lazer nas proximidades de onde vive e interage com os amigos e vizinhos nas proximidades, podendo ser na estiva, na rua, na praça, na igreja, nas varandas das casas. No interior da ressaca não há espaço livre de lazer, por isso as crianças brincam nas estivas de madeira e nas varandas. Com base nas entrevistas e na visita in loco, foi elaborado um quadro resumo dos equipamentos comunitários necessários e das necessidades/ desejos dos moradores para a habitação (quadro 1). Os equipamentos comunitários citados ou são inexistentes no bairro ou são insuficientes. No que concerne à habitação, compreende-se que esses moradores querem, principalmente, ter uma casa em terra firme que disponha de toda a infraestrutura necessária e que seja funcional no sentido de atender suas necessidades. PROPOSIÇÃO URBANA E ARQUITETÔNICA A solução arquitetônica e urbana de HIS proposta nesse trabalho esteve atrelada a três escalas: a inserção urbana, a implantação e as unidades habitacionais. Estas baseadas no estudo de Ferreira (2012)5 sobre análise da qualidade de conjuntos habitacionais (quadro 2). A primeira escala relaciona o conjunto habitacional à cidade e ao bairro na qual está inserido, levando em consideração os equipamentos urbanos, a localização, a infraestrutura e a articulação à morfologia. A segunda escala se refere a relação entre o conjunto habitacional e o entorno imediato levando em conta a adequação à topografia, o paisagismo, as formas de ocupação no terreno, as áreas comuns e de lazer e a densidade e dimensão do empreendimento. A terceira escala está ligada ao dimensionamento das habitações, à funcionalidade, ao conforto ambiental, à heteroge-

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neidade e ao sistema construtivo. O modo de vida está atrelado às três escalas. O parâmetro a “inserção urbana” das habitações consistiu, primeiramente, em manter as redes sociais existentes e o cotidiano dessas pessoas, por conta disso o terreno escolhido foi um vazio urbano localizado próximo à ressaca. A estruturação das famílias nas habitações deve manter a relação de vizinhança existente atualmente, mas, para que isso possa ocorrer, deverá ser realizado um levantamento censitário e o mapeamento das habitações. O terreno escolhido está bem inserido na cidade, devido à sua localização, à infraestrutura e ao transporte público existentes, necessitando, apenas, de alguns equipamentos comunitários. As ruas foram traçadas levando em conta o sentido das vias existentes, para que fosse mais acessível, melhorando a integração com o entorno. A topografia é praticamente plana, o que diminui os custos quanto ao nivelamento do solo. Em relação ao parâmetro “implantação” das habitações, também foram levados em consideração fatores para melhorar a apropriação dos espaços públicos. O espaço público possui uma função, e esta presume um uso, e sua forma influencia como é utilizado pelas pessoas. Quanto mais adequado o ambiente construído, em termos de qualidade de infraestrutura e de existência de equipamentos e serviços próximos à residência que apoiem as necessidades dos moradores, maior será a intensidade de apropriação da área (Gambim, 2007)6. A qualidade de infraestrutura se refere à acessibilidade, à aparência, à segurança, à imagem do local (quadro 3). A acessibilidade remete ao acesso generalizado e irrestrito aos espaços de uso coletivo, sendo tanto física quanto simbólica (Serpa, 2007)7. Jacobs (2010)8 defende a diversidade de usos no ambiente como dinamizadora do uso dos espaços, o que aumenta a sensação de segurança no espaço público. A aparência se refere às questões projetuais do espaço e à qualidade do ambiente físico que favorecem seu uso e permanência no lugar, interferindo na segurança. A imagem do local pode suscitar no usuário maior sensação de segurança, menor ansiedade e maior confiança, intensificando o pertencimento e a familiaridade com o lugar para o grupo (Lynch, 1980)9. Então, primeiramente se estabeleceu âncoras urbanas, que consistem em usos que atraem as


pessoas a usar e movimentar o local (fig. 2). Foram estabelecidos três eixos: a da rodovia, próximo a ressaca e duas vias que as interligam. Na primeira, se privilegiou o uso misto, com o intuito de formar uma área comercial local e da vizinhança, além de dar continuidade ao uso comercial existente por conta de um Supermercado vizinho. Uma praça com o centro comunitário foi locada no quarteirão mais próximo ao Monumento Marco Zero, se integrando a área de lazer e cultura existente (fig. 3). A calçada do corredor comercial é larga para comportar diversos usos, como mobiliários, arborização, mesas de restaurantes, etc. Além das áreas livres maiores, também foram locadas outras de menor porte. Tais áreas possuem diversas funções, como esportiva, descanso, playground, contemplação, cinema ao ar livre e circulação. Estes espaços públicos propiciam ao pedestre várias possibilidades de caminhos além da calçada, possuindo sempre pontos de atração (fig. 4). Vale salientar que tanto as áreas de lazer, como áreas de circulação possuem edifícios voltados para as mesmas, com acessos e/ ou janelas para se ter “olhos para a rua” e, assim, oferecer o sentimento de segurança às pessoas. As áreas comuns de lazer levam em conta o fácil acesso, a aparência atrativa, a imagem clara do ambiente e a diversidade de uso. Por meio disso, cria-se ambientes propícios para os acontecimentos das práticas sociais, possibilitando encontros ao ar livre e as manifestações dos modos de vida.

CONCLUSÃO Este trabalho procurou uma solução arquitetônica e urbana para o reassentamento de áreas úmidas, objetivando oferecer ao morador mais elementos para se apropriar do espaço e se identificar com o conjunto habitacional de que faz parte, garantido sua satisfação e sentimento de pertencimento ao lugar. Dessa forma, é possível diminuir custos e número de modificações posteriores nas moradias, além do aumento no tempo de permanência dos moradores. Este exercício é uma solução prática que pode ser adotada pelo poder público, pois resultou em um projeto urbano e arquitetônico que deveria ainda ser discutido com a população. Num futuro próximo pretende-se dar continuidade a estudos e práticas mais acessíveis aos projetistas.

No lote de 90671m² foram locados vinte e nove edifícios, totalizando 355 unidades habitacionais e 55 salas comerciais (fig. 5, 6, 7). O número de unidades habitacionais acima do número de casas existentes na ressaca levou em conta a questão da coabitação das famílias. Foram elaborados projetos de quatro tipologias de habitação social, para que não haja muitos padrões repetitivos e com isso não tornar o ambiente monótono (fig. 8). A disposição dos ambientes e as dimensões das unidades habitacionais foram pensadas em espaços flexíveis para que o morador possa realizar atividades do cotidiano, como estudar, fazer refeições, descansar na rede, entre outras. O projeto se adequa à realidade dos moradores, por serem mistas, de dois a três quartos, terem espaços flexíveis, que permitem diversos layouts por parte dos usuários, ter varandas para que possam interagir com os vizinhos, olhar para a rua. Também há a possiblidade de plantar pequenas hortas na varanda ou no espaço público, fato que depende da vontade dos moradores.

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equipamentos comunitários citados ou são inexistentes no bairro ou são atrelada a três escalas: a inserção urbana, a implantação e as unidades insuficientes. No que concerne à habitação, compreende-se que esses habitacionais. Estas baseadas no estudo de Ferreira (2012)5 sobre análise da moradores querem, principalmente, ter uma casa em terra firme que disponha qualidade de conjuntos habitacionais (quadro 2). A primeira escala relaciona o de toda a infraestrutura necessária e que seja funcional no sentido de atender conjunto habitacional cidade e ao bairro censitário na qual está levandodas em deverá ser realizadoà um levantamento e oinserido, mapeamento suas necessidades. consideração os equipamentos urbanos, a localização, a infraestrutura e a habitações.

autoras.

Equipamentos comunitários Habitação articulação à morfologia. A segunda escala se refere a relação entre o conjunto O terreno escolhido está bemVaranda inserido na cidade, devido à sua Posto policial habitacional e o entorno imediato levando em conta a adequação à topografia, o Creche Área para criação de horta necessitando, localização, à infraestrutura e ao transporte público existentes, paisagismo, as formas de ocupação no terreno, ascom áreas comuns e de lazer e a Escola de jardim de infância Habitação 2 quartos apenas, de alguns equipamentos comunitários. As ruas foram traçadas levando Posto de saúde Habitação com 3 quartos densidade e dimensão do empreendimento. A terceira escala está ligada ao em conta o sentido das vias existentes, para para quepequenos fosse mais acessível, Ambiente comércios e Centro comunitário dimensionamento das habitações, à funcionalidade, ao conforto ambiental, à serviços melhorando a integração com o entorno. A topografia é praticamente plana, o Áreas de lazer: playground, área Funcionalidade: dimensionamento e heterogeneidade edescanso. ao sistema construtivo. O modo de vida está atrelado às três esportiva, área de flexibilidade que diminui os custos quanto ao nivelamento do solo. Lanchonetes Terra firme escalas. Em relação ao parâmetro “implantação” das habitações, também foram

Quadro 2. Parâmetros

Especificidade dos moradores levados em Oscar consideração melhorar a apropriação espaços SOBARZO, (2006). A fatores produção para do espaço público: da dominação dos à apropriação.

Quadro 1. Resumo das necessidades dos moradores da ressaca das Pedrinhas. Fonte: as

para proposta urbana e arquitetônica de HIS.

e Cotidiano GEOUSP - Espaço e Tempo, SãoModo Paulo,de 19,vida 93- 111. Carlos, Ana Fani Alessandri (2007). O lugar no/do mundo. São Paulo: Habitabilidade Labur Edições. Inserção urbana Implantação

públicos. O espaço público possui uma função, e esta presume um uso, e sua

Fonte: adaptação de

forma influencia como é Adequação utilizado pelas pessoas. Quanto mais adequado o à topografia Funcionalidade

Ferreira (2012).

Paisagismo Conforto ambiental ambiente construído, em termos de qualidade de infraestrutura e de existência Serviços urbanos

Infraestrutura

Formas de ocupação no

Custo

Localização de equipamentos e serviços próximos à residência que apoiem as necessidades terreno Heterogeneidade

Articulação com a Áreas comuns e dede lazer Sistema dos moradores, maior será a intensidade apropriação da construtivo área (Gambim, morfologia Densidade e dimensão Aparência

2007)62.. A qualidade deproposta infraestrutura refere à acessibilidade, à aparência, à Quadro Parâmetros para urbana ese arquitetônica de HIS. Fonte: adaptação de Ferreira (2012). segurança, à imagem do local (quadro 3).

Quadro 3. Apropriação

O

parâmetro

a

“inserção

urbana”

das

habitações

Acessibilidade

consistiu,

do espaço público. Fonte:

primeiramente, em manter as redes sociais existentes e o cotidiano dessas Aparência

adaptação de Gambim

local localizado pessoas, por do conta disso o terreno escolhido foi umImagem vazio do urbano Apropriação espaço

(2007).

Qualidade de infraestrutura

público

Segurança deve manter a próximo à ressaca. A estruturação das famílias nas habitações Serviços comunitários

relação de vizinhança existente atualmente, Diversidade de usos mas, para que isso possa ocorrer, Praças

Quadro 3. Apropriação do espaço público. Fonte: adaptação de Gambim (2007).

Figura 1. Localização da ocupação na ressaca das Pedrinhas e lote escolhido para proposta urbanística. Fonte: as autoras.

A acessibilidade remete ao acesso generalizado e irrestrito aos espaços 7 5de uso coletivo, sendo tanto física quanto simbólica (Serpa, 2007) . Jacobs

Ferreira, João Sette Whitaker (coord.) (2012). Produzir casas ou construir cidades? Desafios para um8novo Brasil aurbano. 1. ed. São LABHAB; FUPAM. (2010) defende diversidade de Paulo: usos no ambiente como dinamizadora do uso

dos espaços, o que aumenta a sensação de segurança no espaço público. A

Gambim, Paula Silva (2007). A influência de atributos espaciais na interação entre grupos heterogêneos em ambientes residenciais. (Tese inédita de Mestrado) Programa de Pósgraduação em Planejamento Urbano e Regional, Faculdade de Arquitetura, UFRGS, Porto Alegre. Serpa, Ângelo (2007). O espaço público na cidade contemporânea. São Paulo: Contexto. 8 Jacobs, Jane (2000). Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes.

Figura 2. Ãncoras urbanas. Fonte: as autoras.

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Figura 3. Implantação. Fonte: as autoras.

Figura 4. Possíveis caminhos feitos a pé e acesso ao conjunto habitacional. Fonte: as autoras.

Figura 5. Praça do skate. Fonte: as autoras. Figura 6. Corredor comercial. Fonte: as autoras.

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Figura 7. Praça com quadra de vôlei. Fonte: as autoras.

Figura 8. Tipologias. Fonte: as autoras.

LUANA ROCHA DE SOUZA luanarochaap@gmail.com

DANIELLE COSTA GUIMARÃES dcguimaraes@gmail.com

Luana Rocha de Souza, graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Amapá. Em 2013 fez mobilidade acadêmica para a Universitat Rovira i Virgili, na Espanha, por meio do programa Iberoamericano do Santander. Trabalhou com iniciação científica no grupo Arquitetura e Urbanismo na Amazônia, estudando as cidades amapaenses e guianenses.

Danielle Costa Guimarães, possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Pará (2000) e mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília (2005). Atualmente é aluna do Curso de Doutorado pela Universidade Federal da Bahia e é professora assistente nível 2 da Universidade Federal do Amapá.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Amanda Arcuri | Marcos Favero| Rio de Janeiro, Brasil PÓS-DESASTRE: HABITAÇÃO E DESENHO URBANO

A compreensão do desastre não somente como fenômeno natural, mas também como fenômeno social – em contraposição ao até então entendimento deste como “obra de Deus” – foi alcançada no começo da década de 1980, quando foi vinculado à pobreza e consequente ocupação de sítios menos indicados para construção. Sem dúvida, uma mudança de paradigma conceitual, quando a partir daquele momento foi considerado e denominado como desastre sócionatural. O delicado contexto social e físico estabelecido por meio de um processo de expansão desordenada em diversos países gerou, paulatinamente, uma condição de vulnerabilidade que passou a ser considerada como fator determinante para a ocorrência e o grau do impacto de um desastre (fig.1).

para reconstrução da área afetada. Área na qual a situação permanente, anterior às catástrofes, era em si mesma uma situação de emergência denominada emergência permanente1. Confundiam-se, portanto, a precariedade gerada a partir dos eventos e aquelas pré-existentes. Nesse sentido, é possível observar que a intervenção imediata e sem planejamento no pós-desastre pode construir novas vulnerabilidades, criando um processo sem fim de desastres e intervenções emergenciais.

A década de 2000, e o princípio da seguinte, no âmbito da discussão sobre pós-desastre, caracterizou-se pela busca, por parte dos diversos profissionais envolvidos (arquitetos, geógrafos, advogados e planejadores tiveram grande presença), de estabelecer uma maneira de reversão desse quadro.

Por exemplo, após o terremoto que atingiu o Haiti em janeiro de 2010 – com 300 mil mortos e 3 milhões de pessoas afetadas (30% da população total) – o Governo permitiu o assentamento provisório de 30 mil pessoas em Canaán, uma área livre da cidade, até então intacta (fig.3). Receando que se tornasse uma comunidade definitiva, autorizou apenas a ocupação efêmera. Ou seja, sem a instalação de infraestrutura, sem construções permanentes, tanto no que diz respeito às habitações quanto aos serviços necessários. Não é surpreendente que tenham se desenvolvido epidemias de cólera e de tuberculose, enfermidades que têm sua transmissão diretamente vinculada à forma de ocupação do espaço. O crescimento caótico de Canaán provocou o deslocamento dos esforços de reconstrução da área atingida pelo terremoto para a urbanização desse lugar ocupado após o terremoto.

Compreendeu-se que o investimento excessivo sob uma perspectiva efêmera no socorro de emergência, além de não mostrar resultados satisfatórios, deslocava, em última instância, a inversão necessária

Como consequência da pesquisa e da prática no âmbito do pós-desastre, uma série de experiências com objetivo de reconstruir as cidades no pós-desastre se acumularam. No entanto, o planejamento da cidade

A aparente intensificação e agravamento das ameaças, somado à grande vulnerabilidade da população, é traduzido por um aumento no número dos desastres (fig.2).

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1 Salas Serrano, Julián (coord.) (2006). Directrices de habitabilidad básica poscatástrofe para optimizar el tránsito de la emergenciaal desarrollo progresivo en el área centroamericana. Madri: Fundación Carolina. 2 Allan, Penny, Bryant, Martin (2010). The critical role of open space in earthquake recovery: a case study. In: NZSEE Conference, 10, 2010, Wellington.


3 Esses debates foram também entrelaçados no momento da recuperação de Lisboa após o terremoto e tsunami de 1755, cujo fruto foi, além do plano da cidade, o estilo pombalino que discute especificamente a construção de cada moradia. 4 Ferrero, Aurelio, Gargantini, Daniela (2003). El riesgo como oportunidad. Boletín del Instituto de la Vivienda, V.18, n. 47, p.74-80.

que lida com a ameaça latente e com a resiliência, diverge das teorias da forma urbana que priorizam tanto a eficiência da infraestrutura e da construção, como a urbanidade. Parece que “o ‘bom’ desenho urbano e as práticas adequadas no planejamento frente a desastres são muitas vezes contraditórios”2. Se, por um lado, as noções de densidade, de concentração populacional e econômica contribuem para a construção de um cenário vulnerável frente a fenômenos naturais; por outro, estruturam cidades rentáveis (em sentido amplo), interessantes, e com alto grau de urbanidade. Essas características consolidadas anteriormente representam um risco latente, e provavelmente distante. São dados de uma escolha. Sem dúvida, nessa discussão, entrelaçam-se os debates sobre recuperação pós-desastre, e aquele especificamente sobre a recuperação pós-desastre através da habitação3. Percebemos que a questão relacionada com a moradia configura-se como “motor” para a recuperação, e que está inserida na estratégia de intervenção frente à “oportunidade” que a destruição promove. O âmbito do pós-desastre é um espaço aberto a admitir modelos e técnicas inovadoras que sofreriam grande resistência em um processo regular de intervenção, tanto no que diz respeito à tecnologia construtiva, a ocupação do solo, as políticas, leis e normas, quanto à gestão e participação da população de maneira geral. O desastre catalisa um processo que tradicionalmente levaria anos em conflito4. Famílias de diferentes níveis socioculturais convivem de “maneira direta” e o acesso à cidade encontra-se mais franco, em um contexto de suspensão de padrões discriminatórios. Na prática, pode resultar na hibridização social e, no limite, em uma revisão do padrão de ocupação da cidade e da habitação. Contribuirá para nossa discussão a intervenção ocorrida na cidade (localidad) de Dichato, após o terremoto e tsunami de 27 de fevereiro de 2010 que atingiu a costa do Chile. Com 80% da cidade destruída, foram repensadas construtivamente as edificações, assim como a localização, a implantação e os respectivos usos. O termo construtivamente, neste caso, refere-se sobretudo à tipologia habitacional (o térreo mostrou-se claramente a parte mais vulnerável e também a mais utilizada da moradia), mas também aos materiais usados e, no limite, à resistência da edificação a eventos como esse.

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Conforme indicado na ilustração (fig.4), as ocupações foram divididas em três áreas: área de risco vermelho – risco muito elevado e, portanto de uso restrito; laranja – área de uso condicionado; amarela – área livre de risco – onde não há qualquer tipo de restrição. Quando da impossibilidade de remover todas as habitações da área de risco vermelho, e, portanto para mante-las n na área de uso restrito, foram criadas as classificações “antitsunami” e “tsunami resistente” para construções, em função do nível de exposição frente ao tsunami. Consequentemente, a alteração no padrão construtivo da cidade é significativa. Vale dizer que, neste caso, a reconstrução é o início de uma nova cidade, que busca atingir os estados de resiliência e desenvolvimento, no sentido de diminuir as vulnerabilidades expostas no desastre. A tipologia de habitação mencionada anteriormente e aplicada em Dichato configurou uma excelente estratégia de prevenção e adaptação aos desastres, cuja eficiência foi testada na ocasião do maremoto ocorrido um ano após o primeiro (2010). O tsunami causado pelo tremor que atingiu o Japão cruzou o oceano Pacífico e alcançou Dichato; porém a inundação não causou estragos, além do próprio alagamento. As casas recém-construídas se mantiveram intactas (fig.5). É possível afirmar que as moradias em questão, portanto, erguidas após a destruição para evitar futuros desastres, são adequadas para o fim proposto. No entanto, ainda é necessário verificar seu desempenho urbano, e o desencadeamento da expansão destas na cidade. Este questionamento refere-se à dinâmica da cidade, à apropriação dos espaços livres, da relação com os espaços de uso coletivo. No limite, refere-se à vitalidade, ou se a maneira na qual as pessoas imprimem essa característica nesse tipo de cidade compromete negativamente a proposta original. É importante avaliar o que representa configurar ruas sem “térreos” (áreas habitáveis erguidas a partir do segundo pavimento, dando à construção a capacidade de resistir a enchentes e tsunamis, por exemplo), sem a relação direta interior-exterior, assim como a efetividade no que diz respeito à manutenção desta área livre para um futuro evento. Os numerosos espaços livres configurados pela “elevação” da moradia são espaços abertos a apropriações.


Há que se acompanhar o desenvolvimento de Dichato e de outras cidades (re)construídas considerando esta estratégia para moradia a fim de avaliar a intervenção. A estratégia de intervenção pós-desastre será consolidada e se manterá como um desenho urbano efetivo? Ou seja, se manterá resiliente frente a desastres, e também adequada para o uso rotineiro? Podemos afirmar que a implementação do projeto de intervenção pós-desastre em Dichato é um grande feito, pois, inúmeras vezes, o processo de recuperação é impossibilitado em função de incompatibilidades com os padrões e procedimentos pré-existentes (legislação, liberação de verba, entre muitos outros). O desenho urbano “cotidiano”, geralmente, leva pouco em conta um dado que entrou na discussão junto com o debate ambiental: todas as cidades são vulneráveis a eventos extremos, que são cada vez mais frequentes e menos mapeáveis. Nesse sentido, surge um sentimento de impotência, pois não temos condições – e tampouco grandes certezas do que ocorrerá no futuro – de adaptar todas as cidades, a essa nova ordem. Trata-se da reversão de um quadro altamente consolidado, e de um processo de medir o nível de “risco aceitável” por uma determinada população5. Estamos entre repensar o futuro e a maneira de ocupação das cidades, a redução das vulnerabilidades e também das ameaças – regulando, por exemplo, as emissões de gases formadores do efeito estufa ou a impermeabilização do solo das cidades, entre outras estratégias – (intervenções de longo prazo, ou possível em uma situação de destruição como foi o caso de Dichato); e por isso, incapazes de ter uma resolução atual para a habitação (consolidada ou a construir) versus desastres. Incapazes de conciliar habitação e ameaças, objetivando a redução do número de desastres. Seguindo a lógica apresentada, é fato que os desastres irão ocorrer. Consequentemente, procuramos trazer à discussão um modelo de planejamento possível para os desastres que consiste em calcular o risco que será assumido e prever as reservas necessárias para sobreviver aos impactos dos eventos, o que implica em conviver com o ciclo de construção-destruição-reconstrução, preparar o sistema de alerta e planejar como e para onde ir em casos de ameaças e desastres (fig.6). Nesse caso, os espaços livres da cidade assumem um papel importante frente às catástrofes. Praças, ruas,

estacionamentos, qualquer espaço não edificado é rapidamente ocupado como espaço seguro pela população afetada. Transformam-se em “segundas cidades”6 em tempos de crise. Espaços com capacidade latente de atuação e adaptação tornam-se lugares que se caracterizam como contínuos epicentros de catástrofes. É necessário planejá-los e cadastrá-los para a ocupação pós-desastre. São destinados ao uso transitório, espaços fundamentais para o funcionamento da cidade, que serão ocupados e também requeridos futuramente pela população. É necessário observar que o conceito de “segunda cidade” pode ser confundido com a estratégia adotada por diversas cidades, como por exemplo, aquelas do Estado do Rio de Janeiro (Teresópolis, Petrópolis, Friburgo, entre outras), que são atingidas, periodicamente, por fortes chuvas, com alagamento e deslizamento de encostas; e utiliza praças, escolas e ginásios para acolher as pessoas afetadas. No entanto, neste caso, a reconstrução que segue o evento recompõe as mesmas vulnerabilidades e não aponta ser parte de um planejamento oficial. Denota, contudo, falta de sintonia das intervenções, pois, ao que tudo indica, a reconstituição das fragilidades é uma resposta à falta de suporte e alternativa para as pessoas. Na maioria dos casos, constam de ameaças, vulnerabilidades, e desastres, sempre semelhantes. Na estratégia que contempla a “segunda cidade”, o desenho urbano “cotidiano” se aproximaria do pós-desastre, ao invés de ser atravessado por ele nos momentos de emergência. Evitaríamos, possivelmente, a construção, por exemplo, de “campos de refugiados”, decisão tomada em momento de crise que tende a transformar-se em permanente (como ocorreu no Haiti, caso citado anteriormente). Evitaríamos também que algumas questões que muitas vezem impedem a implementação das intervenções pós-desastre – propriedade da terra, legislação, investimentos, etc – sejam tratadas de forma emergencial. Incorporam-se, portanto, a um desenho urbano que se adequa às mudanças temporais inevitáveis, um desenho urbano aberto, adaptável, flexível e previsto para ser complementado e adaptado. Essa discussão parece produtiva, uma vez que não se trata somente das estratégias idealmente adequadas, mas também daquelas ações possíveis em cenários complexos e frequentemente despreparados. Considera-se, também a possibilidade de transformação e adequação constante do desenho urbano e da sociedade como um todo. Concluimos – parafraseando Wilches-Chaux – que “temos como obrigação o milagre”7.

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5 Lavell, Allan (2000). Desastres urbanos: una visión global. Anuario Política y Social de América Latina, V. 3, n.p. 6 Allan, Penny; Bryant, Martin (2010). The critical role of open space in earthquake recovery: a case study. In NZSEE Conference 10, 2010. Wellington. 7 Wilches-Chaux, Gustavo (2012). La gestión del riesgo: del deber de la esperanza a la obligación del milagro. In Fernando Briones (coord.), Perspectivas de investigación y acción frente al cambio climático en Latinoamérica (p. 247-270) Merida: Universidade de Los Andes.


RISCO

VULNERABILIDADE

AMEAÇA

FENÔMENOS NATURAIS DESASTRE

CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA

fig.1: relações do desastre, condição socioeconômica e fenômenos naturais.

DESASTRES INFORMADOS 1960-1990 38

1960

e idemia se u a a alanc a tormenta inundaci n olcanes desli amientos terremoto

1 1

52.8

65

1970

e idemia se u a a alanc a tormenta inundaci n olcanes desli amientos terremoto

1 55

1 1 356

112.8

50 1 1

1980

e idemia se u a a alanc a tormenta inundaci n olcanes desli amientos terremoto

1

1 603 55 1

1990

222.8

n mero rom dio de desastres informados durante 1

fig. : o a arente aumento dos desastres. fonte: centro de investigación de epidemología de desastres

347

1

1


CRESCIMENTO DESORDENADO

X

CRESCIMENTO DESORDENADO

ACÚMULO DE VULNERABILIDADES

PLANEJAMENTO URBANO

ACÚMULO DE VULNERABILIDADES

DESASTRE

acúmulo de vulnerabilidades

DESASTRE

desenvolvimento: diminuir as vulnerabilidades expostas no desatre

lane amento ur ano

fig. : lane amento ur ano e

PLANEJAMENTO URBANO

s desastre.

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DESASTRE

RECONSTRUÇÃO

RECONSTRUÇÃO ÁREA DE RISCO

USOS PERMITIDOS

SEGUNDA CIDADE

uso restrito

uso condicionado

cient fico es orti o recreati o comercial

moradia cient fico comercial religioso cultural es orti o recreati o ser iço social industrias

ona erde ind strias de ai o risco trans orte infraestrutura ortos

ÁREA LIVRE DE RISCO

moradia cient fico comercial religioso cultural es orti o educacional segurança recreati o ser iço social industrias infraestrutura sa de

educacional sa de segurança ser iços

SEGUNDA CIDADE fig. : modo de lane amento

fig. : dic ato: reas e ossi ilidades de ocu ação.

s desastre contem lando a construção de segunda cidade .

AMANDA ARCURI arcuri.amanda@gmail.com

MARCOS FAVERO favero.marcos@gmail.com

Amanda Arcuri é arquiteta e urbanista pela FAU-UFRJ (2011), estuda o tema desastre e pós-desastre desde 2009, quando iniciou o Trabalho Final de Graduação, "Sistema de intervenção pós-desastre". Deu continuidade à pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Urbanismo (PROURB | FAU-UFRJ), e com a dissertação "Pós-desastre: da vulnerabilidade à recuperação urbana" recebeu o título de mestre em 2014.

Marcos Favero é arquiteto e urbanista pela FAU/ UFRJ (1987), Doutor em Arquitetura pelo PROARQ | FAU-UFRJ (2009), Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC-Rio, no qual é coordenador do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e do Laboratório de Arquitetura, Urbanismo e Território.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Ricardo Socas Wiese | Joana Pinotti Zin | Erechim, Brasil A POTENCIALIDADE DA HABITAÇÃO COLETIVA UNIVERSITÁRIA NA CONFIGURAÇÃO DOS ESPAÇOS UNIVERSITÁRIOS E SUA RELAÇÃO COM A CIDADE CONTEMPORÂNEA

O recente processo de expansão das Universidades Federais em todo o país, fruto de políticas públicas, vem seguido pelo desenvolvimento de novas formas de ingresso que ampliam o acesso ao ensino superior, tornando necessária a criação e fortalecimento de políticas que garantam aos estudantes condições de permanência durante toda a sua formação. Este processo traz à tona uma ampla discussão acerca da construção dos espaços universitários e seus modelos de campus ou cidades universitárias. Para tanto, é preciso colocar em evidência o caráter público dos espaços universitários e sua relação com a cidade.

Diante deste contexto, a Moradia Universitária ressurge para alimentar a discussão, para além de uma política assistencialista, que busca garantir o acesso e permanência dos estudantes, mas buscando assumir um papel protagonista na vida da universidade e no potencial de integração com a cidade contemporânea. A Moradia Estudantil deve retomar o caráter socializador, integrador e político dentro das universidades brasileiras, deixando para trás as décadas de opressão da ditadura militar, e ressurgindo como espaço de democracia, de debates e de construção da cidadania. É importante ressaltar que a Moradia Estudantil

possui caráter de formação, pois ela abrange um conjunto de experiências que os estudantes têm através da vivência coletiva que esse espaço pode oferecer, podendo influenciar diretamente na construção da identidade de seus usuários, reforçando a importância dos

espaços de socialização no cotidiano dos moradores. Para tanto, deve-se respeitar a ampla diversidade de usuários, disponibilizando espaços dedicados a atender ao morador, em sua individualidade, podendo assumir diferentes graus de privacidade e integração. Devlin et al. analisaram como o desenho arquitetônico das moradias estudantis pode influenciar no senso de coletividade dos moradores (como citado em Garrido & Mercuri 2013)1. Nesse sentido, acredita-se que a configuração da moradia, tais como, condições e espaços de estudo, opções de atividades esportivas e de lazer, ocupação e organização da área dos dormitórios e a relação com a cidade e com o campus, contribui com a integração social dos moradores, sendo importante para o desenvolvimento pessoal dos estudantes. Ao mesmo tempo, a relação da moradia com a cidade deve ser estreitada, oportunizando espaços para integração entre universidade e comunidade, onde se faz necessário desenvolver novas soluções projetuais que contemplem tais relações e evidenciem as potencialidades deste equipamento multifuncional. Nesse sentindo, Montaner & Muxí (2014)2 defendem as novas políticas urbanas baseadas nos espaços públicos, as edificações voltadas para o aprendizado, sociabilização e interação das pessoas, os eixos de pedestres e ciclovias, as quais devem fomentar a diversidade e as relações intersubjetivas.

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1 Decreto nº 7.234. (2010, 19 de julho). Dispõe sobre o Plano Nacional de Assistência Estudantil (PNAES). Disponível em: http:// www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato20072010/2010/Decreto/ D7234.htm Junior, Adalberto José Vilela. Uma Visão sobre Alojamentos Universitários no Brasil. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo - UNB. Disponível em: http:// www.docomomo.org. br/seminario%205%20 pdfs/003R.pdf>. Garrido, E. N., & Mercuri, E. N. G. S. (2013). A moradia estudantil universitária como tema na produção científica nacional. Disponível em: http://dx.doi. org/10.1590/S141385572013000100009


2 Ramos, Renata Santiago (2012). Residências universitárias modernas no Brasil. Porto Alegre. Movimento de Casas de Estudante. Histórico do MCE. Disponível em: http://sencebrasil. redelivre.org.br/ historico-do-mce/. Montaner, J. M., & Muxí, Z. (2013). Residência estudantil da Unicamp - Joan Villà, construções para a sociedade. Vitruvius. Disponível em: http://www.vitruvius. com.br/revistas/read/ projetos/13.154/4895. Montaner, J. M., & Muxí, Z. (2014). Arquitetura e política Ensaios para mundos alternativos. São Paulo: Gustavo Gili.

Através dessas alternativas, a moradia estudantil deve ser pensada de forma plural, possibilitando que toda comunidade possa usufruir da infraestrutura disponibilizada, interagindo com a comunidade acadêmica, criando um espaço diversificado e sendo a ponte de ligação entre a universidade e a cidade. Este estudo busca, então, contribuir na discussão acerca do conceito de moradia estudantil a partir dos espaços coletivos, e sua importância na construção dos espaços universitários, na potencialização da vida acadêmica e suas relações com a cidade contemporânea. A relação simbiótica entre cidade e universidade pode ser intensificada através da moradia estudantil, desta forma, a abordagem deste estudo não é focada apenas no atendimento ao déficit de moradia, enquanto política assistencialista estudantil, mas é direcionada a uma nova leitura e compreensão deste equipamento, enquanto um complexo multifuncional, potencializado por seus espaços coletivos e de integração. O ESPAÇO DA COLETIVIDADE

A Moradia Estudantil se apresenta como um espaço com grande potencial para contribuir na formação do indivíduo, em diversos momentos de sua vida universitária, seja na construção do sujeito, na sua individualidade, como também no aprendizado coletivo. O morador não deve ser tratado como usuário, que é apenas assistenciado, mas como um sujeito participante e colaborador, criando um ambiente que proporcione oportunidades de aprendizado e formação, baseados no convívio coletivo e cooperativista. Desse modo, procuramos reforçar o conceito de que a moradia universitária é um equipamento coletivo por sua natureza, que pode ter seu caráter evidenciado tanto nos espaços destinados a uso exclusivo de moradores mas, sobretudo, através da oferta e integração com uma vasta possibilidade de equipamentos coletivos destinados à comunidade acadêmica, como um todo. Desta forma, é possível criar espaços de estudo, de socialização e integração para os acadêmicos de toda a universidade, assim como, dispor de serviços que visam atender às necessidades de toda a comunidade acadêmica e não apenas a dos mo-

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radores. A partir deste conceito, evidenciamos o caráter multifuncional deste equipamento e o potencial deste em contribuir para a consolidação da vida universitária. Para dar inicio às reflexões acerca dos espaços e equipamentos coletivos da moradia universitária, podemos partir dos espaços de cozinha e refeições por seu potencial de contribuição para a formação do sujeito a viver na coletividade. Os espaços de cozinha e refeições podem ser pensados não apenas por seu aspecto funcional, mas também a partir de seu potencial como espaço de integração e cooperação. Neste sentido, o espaço da cozinha deve ser pensado de maneira a criar condições espaciais que permitam o encontro entre os moradores. Estes espaços também poderiam incorporar a possibilidade dos moradores compartilharem seus hábitos e sua cultura regional. A existência de um fogão à lenha integrando o espaço da cozinha e área de refeições coletiva pode ser um bom exemplo desta valorização cultural. Ao redor de um fogão à lenha, moradores provenientes de cidades do interior poderiam realizar eventos culinários campeiros ou, simplesmente esquentar a água do chimarrão e assar pinhão na chapa, promovendo o encontro entre estudantes e o intercâmbio cultural. Direcionando então a discussão aos espaços de encontro, podemos refletir acerca da configuração dos espaços de estar e lazer na moradia estudantil, pois eles podem acontecer em escalas variadas, tanto em suas áreas internas, como externas, articulando um eixo principal de integração e socialização deste equipamento. A configuração de pequenos espaços ou espaços flexíveis, como corredores, nichos, terraços, desníveisou pequenas arquibancadas é eficaz, uma vez que podem se transformar de acordo com a apropriação dos usuários. Eles também podem ser espaços para diferentes formas de manifestação cultural, seja na apresentação de vídeos, encontros de mobilização estudantil, expressões artísticas informais, apresentação de grupos de teatro,

música e dança.

Para que a moradia estudantil também possa atuar como catalisadora do desenvolvimento acadêmico, é necessário que sejam ofertados espaços de apoio didático de qualidade,


amplos e adequados à realidade contemporânea e às atividades desenvolvidas pelos estudantes. Esses espaços podem ser abertos para toda a comunidade acadêmica, suprindo a carência de espaços de estudo na universidade e criando espaços para leitura alternativos, realização de atividades extraclasse, trabalhos em grupo, a fim de que os universitários possam interagir com os demais e possibilitar trocas de conhecimento. A configuração desses espaços também pode ser expandida para as áreas externas, proporcionando áreas de estudo abertas, próximas a áreas vegetadas, integrando-os com o entorno. Estes espaços devem prever certa flexibilidade e adaptação, para que os próprios usuários possam imprimir sua identidade ao local e adequá-los melhor ao seu uso. Desta forma, a moradia estudantil pode configurar-se como um espaço central da vida universitária, integrando-se com toda a comunidade acadêmica e ampliando as possibilidades de aprendizado no âmbito acadêmico. O CARÁTER PÚBLICO E INTEGRAÇÃO COM A CIDADE

Enquanto o entorno urbano pode oferecer serviços essenciais para a vida dos jovens universitários, os espaços da moradia podem gerar oportunidades de interação com a comunidade, proporcionando áreas de lazer tanto aos acadêmicos, mas que possam ser abertas e integradas ao tecido urbano, quanto espaço público de lazer. Devido ao caráter destes espaços, ainda seria possível destacar o potencial de espaços voltados a atividades culturais diversas, enriquecendo a vida e a formação dos acadêmicos, assim como, oportunizando a integração com a comunidade. Considerando que a universidade, em sua essência, é pautada em objetivos que buscam valorizar as relações com a comunidade, e seu caráter público pode se refletir na própria moradia universitária. Com isso, a moradia pode sobrepor o tecido urbano através de seus espaços de socialização, cedendo-os para uso da comunidade externa, onde o caráter público da universidade se mescla com a vida urbana, fortalecendo a vivência coletiva, assim como pode ser verificado na Figura 06 e 07 Nesse sentindo, os espaços de lazer e socialização se colocam entre as principais estra-

tégias para integração da moradia com a cidade, quando assumem um caráter público e possibilitam uma fusão entre os espaços universitários e o tecido urbano, através das vias, calçadas, praças e parques, que devem diluir-se ao longo da moradia universitária. Nestes espaços deve-se buscar a heterogeneidade e a diversidade, ofertando espaços e equipamentos voltados a públicos diversos, diferentes faixas etárias e, preferivelmente com sobreposição e flexibilidade de usos. Desta forma, a moradia estudantil não se restringe mais apenas aos estudantes moradores, mas se torna uma extensão do espaço público urbano circundante. Além dos espaços públicos, outras alternativas podem ser utilizadas para que a moradia crie relação com a comunidade externa, como a oferta de comércio e serviços. Embora o entorno imediato de uma universidade atraia uma certa infraestrutura de comércio e serviços direcionados a comunidade acadêmica, como mercados, padarias, restaurantes, bares, copiadoras, papelarias, caixas eletrônicos, entre outros, vários destes serviços também poderiam ser oferecidos em espaços integrados a própria moradia, permitindo assim, criar costuras menos precisas de interação com a cidade. Estes espaços também podem suprir a carência deste tipo de infraestrutura em situações onde o entorno não os fornece. O aluguel ou lucro gerado por estes serviços ainda poderiam ser revertidos à própria manutenção da moradia. Considerando a relação com a comunidade através de atividades artísticas e culturais, é ampla a possibilidade de interação, seja através de espaços para oficinas, cursos de extensão, aulas especiais de artes e artesanato, utilizando a infraestrutura da moradia, como auditórios, salas de estudo, biblioteca e midiateca, por exemplo. Essa mesma relação pode ser fortalecida através de espaços esportivos, onde tanto a comunidade acadêmica, quanto a externa utiliza da infraestrutura dedicada à prática esportiva, podendo estar integradas aos espaços de lazer e interação. Estes espaços não precisam ser configurados para um determinado fim, como uma quadra poliesportiva, mas podem se integrar aos espaços públicos de lazer assumindo configurações que dialoguem com estes.

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Como exemplo, podemos citar a incorporação de cestas de basquete em pequenas áreas contiguas ao espaço público, com pequenas arquibancadas tirando partido de desníveis, assim como espaços informais que possam ser utilizados para prática de atividades físicas, como corrida, capoeira, dança, entre outros.

Habitação coletiva universitária e a cidade contemporânea Este artigo busca trazer uma abordagem ampliada sobre o conceito de moradia estudantil, evidenciando suas potencialidades e construindo reflexões que venham a contribuir na formação de um novo olhar acerca dos espaços universitários, seu caráter público, assim como sua inserção no contexto urbano e integração com a cidade contemporânea. As reflexões apresentadas não defendem um modelo de moradia que reproduz condomínios fechados privativos e que, muitas vezes, buscam recriar modelos de habitação que evidenciam o individualismo. Compreende-se a moradia universitária como um equipamento multifuncional, evidenciando o caráter coletivo de cada indivíduo, para destacar o potencial de cada um para a formação de uma cidade mais justa e consciente. Assim, o debate acerca da moradia estudantil nos permite refletir sobre a própria condição da habitação na cidade contemporânea, sobretudo a habitação coletiva, buscando alternativas a um modelo que prioriza o individualismo e a segregação para a construção de modelos que evidenciam o caráter público e coletivo, sobretudo dos espaços urbanos.

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Figura 01: Croqui da área de cozinha/ refeições de moradia estudantil, configurando áreas de convívio e de intercâmbio cultural entre os moradores. Fonte: Elaboração própria. Figura 02: Espaço externo de encontro.Fonte: Projeto Paulista de Arquitetura.

Figura 03: Espaço externo de integração, composto por áreas para livre apropriação, desníveis e passarelas. Fonte: Arquitetos Associados.

Figura 04: Espaço externo de integração, com palco para apresentações e arquibancada. Fonte: Trabalho Final de Graduação de Joana Pinotti Zin.

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Figura 05: Espaço externo de integração, com arquibancada de projeto participante do concurso público de Projeto de Moradia para o Campus Osasco da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), de autoria do escritório Projeto Paulista de Arquitetura. Fonte: Projeto Paulista de Arquitetura Figura 06: Croqui de conjunto de edificação de moradia estudantil e equipamentos públicos, configurando áreas de transição entre a rua e a moradia através de espaços públicos. Fonte: Elaboração própria Figura 07: Corte esquemático com conjunto de edificação de moradia estudantil e equipamentos públicos, configurando áreas de transição entre a rua e a moradia através de espaços públicos. Fonte: Elaboração própria.

JOANA PINOTTI ZIN joanapinottizin@gmail.com

RICARDO SOCAS WIESE ricardo.wiese@uffs.edu.br

Joana Pinotti Zin – Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Fronteira Sul – UFFS. Participante do Programa Ciência sem Fronteiras no ano de 2014 através de intercâmbio pela Budapest University of Technology and Economics em Budapeste, Hungria.

Professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) desde 2013. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela UFSC (2003) e Doutorado em Progettazione Ambientale pela Università di Roma - La Sapienza (2010). No campo acadêmico, atua no Ensino de Projeto de Arquitetura, sempre buscando associar, de formo crítica, ao projeto arquitetônico as questões relacionadas à sustentabilidade, as relações com a cidade e a paisagem, assim como, com a tecnologia da edificação. Atuou na área docente do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC entre 2011 e 2013. Entre 2004 e 2009, atuou como arquiteto em importantes escritórios de arquitetura da Itália, como o Studio Insula e o LCA architettura.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Amparo Casares Gallego| Corunha, Espanha HACIA UNA PANIFICACIÓN URBANA INCLUSIVA Concurso Internacional de Arquitectura, Desarollo Urbano y Vivienda Sostenible, Guanajuato, México, 2002

Nos enfrentamos al proyecto para verificar, en la condición de absoluta libertad que los concursos proporcionan, cómo se podría construir el espacio colectivo, el barrio, y el espacio privado, la vivienda, que consiguiese ser un lugar deseado y significativo: “La relación entre la persona que proyecta y el proyecto es en realidad un diálogo amenizado, alterado y construido también por otras voces. A todas ellas, quien proyecta, ha de ser capaz de darles sitio y respuesta, con su capacidad de integración. Integración que supone ser capaz de contar una historia, un relato, con elementos conmensurables como la tierra, la madera, la piedra, el acero, el hormigón, etc. y otros inconmensurables como son los anhelos y deseos. Los mapas que cuentan las interconexiones de todos los elementos físicos con otros no físicos como los sentimientos, las costumbres y el poder, son los proyectos. Mapas generadores de acciones imprevisibles que generarán formas de ver la vida en sus alocuciones sobre el ser, el estar, la belleza y el orden. Mapas en cuyo diseño subyacen, inevitablemente, intenciones ocultas que en la propia expresión del diseño se harán explícitas. A través del tiempo, el proyecto-obra se irá conformando en algo tangible en el proceso de la construcción. Los tiempos de vivencias de aquellas personas que lo habiten, sus relaciones y actividades, será lo que le dará su último significado”. (Campos 1999: 16-17) Creemos que éste es el objetivo del urbanismo inclusivo: ser capaz de integrar los procesos acumulados de muchas gentes, de hilvanar un relato con los procesos y con todas las personas. El lugar que habitamos conforma una historia gestada a través del tiempo dentro del cual el poder, los diversos

poderes, han tejido y tejen enmarañados procesos. Historia que siempre debió de ser la deseada por sus habitantes. Una primera reflexión nos remite a indagar en cómo se estructuran los espacios que vivimos y el sentido que tenemos de ellos. Observamos que se estructuran frecuentemente sobre la base del género, en maneras diferentes de cultura a cultura y a lo largo el tiempo. El espacio refleja “cómo el género se construye y entiende en nuestras sociedades, y tiene efectos sobre ellas”. (Massey 1992: 34) Aparece, en seguida, la constatación de que “el espacio nunca es neutral; en vez de ello, afecta y es afectado por las relaciones sociales y de poder”. (Fenster 1999: 3). La ciudad, generalmente diseñada por hombres, evidencia sus precisos intereses y actividades. Hacer arquitectura y planificar la ciudad debe incluir el deseo de comprender la realidad en la que estamos inmersos. Deseo y necesidad en cuanto a que pasará a determinar inexorablemente nuestro futuro, en el sentido en el que Hanna Arendt define “la comprensión es un complicado proceso que nunca produce resultados inequívocos. Es una actividad sin fin, siempre diversa y mutable, por la que aceptamos la realidad, nos reconciliamos con ella, es decir, tratamos de sentirnos en armonía con el mundo. La comprensión es el modo específicamente humano de vivir, ya que cada persona necesita reconciliarse con el mundo en que ha nacido”. (Arendt 1995: 29-30)

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1 Dirección del equipo: Amparo Casares Gallego, arquitecta Pascuala Campos de Michelena, arquitecta, y Francisco Vidal Pérez, arquitecto. Estudiantes: Francisco Rodríguez Nieto, Rafael Sánchez Andión, David Vázquez González, Ramón Viéitez Rodríguez y Carlos Vila Santos.

La actitud de comprender aporta la condición que hacen posible otra manera de hacer planeamiento: la implicación personal de los que dirigen el proceso y la participación de las personas que lo habitarán.

México, promovido por la Unión Internacional de Arquitectos (UIA) y la UNESCO. El proyecto obtuvo una mención honorífica, uno de los ocho premios otorgados entre los 156 trabajos presentados.

No se trata de definir un escenario para la vida perpetuando los modelos asumidos: vivienda tradicional, calle como viario para el tráfico rodado privado, ciudad sectorizada… sino de poner en práctica la creatividad, disponiendo el espacio, colectivo y propio, como base de la relación humana y no como productor de plusvalías, generando lugares simbólicos que identifiquen a las personas con su barrio, asegurando los mecanismos de participación ciudadana en la toma de decisiones, proponiendo procesos de recreación, es decir, recuperando la vida misma como objetivo.

Se trataba de la ordenación de 1.200 viviendas sociales en unas cañadas con fuerte pendiente, altamente erosionadas y deforestadas, con un grado de contaminación en constante avance.

En esta búsqueda, desde una perspectiva de género nos preguntamos sobre el significado del espacio construido y el porqué de la consolidación de la repetición compulsiva de formas de vida que sabemos y sentimos como negativas. “Poner en tela de juicio lo habitual puede hacer aparecer relaciones entre el espacio y el género que hasta ahora han sido invisibles en base a una lógica aceptada como “natural” e “inevitable”. (Campos 1999: 20)

La idea: - aceptar las propuestas que establece el sitio, racionalizándolas y ordenándolas.

Los Planes Generales de Ordenación Urbana hablan de ordenar, colocar en buena disposición las cosas entre sí. Pero si el objetivo del trazado es el vehículo privado o el aumento del valor del suelo, jamás se conseguirá un lugar de encuentro significativo entre las personas. Y la esencia misma de la ciudad es esta: ser el lugar de relación entre las personas en su significado más profundo.

- un módulo habitacional.

El proyecto urbano ha de ser la creación de una urdimbre, la disposición cautelosa de las cosas para la consecución de un designio, que es, indudablemente, la vida misma, en su sentido de lo colectivo y de lo íntimo. Crear una ciudad que nos estructure emocional y afectivamente, coherente con nosotros mismos y con el entorno.

El solar, la ex hacienda de Santa Teresa, presenta un aspecto demoledor en su aridez extrema, belleza dura de asumir desde otra realidad generosa en vegetación y agua. Se plantea el concepto de protección del paisaje: construir puede poner en valor la identidad del lugar, el barranco, incluso restaurarlo con la vegetación que debería haber conservado, retener el agua, frenar la erosión…

CONCURSO INTERNACIONAL DE ARQUITECTURA, DESARROLLO URBANO Y VIVIENDA SOSTENIBLE, GUANAJUATO, MÉXICO, 2002 En el verano de 2002, algunos profesores de proyectos del cuarto año de la titulación de arquitectura, en A Coruña, formamos un equipo con el apoyo de un grupo de estudiantes1 para presentarnos al concurso internacional de arquitectura, desarrollo urbano y vivienda sostenible, en Guanajuato,

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El objetivo del concurso era el proyecto arquitectónico novedoso e imaginativo, sostenible y bioclimático, de agrupaciones de viviendas de construcción progresiva, tres centros sociales y un centro cívico, en la Ex hacienda de Santa Teresa, de 30 hectáreas de superficie, en la periferia de la ciudad de Guanajuato.

- buscar un algo que posibilite respuestas y permita generar agrupaciones. - establecer pautas, crecimientos, ritmos y formas, llenos y vacíos, ruidos o silencios.

- planteamiento abierto con posibilidades de crecimiento, flexibilidad y diversidad. - una forma fácil, positiva para el todo y bella. ...como las arenas

...como las estrellas

Se estructura el territorio utilizando sus recursos. La topografía condiciona y resuelve la ordenación. La cañada se toma como elemento soporte manteniendo su configuración en la propuesta final para las viviendas y los equipamientos. El proyecto surge del lugar, siendo éste su seña de identidad. Un módulo base de cuatro por cuatro metros estructura la propuesta. Distintas agrupaciones


resuelven la unidad habitacional, generando diversidad, posibilitando fáciles transformaciones y permitiendo su crecimiento. Las viviendas se colocan en la ladera, ocupando la cañada. Con el módulo utilizado se consigue una fácil adaptación en planta y sección a la topografía. Las viviendas se desarrollan naturalmente a lo largo de las divisorias de aguas, vías preexistentes, mientras que los barrancos se liberan para: uso lúdico, cultivos, almacenamiento de agua… Todas los conjuntos de viviendas disfrutan de un frente a vía de tráfico rodado y de acceso a una amplia zona verde continua, sin tráfico, de carácter vecinal. Además cada cañada tiene una gran zona colectiva verde y un centro social. Se establecen dos tipos de recorridos esenciales, uno estrictamente peatonal y otro mixto. Ambos se desarrollan siguiendo fundamentalmente las curvas de nivel, apareciendo también sendas transversales que relacionan los distintos niveles. Esta red viaria apoya la recogida de aguas por gravedad con bajo nivel de coste. Los centros sociales y de equipamiento se sitúan en los vértices de las cañadas, disponen de una buena accesibilidad desde el tejido residencial, sirven de referencia y orientación, transmitiendo así la lectura del lugar original. Ocupan lugares significativos de la urdimbre. Además el tejido residencial soporta el comercio pequeño y mediano: panadería, quiosco, colmado, mercería…, despachos profesionales, talleres, cafeterías, cibers, tinajitas… repartidos por todo el tejido generando encuentro y vida a lo largo de todo el día. El clima: lo árido, el sol, los vientos, condicionan la respuesta, orientan tramas, espacios protegidos o expuestos, de intimidad o de relación, privados o públicos. Se trata de una zona con una temperatura media anual entre 14ºC y 21ºC. Alcanza temperaturas extremas de máxima 36ºC y mínima -3ºC. Con un clima cálido y seco la mayor parte del año y con abundantes precipitaciones en la temporada de lluvias, el verano. El promedio anual de precipitaciones pluvial es de 1.000 mm. Se encuentra a 2.040 m sobre el nivel del mar. La vegetación: - Un tema importante es la utilización de árboles

y arbustos autóctonos: el mezquite, guamúchil, pirul y las cactáceas en sus distintas variedades, también como alimento. Destaca el huizache como especie simbólica y por sus propiedades protectoras y enriquecedoras del suelo. Controlan la erosión y aumentan la calidad del suelo. Se plantarán, arbustos de flor y olor, en las zonas libres de las cañadas, entre las viviendas, en las viviendas, es decir, en todos los sitios posibles. Se promueve las plantaciones de hortalizas, huertas urbanas, para contribuir a la seguridad alimenticia de las familias y fomentar la autosuficiencia. El agua: - Se recogen pluviales en la cubierta y se almacenan en aljibes en patios y depósitos sobre la cubierta. En la cisterna parte del agua se filtra, con depuración individual, para consumo doméstico y otra parte va directa al inodoro. Toda el agua utilizada en la vivienda se recoge en una depuradora de aguas grises y se incorpora al sistema general de agua. - Se plantea un sistema de riego por goteo por tener mayor rendimiento y evitar la evaporación y la erosión. Cada cañada funciona de manera autónoma recogiendo el agua por medio de canales y estanques para su utilización en el riego y limpieza de calles. El viento: - En virtud de las condiciones del lugar existen importantes posibilidades para el uso de generadores de viento. Se instalarán aerogeneradores en las divisorias de las cañadas. Se establecen corredores de aire entre las viviendas que ayudan a mantener la temperatura fresca. El espacio colectivo es el centro de la propuesta, no es un corredor de tráfico, ni la superficie sobrante que no han ocupado las viviendas. Destaca la importante presencia de árboles, la vegetación autóctona, el agua, los pavimentos terrizos drenantes, las plantas de olor como el romero, el color de la buganvilla, los espacios de transición, las sombras… Se plantean ahora las posibilidades del módulo en el espacio íntimo: completo resuelve las estancias vivideras, medio módulo estancias servidoras. Sus infinitas combinaciones, posición, orientación, desnivel… harán diferente cada una de las viviendas. El módulo vacío genera patios y/o terrazas que permiten la relación con otras viviendas cuando son abiertos y protección cuando se cierran. Permiten

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ventilaciones cruzadas, iluminación, protección del sol, del viento, del frío... La fuerte pendiente permite que todas las viviendas tengan vistas lejanas espléndidas sobre las cañadas. También es fundamental que todas las estancias de las viviendas ventilen directamente al exterior, incluso los baños. Las viviendas asumen el programa planteado en las bases. En 90 m², equivalente a cinco módulos cerrados y uno abierto de patio o terraza, se resuelve el programa mínimo; estar, cocina, comedor, baño y dos cuartos de dormir. Todas ellas pueden crecer, hasta llegar a los 120 m², añadiendo dos módulos, que serán distintos según las necesidades que se planteen: más cuartos, un taller, un bar, etc. La diversidad genera diferentes viviendas según su configuración en sección: de una sola planta, y de dos o de tres plantas. Éstas son aptas para las personas que prefieran diferenciar usos por niveles, comer, dormir, estar, bodega, o distribuirse espacialmente en plantas por generaciones. También facilitan su acomodo a distintos tipos de familias o grupos alternativos. La posibilidad de disponer entradas diferenciadas permite una partición o segregación de la misma, facilitando la independencia de los distintos componentes del grupo. Es necesaria la participación de las personas en las decisiones, e incluso en la ejecución de su hábitat. Es una condición vinculante, deseable y enriquecedora. En este caso, se trata de un barrio de promoción pública, de una administración con pocos recursos, dirigido a personas muy pobres. Desde un principio se contó con la auto-construcción, tanto del espacio colectivo como el de las propias viviendas. Se plantea un sistema modular que permite una construcción seriada, rápida y de bajo coste. La propuesta planteada, por su adaptación a la topografía, no necesita apenas movimientos de tierra. Las soluciones constructivas, por su sencillez, pueden tener aportaciones importantes de mano de obra no especializada. Los recursos bioclimáticos ahorran energía y gasto. En ningún momento se buscó definir formalmente el proyecto, puesto que se ofertaba un instante de una secuencia constructiva, todas las viviendas podrían

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llegar a completar sus siete módulos, o no… sólo se intuía una imagen en la que no hubiese diferencia entre sus fases de acabado… ni en volumen ni en materiales. Una imagen elegante pero inconclusa. Sorpresa al final cuando descubrimos la conexión, al menos formal, con la ciudad histórica, resultado probablemente adecuado, pero que nunca buscamos. Buscamos, aunque quizá se quedó en el deseo, un escenario rico y flexible dispuesto cautelosamente para posibilitar un digno devenir de la vida humana. Este era el designio.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Arendt, Hannah. (1995). De la historia a la acción. Barcelona: Paidós. Campos de Michelena, Pascuala. (1999). “Identidad y Proyecto”, pp. 13-32. En Bustos, P., Capilla, S. y Gil Gómez, A. (ed). Mujeres: espacio y arquitectura. Castellón: Fondo Social Europeo. Fenster, Tovi. (1999) “Gender and Human Rights: Implications for Planning and Development”, pp. 3-21. En Fenster T. (ed). Gender, Planning and Human Rights. Londres: Routledge. Massey, Doreen B (1992). “Space, Place and Gender”. The LSE Magazine, Spring, London School of Economics, pp. 32-34.


Figura 1: Guanajuato. México

Figura 2: Ex hacienda de Santa Teresa Figura 3: Estado previo y propuesta

Figura 4: Espacio privado

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Figura 5: Conjunto de viviendas Figura 6: Patio

Figura 7: Vista exterior Figura 8: Guanajuato, México

AMPARO CASARES GALLEGO amparo.casares@udc.es Amparo Casares Gallego, Doctora en Arquitectura y Profesora del Departamento de Proyectos Arquitectónicos y Urbanismo de la Escuela Técnica Superior de Arquitectura, Universidad de A Coruña. Actualmente desempeña el cargo de Subdirectora de Investigación de la ETS de Arquitectura. Sus intereses se focalizan en trabajos sobre las formas alternativas de agrupaciones urbanas y viviendas colectivas y los espacios públicos significativos. Colaboró con la Administración de la Xunta de Galicia como representante de la Escuela en el Grupo de Trabajo sobre Habitabilidad, de la Dirección Xeral de Fomento e Calidade da Vivenda” para la revisión de la normativa de vivienda (2006).

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Jaume Asensi Carles | Barcelona, Espanha ESPACIOS COMUNES Y CIUDAD Lugares de Relación entre los edificios de vivienda y el entorno urbano

La esencia de las ciudades radica en su concepción como lugares de encuentro, como sitio donde se relacionan gentes diferentes en beneficio de todos. La evolución de los núcleos urbanos ha ido generando progresivamente grandes agrupaciones a escala gigantesca donde se han ido perdiendo los tradicionales espacios de relación. Se propone explorar el ámbito colectivo en los edificios de viviendas -los espacios comunes- como lugares capaces de potenciar la función de relación social necesaria en las ciudades. Para ello se incide en la importancia de la identidad de estos espacios, que los habitantes los perciban como propios, y en la relación que establecen entre el espacio privado de la vivienda y el público del entorno urbano. En 1938 Louis Wirth, sociólogo americano de la escuela de Chicago, en su intento de establecer una teoría del urbanismo, buscó una definición de ciudad más allá de los números relativos a superficie ocupada, a cantidad de habitantes o a la densidad de ocupación del terreno (ref.1): ‘La ciudad ha sido así históricamente el sitio dónde se han mezclado razas, gentes y culturas y, además, un terreno de cultivo favorable para nuevos híbridos biológicos y culturales. No sólo se han tolerado las diferencias individuales, sino que se han valorado positivamente. Ha juntado personas de sitios lejanos porque son diferentes y útiles unas a otras, no porque sean homo-

23 años después, en 1961, Jane Jacobs criticaba los supuestos logros del urbanismo moderno (ref.2): ‘ … barrios de viviendas baratas que se han vuelto peores centros de delincuencia, vandalismo y desesperanza social que los barrios bajos que iban a sustituir. Promociones de viviendas de renta media, auténticos milagros de monotonía y regimentación, que se han parapetado contra la vitalidad y exuberancia de la vida ciudadana. Barrios residenciales de lujo que mitigan su inanidad, o eso intentan, mediante una insulsa vulgaridad. (…). Paseos que van de ningún sitio a ninguna parte y que no tienen paseantes. Vías rápidas que destripan las grandes ciudades...’

Ambos textos siguen teniendo vigencia hoy en día, tanto la idea de ciudad como lugar de encuentro de gentes diferentes, como el fracaso de algunas planificaciones urbanas que dificultan la mezcla social de individuos diferentes. Si en las ciudades pre-industriales las calles eran lugares de encuentro entre los ciudadanos y espacios de expansión de la vivienda donde se comerciaba, se jugaba o simplemente se estaba, en la ciudad moderna, con el aumento del tráfico rodado, la calle se ha convertido en un espacio esencialmente para la circulación. Hoy en día en las concentraciones urbanas, independientemente de su tamaño, el espacio se estructura en dos ámbitos claramente diferenciados: el privado y el público. El ámbito privado es el propio de cada uno, en el caso de los edificios de viviendas se trata de la casa. El ámbito público es el que pertenece a todos, generalmente está gestionado por los órganos de gobierno municipal.

géneas y tengan cosas en común’.

362


En las ciudades, la vivienda colectiva es la que permite el alojamiento de los ciudadanos que las habitan y, en el propio concepto de vivienda colectiva, aparece un ámbito nuevo situado entre el público y el privado, se trata del ámbito colectivo. Los espacios comunes son los que materializan la propiedad colectiva, se sitúan entre el espacio privado y el espacio público. La exploración de este ámbito colectivo abre una serie de posibilidades de explotación espacial y de utilización. Interpretar estos espacios como umbrales entre el espacio urbano y el de la casa ayudará a definir lugares que puedan permitir el encuentro y la relación entre los habitantes. Josep Maria Montaner escribe sobre la relación entre lo público y lo privado (ref.3): ‘En la relación entre lo público y lo privado es vital la existencia de gradientes de publicidad y privacidad, es decir, espacios de transición entre el exterior y el interior. (…). Por consiguiente, tan importantes como los metros cuadrados de la vivienda son los metros cuadrados de espacio público, semipúblico y semiprivado de los que puede disfrutar cada habitante en aceras, paseos, plazas, jardines, zaguanes, patios y pasarelas. La clave es que la puerta de la vivienda no dé directamente a un espacio transitado ruidoso.’

Los lugares comunes en los edificios de vivienda colectiva son los responsables de la relación que se establece entre las viviendas, son posibles lugares de encuentro entre los habitantes. Pero también son responsables de la relación que establece el edificio y sus habitantes con el entorno exterior, es decir, de la integración en la ciudad. La posibilidad de abrir los espacios comunes al entorno los convierte en una oportunidad de establecer relaciones entre los habitantes del edificio y el contexto urbano donde se inserta. Claro que para poderlos interpretar como tales espacios de relación debemos hacer un esfuerzo por configurarlos con las dimensiones, características y condiciones de habitabilidad adecuadas que permitan desarrollar esta función social. Y también debemos entender que su gestión y mantenimiento es tan importante como la gestión y el mantenimiento del espacio público o del privado. En este aspecto es muy importante que los usuarios de los edificios se identifiquen con estos espacios, es decir, que los consideren como propios y no como unos espacios ajenos a la vivienda separados por una estricta frontera y que hacen de exclusa entre lo privado y lo público. Al contrario, deberían ser consi-

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derados como un umbral de relación, tal como lo entiende Richard Sennett (ref.3): ‘Decir que el ‘contorno como umbral’ es una condición más abierta quiere decir que pasan más cosas a lo largo del tiempo’. La identidad colectiva permite recuperar en los espacios comunes el sentido de aquellas calles de la ciudad pre-industrial, tanto en lo que se refiere a la relación entre las vivienda como a la relación del conjunto con el entorno urbano. Los volúmenes construidos de un edificio colectivo de viviendas se pueden relacionar con el entorno urbano de diferentes maneras: Pueden asumir los límites de la parcela como límites del volumen construido. También pueden considerar el terreno como un continuo en el que se sitúa el edificio sin relación con su perímetro. Y, entre estas dos opciones, pueden darse muchas situaciones donde la definición del perímetro construido no es total y/o se matiza con diferentes grados de permeabilidad. Incluso en los casos en los que el punto de encuentro entre el volumen construido y su entorno se reduce a una puerta de acceso, el tratamiento formal que se le da a este acceso condicionará la relación que puedan tener los usuarios con el entorno. Interpretar este punto de contacto con el exterior como un umbral con una secuencia de acceso entre lo público y lo privado será decisivo para poder generar urbanidad a partir de la vivienda. La importancia que algunos proyectos paradigmáticos de vivienda colectiva le han dado al punto de acceso la podemos ver en las dos propuestas de Immuebles-villa de Le Corbusier: En la primera, la puerta de entrada se sitúa en el eje longitudinal de la manzana cerrada, se fuerza el acceso por el centro de la propuesta desplazando la escalera a un lateral en la planta baja. La importancia de este espacio se remarca colocando un elemento metálico en el eje del edificio, coronando el volumen de la escalera. El acceso se enfatiza con una marquesina a escala urbana que recoge las tres crujías del vestíbulo: la de la escalera, la de acceso a los ascensores y la de espera, que relaciona visualmente el espacio urbano con el jardín comunitario del interior de la manzana. (fig.1) En la segunda propuesta de Immeuebles-villas, el volumen de acceso se desplaza fuera de la manzana cerrada. Se sitúa en los ejes de circulación viaria, de nuevo con un volumen central donde se colocan los ascensores y la escalera a partir del cual se desarrollan los corredores que conectan con las circulaciones comunes de las viviendas. (fig.2)


De la misma manera, Le Corbusier en el bloque aislado de la Unité d’Habitation de Marsella desarrolla especialmente el punto de contacto con el exterior y el gradiente entre el espacio público y el privado. El acceso se formaliza con una gran marquesina que sobresale por debajo del edificio y que recoge la circulación des del espacio previsto para aparcamiento de vehículos. De nuevo un elemento a escala urbana nos indica el recorrido hacia el interior del edificio. (fig.3) El mismo gesto pero con una operación formal opuesta, lo encontramos en el bloque de viviendas para el Hansaviertel de Berlín de Alvar Aalto, donde en vez de construir un elemento de gran escala para indicar el acceso, lo que hace es vaciar el volumen en el punto done se sitúan los vestíbulos generando un espacio protegido y a la vez conectado con el entorno urbano inmediato. (fig.4) En los casos en los que el volumen construido del edificio de vivienda colectiva establece relaciones más complejas con el entorno, los espacios comunes pueden ser capaces de crear ambientes que integren las viviendas, la actividad colectiva y la actividad urbana. En la Casa Bloc de Barcelona de J.B. Subirana, J.M. Sert y J. Torres i Clavé se reinterpreta el ‘bloc à redents’ propuesto por Le Corbusier. El conjunto en forma de greca define el espacio urbano, pero se abre completamente por una parte hacia la avenida principal y por la otra hacia la trama del barrio donde se sitúa. Además, los dos espacios exteriores que genera el edificio se relacionan entre ellos y con el entorno mediante el vaciado parcial de la planta baja, elevando el volumen de las viviendas sobre pilotis. El gradiente entre lo público y lo privado se produce primero accediendo a los núcleos de comunicación, tanto desde los espacios comunes ajardinados como desde el espacio urbano. Desde estos núcleos, en toda la altura existe una relación visual y espacial con los lugares exteriores planteados: unos espacios de triple altura permiten percibir todo el conjunto desde los ascensores y las escaleras comunes. El recorrido continúa por unos corredores comunitarios situados cada dos plantas, igualmente abiertos a los espacios de planta baja. Estos corredores se estructuran en dos zonas diferenciadas: una, la propiamente de circulación junto a la fachada de acceso a las viviendas, y la otra, pautada por el ritmo de los pilares, define una serie de nichos vinculados a cada vivienda y abiertos directamente al exterior. Estos nichos han sido ocupados por los habitantes con elementos de decoración, jardinería y, incluso, con mobiliario exterior.

Finalmente se accede al espacio privado de la casa a través de una puerta ligeramente retranqueada junto a una ventana alta que protege la privacidad del interior. (fig.5) En este caso la actividad de los espacios comunes ajardinados planteados queda garantizada con la incorporación de equipamientos públicos en parte de las plantas bajas del edificio. Además, el hecho de plantearlos completamente permeables entre sí y con el espacio urbano adyacente hace que se conviertan en sitios de paso habituales de los peatones. En los corredores comunitarios es habitual encontrar gente que ha salido a cuidar de sus plantas, o a tomar el aire mirando hacia los espacios ajardinados. También es común le encuentro casual entre vecinos que establecen relación y, incluso, la conversación con algún transeúnte conocido que pasa por la planta baja. Se consiguen, pues, unos espacios donde la actividad pública urbana, la actividad comunitaria y la privada conviven abiertamente, favoreciendo la relación entre las personas que habitan el edificio y también con el contexto social dónde se sitúa. Otro ejemplo conceptualmente similar, pero formalmente muy diferente, es el proyecto para el conjunto de viviendas en Blijdorp de J.J.P. Oud. En este caso las dos parcelas donde se sitúa la edificación se ocupan en su totalidad con una serie de bloques paralelos que configuran unos espacios abiertos perpendiculares a las calles principales y que multiplican la trama urbana existente. (fig.6) Como pasaba en la Casa Bloc, el espacio urbano adyacente se define con el volumen construido. Pero en este caso cada bloque se remata en sus extremos con un cuerpo de servicios comunitarios de dos plantas que define una zona común de estancia exterior diferenciada del espacio de circulación y abierta al entorno urbano. Además, la planta baja del bloque se amplía con una serie de patios cerrados que crean un filtro entre el espacio común exterior y los núcleos de comunicación vertical que conducen a las viviendas. También los edificios colectivos de viviendas construidos como bloques lineales, en los cuales el espacio común generado consiste en una superficie que se funde con los espacios urbanos, la articulación de los bloques permite generar ciertos matices espaciales que establecen conexiones entre el entorno urbano y las viviendas.

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Es el caso de los bloques de vivienda del Robin Hood Gardens de Alison & Peter Smithson. Los dos bloques lineales se sitúan apartados del perímetro pero siguiendo aproximadamente la dirección de dos de sus laterales. Con la articulación de los bloques y las preexistencias se genera un espacio común exterior que se va cerrando hacia la parte más estrecha del solar. De esta manera, el espacio generado es compartido por los habitantes de la propuesta y por los de los edificios preexistentes, además de estar abierto a los usuarios del espacio urbano adyacente. (fig.7) En otras actuaciones como las del barrio de Charlottenbourg en Berlin de Hans Sharoun, la articulación de los bloques de viviendas también generan espacios diferenciados: unos con carácter completamente público y otros más vinculados a las viviendas, definidos por la forma de los bloques construidos. (fig.8) La capacidad de los edificios de vivienda colectiva para generar espacios de relación permite establecer el gradiente entre lo público y lo privado que reclama J.M. Muntaner. Estos espacios, además, pueden incorporar ciertos equipamientos públicos que multipliquen el aprovechamiento diversificando los usos como fórmula para potenciar las relaciones entre individuos diferentes y enriquecer así la vida en la sociedad urbana tal como planteaba Louis Wirth. Ofrecer unos espacios capaces de permitir la relación entre los habitantes de los edificios colectivos de viviendas mejorará las condiciones de vida de éstos. Permitir que estos espacios de relación estén vinculados al entorno donde se ubican mejorará las condiciones de vida de las ciudades entendidas como lugares de encuentro. ref.1 Sennett, Richard et alt. (1969). Classic Essays on the Culture of Cities. New York: Meredith Corporation. Traducción del autor. ref.2 Jacobs, Jane (1961). The Death and Life of Great American Cities. New York: Random House. Traducción de Ángel Abad, 2011. Madrid: Capitán Swing Libros S.L. ref.3 Muntaner, Josep Maria (2015). La arquitectura de la vivienda colectiva. Barcelona: Reverté ref.4 Senet, Richard 2008. The Public Realm. Traducción al catalán de Marina Espasa, 2014. Barcelona: Atmarcadia SL

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fig.1 Primera propuesta de Immeuebles-villa. Le Corbusier, 1922. [Fuente: Boesiger, W. / Stonorov, O. Le Corbusier et Pierre Jeanneret. Oeuvre complète (vol.1 1910-29). Ed. Birkhäurer. Bâle 1995]

fig.2 Segunda propuesta de Immeuebles-villa. Le Corbusier, 1925. [Fuente: Boesiger, W. / Stonorov, O. Le Corbusier et Pierre Jeanneret. Oeuvre complète (vol.1 191029). Ed. Birkhäurer. Bâle 1995] fig.3 Unité d’Habitation de Marsella. Le Corbusier, 1947-50. Detalle del acceso. [Fuente: http:// www.fondationlecorbusier. fr Ouvre > Architecture > Realitations > Unité d'habitation, Marseille, France, 1945]

fig.4 Bloque de viviendas en el Hansaviertel de Berlín. Alvar Aalto, 1955-57. Detalle del acceso. [Fuente: Jetsonen, Sirkkalüsa / Jetsonen, Jari. Alvar Aalto Apartments. Ed. Rakennustieto. Hämeenlinna 2004] fig.5 Casa Bloc de Barcelona. J.B. Subirana, J.M. Sert y J. Torres Clavé, 1934-36. Maqueta del conjunto. [Fuente: Grupo de vivienda obreras en Barcelona en ‘AC Documentos de Actividad Contemporánea’ n.11. 3r. trimestre 1933. G.A.T.E.P.A.C. Barcelona, Madrid, San Sebastián]

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fig.6 Proyecto de vivienda obrera en Blijdorp, Rotterdam. J.J.P. Oud, 1931. Vista aérea. [Fuente: Taverne, de / Wagenaar, Cor / de Vletter, Martien. J.J.P. Oud. Petic functionalist. 1890 -1963. The Complete Works. Ed. Nai Publishers. Rotterdam 2001] fig.7 Edificio de viviendas Robin Hood Gardens, Londres. Alison y Peter Smithson. 1952. [Fuente: Vidotto, Marco. Alison + Peter Smithson. Obras y proyectos / Works and Projects. Ed. Gustavo Gili. Barcelona 1997] fig.8 Viviendas en el barrio de Charlottenbourg norte, Berlín. Hans Scharoun, 1954-61. Detalle de bloques emparejados. [Fuente: Ravetllat Mira, Pere Joan. Habitatge i ciutat, un únic projecte. Charlottenburgnord, Berlin 1959. Ed.

JAUME ASENSI CARLES jaume_ac@hotmail.com

E.T.S.A.B. Barcelona 2011]

FORMACIÓ ACADÈMICA - Tesis doctoral: 'Espacios comunes en los edificios colectivos de vivienda social' dirigida por Alfred Linares, en el Departamento de Proyectos de la ETSAB de la Universitat Politècnica de Catalunya. Pendiente de aprobación y presentación. - 30-11-2006. Obtención del Diploma d’Estudios Avanzados (DEA) con la calificación de Notable. - Curso 1999-2000. Finalizada la especialidad de Urbanismo en la Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto. - 14-07-1999. Título de arquitecto por la ETSA de Valencia en la Universitat Politècnica de València. Presentación del Proyecto Final de Carrera con la calificación de Sobresaliente 9.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Fernando C. N. Minto | Kelson V. Senra | Thomas A. J. Burtscher| Rio de Janeiro, Brasil MINHA CASA MINHA VIDA SUSTENTÁVEL - DUQUE DE CAXIAS, RJ Um debate sobre a qualidade na produção do espaço urbano

RESUMO: Este artigo descreve uma experiência de poderá vir a contribuir para sobre a atual política de produção habitacional (e por consequência, da produção de espaços da cidade) no Brasil. Trata-se da construção de um documento que forneça bases com definições e parâmetros para os projetos para o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) no município de Duque de Caxias, RJ. Em posse deste documento a municipalidade deverá ser, em princípio, capaz de balizar e aproximar os projetos futuros de um ideal de unidades habitacionais, ruas, calçadas e bairro mais sustentáveis. O artigo não descreve em detalhes o processo, mas busca fornecer ao leitor um quadro geral dos conceitos e de todo o pano de fundo desta discussão. Na experiência descrita, um escritório contratado pela prefeitura municipal elabora um diagnóstico a partir de um estudo de caso local e traça – a partir deste – parâmetros para a montagem de um edital para a composição de novos projetos.

duzindo no país um padrão indistinto de construção do espaço e ocupação do território com amplas deficiências, desde a escala do edifício, à sua inserção urbana.

1

Nos programas de provisão habitacional no Brasil o que tem prevalecido historicamente são empreendimentos de Habitação de Interesse Social (HIS) caracterizados pelo desenho urbano inadequado e baixa qualidade arquitetônica. A rigidez, monotonia e repetição tipológica e de usos, reproduz, a partir da sua condição jurídica condominial da propriedade privada, uma segregação sócioespacial, desconexa tanto do tecido urbano quanto da coesão que se espera do que faz da cidade espaço dinâmico e vital.

2

INTRODUÇÃO: O presente artigo visa apresentar o processo de elaboração de parâmetros qualitativos ou “sustentáveis” a serem incorporados quando da construção de novos empreendimentos do “Programa Minha Casa Minha Vida” (PMCMV) Faixa 01, contratados pela Prefeitura Municipal de Duque de Caxias, RJ.

Frente a esta realidade a Subsecretaria Municipal de Habitação (SMH), dentro da Secretaria Municipal de Planejamento, Habitação e Urbanismo (SMPHU), observou como sendo fundamental, reavaliar o próprio modelo corrente de contratações de provisão habitacional.

O PMCMV, maior programa habitacional da América Latina na atualidade e um dos maiores no mundo, (com 2,4 milhões de unidades habitacionais entregues entre seu início em 2009 até 2015, segundo dados do Governo Federal), vem repro-

Com um déficit de 30 mil moradias (20% dos domicílios), o município da Baixada Fluminense defronta-se com as mesmas problemáticas, manifestadas nos atuais conjuntos de HIS caxienses.

Como resposta, surgiu a iniciativa da municipalidade em criar um referencial técnico que a auxilie a disciplinar a ação das construtoras, contrabalançando seu protagonismo nas tomadas de decisão, da concepção à execução. Ou seja, o município espera poder contar com uma ferramenta

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Rolnik, R. (1988). O que é a cidade, Brasiliense, São Paulo.

Harvey, D. (1982). The limits to Capital, Basil Blackwell Publisher Limited, Oxford. 3 Benetti, P. C. and Pecly, M. L. (2012) Inserção na cidade e a importância do desenho urbano como instrumento de vitalidade e promoção de espaços urbanos de qualidade nos assentamentos HIS do PMCMV, Lab. de Habitação e Forma Urbana, PROURB, FAUUFRJ, Rio de Janeiro.


4 Amore, C. S., Shimbo, L. Z. and Rufino, M. B. C. (2015), Minha Casa... E a Cidade? Avaliação do Programa Minha Casa Minha Vida em seis estados Brasileiros, Letra Capital, Rio de Janeiro. 5 Blumenschein, R. N., Peixoto E. and Guinancio C. (2015), Avaliação da qualidade da habitação de interesse social: projetos urbanístico e arquitetônico e qualidade construtiva, UnB, FAU. Brasília. 6 Rolnik, R. et al (2014). Ferramentas para avaliação da inserção urbana dos

que avance além do lugar comum dos modelos de unidades habitacionais e principalmente do padrão de cidade produzido pelos financiamentos advindos da Lei 11.977. A cidade tal qual um ímã1, em seu contínuo processo de atração e aglomeração da vida coletiva, defronta-se com o desafio de prover um espaço urbano economicamente viável, ambientalmente sustentável e socialmente justo. Este imperativo evidencia o antagonismo das propostas entre a cidade como instrumento a serviço unicamente da lógica do capital financeiro, em oposição ao espaço da manifestação e participação transformadora de vários “tipos” de cidade. O primeiro manipula a provisão habitacional como mero insumo para retroalimentar o sistema, enquanto o segundo entende a moradia no âmbito do pleno direito a cidade2. Neste sentido o PMCMV encontra impulso favorável no movimento de Municipalização das políticas habitacionais, onde é outorgada de fato às prefeituras municipais a autoridade sobre as tomadas de decisão. Para tanto, contudo, há de se ater a três fatores preponderantes, como aponta o Laboratório de Habitação do ProUrb / UFRJ, em seu relatório, sobre o tema3.

empreendimentos MCMV, LabCidade,

“i. A organização do poder público, a participação popular

FAUUSP, São Paulo.

e a assessoria técnica. ii. A defesa de políticas alternativas de habitação, que incluem a ocupação de vazios urbanos em área

7

centrais como uma alternativa à proposta de implantação de

Ferreira, J. S. W.

conjuntos habitacionais localizados longe do centro faz parte

(2012), Produzir casas

das discussões dentro dos meios acadêmicos e de linhas de

ou construir cidades?

pesquisas nessa área. iii. A defesa da municipalização das

Desafios para um novo

ações da política habitacional é apontada como alternativa à

Brasil: parâmetros

burocratização do governo federal, resultando em maior pro-

de qualidade para

ximidade e participação da população envolvida no processo,

a implementação de

além de respostas mais rápidas e maior domínio sobre o

projetos habitacionais

território, numa escala mais humana das intervenções. A defesa

e urbanos, LABHAB,

por um plano local e integrado pode ser uma opção para um

FUPAM, São Paulo.

país tão grande como o Brasil. É isto que estabelece o Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257) para instrumentalizar os Municípios no seu papel constitucional de principal executor da política de desenvolvimento urbano, através do seu envolvimento com o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infraestrutura urbana, ao transporte e serviços públicos, ao trabalho e ao lazer”. (p. 17)

O mesmo laboratório aponta de maneira contundente o perfil, limitações, e mais importante, os efeitos colaterais do modelo de provisão habitacional replicado na região metropolitana do estado do Rio de Janeiro, corroborando as características encontradas nos conjuntos HIS caxienses. Outros tra-

369

balhos demonstram claramente a repetição no país do padrão diagnosticado nas cidades fluminenses, dentre os quais a recente obra de fôlego “Minha Casa... E a Cidade?”4, ao avaliar empreendimentos do PMCMV em seis estados brasileiros. Na mesma seara de análises críticas sobre a temática, há obras que procuram organizar o processo de avaliação. Dentre estas, a recém-disponibilizada obra da Universidade de Brasília5, a qual reúne numa só plataforma, de maneira abrangente e sistemática, princípios, critérios, indicadores e verificadores, relacionados à habitação de interesse social e o contexto urbano. Sobre este último aspecto, a inserção urbana, a metodologia desenvolvida pelo LabCidade, da Universidade de São Paulo, disponibiliza uma “ferramenta” muito eficaz e assertiva de avaliação das intervenções públicas de HIS6. Finalmente, há o caso em que além de uma ampla análise crítica do tema e do consequente mapeamento das premissas e parâmetros, propuseram-se cenários hipotéticos do que poderiam vir a ser empreendimentos mais coerentes e integrados, como é o trabalho desenvolvido pelo LabHab, também da USP (Ferreira, 2012)7. Apesar de se tratar de estudos significativamente consistentes, todas as iniciativas de abordagem críticas em relação ao tema são provenientes do meio acadêmico. E enquanto não houver um avanço claro de diálogo com o poder público sobre os pontos levantados, impera a barreira entre a teoria de excelência, face à inépcia da prática. A pertinência do trabalho aqui exposto, desenvolvido no município caxiense está justamente em sua natureza; o esforço pioneiro de uma municipalidade em promover uma via alternativa e a possibilidade de colocá-la em prática. Para desenvolver referências técnicas e projetuais sobre o tema em foco foi contratada a consultoria da empresa “Materia Base Arquitetura e Urbanismo Ltda.”, vencedora do processo licitatório. É responsável direta tanto pela execução e desenvolvimento do estudo, quanto pela coordenação das equipes complementares das seguintes disciplinas: arquitetura, urbanismo, saneamento, energia, paisagismo, sociologia, aspectos condominiais e planilhas orçamentárias. METODOLOGIA: A metodologia de trabalho se pautou em procedimentos integrantes, numa abordagem indutiva de levantamento e na correlação e confrontação


de dados primários e secundários. Os primeiros foram coletados especialmente ao longo do desenvolvimento e elaboração do relatório de avaliação social, no qual se fez a análise e diagnóstico dos aspectos sociais diretamente com os próprios moradores em dinâmicas conduzidas por profissional específico para tal fim (pesquisa ex post facto). O método envolveu Rodas de Conversas (fig. 1) com moradores dos condomínios residenciais; diálogos com moradores do entorno e entrevistas com síndicos dos empreendimentos, além de travessias locais e no entorno. Neste processo procurou-se confrontar o levantamento à pesquisa no contexto dos Condomínios do Empreendimento Calundu e seu entorno, elaborada a partir de fontes como IBGE, SMPHU e internet. Especificamente, conforme indicação feita pela SMPHU/SMH trata-se do Empreendimento Calundú do Programa MCMV, Loteamento Nossa Senhora do Carmo, sito à Estrada do Calundú, bairro Vila São José, 2º Distrito, Campos Elísios, município de Duque de Caxias, RJ. O empreendimento do Calundu (fig. 2 e 3) agrupa um contingente significativo de cerca 7,6 mil pessoas distribuídas em 2.460 unidades habitacionais, das quais 50% foram destinadas para famílias reassentadas e o restante, distribuídas para moradores oriundos de área de risco, famílias procedentes de assentamento precário e da demanda aberta, inscritas e contempladas no PMCMV. Da mesma forma, os demais aspectos analisados relativos ao empreendimento - do ponto de vista do urbanismo, arquitetura, energia, resíduos, condomínio, meio ambiente e orçamentário - foram desenvolvidos a partir dos dados coletados in loco nas visitas técnicas ao local e seu entorno, confrontados com fontes governamentais (dados censitários, cartografias), bibliografias correlatas (livros, revistas, artigos de imprensa) e em especial, trabalhos acadêmicos no âmbito do PMCMV (dissertações de mestrado, teses de doutorado, artigos científicos, etc.). PASSO-A-PASSO: As duas primeiras entregas já finalizadas, respectivamente Produto 1 e 2, tratam da análise de um determinado conjunto habitacional de interesse social desta categoria, da municipalidade de Duque de Caxias, RJ, enquanto estudo de caso representativo de uma realidade intrínseca deste tipo de empreendimento e sua precificação através de planilha orçamentária em valores correntes de mercado.

Os Produtos 3 e 4, irão igualmente analisar e precificar um empreendimento desta categoria. Contudo, nesta fase tratar-se-á de uma alternativa hipotética, cujas características se aproximem ao máximo de um cenário considerado “sustentável”. Da confrontação entre um estudo de caso real e um cenário hipotético, espera-se desenvolver o produto 5: “Referências para o projeto MCMV SUSTENTÁVEL e especificações técnicas que tratem de garantir sustentabilidade urbanística, ambiental, social e econômica a empreendimentos habitacionais de caráter popular, no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, Faixa 01, em Duque de Caxias, RJ.”

CONCLUSÃO: Este artigo apresentou uma ação pontual do município caxiense no sentido de compor favoravelmente o movimento de Municipalização das políticas habitacionais. A principal relevância do trabalho reside justamente no fato de ser o próprio município a tomar a iniciativa em alterar o status quo do PMCMV. E a contribuição deste movimento repousa na possibilidade da confrontação e reavaliação desta ação concreta quando de sua aplicação em futuros empreendimentos HIS. A análise dos projetos dos empreendimentos em execução ou aprovação ressaltou as preocupações do município, o qual identifica limitações no escopo técnico dos projetos, o que corresponderia às limitações dos investimentos em sustentabilidade, tanto no que diz respeito às questões urbanísticas, quanto no que se refere às edificações, aos aspectos sociais e econômicos dos empreendimentos do MCMV Faixa 01. Ainda em processo de elaboração, é cedo para avaliar a consistência do trabalho, cuja pretensão é contribuir no debate sobre os atuais modelos de cidade – do ponto de vista morfológico, político, social e econômico – e repensar a continuidade da política habitacional em vigor. Quanto às limitações o trabalho em curso defronta-se com várias barreiras. Da escassez de iniciativas similares como referência. Das condicionantes cronológica e financeira impostas no âmbito de uma contratação pública na esfera municipal. No desinteresse da construtora e dos projetistas responsáveis pelos empreendimentos existentes em proporcionar uma crítica construtiva às obras realizadas.

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Na insuficiência de exemplos paradigmáticos nacionais como base para um cenário ideal. Mas talvez a questão mais desafiadora repouse no fato do problema ter sido posto de maneira inscrita, e da problemática, por sua vez conformar uma situação de abrangência circunscrita. Em outras palavras, a questão vai muito além do entre muros dos condomínios de HIS e muitas vezes transpassam os limites do próprio município. Sobre eventuais trabalhos futuros há um vasto leque de possibilidades latentes. Tais quais, iniciativas análogas provindas de outros municípios. A avaliação dos empreendimentos desenvolvidos a partir do novo referencial técnico. O desenvolvimento de agendas envolvendo dois ou mais municípios.

REFERÊNCIAS: Amore, C. S., Shimbo, L. Z. and Rufino, M. B. C. (2015), Minha Casa... E a Cidade? Avaliação do Programa Minha Casa Minha Vida em seis estados Brasileiros, Letra Capital, Rio de Janeiro. Benetti, P. C. and Pecly, M. L. (2012) Inserção na cidade e a importância do desenho urbano como instrumento de vitalidade e promoção de espaços urbanos de qualidade nos assentamentos HIS do PMCMV, Lab. de Habitação e Forma Urbana, PROURB, FAUUFRJ, Rio de Janeiro. Blumenschein, R. N., Peixoto E. and Guinancio C. (2015), Avaliação da qualidade da habitação de interesse social: projetos urbanístico e arquitetônico e qualidade construtiva, UnB, FAU. Brasília. Ferreira, J. S. W. (2012), Produzir casas ou construir cidades? Desafios para um novo Brasil: parâmetros de qualidade para a implementação de projetos habitacionais e urbanos, LABHAB, FUPAM, São Paulo. Harvey, D. (1982). The limits to Capital, Basil Blackwell Publisher Limited, Oxford. Rolnik, R. (1988). O que é a cidade, Brasiliense, São Paulo. Rolnik, R. et al (2014). Ferramentas para avaliação

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da inserção urbana dos empreendimentos MCMV, LabCidade, FAUUSP, São Paulo.

Fig. 1 - Roda de conversa Condomínio Bolzano em 15/04/15. Foto: autor.

Fig. 2 - Fronteira entre os condomínios Rotonda e Volterra. Foto: autor.

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Fig. 3 - Foto da área urbana a sudeste do empreendimento. Fonte: Google Earth.

FERNANDO CESAR NEGRINI MINTO fernando@materiabase.com.br Arquiteto urbanista, mestre pelo depto. de tecnologia da FAU USP (2009), foi associado da assessoria técnica USINA (2006-2013), coordena o escritório Matéria Base arquitetura e urbanismo, é professor no Canteiro Experimental do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Santa Úrsula, é professor substituto na FAU UFRJ KELSON VIEIRA SENRA Mestrado em Geografia - Área de Gestão Ambiental e Territorial, na Universidade de Brasilial, foi Chefe de Gabinete da Secretaria Executiva do Ministério da Ciência e Tecnologia de 2008 a 2010. Membro do Conselho Nacional das Cidades e Coselho Gestor do FNHIS. Consultor do ILPES

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THOMAS ALEXANDER J. BURTSCHER CEPAL, IICA e Ministério da Integração Nacional. Gerente de Projetos de Assentamentos Precários e Diretor de Desenvolvimento Institucional do Ministério das Cidades de 2003 a 2005/ arquiteto urbanista, formado pela UNESP, 1994-98. Pós-graduado, pela École Polytechnique Féderal de Lausanne, Suíça e Université Catholique de Louvain, Bélgica, Master Europeén en Architecture et Dévelopment Dura


2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

María Elisa Rocca| Buenos Aires, Argentina LA CONSTRUCIÓN DE LA CATEGORÍA DE COLUGAR Estudio comparado entre los edificios de vivienda Walden 7 y el Barrio Parque Los Andes

1. INTRODUCCIÓN El objetivo que me planteo para esta ponencia es poner en práctica y construir un modelo operativo para desarrollar y explicar el concepto de colugar. Una vez construido el concepto, analizar y comparar dos casos de estudio: 1) el edificio de viviendas Walden 7 en Barcelona y 2) el Barrio Parque Los Andes en Buenos Aires. Para esto seguiremos los pasos propuestos por el “nonágono semiótico” como modelo operativo (Guerri & et al, 2014, p. 4). Esto implica, en primera instancia, emprender un camino en donde cada concepto, objeto y comportamiento es entendido como una tríada genuina compleja. El concepto de colugar remite a un tipo de espacio –ni público ni privado– que suele ser asociado, en una primera instancia, al espacio descripto tradicionalmente como “intermedio” (Figura 1), siguiendo un pensamiento ligado a lo diádico. Lo que propone el concepto de colugar (Figura 2) es avanzar hacia una concepción tríadica de este espacio. Este concepto fue creado a partir de un estudio en profundidad de la cooperativa de viviendas y servicios Sargfabrik en la ciudad de Viena (Rocca, 2011). La ponencia propone poner en relación objeto de estudio y concepto, en cuyo encuentro, uno y otro se ven modificados. El “nonágono semiótico del concepto de colugar” será un modelo operativo a partir del cual se podrá estudiar no sólo los casos de estudio presentados en esta ponencia, sino que pretende servir de modelo de análisis para otros casos donde se busque analizar la noción de colugar y/o proyectar cada uno de los colugares concretos.

2. EL CONCEPTO DE COLUGAR El concepto de colugar surgió ante la necesidad de otorgarle nombre propio a una serie de lugares que no se corresponden con aquellos asociados con los ámbitos privados de la vivienda ni con los estrictamente públicos de la ciudad. Comenzamos a nombrarlos como “espacios intermedios” dentro de los cuales existían diferencias en cuanto a sus dimensiones, ubicaciones relativas dentro del conjunto, usos y apropiaciones; y maneras a partir de las cuales habían sido creados y diseñados. La noción de colugar está ligado al “uso” y apropiaciones –al “valor” como terceridad1– que los usuarios/as hacen de los espacios de frontera – entre la vivienda y el conjunto; y entre el conjunto habitacional y el entorno urbano–; al tipo de relaciones sociales establecidas y a los sistemas jurídico-económicos que dan acceso a la vivienda y que otorgan el marco necesario para su “gestación” –a la “forma” como primeridad–, y por último a la “materialidad” que implica el hecho arquitectónico –“existente” como segundidad. A través de este concepto intentamos definir una nueva categoría espacial que ayude a concretar la complementariedad –la interacción– entre vivienda y ciudad (Rocca, 2011). El concepto de colugar, como espacio de frontera (Simmel, 2001), define nuevos o –diferentes– modos de habitar y pensar la vivienda colectiva. Entendemos que la vivienda colectiva no sólo se habita sino que se co-habita. Los colugares son espacios que emergen de la distancia progresiva entre el espacio público y el espacio privado. Hasta

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1 En términos de Charles Sanders Peirce (1931): Primeridad, Segundidad y Terceridad que desarrollaremos más adelante en esta ponencia.


2 Cooperativa de viviendas y servicios Sargfabrik, Barrio Parque Los Andes, Walden 7 y Cooperativa de viviendas Monteagudo. 3 Nomenclatura propuesta por Juan Magariños de Morentin y retomada por Claudio Guerri en su libro Nonágono Semiótico. Un modelo operativo para la investigación cualitativa. 4 La ideología socialista de Bereterbide impregna su obra con criterios de justicia e igualdad social, a lo que se suman ideas higienistas de vanguardia en Europa.

el momento, estos espacios de articulación entre lo público y lo privado son entendidos y pensados como intermedios (véase figura 1). El problema de este tipo de definición, que permanece ligada a los conceptos tradicionales de público y privado como entidades claramente separadas, es que no permite que los colugares tengan una identidad propia. Esta imprecisión conceptual provoca la invisibilización y –en consecuencia– la desvalorización de los colugares. El colugar, entonces, es un intento de pensar esos espacios “entre” sin caer en conceptos híbridos y simplistas como el de “espacio intermedio”. Los colugares son los espacios para lo colectivo y común, introduciendo una escala propia entre aquello más público y aquello más privado (ver figura 2). El colugar posee diferentes dimensiones que, para una mejor comprensión, definimos a partir de tres escalas: (1) colugares a escala urbana: posibilitan la integración del edificio al entorno y vida urbana, (2) co-lugares a escala del conjunto: permiten la integración social llevada a cabo dentro del conjunto habitacional, y (3) colugares a escala de la vivienda: establecen la integración de la vivienda individual al conjunto habitacional. 3. LA MIRADA PEIRCIANA A partir de la profundización en el modelo operativo que propone el “nonágono semiótico”, y al haberlo aplicado a casos de estudio concretos2 pudimos diferenciar tres dimensiones para el análisis de los colugares: 1) la “Gestación cohabitable” como primeridad (forma), 2) la “Materialización cohabitable” como segundidad (existente), 3) el “Uso cohabitable” como terceridad (valor). Estas tres instancias podrían ser pensadas desde la lógica peirciana como: la “forma”, el “existente” y el “valor”3 (Guerri & et al, 2014) del colugar, obligándonos a profundizar en cada una de las dimensiones, creando relaciones lógicas que nos ayuden a desarrollar y profundizar la noción de colugar. En esta perspectiva, el concepto de colugar tiene tres aspectos descriptivos o categorías formales, teóricas, conceptuales denominados “correlatos”. El primer correlato, la “Gestación Cohabitable”, alude a la relación del signo consigo mismo, a la pura posibilidad del signo antes de actualizarse en alguna clase de manifestación (Guerri & et al, 2014, p. 11).

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Los colugares como espacios concretos se proyectan, se gestan y tienen la capacidad de actualizarse en lugares concretos condicionados por esta “primeridad posibilitante”. El segundo correlato , la “Materialización cohabitable” del colugar, alude a la relación del signo con su objeto, es decir a las concretas manifestaciones materiales y existenciales de los diferentes aspectos del signo (Guerri & et al, 2014, p. 11). En este caso, se materializará el concepto de colugar en cada uno los colugares, como espacios concretos dentro del Barrio Parque Los Andes y del Walden 7, o de otros conjuntos posibles de ser analizados. El tercer correlato, el “Uso cohabitable” del colugar, alude a la relación del signo con su interpretante, es decir, a la valoración estratégica de las manifestaciones existenciales presentes en el segundo correlato (Guerri & et al, 2014, p. 11). Estos aspectos descriptivos, más abstractos, son cruzados por aspectos operativos, las “tricotomías”. En este caso utilizamos las tricotomías asociadas al concepto de “Práctica Social” de Althusser (1965 [1973]: 132-181) y citado por Guerri (2014, p. 4). A partir del cruce de ambas tríadas surge el siguiente “nonágono semiótico” más desarrollado de la noción de colugar (Figura N°3). Este ícono diagramático será el que nos permitirá actualizar dicha noción para cada uno de los casos de estudio que pretendemos analizar, comprender y explicar a futuro. 4. BARRIO PARQUE LOS ANDES Y WALDEN 7: ESTUDIO COMPARADO Hasta aquí hemos construido la noción de colugar que nos permitirá sistematizar el análisis y posterior comparación de los casos de estudio elegidos. A partir de ahora comenzaremos a construir un texto performativo que pondrá en relación ambos casos de estudio para los cuales previamente se ha construido el nonágono semiótico específico de cada caso. La licenciada Stella Maris de Lellis (2002) describe al Barrio Parque Los Andes (Schere & Molina y Vedia, 1997; Velasco, 2014) como “una isla en el corazón de Chacarita”. Esta idea de “isla” se mantiene, con ciertas variaciones urbanas, desde el momento de su inauguración –y hasta de su concepción en 1928. El proyecto fue encargado al arquitecto Fermín Bereterbide4 luego de un concurso a finales de 1924. Por su parte, el conjunto Walden 7, proyecto de Taller de Arquitectura (1974), se


presenta como un “monumento” en las afueras de Barcelona, en Sant Just Desvern, un municipio modesto y tradicional, produciendo tanto a nivel real como simbólico una situación de objeto aislado de su contexto. Ambos casos surgen como alternativas para resolver tanto el déficit como la calidad habitacional de la época, apelando a la vivienda colectiva como alternativa. En Los Andes, como alternativa a la vivienda individual, y en el Walden 7, como alternativa al “bloque simplista y limitado del funcionalismo a ultranza” (Solé & Amigó, 1995, p. 10). Está condición de “isla” en un caso o “monumento aislado cuya colosidad distancia”, nos pone frente a dos casos excepcionales aunque no por eso, menos ejemplares. Desde su “gestación proyectual” ambos ejemplos se distancian si consideramos su “estética formal” y “constructiva”, pero vuelven a coincidir en su “estética política”. Los Andes mantiene una estética formal tradicional aceptada en sus orígenes y que perdura hoy en día, acompañada de una noción de espacio también tradicional: la conformación de un claustro con patio central. Mientras que el Walden 7 apuesta a una estética formal y constructiva de vanguardia. El espacio de Walden 7, tal como lo describe Manuel Nuñez Yanowsky (Solé & Amigó, 1995, p. 18), deja de ser concebido a partir de los tres ejes de la tridimensión – largo, ancho y largo– para apostar a la diagonal espacial para lograr la nueva espacialidad deseada. En este sentido, Fermín Bereterbide apuesta a la densidad media mientras que el Taller de Arquitectura proyecta vivienda colectiva de alta densidad. Sin embargo, a pesar de las diferencias concretas surgidas desde su concepción formal y constructiva, ambos comparten una “estética política”. Ambos ejemplos buscan dar espacio al surgimiento de relaciones sociales de convivencia comunitaria. Los Andes, partiendo de las relaciones sociales establecidas entre vecinos que conforman cada uno de ellos familias que se convierten en los núcleos de convivencia primarios. Mientras que el Walden 7, parte del individuo que establece relaciones que superan la noción de familia en una época en la que, como cuenta Anna Bofill, los psicólogos afirmaban que la familia estaba en crisis y que era plausible buscar fórmulas de convivencia humana que fuesen más allá (Solé & Amigó, 1995, p. 115). El Taller de Arquitectura entendía que cuando la sociedad llega a su máximo de individuación, de atomización, se encuentra en su hipotético contrario, la comunidad. Es así como el proceso agravado de individuación que venían percibiendo los

diseñadores como grupo multidisciplinario, hacía necesario combinar lo individual-privado con lo comunitario. Anna Bofill nos explica que la idea formal de estas ideas teóricas era el racimo de uvas o colmena comunitaria donde “la realidad del individuo puede encontrarse en la utopía de la comunidad dentro de un país capitalista”5. Esta idea de comunidad se ve reflejada en ambos ejemplos en cuestiones concretas como la existencia de un código de convivencia y la autogestión como sistema para llevar adelante el buen funcionamiento de ambos conjuntos. Para ello cuentan con comisiones (grupos de vecinos) dedicadas a cada uno de los asuntos de interés para el conjunto habitacional: comisión de cultura, comisión de eventos, comisión de boletín, comisión de reciclaje, comisión de convivencia, etc. Estás comisiones superan las relaciones sociales establecidas dentro del núcleo primario de convivencia (la unidad de habitación) para establecer relaciones entre individuos en pos del bien común. Estas comisiones facilitan y dinamizan las dinámicas de interacción, no sólo entre los vecinos del conjunto, sino con el entorno urbano cercano. Los arquitect@s y proyectistas del Walden 7 hacen manifiesta esta idea de “individuo” proyectando módulos que se unirían (o no) conformando “agrupaciones interindividuales”. “La diagonal (…) permitía que cada módulo fuera accesible desde el exterior, lo que garantizaba una total libertad al habitante, para aislarse o comunicarse con los otros habitantes de la comunidad o familia. (…) para llegar a tu unidad o habitáculo no estabas obligado a pasar por delante de los demás: la multiplicidad de recorridos que uno podía imaginar para llegar hasta casa hacía que te pasearas en todas las direcciones del espacio, como en una ciudad, enriqueciéndote de experiencias visuales (estética, paisaje) pero también sociales, puesto que el Walden 7 estaba pensado como una unidad de vida autogestionada e independiente” (Solé & Amigó, 1995, p. 118).

En cambio, Bereterbide apostó, desde una concepción de familia y espacio más tradicionales basado también en el estudio pormenorizado de las höfe vienesas, a la idea de patio comunitario rodeado de unidades de habitación destinadas al grupo familiar. En así como las viviendas se distribuyen en una manzana de la ciudad de Buenos Aires frente al Parque Los Andes, conformando patios de encuentro, patios internos, calles, entradas y salidas, tanto peatonales como vehiculares. Algunos niños que viven en el barrio hoy en día lo describen como una “gran plaza rodeada de edificios”6. Son doce edificios de planta baja y tres pisos. Volcándose a los patios que organizan la

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5 Entrevista realizada por el autor de la ponencia a Anna Bofill en abril de 2014. 6 Entrevista realizada el 25 de abril de 2014 a una familia que vive actualmente en el barrio.


totalidad del conjunto, encontramos glorietas en los primeros pisos con pérgolas de hormigón a modo de cerramiento parcial. Todos los departamentos dan al exterior, algunos hacia el patio y otros hacia la calle. Cabe destacar que la mayoría de las cocinas y lavaderos se vuelcan hacia el patio central, prefiriendo que dormitorios y estares tengan vistas hacia la vía pública. Estas decisiones no serán menores para los usos y apropiaciones de los colugares. Sin embargo, la configuración espacial del Walden 7 es producto de las reflexiones en torno al rascacielos. Pero se pensó en la posibilidad de poner en contacto varios rascacielos, que podrían alejarse mucho, aproximarse bastante o acercarlos tanto como para poner en contacto sus ejes verticales permitiendo la circulación en vertical y en horizontal, a distintos niveles a través del conjunto. Aquí es donde se comenzó a pensar en estructuras abiertas, flexibles, que permitiera el crecimiento y la adecuación a nuevas formas de vida y relación. Se eligió la estructura ortogonal en malla que abre paso a la organización de la vida en el espacio. La primera experimentación trató de incorporar las ventajas de la ciudad jardín en altura: independencia, espacios libres, aireación e insolación, posibilidad de modificación, un ejemplo concreto fue el proyecto de Sitges de 1964 (Bofill et al., 1968). Hasta aquí nos hemos dedicado a comparar ciertos aspectos ligados con el primer correlato denominado “Gestación Cohabitable” como primeridad posibilitante de la noción de colugar. Este primer correlato tiene su manifestación material en el segundo correlato denominado “Materialización Cohabitable”. Aquí nos interesa destacar un aspecto clave en la comparación entre los dos conjuntos habitacionales. Si en Los Andes el espacio para lo común, los colugares, es sin lugar a dudas el patio, el patio-cancha, el patio-fuente, las pérgolas que le otorgan personalidad y singularidad; en el Walden 7, son los “remansos” (ver Figura 6 y 7) diseñados entre la vivienda y las pasarelas, entre la unidad habitacional y esas calles en el espacio que hacen manifiesta la unión entre las torres. Si bien existen patios conformados por la proximidad entre las torres en diagonal configuradas por la apilación y desplazamiento de los módulos individuales, no son el espacio donde se manifiesta realmente la vida comunitaria. Esta distinción es significativa: mientras que la media densidad apuesta a los colugares a escala del conjunto (el patio central comunitario), la alta densidad vería la vida en común en los colugares más próximos a la vivienda. Seguramente este desplazamiento de escala es lo que cuando

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recorremos el Walden 7, a pesar de su colosalidad indiscutible, nos deja ver una vida cotidiana, una domesticidad semejante a la que esperamos en los conjuntos de menor densidad. La misma definición de la noción de colugar pone en un plano preponderante el “Uso Cohabitable” de los colugares. Este tercer correlato ligado al “valor” del espacio gestado y materializado, tiene a su vez tres aspectos a analizar: la forma del uso asociado a los saberes de proyectistas y usuarios sobre el concepto de espacio privado y público, las experiencias de vida colectiva, las posiciones político-ideológicas y el valor otorgado al habitar colectivo. Este aspecto formal (como primeridad dentro del tercer correlato) se materializa en tres tipos de usos posibles dentro de los colugares: 1) Uso recreativo-cultural, 2) Uso Reproductivo y 3) Uso Productivo. Por último estos usos posibles adquieren un “valor” asociado a: 1) Reforzar la complementariedad entre vivienda y ciudad, 2) lograr la vinculación espacial entre la vivienda colectiva y el espacio urbano próximo y 3) Reforzar las relaciones sociales de convivencia comunitaria, que llevan a posibilitar los vínculos creativos entre los vecinos del propio conjunto y entre los vecinos dentro del barrio donde se sitúa el conjunto habitacional. En este tercer correlato es donde ambos conjuntos más allá de sus diferencias, se encuentran. Tanto Bereterbide como Taller de Arquitectura entienden la vivienda colectiva como un entorno habitable estrechamente vinculado con el funcionamiento de la ciudad, donde la vivienda y la ciudad se complementan. Es así como el Walden 7 se pensó como un proyecto residencial mucho mayor, denominado por sus proyectistas “Núcleo Social Urbano”. Este debía estar compuesto por un conjunto de viviendas destinadas a estancia, higiene y alimentación en privado, y un centro cívico con todas las funciones de uso colectivo: información, alimentación, higiene, indumentaria y transporte. Se había ideado un Centro de Información con canales de recepción de radio y TV, un Centro de estudios y Producción de Programas de espectáculos, una guardería, un centro para preescolar y EGB, una biblioteca pública, un supermercado, un restaurante de autoservicio, un local de venta de comida preparada y a domicilio, un Centro de Medicina Asistencial, un complejo de sauna y estética, además de lavandería, tintorería, sanitarios públicos y, por último un Centro de Diseño de moda. Todo esto siguiendo los lineamientos del concepto de Ciudad en el Espacio (Bofill et al., 1968), donde Walden 7 en palabras de Emilio Bofill debía transformarse en un “modelo experimental


urbano de una ciudad, no en forma lineal, sino en alzada” donde lo urbano-público no se desarrolla solamente en planta baja sino en el espacio (Solé & Amigó, 1995, p. 113). Si bien Los Andes no fue un proyecto ni tan ambicioso ni utópico, sí que introdujo usos públicos dentro del conjunto habitacional: se construyó un teatro, una biblioteca pública, locales comerciales, un salón de usos múltiples y lavaderos colectivos que aún hoy siguen funcionando. Estos colugares a escala del conjunto y de la ciudad conforman la transición pensada por ambos proyectistas entre la vida urbana, la vida comunitaria y la vida privada. 5. A MODO DE CIERRE Introducir en el campo de la arquitectura la perspectiva peirciana para poner en práctica la construcción del nonágono semiótico como modelo operativo, nos permite llegar a instancias de la “terceridad” –del “valor”– poco habituales en facultades que tienen al proyecto como fundamento epistemológico. Así, pensar la práctica arquitectónica desde una concepción tríadica significa avanzar hacia la multidisciplinariedad, involucrando disciplinas como la sociología, la antropología y la psicología. El nonágono semiótico en tanto “ícono-diagramático” nos permite descubrir en el plano las relaciones internas que conceptos arquitectónicos como el de colugar encierran. El modelo operativo tiene la potencialidad de ser utilizado no sólo a la hora de estudiar, evaluar y analizar los productos arquitectónicos –en este caso los colugares–, sino como herramienta proyectual proponiéndonos profundizar y avanzar hacia instancias valorativas y, por lo tanto, decisivas. En este caso, incorporando la categoría de “Uso cohabitable” como variable a ser analizada tanto en la etapa de “proyecto” como en la etapa de “post-ocupación”. Este trabajo tuvo la intención de sistematizar el estudio del Barrio Parque Los Andes y del Walden 7 atravesados por el concepto de colugar para el posterior análisis comparativo. La construcción del modelo operativo del concepto de colugar se hizo posible a través del trabajo empírico realizado en los casos de estudio seleccionados en un marco más amplio de investigación7.

categorías: 1) la Gestación cohabitable –“Forma”–, 2) la Materialización cohabitable –“Existente”– y 3) el Uso cohabitable –“Valor”. De esta manera, si lo urbano es el espacio de lo “público” y la vivienda el espacio de lo “privado”; el colugar es el espacio de lo “común”. Ambos ejemplos analizados son un vivo ejemplo de como cuando la noción de los común estpá presente ya en la etapa de gestación cohabitable de los colugares, estos se mantienen vivos en las etapas de post-ocupación.

7 Los casos de estudio en cuestión son el Complejo Monteagudo y el Barrio Parque Los Andes en Buenos Aires, el Edificios 111 y el Walden 7 en Barcelona, y la Cooperativa de Viviendas y Servicios Sargfabrik en Viena.

BIBLIOGRAFÍA Bofill, R., Bagué, X., Collado, R., Hodgkinson, P., Yanowsky, E., & J. Goytisolo. (1968). Hacia una formalización de la ciudad en el espacio. Barcelona. Charles S. Peirce. (1931). Collected Papers of Charles Sanders Pierce. Cambridge: Harvard UP. Guerri, C. F., & et al. (2014). Nonágono Semiótico. Un modelo operativo para la investigación cualitativa. Buenos Aires: Eudeba. Rocca, M. E. (2011). Sargfabrik. Hacia una arquitectura del colugar. Universidad Politécnica de Catalunya. Schere, R. H., & Molina y Vedia, J. (1997). La construcción de lo imposible. Buenos Aires: Ediciones Colihue. Simmel, G. (2001). Puente y Puerta. In El individuo y la libertad: ensayos de crítica de la cultura (pp. 45–53). Barcelona: Península. Solé, J. L., & Amigó, J. (1995). Walden 7 i mig. (Ajuntament de Sant Just Desvern, Ed.). Sant Just Desvern Barcelona: Barcelona Starting Point, Nuñez y Associats. Velasco, O. L. (2014). Mi lugar en el Mundo: Las Casas Colectivas del Parque los Andes. Buenos Aires: Vuelta a la página.

La introducción de la perspectiva peirciana en la construcción del concepto de colugar nos permitió apartamos de la noción diádica que encierra la noción de “espacio intermedio” para comenzar a entender el espacio entre lo público y lo privado –el colugar– como una tríada compuesta por tres

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Figura 1: Esquema diádico | Espacio Intermedio Figura 2: Esquema tríadico | Colugar

Figura 3: nonágono semiótico del signo

SIGNO COLUGAR

FORMA PRÁCTICA TEÓRICA (lo imaginario)

EXISTENCIA PRÁCTICA ECONÓMICA (lo real)

FORMA

FF Códigos en términos de posibilidad de diseño Sistemas de representación Teoría del color Teoría de la Gestalt Teorías del habitar

EF Diagramas / Esquemas

VF Estética Formal

Planos y maquetas

Estética Constructiva

Talleres participativos Entrevistas Observaciones en campo. EE Colugares para Coocurrir en tres escalas: 1. Vivienda, 2. Conjunto y 3. Ciudad. Colugares que implican Contacto en tres escalas: 1. Vivienda, 2. Conjunto y 3. Ciudad.

Estéticas Política

colugar, desarrollado en sus 27 aspectos lógicos

GESTACIÓN COHABITABLE (aspecto posibilitante)

EXISTENCIA MATERIALIZACIÓN COHABITABLE (aspecto determinante en última instancia)

FE Código de Edificación Código de Planificación Datos concretos sobre población y entorno urbano inmediato

VALOR PRÁCTICA POLÍTICA (lo simbólico)

VF Sustentabilidad Accesibilidad Usabilidad Tipo de materialidad concreta. Calidad de la construcción y del tipo de materiales. Grado de confort físicos Valores contextuales concretos de los colugares. Grado de confort psicológicos

Tecnología. Datos Colugares que implican Compartir en tres surgidos de la teoría escalas: sobre proxémica que 1. Vivienda, 2. Conjunto sumarán valor a los y 3. Ciudad. datos concretos relevados. FV EV VV VALOR Códigos de convivencia Uso Recreativo - cultural Reforzar la USO Antropología - Sociología complementariedad COHABITABLE -Psicología. Concepto entre vivienda y ciudad. (aspecto decisivo) público y privado. Concepto de espacio. Valores y saberes Uso Reproductivo Lograr la vinculación históricos y culturales espacial entre la vivienda Estilos de vida anteriores colectiva y el espacio Antecedentes de urbano próximo. vivienda y vida colectiva. Conocimientos sobre Uso Productivo Reforzar las relaciones participación. sociales de convivencia Conocimientos sobre comunitaria. Reforzar los vínculos proxémica. Posición entre vecinos del propio político-ideológica del conjunto, y entre vecinos proyectista y del usuario. Valor social otorgado al dentro del barrio. habitar colectivo Figura N°3: nonágono semiótico del signo colugar, desarrollado en sus 27 aspectos lógicos

4. Barrio Parque Los Andes y Walden 7: estudio comparado Hasta aquí hemos construido 379 la noción de colugar que nos permitirá sistematizar el análisis y posterior comparación de los casos de estudio elegidos. A partir de ahora comenzaremos a construir un texto performativo que pondrá en relación ambos casos


Figura 4. Patio-cancha Barrio Parque Los Andes

Figura 5. Patio-fuente dentro del Barrio Parque Los Andes

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Figura 6. Remansos cercanos a la puerta de una de las viviendas dentro del Walden 7 Figura 7. Remansos y apropiaciones cercanos a las viviendas en el Walden 7 con usos domésticos

MARÍA ELISA ROCCA merocca@gmail.com Arquitecta por la Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo de la Universidad de Buenos Aires. Durante el período 2009 -2011 realizó el máster Laboratorio de la vivienda del siglo 21, edición 6° de la Escuela Superior de Arquitectura de Barcelona - Fundación UPC. En la actulidad es becaria doctoral de CONICET con una tesis sobre vivienda colectiva dirigida por la Dra.Arqta. Zaida Muxí. Desde el 2013 es socia- fundadora de la asociación civil Cohabitar Urbano responsable de la organización del festival de arquitectura y urbanismo Open House Buenos Aires.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Delia Pasella | Maurizio Serra| Alghero, Itália INTERVENTI RESIDENZIALI PUBBLICI NELLA CITTÀ STORICA IN ITALIA Tentativi contemporanei di riconquista sociale dell’edilizia minore della città storica in spopolamento

La consapevolezza dell’importanza della risorsa suolo, del suo essere per definizione non rinnovabile, impone una riflessione nel ripensare il costruito in abbandono. A partire dagli anni 50’, nelle grandi città italiane il boom edilizio e l’avvento dell’automobile che hanno portato ad una espansione centrifuga incontrollata dell’edificato e nei centri minori i fenomeni migratori, hanno avuto come conseguenza l’allontanamento dalla città storica alla ricerca di un abitare salubre, moderno o collegato al luogo di lavoro. L’irrefrenabile sete di costruire con logiche ormai lontane dalle esigenze abitative e più vicine a quelle speculative, ha portato all’incredibile cifra di 666mq di consumo di suolo al secondo, per un totale di 21.000km all’anno1. Gli attuali 60 milioni di italiani si ritrovano quindi un patrimonio di 24 milioni di case di cui 7 milioni abbandonate o non occupate, che potrebbero ospitare altre 10 milioni di persone. Oggi l’Italia si prepara a recepire le direttive europee2 che impongono di arrivare al consumo zero di suolo entro il 2050, ridurre il consumo di energia in edilizia dell’80%, ovvero ristrutturare circa 1500 abitazioni al giorno. Contemporaneamente alla deriva centrifuga, la città storica in alcuni casi ha subito la retorica del dismesso, nella quale le ragioni della “rovina” prevalgono su quelle dell’abitare e in altri le logiche del parco tematico, dove la città storica si preserva come scena al limite della scenografia e l’esperienza dei luoghi è ridotta a mera fruizione di uno spazio dell’effimero e dell’ozio, portando la città storica ad essere svuotata della sua complessità3. Fuori dalle isole urbane più appetibili per il marketing interna-

zionale, esistono esempi di quartieri storici che hanno avuto la possibilità di ridiventare luoghi urbani e parti di città reale. Grazie a pratiche di buon senso è stato possibile rendere l’edificato storico una opportunità per l’abitare pubblico contemporaneo, il quale a sua volta ha agito da volano indispensabile per una riappropriazione civica duratura. In tali contesti, restituiti al loro ruolo naturale di luoghi dove sia piacevole e desiderabile vivere, l’alloggio contemporaneo è dimensionato, esclusivamente, alle funzioni di sua pertinenza e fa parte di un tutto con spazi collettivi, servizi sociali e attrezzature comuni. Negli studi e nei dibattiti degli anni ‘60, inizia ad emerge il promettente legame fra città pubblica e città storica. E’ dal convegno di Gubbio che si rende palese il valore non solo monumentale della città storica, ma anche socio-economico. Intuizione che viene confermata nella l.167/62 con la quale l’ente pubblico si riserva l’opportunità di acquisire immobili degradati per contrastare l’ascesa del valore delle aree urbane, aprendo alla possibilità, come afferma P. Bottoni, della salvaguardia della popolazione che ancora risiede nelle aree centrali ed evitare così la terziarizzazione e un rinnovo che accompagnerebbero alla progressiva squalificazione. Negli stessi anni a partire dal 1965 con l’analisi morfo-tipologica per il centro storico di Bologna portata avanti da Leonardo Benevolo e da un gruppo di giovani architetti e la redazione del piano della città del 1968 dall’allora assessore Pierluigi Cervellati, si dà avvio ad una stagione teorico-legislativo-progettuale che continuerà nel successivo ventennio. Si arriverà al riconoscimento dell’importanza del recupero in chiave pubblica della città storica come unica via per

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1 ISTAT,2011 2 http://ec.europa.eu/ energy/en/topics/ energy-strategy/2020energy-strategy 3 Maciocco, Giovanni, (2010), Introduzione, in Contenuti storici della città ambientale. Franco Angeli: Milano. 4 Comune di Bologna, (1975), La convenzione per il risanamento dei 5 comparti PEEP Centro storico. Relazione e allegati. Bologna: Comune di Bologna. 5 Gullì, Luca, Talò, Francesca, (2012), “Cinquant’anni di esperienze nella gestione dei centri storici in un caso esemplare”, in Il capitale culturale. Studies on the Value of Cultural Heritage”. Macerata: Journal of the department of Cultural Heritage, Università di Macerata, Eum.

rispondere alle reali esigenze dell’abitare contemporaneo ed impedire il logoramento della struttura socioeconomica della città antica. BOLOGNA Per il Progetto-Bologna si partì da un’analisi morfologica che portò all’identificazione di zone omogenee e tipi edilizi letti come evidenza fisica di un modo di abitare e quindi collegato direttamente ad una tipologia sociale ed economica. La matrice del lotto gotico per particelle, strette e allungate verso la linea mediana dell’area stessa, formavano degli isolati dotati di un tracciato stradale principale e di un canale di scolo in posizione centrale rispetto all’area. Su strada il portico non faceva parte dell’abitazione, ma ne era il complemento pubblico, il tramite tra l’abitazione e la strada, luogo di passaggio di lavoro e di socialità fra confinanti. Con la l.865/71 si consente l’acquisizione, nelle aree comprese nei piani di zona di cui alla 167/62, per il risanamento anche conservativo degli aggregati urbani e si dispone per la prima volta di rilevanti finanziamenti per la ristrutturazione, il risanamento e il restauro conservativo di interi complessi edilizi nel centro storico. Su tale scia la GESCAL avvia un programma di ricerca e sperimentazione con dei progetti pilota proponendosi il conseguimento del miglioramento abitativo senza il trasferimento permanente di abitanti e la conservazione dei valori ambientali e del nerbo sociale. Fra i 10 progetti programmati, scelti per le condizioni di urgenza abitativa ma anche per una già matura situazione pianificatoria, Bologna è sicuramente il caso più completo per capillarità dell’intervento, costanza applicativa, coerenza, strumentazione urbanistica. Il piano della città, già a pochi anni dalla sua approvazione, ha così la possibilità di essere integrato con i piani di edilizia economica e popolare e di approfittare dei finanziamenti. Nell’ambito del piano del centro storico furono individuati 13 comparti in grave situazione di disagio, ognuno costituito da cinque o sei isolati con caratteristiche di riconoscibilità per omogeneità tipologica (case a schiera), struttura (muri di spina) e composizione sociale. Si previdero due fasi di attuazione di cui la prima, con valore sperimentale, interessava i comparti di Santa Caterina, Solferino, Fondazza, San Leonardo e San Carlo. Il progetto ebbe come risultato il risanamento di 585 alloggi pubblici,

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490 alloggi convenzionati e 1080 privati che seguirono, pur nella varietà di taglio delle abitazioni, lo schema della casa a schiera con doppia corte e orto terminale. Le residenze vennero ridistribuite in relazione alle esigenze degli abitanti: le tipologie minime al piano terra rivolte sulla corte interna furono riassegnate agli anziani, mentre ai piani alti, oltre ai duplex per le famiglie si ricavarono delle tipologie minime per giovani e studenti. A questi si associò la realizzazione di una rete di servizi da concentrare in strutture storiche emergenti, ben inserite nella trama della città e con funzione di riferimento che accolsero al loro interno nuove strutture di sostegno per l’innalzamento della qualità della vita e per il miglioramento dello stato sociale. La città storica, diventava il simbolo di un nuovo modo di abitare e di vivere e di pensare ad un tipo di recupero “dinamico”4; al suo interno, la permanenza della propria popolazione naturale, che riconquistava un ruolo attivo attraverso una progettazione partecipata ed un coinvolgimento collettivo alle decisioni di piano, avrebbe ritrovato sia le forme tradizionali dell’abitazione che una rete di luoghi sociali e di aggregazione5. Negli stessi anni la legislazione nazionale si completa con, fra le altre, la l.513/77 che introduce la realizzazione di “case parcheggio” destinate alla sistemazione temporanea dei nuclei familiari soggetti a sgombero per effetto degli interventi di recupero. La legge inoltre prevede che gli alloggi compresi in edifici pubblici sgomberati e recuperati all’interno dei centri storici, siano riassegnati con preferenza ai precedenti utenti, al fine di conservare il tessuto sociale esistente. Dopo il caso bolognese si è assistito ad una frantumazione di progetti dovuti soprattutto alla mancanza di scelte e di direttive a scala locale che hanno portato ad interventi episodici. Salvo in pochissime realtà in cui vengono avviati e condotti interessanti politiche di recupero diffuso, nel resto del Paese la maggior parte delle amministrazioni lamentò una scarsità di mezzi e risorse per sostenere tali politiche con la conseguenza che ad un tale impegno normativo, fino a quel momento all’avanguardia in Europa, non si rispose con un risultato di rilievo. La risposta arriva con la l.457/78 detta anche “Piano Decennale Per La Casa” che costituì il più importante pronunciamento legislativo a scala nazionale. Gli articoli individuano gli strumenti di base dell’azione amministrativa, disciplinano l’utilizzo dei fondi da parte dei comuni stabilendo l’ammissibilità


delle spese, attivano per la prima volta le risorse dei privati attraverso mutui agevolati e l’istituzione di consorzi, mantenendo comunque il vincolo di cessione, da parte delle imprese, delle abitazioni recuperate, solamente ai soggetti aventi i requisiti. Il risultato del piano decennale è stato spesso considerato al di sotto delle aspettative con il raggiungimento di sole 220.000 residenze sociali recuperate; ma si trattò comunque di risultati molto al di sopra della media attuale. Interessanti in questa stagione sono gli interventi per il piano di Castellanza (1981-82) che grazie anche alla estensione urbana, offre un esempio di strategia minuta di ristrutturazione generale del territorio. CASTELLANZA Castellanza è uno dei tanti centri minori della Lombardia in prossimità dell’area metropolitana milanese. I due nuclei storici che originariamente costituivano due borghi distinti, furono gli elementi trainanti della riqualificazione di tutto il tessuto urbano costituito oggi da circa 15.000 abitanti. L’operazione è stata sviluppata in più fasi in modo che la cittadinanza potesse accogliere gradualmente l’intervento. Nella prima fase vennero realizzati il centro civico-religioso collegato al municipio e una piazza ad esso antistante, nell’antica borgata di Castellanza, e la costruzione di un centro culturale commerciale nell’antica Castegnate. Nella seconda fase ci si concentrò sul quartiere adiacente alla piazza e prospicente via Roma quasi totalmente di proprietà comunale. L’intervento di recupero non è stato completamente conservativo. Rispetto al piano di Bologna si è riflettuto in maniera critica sulla rilevanza delle strutture presenti e sulla comprensione degli elementi più significativi da conservare6. Gli aspetti positivi dell’isolato erano i grandi cortili, la disponibilità degli spazi comuni vivacemente articolati, l’architettura modesta ma flessibile. La prima operazione fu la ristrutturazione dell’asta commerciale da anni quasi completamente in disuso per l’inadeguatezza e la vetustà degli edifici e il cui abbandono aveva influito sulla riduzione della popolazione residente, calata a soli 43 abitanti in 33 alloggi. Per evitare artificiosi assemblaggi di popolazione e per favorire condizioni di mobilità spontanea degli abitanti, sono stati disposti tagli di alloggio differenti, adatti alla varia composizione dei nuclei famigliari. Le aree comuni, i vecchi cortili, adibiti a parcheggio sono stati liberati e resi pedonali, mentre per le auto sono state disposte delle rimesse accessibili dalla via principale. Complessivamente si realizzarono ulteriori 22 alloggi, 14 negozi e 55 autorimesse. Nel quarto

intervento denominato il “Cairo” la rigorosità della struttura ha permesso la realizzazione di 58 nuovi alloggi con taglio razionale, esecuzione rapida e risparmio di materiale che ha dato la possibilità di realizzare nuovi spazi di relazione con il restante tessuto urbano. Scaduto il programma decennale, l’orientamento prevalente alla fine degli anni ’80 e negli anni ’90, è stato la ricerca di una più incisiva sinergia fra pubblico e privato: si apre la stagione dei programmi integrati di recupero urbano. Si tentò così di integrare le diverse funzioni di città e quartiere ma anche di accostare variegati tipi di offerta residenziale che fino a quel momento furono programmati in maniera distinta: sovvenzionata, agevolata, privata. LASTRA A SIGNA Un esempio di progetto complesso di recupero e riqualificazione è il Progetto per Lastra a Signa, comune della conurbazione Fiorentina, portato avanti fra l’88 e l’89 da Giancarlo De Carlo. Anche se purtroppo mai realizzato interamente, costituisce ancora una valida proposta di risignificazione di un quartiere storico la cui unica possibilità di riacquisire un ruolo per gli abitanti, consisteva in una sua rilettura in chiave ambientale dove le rive dell’Arno e le colline circostanti avrebbero costituito un tutt’uno con l’urbano7. Per far questo De Carlo pensa al rianimo delle attrezzature e dei servizi che la città già possedeva attualizzandole con spazi pubblici, verde di quartiere a ridosso delle antiche mura e alla gerarchizzazione della mobilità, nel tentativo di rafforzare una riappropriazione pubblica della città in cui il privato partecipa ma in forma controllata e limitata. Qui è interessante anche la previsione del verde all’interno del tessuto urbano, come elemento apportatore di qualità abitativa e riequilibrio per le esigenze di vita contemporanea. Nella Gora, una delle parti più antiche dell’abitato, si propone un intervento di recupero da destinare a residenza pubblica che faccia da volano per la riappropriazione degli abitanti. Si tratta di residenze che al piano terra mantengono la destinazione di bottega sul fronte strada e di magazzino sul retro, mentre la parte abitativa si sviluppa ai piani alti, rivisitando l’abitudine al tempo desueta di un abitare legato al lavoro produttivo. Negli anni ’90, anche per la fine dei fondi GESCAL, ci si allontana dagli interventi programmatici di edilizia residenziale pubblica, tentando la via della risignificazione dell’urbano storico per mezzo di strategie economico-occupazionali e sociali; nono-

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6 Marforio, Ernestina, (1983), “Il caso di Castellanza: un’operazione concreta di riuso urbano”, in Urbanistica 74, Edizioni Urbanistica. Torino: InuEdizioni. 7 De Carlo, Giancarlo, (1989), Lastra a Signa. Progetto guida per il centro storico. Milano: Electa.


8 Basile, Francesco, Oliva, Federico, Richter, Paolo, (2013), Edilizia sociale senza finanziamenti pubblici, come usare gli strumenti urbanistici. Milano: Edilizia e Territorio, Sole 24Ore. 9 De Matteis, Milena, Del Brocco, Barbara, Figliola Angelo, (2014), Rigenerare la città: il Social Housing come opportunità di rinnovo urbano e sociale. Venezia: IUAV. 10 Moschini Monica, Meduri Marco, (2006), Abitiamo insieme Ascoli: il progetto residenziale dedicato alle giovani coppie e alle famiglie, in AA.VV. Il Progetto Sostenibile - Ricerca e tecnologie per l’ambiente costruito. Monfalcone: EdicomEdizioni.

stante la crescita della domanda abitativa, la produzione di alloggi popolari si riduce drasticamente, dalle 32000 unità del 1984 alle 1900 del 2004. Nei primi anni 2000 con la Riforma del Titolo V della Costituzione si assiste al trasferimento di competenze e responsabilità in materia edilizia, dallo stato alle regioni. La finanziaria del 2002 sarà la prima a non prevedere stanziamenti per l’ERP. Solo con la L.9/2007 si ritornerà ad affrontare il problema casa a livello nazionale, parlando sempre meno di edilizia residenziale pubblica (ERP) e sempre più di edilizia residenziale sociale (ERS). Iniziano ad essere recepiti negli intenti e nelle normative i principi del Social Housing contemporaneo, secondo le direttive europee e la definizione proposta dal CECODHAS (Comitato europeo per la promozione del diritto alla casa). Cambiano non solo i destinatari degli interventi rispetto a quelli del XX secolo, ma anche i soggetti coinvolti nelle azioni di soddisfacimento della domanda. Infatti le politiche per la casa iniziano a rivolgersi a quella fascia di popolazione che pur non appartenendo alle categorie sociali più disagiate, quindi non destinataria di ERP ha difficoltà ad accedere al mercato immobiliare libero. La Legge cardine è la 133/08 in cui viene introdotto il “Piano Casa di Edilizia Abitativa” (PNEA), con uno stanziamento di circa l’84% per interventi sul patrimonio esistente. Sempre con la stessa legge si promuove la costituzione di un Sistema Integrato nazionale e locale di Fondi Immobiliari (SIFI) con il coinvolgimento di soggetti pubblici e/o privati nella valorizzazione dell’offerta abitativa. Da questo momento in poi ci sarà un legame molto stretto tra Housing Sociale, Fondazioni di origine bancaria e SGR. Con la l.244/20078 l’alloggio sociale inizia ad essere considerato a tutti gli effetti uno standard urbanistico, ovviando attraverso meccanismi perequativi ai processi espropriativi. È in questo scenario socio-legislativo e negli obbiettivi per il 2050 che si possono leggere gli interventi più recenti di Social Housing in Italia. Innovativa è la figura del Gestore sociale, che si occupa sia dell’amministrazione degli immobili che della gestione delle relazioni fra abitanti, dei conflitti e delle eventuali insolvenze9. ASCOLI Il progetto “Abitiamo insieme Ascoli” promosso dalla Fondazione Cassa di Risparmio di Ascoli Piceno in collaborazione con la Fondazione HS Italia Centrale e Investire SGR si pone come obbiettivo l’avvio di un processo di rigenerazione urbana e sociale di un contesto in stato di crescente abbandono, attraverso l’offerta di alloggi a giovani coppie e famiglie con difficoltà di accesso alla casa. L’intento è quello di

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puntare sulla “cultura della convivenza e dell’abitare sostenibile”10, attraverso un accompagnamento volto alla creazione di una rete di rapporti di buon vicinato tra i residenti, di una comunità collaborativa e con senso di appartenenza indispensabili per una partecipazione attiva alla vita di condominio e alla creazione di un ambiente socialmente sostenibile sia a scala di vicinato che urbana. L’area interessata dall’intervento ad opera dell’arch. Alessandro Traini è di circa 1940mq, di cui 940mq destinati al verde. Si son ricavati un totale di 16 alloggi di cui 5 bilocali, 9 trilocali e 2 quadrilocali, spazi comuni e un posto auto per ogni alloggio. La varietà dell’offerta tipologica ha consentito la costituzione di una comunità con un equilibrata mixité. Il programma ha inoltre previsto incontri fra i nuovi inquilini con il supporto di facilitatori, durante i quali avviare processi di progettazione partecipata dei servizi comuni, costituzione dell’autogestione, stesura del Regolamento di Comunità e costituzione di un’associazione degli inquilini sia per la gestione degli spazi comuni interni, sia per l’autogestione del giardino. Durante questi incontri son state ideate anche alcune attività da svolgere nei tre spazi in comune: ad esempio la sala polifunzionale diventa un locale nel quale gli inquilini possono organizzare eventi culturali e sociali di convivialità, quali allestimenti, cineforum, cene etc.; l’hobby room viene attrezzato per consentire lo svolgimento di piccoli lavoretti di bricolage, attraverso la condivisione di strumenti di lavoro e per depositare bici e passeggini e infine lo spazio gioco si trasforma in ludoteca e asilo condominiali, con la possibilità di estendere il servizio anche al quartiere. Su questa linea di intervento rientra il recupero, concluso nel 2015, del Palazzo Sgariglia, attraverso la realizzazione di 22 alloggi sociali, 2 per studenti fuori sede e 6 di libero mercato oltre a un centro psicofisico della persona, negozi e la galleria Art&Food (ristorazione, bar e vendita prodotti locali). In tutti i casi analizzati le superfici medio piccole degli appartamenti hanno richiesto l’individuazione di ulteriori spazi per attività extradomestiche, che sono diventati l’occasione per nuove forme di socializzazione e come in un effetto domino, hanno aumentato la sicurezza e il controllo sociale dell’intero quartiere, differenziandosi dalle spazialità individualiste sviluppatesi a partire dal boom edilizio


del dopoguerra.

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DELIA PASELLA paselladelia83@gmail.com MAURIZIO SERRA maurizioserra83@gmail.com Laureati con lode alla Facoltà di Architettura di Alghero, partecipano alla 5° edizione del MLVXXI approfondendo i temi dell’abitare contemporaneo. Nel 2011 rientrano in Sardegna dove collaborano con diversi studi professionali e con la Facoltà di Architettura di Alghero alla stesura di Piani Urbanistici Comunali, Piani Particolareggiati dei Centri Storici

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della Sardegna e studi strategici in cui hanno la possibilità di approfondire i temi della tipologia storica e del suo adattarsi alle nuove residenzialità. Maurizio Serra dal 2015 è collaboratore dell’Associazione Borghi Autentici d’Italia per il progetto “Valore in Rete” in cui si occupa della riconversione e messa in rete di immobili pubblici abbandonati. Delia Pasella da Aprile 2015 collabora con il Dipartimento di Architettura di Alghero al progetto “Individuazione di progetti urbani nell’ambito dei centri storici finalizzati alla ricerca di ipotesi di intercomunalità nei territori della Planargia e del Medio Campidano”.


2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Marlon Paiva | Maria Cristina Schicchi | São Paulo, Brasil PREÂMBULO DE UMA DEMOLIÇÃO: Do são vito em São Paulo ao Aleixo no Porto

RESUMO: A habitação coletiva já era um tema estudado no Brasil e na Europa quando foram construídos o Edifício São Vito (1954-59) em São Paulo e os edifícios do Grupo de Moradias Populares do Aleixo (1968-76) na cidade do Porto. Porém, os edifícios que na década de 60 se localizavam no entorno das áreas centrais de ambos os contextos, ao findar o século, foram incorporados pela ocupação urbana e tornaram-se áreas de grande interesse imobiliário e especulativo, sofrendo tensões constantes para sua desapropriação. A dificuldade de operar com tais edifícios, de alta metragem quadrada construída, acabou relegando-os ao abandono e à ocupação irregular de classes de menor renda, transformando-os em cortiços verticais - condição que apenas projetos sociais governamentais poderia reverter. Com o objetivo de verificar as possíveis alterações ocorridas no tecido urbano a luz do estudo destes edifícios, que repercutem a questão da habitação proletária nas duas cidades, este trabalho aborda a degradação de edifícios habitacionais que atenderam à demanda de programas de realojamento de famílias provenientes de sub-habitações dos centros das duas cidades e que, ao final, sofreram processos de demolição que implicaram na exclusão da população residente e, por extensão, do direito destas classes sociais de menor renda à cidade: motivo que animou tal discussão em paralelo. Por fim, pretendemos contribuir para o estudo do espaço habitado a partir da leitura das particularidades sociais e arquitetônicas que se revelaram análogas em ambos os territórios. Não obstante, interessa-nos levantar a discussão sobre a demolição destes edifícios frente a proposta de realojamento dos moradores em regiões dispersas

pela cidade, procurando estabelecer um paralelo das relações urbanas com o atual perfil da população ali presente. Palavras-Chave: Habitação social; Segregação Urbana; Política Habitacional; Porto; São Paulo. CONTEXTUALIZAÇÃO: ARQUITETURA E CIDADE A conjuntura econômica favorável que se instalou rapidamente no decorrer da década de 60, relacionada com os planos de desenvolvimento nacional, e que constituíram um ponto de inflexão entre as políticas públicas e o surgimento de novos modelos para suprir a demanda por habitação, teve grande repercussão. Portugal e Brasil, ligados não apenas por seus laços históricos, experimentaram este impulso desenvolvimentista através dos Planos de Fomento (1953-79), no primeiro, e dos Planos de Metas (1956-61), no segundo, permitindo o início de fortes investimentos nos programas sociais a partir da produção dos bairros camarários1 e ou edifícios de caráter isolado (público ou privado) que vão ocupando interstícios territoriais centrais ou periféricos, induzidos pela especulação imobiliária e o modelo de crescimento suburbano. O Grupo de Moradias Populares do Aleixo (1968-76) no Porto, trata-se de um conjunto arquitetônico que em princípio procurava responder à questão da moradia através de uma promoção camarária da década de 70 (fig. 01). Entretanto, reflete uma ausência de investimento do poder público (proprietário do conjunto) na gestão do condomínio voltado para moradia popular. Este problema se amplia com a questão do

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1 O termo “camarário” refere-se a Câmara Municipal que, em Portugal, representa a sede do poder executivo do município.


2 O termo “ilhas” é utilizado em Portugal para definir um modo de habitar que surge nos finais do séc. XVIII, fruto do processo de industrialização e da falta de moradia à classe laboriosa.

3 O termo “cortiço” é utilizado no Brasil e definido como habitação tipicamente popular, semelhante ao das “ilhas” em Portugal.

4 Centro histórico da cidade do Porto. Tombada como Patrimônio Mundial pela UNESCO.

comércio de drogas e outras estratégias do habitar contemporâneo na cidade informal que, neste caso, muito se aproximam das antigas ilhas2 da cidade, embora tratem-se de edifícios verticais. Já o São Vito, em São Paulo, iniciativa do poder privado no campo da habitação, veio ao encontro de um novo tipo de habitante metropolitano na década de 60 (fig 02). Contudo, a passagem dos anos traduziu-se em alterações profundas nos modos de habitar deste edifício, relacionadas com as ocupações e informalidades típicas geradas pela demanda habitacional das classes menos favorecidas. Esta premissa permite-nos refletir sobre as políticas de intervenção recentes que promoveram o deslocamento da população residente e o processo de demolição do edifício que se seguiu como uma busca por “apagar” da área o estigma do grande “cortiço3 vertical”. De modo a validar o método comparativo entre objetos distintos, faz-se pertinente a consideração, dentre outros, de dois momentos relevantes para este trabalho. Primeiro, destacar a questão da adoção de outro modelo de lidar com a questão habitacional que se pode identificar no caso Português e no caso Brasileiro no sentido da solução de inserção de habitação nas áreas periféricas das cidades. Segundo, já agora no período recente, uma aproximação a partir dos programas de intervenção, no Aleixo e no São Vito, tendo em vista o desfecho comum: a demolição. DO SÃO VITO EM SÃO PAULO AO ALEIXO NO PORTO O Edifício São Vito, embora não tenha sido construído por uma promoção estatal como aconteceu no caso do Aleixo no Porto, visava um empreendimento privado, com a maioria dos apartamentos, kitchenettes, com áreas entre os 28 e 30 m² (fig.03 e 04). Foi projetado pelo engenheiro-arquiteto Aron Kogan em 1954 como um empreendimento da Construtora Zarzur & Kogan Ltda, em incorporação com as Indústrias Matarazzo, de maneira a diversificar o capital industrial paulista consolidado no final da década de 50. O São Vito não foi concebido para uma classe de baixa renda, como acabou por vir a configurar o seu destino recente, mas para um tipo de morador da metrópole em desenvolvimento. Já o G.M.P. do Aleixo (fig. 05), concluído em 1976, ou seja, cerca de vinte anos depois do São Vito, constitui um empreendimento camarário que procurava atender as famílias removidas da Ribeira/ Barredo4, a partir de um programa de transferência

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e erradicação das ilhas ao promover a reabilitação e salubridade das áreas centrais da cidade do Porto (Telles, 1969). A qualificação de ambas as edificações como habitações proletárias, já no período recente, reflete o desenvolvimento econômico e o aumento das densidades populacionais que implicaram tanto no caso de São Paulo quanto do Porto. Neste sentido, percebemos um ponto de contato que repercute na leitura dos projetos e das respectivas apropriações por parte dos novos moradores destas cidades. De um lado, o novos moradores da metrópole (jovens casais, funcionários públicos, pessoas solteiras, etc.) que são atendidos pela oferta de edifícios promovidos pela iniciativa privada. De outro, os moradores de áreas centrais insalubres, muitas vezes provenientes do campo na procura por trabalho na cidade, são atendidos por políticas estatais de promoção habitacional, seja através da transferência para a salubrização das ilhas/cortiços, ou mesmo pela oferta de habitação camarária às classes insolventes. Esclarecidas estas premissas, partimos agora para dois pontos que indicam uma ligação entre os objetos: primeiro, a questão do crescimento econômico que repercute no período de implantação de cada conjunto; segundo, uma aproximação funcional dos aspectos sócio morfológicos à luz dos processos de intervenção de reabilitação dos edifícios.

SOBRE O CRESCIMENTO ECONÔMICO NAS CIDADES: PORTO E SÃO PAULO Os planos de desenvolvimento nacionais apresentados no decorrer da década de 60, tanto no Brasil quanto em Portugal, respectivamente os Planos de Metas, lançados em 1956, e os Planos de Fomento, lançados em 1953, indicam um momento de expansão industrial, comercial e agrícola em ambos os países, resultando em parte do surto demográfico que caracterizou cada nação, promovendo um aumento da procura por habitação com particular incidência em suas principais cidades: São Paulo e Porto. No caso brasileiro, o desenvolvimento é mais evidente durante o governo autoritário de 1968, durante o período de Ditadura Militar no Brasil (1964-85). Neste sentido, a região metropolitana de São Paulo viria a representar um papel importante na economia do país tanto pelo seu desempenho econômico quanto pela sua articulação global, ao se transformar em um centro básico de controle e acumulação do


capitalismo em nível internacional neste território (Cordeiro, 1994, p. 5). Estes fatores repercutem-se na questão do momento de implantação do Edifício São Vito por dois motivos. Num primeiro momento, concomitantemente à concepção de seu projeto, são lançados os Planos de Metas (1956) pelo governo Juscelino Kubitschek (1956-61) ao mesmo tempo que o grande desenvolvimento econômico permite a intensificação do processo de verticalização do centro histórico de São Paulo, sobretudo ao amparo do Código de Obras Arthur Saboya que vinha sendo reformulado desde 1920. Num segundo momento, com o desenvolvimento econômico gerado a partir das políticas lançadas pelos governos militares no decorrer da década de 70, chega a São Paulo uma corrente de migrantes de outras regiões da federação, ansiosos por trabalho, gerando um aumento na procura por habitação. Neste contexto, o São Vito surge como modelo de habitação atrativa aos novos moradores da metrópole em desenvolvimento. No caso português, será também a partir dos anos 50 que a conjuntura econômica evoluiu rapidamente, se relacionando aos vastos planos de desenvolvimento nacional -os Planos de Fomento, iniciados em 1953 ainda durante o Estado Novo -, repercutindo em sua economia até a chegada da democracia em 1974. Estes planos vão refletir diretamente no desenvolvimento das principais cidades portuguesas, nomeadamente Porto e Lisboa, resultando num surto demográfico e na migração populacional de áreas rurais para áreas urbanas do território permitindo o lançamento de políticas públicas que visavam atender este novo contingente populacional através da oferta de habitação (Loureiro, 1994). Assim, Aleixo representa um momento de implantação destas políticas públicas para a promoção de habitação popular durante a década de 70. A PROPOSTA DE REABILITAÇÃO: GENTRIFICAÇÃO OU EXPULSÃO? De modo a comparar ambos os projetos, importantes para a compreensão das condicionantes urbanísticas que não se sustentaram, dada a mudança de paradigma urbanístico no final dos anos 70 e início dos 80, é importante debruçar-se agora sobre os aspectos funcionais e sócio morfológicos à luz dos processos atuais que reforçam a coincidência de desígnios. Neste sentido, ter-se-á como base o quadro de comparação entre os diferentes programas apontando a aproximação entre os dois casos de estudo: São Vito e Aleixo. Segundo os dados indicados através da leitura dos respectivos projetos originais, ambos estariam

capacitados a receber um número equivalente de moradores. A relação do perfil destas populações residentes com o contexto das respectivas cidades também se mostrou relativamente semelhante: de um lado, trabalhadores da região central, em sub-empregos ou empregos temporários, indivíduos constantemente desempregados e dependentes de benefícios sociais, altos índices de tráfico de drogas, prostituição, promiscuidade e criminalidade no interior do edifício, no caso do São Vito e no interior da torre A, no caso do Aleixo (PMSP, 2003; CMP, 2008). Sobre a implantação dos edifícios, tanto o São Vito quanto o Aleixo possuem um total geral de área construída relativamente próxima. Além disso, ao contrário do empreendimento paulistano que buscou a ocupação máxima do solo urbano de sua propriedade, o portuense distribui-se pelo terreno em torres independentes. Esta questão se relaciona ao modo de apropriação do sítio através das possibilidades de ocupação, privada ou estatal, assim como as limitações geológicas de cada terreno: de um lado, o sítio plano e alagável na região do Parque D. Pedro I; de outro, a formação depressiva e acidentada ao sul de Lordelo do Ouro a partir de grandes recortes rochosos. Mesmo com áreas e tipologias de unidades diversas entre os respectivos casos de estudo, a porção de área útil atribuída a cada habitante é relativamente próxima: entre 14 e 15m²/hab no São Vito e entre 10 e 11m²/hab no Aleixo. Dentro disto, a leitura entre a tipologia e sua ocupação se revelou como outro ponto de contato. Além disso, embora o Aleixo seja um conjunto de 5 edifícios, o São Vito possuía cerca de três vezes a população deste, podendo se equivaler a um bairro camarário da cidade do Porto e, neste sentido, passível de comparação em termos de tamanho e complexidade. O desfecho apresentado com a demolição (fig. 06) do São Vito (2010-2011) é o resultado de um processo que passou por diversos momentos: da condenação do edifício privado que passou por um processo de deterioração ainda nos anos 80 à apropriação pela Prefeitura Municipal de São Paulo como imóvel de Interesse Social em 2003. Neste sentido, o edifício passou pela possibilidade da reabilitação através de um projeto aprovado em concurso público, o Habita Sampa5, e um plano de desocupação e realojamento da população residente em outras edificações no centro da cidade a partir de subsídios e programas de moradia transitória oferecidos pelo município durante as obras (SEHAB, 2004). Contudo, a partir da mudança de gestão na prefeitura entre

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5 Em 2002, a SEHAB lançou o Concurso Habita Sampa, que pretendia oferecer uma discussão pública de projetos para reforma de edifícios já existentes ou novos. Neste contexto, desenvolveuse o anteprojeto para a reforma do Edifício São Vito, pelo escritório Roberto Loeb e Arquitetos Associados.

6 Com a mudança administrativa da P.M.S.P, a partir da entrada do prefeito José Serra (20042005), identifica-se o cancelamento de muitas das políticas públicas, assim como a paralisação dos projetos em agenda elaborados pela gestão anterior de Marta Suplicy.


2004 e 20056, o discurso se inverteu, ao promover a defesa da sua demolição, desconsiderando por completo a indicação do Plano Diretor Estratégico do Município de São Paulo (2002 – 2012) de manter a área como Zona Especial de Interesse Social. Partindo agora do São Vito em São Paulo para o Aleixo no Porto, encontramos o mesmo discurso. O desfecho previsto para a demolição do Aleixo em 2013 é também o resultado de diversos momentos, que também partem da condenação do conjunto de edifícios e seu respectivo processo de deterioração ainda nos anos 80. Entretanto, diferentemente do São Vito, que passou pela possibilidade de sua reabilitação através de hipóteses eficazes lançadas em concurso público, a Câmara Municipal do Porto procurou apenas investir nas necessidades básicas e estruturais de seus edifícios arrendados. Por outro lado, o processo atribuído ao Aleixo é ainda mais delicado ao envolver questões relacionadas a parcerias público-privadas que reflete interesses direcionados aos valorizados terrenos do atual grupo de moradias. Vale também lembrar que segundo o Plano Diretor do Município do Porto (2005), a área é considerada como Zona Especial para Habitação, o que acaba por aproximar mais uma vez este caso ao de São Paulo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Ambos os casos de estudos possuem portanto os mesmos problemas sociais e são edifícios simbólicos do ponto de vista da resistência do proletariado, ainda que em contextos diversos, mas emblemáticos em relação às suas respectivas áreas centrais. Neste sentido, o estudo de caso comparativo revelou-se de vital importância para a leitura de processos contemporâneos que envolvem as políticas públicas para o desenvolvimento das cidades, em especial, as habitacionais. Além disso, avançar no estudo dos dois casos se mostrou interessante por levantar a discussão acerca da permanência das classes laboriosas em proximidade aos centros das cidades, assim como o reconhecimento dos traços da memória destas arquiteturas em ambos os contextos: quer seja através de seu viés social e relação com a cidade, seja através da apropriação destas arquiteturas por parte da população que, ao longo dos anos e a dada mudança de perfil de moradores e/ou desinvestimento em sua manutenção, foram transformadas em grandes cortiços verticais. A partir do descortinar de um desígnio comum entre os casos de estudo, a questão econômica que envolve a evolução urbana em ambas as cidades, bem como

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as dinâmicas que potencializaram a construção dos edifícios a partir desta e o desfecho apresentado na contemporaneidade como a degradação dos conjuntos é uma das aproximações que permitiram este estudo em comparado. Por outro lado, o papel do Estado face o problema da habitação e às dinâmicas que promovem processos de gentrificação ou substituição de população nestas áreas também revelaram-se análogas. O estudo do Edifício São Vito em São Paulo, sobretudo a partir da análise dos diferentes planos desenvolvidos pela Prefeitura Municipal, com ênfase no período 2000-2004, revelou-se como fundamental na busca por soluções viáveis ao problema encontrado no Aleixo. Do São Vito em São Paulo encontramos ideias válidas que fundamentam a defesa da reabilitação do Aleixo no Porto, embora o assédio dos interesses políticos e imobiliários da gestão municipal (2005-2011) acabaram por selar o destino do primeiro com a sua demolição em 2011, sem conseguir promover a almejada fixação de população de baixa renda em territórios consolidados da cidade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: ANELLI, R. Redes de mobilidade e urbanismo em São Paulo: das radiais/perimetrais do Plano de Avenidas à malha direcional do PUB. In. Revista Eletrônica Vitrúvius, nº 82, ano VII. São Paulo: Março de 2007. CMP. Bairro do Aleixo: estado do sítio. In: Revista Porto Sempre nº 20, p. 14-20. Porto: Câmara Municipal do Porto, Outubro de 2008. CORDEIRO, H. A cidade mundial de São Paulo e a recente expansão do seu centro metropolitano. In: Revista Brasileira de Geografia da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Jneiro: IBGE, 1994. HUET, B. A Arquitetura contra a Cidade. Paris: AMC Revue D’Architecture nº14, 1986. SEHAB-SP. Programa Morar no Centro. São Paulo: SEHAB, 2004. SEHAB-SP. Edifício São Vito: diagnóstico integrado e participativo. São Paulo, PMSP- SEHAB, Empresa Diagonal Urbana. Abril, 2003. TELLES, M. Memória descritiva para o Grupo de Moradias Populares do Aleixo. Porto: Arquivo da Câmara Municipal do Porto, 1969.


Fig. 01 - As cinco torres do G.M.P. do Aleixo em 2011. Fonte: Imagem do autor, 2011. Fig. 03 - Edifício São Vito: planta do pavimento tipo. Fonte: SEHAB, 2004. Elaborado pelo autor.

Fig. 02 - Antigo edifício São Vito antes da demolição em 2003. Fonte: SEHAB, 2004. Fig. 04 - Edifício São Vito: corte. Fonte: SEHAB, 2004.

Fig. 05 - G.M.P. do Aleixo: planta do pavimento tipo e cortes. Fonte: TELLES, 1969.

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Fig. 06 - Edifício São Vito: em demolição em 2011. Fonte: Imagem do autor, 2011. Fig. 07 - G.M.P. do Aleixo. Fonte: Imagem do autor, 2010.

QUADRO 01 Levantamento e sistematização de dados feitos pelo autor. Fonte: TELLES, 1969; LOEB & CAPOTE, 2010.

MARIA CRISTINA DA SILVA SCHICCHI cristina.schicchi@puc-campinas.edu.br

MARLON PAIVA marlon.paiva@puc-campinas.edu.br

Arquiteta e urbanista, doutora pela USP (2002). Professora titular e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Urbanismo e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Pós-doutora pelo Programa Oficial de Postgrado de la Universidad de Sevilla (jan/jul 2010) com apoio da FAPESP. Coord./Pesquisadora principal da FAPESP no Convênio FAPESP-Condephaat (2012-14). Coordenadora de projeto de Cooperação Internacional com a Universidad de Oriente (Projeto CAPES/MES/Cuba 210/13). Coordenadora de pesquisa junto ao CNPQ (Edital Universal 2014). É bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq Nível 2. Foi co-orientadora convidada de alunos do Mestrado em Arquitectura da Universidade do Porto (2010-11) e do Máster en Arquitectura Avanzada da Universidad Politécnica de Valencia (2011-12). Pesquisadora convidada do Máster en Arquitectura y Patrimonio Histórico da Universidad de Sevilla (apoio Fundación Carolina, 2013). Secretária Executiva ANPARQ (2015-16).

Arquiteto e Urbanista, Mestre em arquitetura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto (2011). Participou de intercâmbio acadêmico promovido através do Acordo de Cooperação SCPLA entre Brasil e Portugal pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, onde realizou seus estudos acadêmicos entre 2005 e 2008. Atuou como pesquisador do Grupo de Pesquisa Patrimônio Histórico e Arquitetônico das Cidades Paulistas (2007-11), inserido no Programa de Pós-graduação em Urbanismo da PUC-Campinas (São Paulo/Brasil), tendo ainda contribuído para as discussões do Grupo de Investigação Atlas da Casa (2011), inserido no Centro de Estudos da Arquitectura e Urbanismo da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto com pesquisa de Mestrado na linha "Espaço Público: arquitecturas em contextos de pobreza".Atualmente desenvolve atividade profissional como arquiteto e Professor Titular na FAU/PUC-Campinas e UNICSUL.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Bruna Rodrigues de Oliveira | Fabrício de Francisco Linardi | Sorocaba, Brasil HABITAÇÃO SOCIAL E VAZIOS URBANOS EM ÁREAS CENTRAIS Contribuição para a resolução de problemas urbanos integrados na cidade de Sorocaba.

INTRODUÇÃO O trabalho reflete sobre a resolução de problemas urbanos de forma integrada, a partir de dois temas da problemática urbana: a produção de habitação social e os vazios urbanos em áreas centrais decorrentes de terrenos ociosos ou subutilizados como estacionamentos. Para efeito de análise toma-se a cidade de Sorocaba como objeto empírico. OBJETIVO O objetivo do artigo é contribuir para o debate evidenciando dados que permitam vislumbrar uma possível integração entre os dois problemas urbanos apresentados. O FATOR DE ‘LOCALIZAÇÃO’ NA LÓGICA DA PRODUÇÃO DA HABITAÇÃO SOCIAL Quando pautada a questão da moradia voltada à população de baixa renda, o que se pode perceber é que grande parte das problemáticas se referem ao valor da localização da terra urbana. Sendo que por ‘localização’ entenda-se primeiramente como valor de uso da terra, ou seja, preço da terra, e secundariamente como um fator correspondente a acessibilidade, através da distância/tempo e, por fim, um fator referente à oferta de oportunidades1. Portanto, é certo dizer que determinada localização significa determinado tempo até as oportunidades – de lazer, de trabalho, de serviços... – e esse tempo significa o deslocamento em distância até as tais oportunidades. Diante disso, a localização deve ser entendida como elemento fundamental, pois é ela que determina o espaço produzido como ‘perto’ ou ‘longe’, segregado ou não. Sendo assim, segundo a lógica dominante de produção do espaço urbano

atual as localizações que permitem uma melhor acessibilidade aos serviços públicos acabam por privilegiar as classes mais abastadas, determinando uma distribuição social espacial desigual no território. As implicações desta prática são enormes, recaindo inclusive em consequências humanas sérias no que diz respeito a própria construção da cidadania, afinal “a possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território onde se está”.2 De forma geral, a produção habitacional acaba tento como foco as classes de renda média-alta e alta, fazendo com que aumente a disputa por terra, expulsando a classe média e os mais pobres para as piores localizações.3 Na grande maioria das cidades brasileiras, as piores localizações são também aquelas mais distantes do centro tradicional que se caracterizam como áreas periféricas sem qualquer tipo de infraestrutura urbana. São exatamente nestas áreas que as moradias destinadas as camadas de baixa renda são implantadas acarretando diversos problemas como é o caso da mobilidade, sendo que “quanto maior a distância entre o emprego, concentrado nas melhores localidades, e a moradia, mais caro e difícil se torna o transporte coletivo, exigindo investimentos e subsídios adicionais”4, e o caso do ônus para o município para resolver o problema da falta de infraestrutura das áreas mais distantes. Afinal, “quanto mais ele (Estado) se vê obrigado a construir em glebas distantes, mais oneroso será para toda a sociedade, pois o Estado terá que arcar com os custos de extensão da infraestrutura urbana”.5 Sendo esta uma prática sistêmica, a questão urbana se agrava continuamente.

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1 Villaça, Flávio José Magalhães Villaça (2001). Espaço intraurbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel. 2 Santos, Milton Almeida dos Santos (1987). O espaço do cidadão. São Paulo: Nobel. 3 Bonduki, Nabil Georges Bonduki (2014). Os pioneiros da habitação social no Brasil: volume 01. São Paulo: Unesp. 4 Bonduki, Nabil Georges Bonduki (2014). Os pioneiros da habitação social no Brasil: volume 01. São Paulo: Unesp. 5 Ferreira, João Sette Whitaker Ferreira (2012). Produzir casas ou construir cidades? Desafios para um novo Brasil urbano. Parâmetros


de qualidade para a implementação de projetos habitacionais e urbanos. São Paulo: FUPAM. 6 Ferreira, João Sette Whitaker Ferreira (2012). Produzir casas ou construir cidades? Desafios para um novo Brasil urbano. Parâmetros de qualidade para a implementação de projetos habitacionais e urbanos. São Paulo: FUPAM. 7 Ferreira, João Sette Whitaker Ferreira (2012). Produzir casas ou construir cidades? Desafios para um novo Brasil urbano. Parâmetros de qualidade para a implementação de projetos habitacionais e urbanos. São Paulo: FUPAM. 8 Villaça, Flávio José Magalhães Villaça (1986). O que todo cidadão precisa saber sobre habitação. São Paulo: Global Editora. 9 Ferreira, João Sette Whitaker Ferreira (2012). Produzir casas ou construir cidades? Desafios para um novo Brasil urbano. Parâmetros de qualidade para a implementação de projetos habitacionais e urbanos. São Paulo: FUPAM.

[...] a valorização da terra nas áreas com infraestrutura, decorrente do crescimento econômico e das atividades da construção, com a retenção de lotes e a consequente dificuldade de acesso, alimentam o círculo vicioso que dificulta a moradia para os mais pobres. (FERREIRA, 2012, p. 20) 6 Alguns avanços jurídicos foram conquistados nas últimas décadas. O Estatuto da Cidade foi criado em 2011 para organizar as cidades de forma mais democrática, porém, mesmo contendo instrumentos que visam contribuir com a função social da propriedade e da cidade, por meio dos IPTU Progressivo, Zonas Especiais de Interesse Social e Direito de Preempção, há a necessidade de regulamentação em legislação específica de cada município para serem postos em prática, mas Ferreira afirma que “são raros os casos no Brasil em que, dez anos depois da sua aprovação, implementaram-se de forma efetiva o instrumento do Estatuto da Cidade.”7 Desta forma, acaba sendo difícil produzir uma cidade mais igualitária, pois quem pode reverter esse panorama, não cumpre seu papel. Deixando a cidade se constituir de forma injusta e segregadora. Uma perspectiva otimista sugeriria que considerar a inserção da habitação social em boas localizações na cidade possa representar uma alternativa à resolução de parte dos problemas urbanos. Visto que: [...] a questão da moradia não se limita à casa, sua forma, seu tamanho, sua solidez. Interessa também, e muito, sua localização, sua vizinhança, os serviços e comércio próximos, as distâncias aos locais de emprego. (VILLAÇA, 1986, p.41) 8 Neste sentido, qualquer esforço reflexivo deve considerar a moradia e a cidade como elementos indissociáveis, uma vez que não se deve haver cidade sem moradia, e não se deve haver moradia sem cidade, afinal o morar é promotor da vida social. Portanto, ao considerar o valor de ‘localização’ como parte indissociável da questão de produção da habitação, se aproxima da ideia de construção de ‘cidades’ a partir da produção de moradias. Segundo Ferreira: [...] a produção de moradias em áreas centrais é o caminho necessário para a boa qualidade urbana, pois resolve de partida a questão da localização e acessibilidade e da presença de infraestrutura, equipamentos e serviços públicos. (FERREIRA, 2012, p. 72.) 9

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O CENTRO COMO FOCO DE INTERVENÇÃO Se as áreas centrais voltam a ser foco de estudos para resolver parte da questão urbana, mais claramente na produção de moradias para as classes menos favorecidas, se torna importante retomar algumas evidências que determinaram a condição do centro como um local propício para tais intervenções nos tempos atuais. Ao longo do século XX as cidades brasileiras sofreram um processo de expansão – planejada ou espontânea – das áreas urbanas e a decorrência de tal descentralização foi o surgimento de novas redes de subcentros, concorrendo com o centro principal, tradicional. Desta forma, os centros tradicionais quando não passaram a perder moradores, ficaram parados no tempo, sem investimentos e sem uma renovação das dinâmicas urbanas. Assim, por abrigar cada vez mais um número menor de residentes e por apresentar problemas como a ociosidade da infraestrutura em determinados horários específicos, diz-se que essas áreas sofrem de degradação/deterioração10. A contradição é clara: [...] dotados de uma infraestrutura excepcional em relação às demais regiões da cidade, os centros metropolitanos vêm sofrendo um significativo esvaziamento ao mesmo tempo em que as periferias crescem extensivamente, pesando sobre as redes de infraestrutura. (MARICATO, 2001, p.137). 11 Portanto, a ideia de recuperar o centro com a produção de habitação social, significa reutilizar suas potencialidades, melhorando a imagem da cidade, valorizando o patrimônio e a infraestrutura presente, podendo assim proporcionar maior qualidade de vida, pois os centros das cidades ainda concentram grande número de postos de emprego, que podem contribuir de forma mais sensível a mobilidade entre moradia e trabalho. SOROCABA COMO OBJETO DE ESTUDO O crescimento urbano de Sorocaba ocorreu de forma concentrada até a década 1960, já a partir da década de 70 a expansão urbana se deu de forma espraiada, em decorrência do êxodo rural, resultando em uma periferia pobre e um centro rico. A partir da década de 1990 a população de maior renda, que se concentrava na área central começou a ocupar a periferia devido a implantação dos primeiros loteamentos fechados da cidade. Ainda atualmente, a população de menor renda, que se concentrava no norte do município, continua sendo instalada cada vez mais distante do centro.


O que se nota é uma inversão da lógica de ocupação do espaço urbano que deixou de destinar investimentos na área central para aplica-los na ampliação do perímetro urbano. A quantidade de empreendimentos, seja de classe alta com loteamentos fechados, seja de classe baixa com a implantação de conjuntos habitacionais, comprovam essa lógica de desenvolvimento urbano pautada no crescimento territorial. Na cidade de Sorocaba, a Zona Norte se mostra como vetor desse modelo de crescimento. Prova disso são os recentemente inaugurados conjuntos habitacionais, chamados de Residencial Carandá e Altos de Ipanema, que foram implantados a 12,2 km do centro da cidade. Isso apenas confirma que o crescimento urbano de Sorocaba não é exceção a regra frente a problemática das grandes cidades brasileiras. Atualmente, a cidade de Sorocaba possui uma alta taxa de urbanização, chegando a uma taxa de 98,98% da população em área urbanizada12. Segundo o Plano de Mobilidade da Cidade de Sorocaba13 50% da população está localizada no Norte, 18% no Oeste, 14% no Leste, 7% no Nordeste, 7% no Sul, 3% no Sudeste, 2% no Centro e 1% no Sudoeste. PROPOSTA DE SOLUÇÃO INTEGRADA DE SISTEMAS URBANOS: A QUESTÃO DA INDISSOCIABILIDADE DA CIDADE E DA MORADIA. Para uma possível proposta de solução integrada referente aos problemas urbanos abordados, toma-se o centro da cidade de Sorocaba como objeto empírico para efeitos de análise. A reflexão que se propõe tem como norte validar um ideário de ampliação de qualidade de vida a partir da articulação da moradia digna em áreas dotadas de infraestrutura – especificamente a área central –, e dos vazios urbanos oriundos de terrenos vagos ou subutilizados para fins de estacionamentos nestas áreas. Para este estudo, foram levantados dados quantitativos sobre a área central e sobre os vazios urbanos subutilizados e ociosos. Em um primeiro momento, percebeu-se que da totalidade de áreas do centro, (1.643.884,87m²) 77% (1.265.803,98 m²) são áreas de lotes privados (fig. 1). Em um segundo momento, percebeu-se que a região central apresenta um percentual considerável de terrenos sendo utilizados como estacionamento,

sendo um montante de 12,7% (160.891,12m²) da área central (fig. 2). Estes espaços poderiam ser utilizados para promover uma alternativa à lógica de construção dominante de forma a tentar abrigar parte do déficit habitacional local, que é de 11.151 moradias14 utilizando simplesmente a lei vigente do plano diretor e com o uso direto dos instrumentos do Estatuto da Cidade como IPTU progressivo no tempo e a criação de ZEIS. Assim, utilizando o coeficiente de aproveitamento estabelecido na zona central pelo Plano Diretor que é 4 vezes a área do terreno, tem-se um potencial construtivo de 643.564,48m². Imaginando uma densidade adequada de 250 pessoas em 10.000m², compatível com o ideário de uma utilização ótima da infraestrutura da cidade, tem-se a possibilidade de abrigar por volta de 16.000 habitantes somente nas áreas atualmente ocupadas por estacionamentos. E por meio dessa análise evidencia que boa parte do déficit habitacional da cidade de Sorocaba pode ser abrigado apenas na área central da cidade. Porém, o objetivo deste trabalho não é criar meios de viabilizar o déficit habitacional na área central, mas contribuir com dados que comprovam que com o uso correto dos instrumentos urbanísticos previstos na legislação brasileira a cidade de Sorocaba tem condições de absorver grande parte do déficit habitacional em áreas urbanizadas. Comprova-se portanto, que com o uso de leis como o Plano Diretor e os instrumentos do Estatuto da Cidade, é possível utilizar o potencial construtivo disponível na área central de Sorocaba para promover um outro meio de construção do espaço urbano, no qual o compromisso com a qualidade de vida por meio do atendimento ao direito a cidade de forma mais democrática esteja no foco das ações de planejamento. Para tanto, será preciso combater o espraiamento das áreas urbanas e a desigualdade espacial característico das cidades brasileiras por meio do uso misto, melhorando a relação habitação – trabalho, e do adensamento moderado em áreas urbanizadas. Desse modo fica garantida a melhoria da qualidade através da ampliação das oportunidades à população e o fator de localização contribui no desenvolvimento urbano como um todo, uma vez que questões como mobilidade serão também equalizadas.

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10 Vargas, Heliana Comin Vargas; Castilho, Ana Luísa Howard de Castilho (2009). Intervenções em centros urbanos: objetivos, estratégias e resultados. Barueri: Manole. 11 Maricato, Ermínia Terezinha Menon Maricato (2001). Brasil, cidades: alternativas para crise urbana. Petrópolis: Vozes. 12 Seade. Portal de estatísticas do Estado de São Paulo (2014). Obtida em 03 de setembro de 2015, de http://www.seade.gov.br/ 13 Urbs. Sorocaba Plano Diretor de transporte urbano e mobilidade. Prefeitura de Sorocaba (2014). Obtida em 26 de agosto de 2015, de http://www.urbes.com. br/uploads/plano_diretor_ mobilidade_audiencia_2. pdf 14 Plhis. Plano local de habitação de interesse social de Sorocaba. Secretaria de habitação e urbanismo (2011). Obtida em 05 de setembro de 2015, de http://www. sorocaba.sp.gov.br/portal/ servicos/plano-local-dehabitacao-de-interessesocial-de-sorocaba


FABRÍCIO DE FRANCISCO LINARDI fabricio.linardi@prof.uniso.br

BRUNA RODRIGUES DE OLIVEIRA brunna_oliveiira@hotmail.com

Fabrício de Francisco Linardi: Professor de projeto e teoria de arquitetura contemporânea do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade de Sorocaba e Doutorado em urbanismo pela POSURB da PUC - Campinas.

Bruna Rodrigues de Oliveira: Estudante do curso de arquitetura e urbanismo da Universidade de Sorocaba.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Jones Vieira Pinto | Nirce Saffer Medvedovski | Yuri da Silva Bastos | Pelotas, Brasil CONTRIBUIÇÕES PARA ANÁLISE DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA PARA UMA CIDADE DE PORTE MÉDIO: Pelotas-RS – estudos sobre os agentes promotores e inserção urbana

RESUMO Este trabalho objetiva caracterizar os agentes construtores privados dos empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) em uma cidade de porte médio (Pelotas-RS), traçando o perfil destes em termos de origem, faixa de atuação, número de unidades produzidas e estratégia geral de atuação. Também analisa a qualidade da inserção urbana de três representativos empreendimentos escolhidos como estudos de caso, quanto aos acessos a equipamentos de serviços e lazer. O tema se mostra importante, pois contribui para uma investigação acerca da qualidade urbanística produzida pelo atual programa de Habitação de Interesse Social (HIS), além de contribuir para o entendimento de quem são parte dos agentes intervenientes no cenário atual da política habitacional brasileira e quais as suas características. Pelotas está entre as 150 cidades com maior déficit habitacional absoluto, dentre os 5.570 municípios do Brasil. Utiliza como métodos a revisão da bibliografia, confecção e análise de um banco de dados dos empreendimentos já edificados ou contratados em Pelotas e mapeamento e cruzamento da localização dos equipamentos de serviços e empreendimentos na cidade. Foi identificada a atuação de somente um agente promotor de origem estranha a Pelotas. Constata-se a supremacia das construtoras locais sobre as de fora no total de unidades produzidas. Conclui pela diferenciação clara das estratégias entre empresas de grande porte, que atuam nas faixas superiores do PMCMV e empresas de portes médio e pequeno, que atuam primordialmente na Faixa 1 do Programa. Acerca da inserção urbana, os empreendimentos analisados se mostram mal

insertos na malha urbana, sendo que em nenhum dos quatro quesitos analisado há pelo menos metade das unidades habitacionais a distâncias inferiores às estabelecidas pela bibliografia. Palavras-chave: Programa Minha Casa Minha Vida; inserção urbana; Habitação de Interesse Social; empresas privadas construtoras do PMCMV. INTRODUÇÃO E BREVE CARACTERIZAÇÃO DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA O PMCMV foi iniciado em 2009, com o objetivo de construir em sua Fase 1 um milhão de moradias para famílias com renda mensal de até 10 salários mínimos. Estas famílias foram estratificadas em três Faixas de Renda (Faixas 1, 2 e 3), para famílias com rendas entre zero e três salários, mais de três e seis salários, e mais de seis e 10 salários, respectivamente. Atualmente encontra-se em sua Fase 2, iniciada em 2011, onde o objetivo inicial era a construção de mais 2 milhões de moradias. Hoje em dia o governo federal vislumbra a implantação da Fase 3 do PMCMV (Agência Caixa de Notícias, 2015). Passados quase sete anos do PMCMV se faz necessária uma análise dos impactos que as moradias produzidas trazem a cidades como Pelotas, que se caracteriza como de porte médio, situada ao sul do Rio Grande do Sul, com pouco menos de 350 mil habitantes (Prefeitura Municipal de Pelotas, 2013). O PMCMV trouxe consigo uma estratégia em parte prejudicial à formação das cidades, pois o governo

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objetivou, desde o começo, criar uma medida anticíclica de fomento à geração de empregos locais, combatendo a crise econômica mundial de 2008, portanto agiu em um setor extremamente manufaturado da economia – construção civil. Ainda, ampliou a oferta de moradias às pessoas que não teriam condições de contrair financiamentos, utilizando-se de uma política de subsídios, e empregou o discurso do enfrentamento do déficit habitacional da época (8,83% de domicílios no país) como justificativa para os novos programas (Furtado, Neto, Krause, 2013; Cunha, 2014). OBJETIVOS Esse trabalho busca traçar um perfil das empresas construtoras dos empreendimentos do PMCMV, e analisar a inserção urbana quanto a serviços básicos, já que conforme apontam estudos realizados em outras cidades brasileiras, o modo como o PMCMV está se desenvolvendo contribui para o crescimento de empresas construtoras privadas, fortalecendo-as, através da maximização de seus lucros em cima dos empreendimentos construídos com grande número de unidades por conjunto, e em locais desqualificados no tecido urbano das cidades (Cardoso et al., 2013). Utiliza como exemplos para análise de inserção urbana os Residenciais Terra Nova, Moradas Club e Moradas Pelotas, analisando a existência de acesso facilitado ou não aos serviços de educação, transporte público, postos de saúde e áreas verdes. METODOLOGIA Para o trabalho, revisou-se a literatura sobre as características e panorama atual do PMCMV. Em paralelo fez-se um levantamento, com dados do Núcleo de Pesquisa em Arquitetura e Urbanismo – UFPel (NAUrb/UFPel) (2014) e Caixa Econômica Federal (2014), da listagem total de empreendimentos do PMCMV em Pelotas, até julho de 2014, assim como demais características dos empreendimentos: construtora, número de unidades, localização e faixa a qual se destina o empreendimento (no caso do PMCMV). Foram identificadas as seguintes variáveis para as empresas analisadas: local de origem, faixa de renda de maior atuação, porte de seus empreendimentos, abrangência territorial e tradição na incorporação de HIS. Para a análise de inserção urbana dos três empreendimentos utilizados como exemplos, levantou-se junto à Prefeitura Municipal de Pelotas (2014) a localização dos equipamentos de saúde (ambulatórios, unidades básicas e hospitais), educação (escolas

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estaduais e municipais), áreas de lazer e transporte público (pontos de paradas e trajetos dos ônibus de transporte coletivo). Após levou-se em consideração distâncias máximas aceitáveis para uma pessoa usuária de um destes equipamentos percorrer, desde sua residência até o mesmo, reconhecidas na bibliografia. Para finalizar, cruzou-se a localização dos equipamentos de serviço com a localização dos empreendimentos, estabelecendo áreas de abrangência para estes, com o intuito de verificar se a distância aceitável está ou não sendo respeitada. MINHA CASA MINHA VIDA EM PELOTAS Em Pelotas, até julho de 2014, foram construídos ou contratados 51 empreendimentos, sendo 10 destinados à Faixa 1, 37 à Faixa 2 e 4 para Faixa 3 (fig. 1). Verifica-se que os empreendimentos estão localizados nas diversas zonas periféricas de Pelotas, e que se agrupam em três grandes grupos. Há uma clara preferência das empresas pele Faixa 2, e de outras pela Faixa 1, com alguma atuação em empreendimentos menores da Faixa 2. Esta discrepância acaba por produzir uma grande quantidade de unidades habitacionais para a Faixa 2 – 5.902 (63,8%) –, onde o déficit habitacional não é tão grande, e um número bem inferior de unidades para a Faixa 1 – 2.812 (30,4%) –, onde estava 73,6% do déficit total de Pelotas (13.598 moradias), em 2013 (Prefeitura Municipal de Pelotas, 2013). PERFIL DAS EMPRESAS CONSTRUTORAS Para a construção dos 51 empreendimentos, foram identificadas 13 construtoras privadas diferentes, sendo 12 de origem local (Pelotas) e uma de abrangência nacional e origem na cidade de São José do Rio Preto-SP (Rodobens). Abaixo são apresentadas (tab. 1) todas as empresas atuantes em Pelotas e seus empreendimentos. Em termos de construção por Faixa de Renda, evidencia-se a estratificação de atuação das empresas construtoras (tab. 2). A empresa Rodobens, apesar de única entre as não-pelotenses, já construiu ou contratou 2.470 unidades habitacionais – 26,7% do total. Também se verifica que esta, juntamente com Ricardo Ramos, Roberto Ferreira e Labore, se destacam na produção, tendo 6.886 – 74,43% – do total de unidades, deixando às outras nove empresas apenas 2.365. Para a produção das quatro empresas, apenas 1.812 unidades foram destinadas à Faixa


1, o que demonstra sua estratégia de produção para a Faixa 2. Apenas a Rodobens, dentre as quatro, construiu para a Faixa 3, com 438 unidades. A partir disso, constata-se que as principais empresas construtoras focam seus esforços na Faixa 2, deixando as demais – empresas menores – produzir para a Faixa 1, em geral. Além disso, das quatro grandes empresas, somente a Rodobens produziu para a Faixa 3. As outras três, atuam primordialmente na Faixa 2, muito em virtude de um conhecimento previamente adquirido à época de construções para os empreendimentos do Programa de Arrendamento Residencial (PAR) – Programa Habitacional anterior, fortemente desenvolvido em Pelotas. Por último, essas empresas, que já detinham maior conhecimento, são as que têm maior poder de investimento econômico em suas operações no mercado, fator que propicia a busca pela Faixa 2, que dá maior retorno de investimentos do que a Faixa 1, algo semelhante ao concluído por Cunha (2014), em seu estudo para São José do Rio Preto-SP. Portanto há a diferenciação de atuação dos agentes privados construtores no PMCMV em Pelotas, sendo que a única empresa de fora atua nas faixas de renda superiores, assim como faz em mais 11 estados brasileiros, com empreendimentos bastante similares. Após, as empresas locais com maior conhecimento e poder econômico buscam uma atuação primordialmente na Faixa 2, que oferece maiores retornos financeiros. E as empresas locais menores atuam em maior quantidade na Faixa 1, e na Faixa 2, porém com empreendimentos de pequeno porte. ANÁLISE DE INSERÇÃO URBANA DOS RESIDENCIAIS TERRA NOVA, MORADAS PELOTAS E MORADAS CLUB Os empreendimentos utilizados como exemplo para a análise de inserção urbana somam 1.502 unidades habitacionais, e representam 16,24% do total de unidades do PMCMV em Pelotas. Foram edificados pela empresa Rodobens e estão entre os cinco com maior número de unidades da cidade. Para a análise foram localizados no mapa os equipamentos de saúde, educação, áreas de lazer e trajetos do transporte público de ônibus, assim como os três empreendimentos (fig. 2, 3, 4 e 5). Ás áreas de abrangência de cada equipamento são demonstradas através dos círculos preenchidos ao redor dos mesmos. Na análise objetiva-se verificar se os

empreendimentos estão ou não a distâncias aceitáveis dos equipamentos de serviço. Como distâncias aceitáveis utilizou-se: para escolas, 500m; para postos de saúde, 800m; para áreas de lazer 500m; e para transporte público, 400m. Estas distâncias foram utilizadas nos estudos de Medvedovski, Coswig, Chiarelli e Roesler (2010) e Chiarelli (2014), baseados no trabalho de Santos (1988), o qual estabeleceu tais distâncias como máximas para uma pessoa percorrer, dentro de uma escala de vizinhança, para chegar até um equipamento de serviço ou lazer. Quanto aos equipamentos de educação, somente o Terra Nova, e aproximadamente 80 unidades do Moradas Club são atendidas por uma escola a uma distância de 500m ou menos. Portanto, das 1.502 unidades analisadas, somente cerca de 518 – 34,49% – são classificadas com boa inserção. Quanto aos equipamentos de saúde, novamente o Terra Nova e cerca de 210 unidades do Moradas Club são abrangidos pela unidade básica de saúde mais próxima, ou seja, cerca de 648 unidades – 43,14% – das 1.502 são atendidas, estando mais da metade a uma distância superior aos 800m aceitáveis, configurando a maioria das moradias como mal classificadas em termos desta inserção. Quanto às áreas de lazer, têm-se o pior dos quatro quesitos analisados, pois cerca de apenas 278 unidades – Terra Nova –, estão localizadas a 500m ou menos de uma área de lazer, estando 1.224 moradias além desta distância. Portanto somente 18,51% das unidades são classificadas com boa inserção. Para o transporte público, têm-se o melhor dos quesitos analisados, pois Terra Nova e Moradas Club estão inteiramente dentro da distância máxima aceitável para a rota de ônibus mais próxima, e somente cerca de 250 unidades do Moradas Pelotas está além desta distância, o que classifica 83,36% das unidades com boa inserção. CONCLUSÃO Portanto conclui-se pela atuação estratificada das empresas construtoras no PMCMV em Pelotas, onde há uma com grande atuação nacional, e produz na cidade empreendimentos com grande número de unidades habitacionais e para faixas de renda superiores, replicando projetos utilizados largamente em outros estados. Também se identificam três empresas locais de atuação em sua maior parte na Faixa 2 do

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PMCMV, com empreendimentos também numerosos em termos de unidades. E um terceiro grupo de construtoras locais, sem experiência em programas de HIS anteriores, com construção de empreendimentos menores, e maior atividade na Faixa 1 do PMCMV. A empresa de atuação nacional busca grandes áreas e parcerias com imobiliárias locais. Constata-se a semelhança destas estratégias com as encontradas em outras cidades de porte médio junto à bibliografia. A inserção urbana analisada demonstra a ineficácia dos empreendimentos produzidos pela empresa de atuação nacional, pois demonstra que mais da metade de seus empreendimentos não tem bom acesso a equipamentos de serviço e lazer para os usuários. Novamente constata-se a semelhança deste quesito aos demais empreendimentos do PMCMV estudados em outras cidades brasileiras.

MEDVEDOVSKI, Nirce Saffer, CHIARELLI, Lígia Maria Ávila, ROESLER, Sara, COSWIG, Mateus Treptow. 2010. Inserção urbana e terceirização da gestão no projeto de empreendimentos PAR, Lisboa, 1º CIHEL - Congresso Internacional da Habitação no Espaço Lusófono.

REFERÊNCIAS AGÊNCIA CAIXA DE NOTÍCIAS 2015. Brasil Habitação: Minha Casa Minha Vida prevê a entrega de 2 milhões de casas até o fim do ano [Online]. Pelotas: Caixa. Disponível em: HTTP://www20. caixa.gov.br/Paginas/Noticias/Noticia/Dafault. aspx?newsID=904. [Acessado 24 Março 2015].

PREFEITURA MUNICIPAL DE PELOTAS 2014. Acervo de localização de equipamentos de serviços, áreas de lazer e transporte público.

CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. 2014. Acervo com relação de empreendimentos do PMCMV em Pelotas. CARDOSO, Adauto Lúcio, JUNIOR, Décio Rodrigues Nunes, ARAÚJO, Flávia de Sousa, SILVA, Nathan Ferreira da, JAENISCH, Samuel Thomas. 2013. Quando um direito vira produto: impactos do programa Minha Casa Minha Vida na cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, XIII Simpósio Nacional de Geografia Urbana. CHIARELLI, Lígia Maria Ávila (2014). Habitação social em Pelotas (1987-2010): influência das políticas públicas na promoção de conjuntos habitacionais. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. CUNHA, Gabriel Rodrigues da (2014). O Programa Minha Casa Minha Vida em São José do Rio Preto/ SP: Estado, Mercado, Planejamento Urbano e Habitação. São Carlos: Universidade de São Paulo. FURTADO, Bernardo Alves, NETO, Vicente Correia Lima, KRAUSE, Cleandro. 2013. Estimativas do déficit habitacional brasileiro (2007-2011) por municípios (2010), Brasília, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

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NÚCLEO DE PESQUISA EM ARQUITETURA E URBANISMO – NAURB/UFPEL. 2014. Acervo de empreendimentos do Programa Minha Casa Minha Vida em Pelotas. PREFEITURA MUNICIPAL DE PELOTAS 2013. PLHIS: Plano de Habitação de Pelotas: resumo do diagnóstico habitacional [Online]. Pelotas: 3 C Arquitetura e Urbanismo. Disponível em: plhispelotas. blogspot.com. [Acessado 21 Fevereiro 2014].

SANTOS, Carlos Nelson. 1988. A cidade como um jogo de cartas, Niterói, Universitária.


Figura 1: Localização dos Empreendimentos do PMCMV por Faixa de Renda. Fonte: NAUrb/ UFPel (2014); elaboração própria (2015). Figura 2: Análise de Inserção urbana dos empreendimentos Terra Nova, Moradas Pelotas e Moradas Club quanto ao acesso a equipamentos de educação. Fonte: PMPel (2014); elaboração própria (2015). Figura 3: Análise de Inserção urbana dos empreendimentos Terra Nova, Moradas Pelotas e Moradas Club quanto ao acesso a equipamentos de saúde. Fonte: PMPel (2014); elaboração própria (2015). Figura 4: Análise de Inserção urbana dos empreendimentos Terra Nova, Moradas Pelotas e Moradas Club quanto ao acesso às área de lazer. Fonte: PMPel (2014); elaboração própria (2015). Figura 5: Análise de Inserção urbana dos empreendimentos Terra Nova, Moradas Pelotas e Moradas Club quanto ao acesso ao transporte público. Fonte: PMPel (2014); elaboração própria (2015).

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Tabela 1: Empreendimentos e Unidades Habitacionais dos PMCMV por Construtora em Pelotas. Fonte: NAUrb/UFPel (2014); elaboração própria (2015).

Tabela 2: Atuação das Construtoras por Faixa de Renda. Fonte: NAUrb/ UFPel (2014); elaboração própria (2015).

JONES VIEIRA PINTO jonesvieirapinto@hotmail.com

NIRCE SAFFER MEDVEDOVSKI nirce.sul@gmail.com

Mestrando em Arquitetura e Urbanismo no Programa de Pós-graduação de Arquitetura e Urbanismo da UFPel. Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pelotas, Brasil (2013).

Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1975), mestrado em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1978) e doutorado em Estruturas Ambientais Urbanas pela Universidade de São Paulo (1997). Pesquisadora do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, Coordenadora do Grupo de Pesquisa NAUrb/FAUrb-UFPel, Professor Associado Nível 3 da UFPel.

YURI DA SILVA BASTOS. Acadêmico em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Pelotas.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Camila Caetano Feliciano | Celina Fernandes Almeida Manso | Goiânia, Brasil UMA NOVA PROPOSTA HABITACIONAL A PARTIR DO RESGATE DO SENTIDO DO LUGAR: O caso das habitações de interesse social na comunidade quilombola urbana Jardim das Cascatas em Aparecida de Goiânia, Goiás, Brasil.

RESUMO: Em um contexto de fortes críticas a produção de habitações sociais que não contribuem para a requalificação da cidade e para o acesso do direito à cidade. O presente artigo vem trazer uma proposta de produção de unidades de Habitações de Interesse Social para uma Comunidade Quilombola localizada na cidade de Aparecida de Goiânia, no Estado de Goiás. Desde 2011, a Comunidade está em processo de elaboração de projetos, financiamento e execução das casas, e até início de 2015 as casas ainda não haviam sido entregues. O objetivo principal do presente artigo é traçar um paralelo entre proposta elaborada e executada, feito aos moldes do PMCMV, e a alternativa, resultante do Trabalho Final de Graduação desenvolvido e orientado pelas autoras, que se apoia no conceito de resgate do sentindo do lugar, e se atenta à idiossincrasia do sujeito quilombola, construindo um desenho que se propõe como vetor de requalificação do território, inovador em seu arranjo formal, programa e meios de interação com a comunidade e capaz de promover pequenos incentivos econômico-sociais, mostrando assim, que é possível produzir habitações que auxiliem a promoção da requalificação urbana e a coesão social. Palavras-chaves: Habitação de interesse social, lugar, quilombolas. O FENÔMENO QUILOMBOLA NO BRASIL O fenômeno quilombola é uma estrutura social característica do Brasil. Historicamente os quilombos têm sua origem advinda de negros rebelados que se refugiavam nas matas buscando liberdade da escravidão dos colonizadores latifundiários.

Após a abolição da escravatura os quilombos não desapareceram, o afro-brasileiro estava liberto da escravidão do branco, no entanto não desfrutava dos mesmos direitos que estes. Assim viver em comunidade era a melhor opção para se sobreviver. Nas comunidades quilombolas atuais, não é a cor ou a raça o que utiliza como marcador para tomar a conotação do grupo, as comunidades são compostas por um grupo fluido, que não se restringem e nem ou não se limitam por um preceito constitucional genérico. “Quilombo tem novos significados na literatura especializada, também para grupos, indivíduos e organizações. Ainda que tenha conteúdo histórico, vem sendo ressemantizado para designar a situação presente dos segmentos negros em regiões e contextos do Brasil. (...) Também não se trata de grupos isolados ou de população estritamente homogênea. Nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados. Sobretudo consistem em grupos que desenvolveram práticas cotidianas de resistência na manutenção e na reprodução de modos de vida característicos, e na consolidação de território próprio. (...) Constituem grupos étnicos conceituados pela antropologia como tipo organizacional que confere pertencimento por normas e meios de afiliação ou exclusão.” O’DWYER (1995)

Os denominados remanescentes quilombolas vivendo em comunidade, são agentes de construção das cidades, ocupando determinados espaços urbanos, vivendo geralmente vivem às margens da cidade, assim como outros grupos sociais, sem direto à cidade.

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1 A primeira instituição pública voltada para promoção e preservação da arte e da cultura afro-brasileira criada pelo governo em 22 de agosto de 1988.

Antes, no entanto, de iniciar as discussões, há a necessidade de abrir um parêntese sobre a questão quilombola e dizer que, não há aqui um objetivo de mostrar qualquer militância sobre a problemática, nem às questões que envolvem a segregação racial, mas que é necessário usar tal titulação para fazer-se a correta referência à condição especial a Comunidade em estudo vive e cresceu, e a partir daí se projetar um futuro. A COMUNIDADE QUILOMBOLA URBANA JARDIM DAS CASCATAS: HISTÓRICO E PROCESSO DE FORMAÇÃO. Para relatar o surgimento da Comunidade e o desenvolvimento urbano do local, nos basearemos em dados empíricos, adquiridos através de entrevistas e arquivos pessoais dos moradores locais. A moradora mais idosa da Comunidade quilombola urbana Jardim das Cascatas é Dona Efigênia Evangelista Francisco, ela tem 71 anos e nasceu na cidade de Candeias no Estado de Minas Gerais. Os pais de Dona Efigênia moraram e trabalharam em fazendas no estado de Minas Gerais em regime de “nova escravidão”, trabalharam por comida e moradia e recebiam ao final do ano um pequeno lucro das colheitas e do gado. Eles chegaram a Aparecida de Goiânia à procura de melhor condição de vida, e fizeram um assentamento em uma fazenda improdutiva situada aos pés da Serra da Areia. Anos após a construção do assentamento, outras pessoas de origem afro chegaram a Serra das Areias, advindas de outras situações de exclusão social, assim data-se o inicio da formação da Comunidade. Confirmando o relato de Dona Efigênia, segundo Dona Maria Lucia e Dona Divina, outras moradoras da Comunidade, há mais ou menos 30 anos quando elas chegaram à terra a qual ocupam hoje ali existia uma fazenda. Naquele local, suas famílias chegaram e fizeram seus assentamentos. A Comunidade Quilombola Urbana Jardim das Cascatas é reconhecida pela Fundação Cultural Palmares1 há mais de uma década como Comunidade remanescente quilombola. Com o passar dos anos a Cidade de Aparecida de Goiânia se desenvolveu e a existência de um assentamento aos pés da Serra da Areia chegou aos ouvidos da administração da cidade, assim, os administradores compreenderam então, que a decisão mais acertada a ser tomada era levar urbanização ao local, ou seja, redes de água, luz e esgoto, e fazer o dimensionamento exato dos lotes que seriam então doados e escriturados aos ocupantes originais, para que pudessem construir suas casas. Assim foi feito, houve então a criação do Bairro Jardim das Cascatas,

que no Plano Diretor de 2001 está classificado como um bairro que surgiu entre os anos de 1965 e 1980. O loteamento acarretou alguns problemas de implantação e posteriormente de ocupação. Com o passar dos anos, muitos lotes ainda ficaram sobressalentes, fato comum à cidade de Aparecida, o governo passou então a atuar com uma política doação de lotes. Assim pessoas oriundas de outras regiões da cidade de Aparecida, ou outras cidades vieram a residir no bairro. Do outro lado, muitos membros originais da Comunidade foram perdendo seus barracões devido à ação do tempo e precárias características construtivas, assim, os quilombolas oriundos de famílias de baixa renda, sem instrução e sem ter muitas maneiras de produzir renda, e muito menos de como construir novas casas, passaram a alugar as habitações construídas por aquelas pessoas que receberam os lotes doados, e que tinham feito tais construções de não muita qualidade somente para poder ocupar os terrenos. O DÉFICIT HABITACIONAL E A AVALIAÇÃO PARA PROPOR: O QUADRO DIAGNÓSTICO Percebemos então, que problemática habitacional para os membros da Comunidade Quilombola Urbana jardim das Cascatas, está enraizada na evolução urbana do bairro e na consequente degradação das suas residências e falta de poder econômico para a construção de novas, e também, do aparecimento de novas famílias da(05) 2ª e 3ª geração, através principalmente das coabitações onde as novas famílias jovens não tem terreno e nem casa própria e constroem no fundo da casa dos pais, no mesmo agora lote urbano onde cresceram. O déficit habitacional não é uma problemática específica da Comunidade Quilombola, no Brasil, assim como em todo o mundo, passa por processos de carência habitacional alarmante, fato causado pela rápida urbanização das cidades, atingindo diversos grupos sociais. Produzir habitações de interesse social é produzir cidade, é inserir um novo organismo em uma parte viva e pulsante e em constante transformação. “Em qualquer lugar do mundo, a produção habitacional é um dos principais motores que impulsiona a urbanização do território. Dependendo das condições em que aquelas habitações são produzidas, essa urbanização ocorre com ou sem a geração de cidade. O urbano não é a mesma coisa que cidade. O urbano é uma forma de ocupar e transformar os espaços físicos. A cidade constitui-se a partir de combinações entre boas condições de vida e criações de realidades sociais que potencializam o desenvolvimento das capacidades humanas.” (NAKANO, 2009).

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Partindo desde e de outros entendimentos sobre a construção de cidades e habitações, entendemos que para analisar melhor a problemática e estabelecer diretrizes capazes de gerar um desenho habitacional realmente impactante em seus processos, implantação e métodos, era necessário realizar uma análise diagnóstica de três dimensões, por nos definidas. METODOLOGIA, DESENVOLVIMENTO E PROPOSIÇÕES. Depois de diagnosticar o problema, agora era necessário entender o perfil da comunidade. Assim, foi realizada a aplicação de um questionário com perguntas objetivas e subjetivas. O total de pessoas entrevistadas foi de 33, o que representa uma amostra de aproximadamente 14% da Comunidade, de um total de aproximadamente 235 moradores, segundo dados da Associação dos Quilombolas. Desta análise, foi visível perceber que a comunidade possuía outros perfis habitacionais além da tradicional formação estrutural familiar. A partir deste estudo de Tramontano (1988) que caracteriza as novas configurações domésticas do século XXI, e correlacionando com os dados do questionário social aplicado na comunidade, criamos classificações onde fosse possível distinguir quais seriam as características reais de como deveriam ser as habitações desta população, respeitando e agregando o seu modo de vida atual. Chegou-se então a três grupos distintos: Esta classificação orientou posteriormente o projeto de três diferentes módulos habitacionais: Família Nuclear: 71,28 m² /expansível: 87,97m²; Família Monoparental: 85,62 m²/ expansível: 90,19m²; Individual: 42,69 m², e um módulo PNE (portadores de necessidades especiais) de 72,42m² locado na quadra B, no ponto de menor aclive da intervenção. A PROPOSTA IDEAL - O RESGATE DO SENTIDO DO LUGAR - . “(...) arquitetura seria, então, toda e qualquer intenção no meio ambiente criando novos espaços, quase sempre com determinada intenção plástica, para atender a necessidades imediatas ou a expectativas programadas, e caracteriza aquilo que chamamos de partido (...).”LEMOS (1994)

Historicamente, os quilombolas fugidos escolheram os pés das serras para instalar seus assentamentos humanos, deixando claras as suas relações de signo do lugar.

Assim, sendo o lugar, ou espírito do lugar – genius locci - presente nas teorias de Norberg-Schulz, visto como o norte no desenvolvimento da concreta manifestação do habitar humano é dessa teoria que tomamos partido. Neste entendimento, onde as relações do homem com o lugar determinam a construção da arquitetura, buscando a otimização da qualidade ambiental, que seria em si a essência do lugar. Estabelecendo uma relação visual, entre as habitações com a Serra das Areias, optou-se para a criação de um cenário onde as habitações funcionariam como quadros, que emoldurariam a Serra assim enfatizando as relações com o lugar, dalém disso, determinando um arranjo formal que se orienta pela nuances topográficas do território de intervenção. A proposição orienta também a escolha do território de intervenção, um vazio urbano resultante das camadas temporais de urbanização da cidade, e a escolha do material construtivo. Outra proposição de projeto era a transposição da prancheta para a realidade comunitária, onde a intenção era poder transpor o ideal do projeto para fatos mais reais, assim foi proposta, a produção de uma cartilha, a partir de orientação de profissionais habilitados, para uma pequena produção local de tijolos solo-cimento, utilizando matéria-prima da região, onde tais tijolos poderiam ser utilizados na manutenção e ampliação das casas, como poderiam vir a se tornar um produto comercializável pela comunidade. As proposições tectônicas também aparecem como resultantes das leituras e projeções próprias do lugar, pois no dizer de Norberg-Schulz, “o detalhe explica o ambiente e manifesta sua qualidade peculiar”. A proposta também deu diretrizes em escala urbana, na construção de espaços públicos, e rotas ciclavéis, bem como novas redes de acesso a cidade. No entanto, não avançou profundamente nas questões de desenho, devido ao tempo disponível de atelier para o desenvolvimento do projeto. A PROPOSTA REAL Feita as moldes do Programa Minha Casa Minha Vida altamente debatido nos meios acadêmicos, as habitações foram financiadas por um acordo entre a Prefeitura e a Caixa Econômica Federal. Este acordo veio acontecer somente em 2013, no entanto o desenvolvimento dos projetos começou em meados de 2011 na Secretaria de Habitação e Planejamento Urbano de Aparecida de Goiânia.

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A foto aérea abaixo de 2015, já é possível visualizar a construção das casas, no entanto em Julho deste mesmo ano, a Associação da Comunidade Quilombola Jardim das Cascatas divulgou na sua página em uma rede social um foto mostrando que as casas ainda estavam em fase de acabamento. O desenho das quadras, nada mais é do que uma adequação ao tecido urbano já existente. Tecido esse que não apresenta nenhum significado próprio do lugar podendo assim ser reaplicado em qualquer outro território. “A cegueira causada por essa perda da relação entre a paisagem e a construção urbana, cada vez mais entendida apenas como uma estética geométrica tem empurrado os limites urbanos para lugares muito distantes do pequeno e doméstico núcleo fundador ancestral. A cidade foi perdendo rapidamente a consciência de sua própria dimensão e dos novos lugares por onde foi se esparramando, sendo, por vezes, muito inóspitos e chamados de periferia.” (MENEGAT, 2008)

As casas construídas, forma executadas com 63m², num terreno de aproximadamente 250 m² cada. Foi executada também uma praça entre duas quadras urbanas das residências, que provavelmente posteriormente será ocupada com equipamentos de lazer. Alguns incentivos de sustentabilidade foram instalados, como por exemplo, a utilização de placas solares nas habitações. CONSIDERAÇÕES FINAIS As relações dos assentamentos urbanos com o lugar, não são características unicamente fortes no povoado quilombola. Desde a formação das cidades e a partir de relatos historiógrafos – nas cidades babilônicas, e do antigo Egito – os assentamentos humanos obedeciam a uma lógica estrutural totalmente relacionada com o lugar. As questões que nortearam a realização desde trabalho, mas que na época talvez não fossem conhecidas pelas autoras, podem hoje talvez se relacionarem com à busca pela sustentabilidade social da comunidade, que envolvem desenvolvimento sustentável, em um balanço que implica questões econômicas, ambientais e sociais. O relatório de Agosto 2012 da AGEHAB (Associação Goiana dos Municípios) apresenta um indicativo de que a demanda por habitações na Comunidade Quilombola Urbana, na realidade trata de um número de 200 habitações. Este indicativo nos mostra que as questões da falta de moradia digna de fato estão longe de terem um fim.

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Com 73 casas construídas temos o atendimento de somente 36,5% dessa demanda, que provavelmente deve ter um crescente aumento com o passar dos anos. Concluindo que, de fato é necessário pensar a construção de habitações de interesse social, como organismos em constantes mutações e ampliações, podemos assim justificar que é quando projetamos uma nova intervenção, além da necessidade de suprir uma demanda, se vê também necessário pensar a construção de uma microeconomia de desenvolvimento, que é de fato o que a proposta “ideal” procurou fazer, principalmente na nuance de transposição para o real. Abaixo, vimos marcados na imagem satélite (fig. 08)³, o bairro onde a Comunidade está inserida, a gleba local da intervenção proposta, e a gleba da intervenção real. Logicamente que a intervenção real, também buscou não distanciar geograficamente a Comunidade de suas raízes, quando desenvolveu o projeto em uma gleba nas proximidades do Bairro. No entanto, não é somente das questões de proximidade geográfica que tratam a arquitetura que se propõe a olhar a construção do lugar. A intervenção aqui apresentada está longe de ser um exemplo e não tem a intenção de ser um modelo de como executar moradias para remanescentes quilombolas. Mas levanta algumas questões de sustentabilidade e construção de cidade durante o correr do processo e desenvolvimento proposto, que merecem atenção e um debruçar reflexivo sobre as questões levantadas, e que de fato podem ser reaplicadas a qualquer tipo de comunidade que vive nas cidades informais em situações periféricas.


REFERÊNCIAS: AGÊNCIA GOIANA DE HABITAÇÃO, 2012. Plano de Habitação de Interesse Social do Estado de Goiás – PEHIS/GO. DEL RIO, Vicente, 1990. Introdução ao desenho urbano no processo de planejamento. São Paulo Editora PINI.

TRAMONTANO, M, 1997. Habitações, metrópoles e modos de vida. Por uma reflexão sobre o espaço doméstico contemporâneo. 3o. Prêmio Jovens Arquitetos, categoria “Ensaio Crítico”. São Paulo: Instituto dos Arquitetos do Brasil / Museu da Casa Brasileira, 210mm x 297mm. 10 p. Ilustr. Disponível em: <http://www.nomads.usp.br/site/ livraria/livraria.html> Acessado em: mai. 2012

DIÁRIO DE APARECIDA. Casas ficam prontas este ano. Disponível em: <http://www.diariodeaparecida.jor.br/casas-ficam-prontas-este-ano/> Acessado em: jun. 2015 FELICIANO, Camila Caetano, 2012. A habitação ideralizada. Goiânia. LEMOS, Carlos A. C. O que é arquitetura. 7ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1994. MENEGAT, Rualdo. 2008. “A emergência da tecnourbesfera e os novos desafios da geologia urbana”. In: As ciências da terra e sua importância para a humanidade - A contribuição brasileira para o Ano Internacional do Planeta Terra - AIPT. Porto Alegre: Instituto de Geociências da UFRGS. MEDRANO, Leandro, 2005. Habitação coletiva, verticalidade e cidade. Modernidade sem estilo, Arquitetura Revista. v.1, n. 2, p. 20-45. Disponível em: < http://www.unisinos.br/arquiteturarevista/index.php?e=2&s=9&a=8> Acessado em: abr. 2012

Figura 01 – Membros da Comunidade em evento da Associação Quilombola. À frente em destaque, a morada

NESBITT, Kate. (org.), 2006. Uma Nova Agenda para a Arquitetura. São Paulo: Cosac & Naify,

Maria Lucia. Fonte: Arquivo pessoal de Mario Braz Manzi Muniz,

O’DWYER, Eliane Cantarino. 1995. Terras de Quilombo. São Cristóvão-SE No 11 jul./dez. 2007,

cedido pelo pesquisador.

PREFEITURA DE APARECIDA DE GOIÂNIA. Prefeitura lança obras de construção de 73 casas para quilombolas em Aparecida. Disponível em: <http://www.aparecida.go.gov.br/ noticias.php?id=1149> Acessado em: jun. 2015

Figura 02 – Desenho de simulação do desenvolvimento urbano da Comunidade. Fonte:

REVISTA AU. O programa Minha Casa, Minha Vida articula planejamento urbano à política habitacional?. Fato & Opinião.Ed.182. Disponível em: <http://www.revistaau.com.br/arquitetura-urbanismo/182/fato-opiniao-o-programa-minha-casa-minha-vidaarticula-134745-1.asp> Acessado em: mai. 2012

Grifos da autora.

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Figura 03 – Esquema de desenvolvimento diagnóstico. Fonte: Grifos da autora.

Figura 04 – Gráficos gerados a partir de pesquisas realizadas com a comunidade. Fonte: Grifos da autora.

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Figura 05 Implantação e arranjos formais dos módulos residenciais em zoom. Fonte: Grifos da autora.

Figura 06 – Perspectiva ilustrativa da Quadra A da intervenção. Fonte: Grifos da autora.

Figura 07 – Foto aérea da implantação das casas. Fonte: Acervo da Comunidade, modificado pela autora.

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Figura 08 – Imagem satélite do bairro e dos territórios de intervenção rela e ideal. Fonte: Grifos da autora. Em 2012 - época do desenvolvimento do trabalho de TCC que serviu de bases para esta análise, a gleba escolhida para a intervenção, apresentava um adensamento menor que o da imagem satélite da (fig. 08) de 2015.

Tabela 01 – Tabela desenvolvida para caracterizar as tipologias familiares localizadas na comunidade.

CAMILA CAETANO FELICIANO camilacaetano.arq@gmail.com/

CELINA FERNADES ALMEIDA MANSO celina.manso@hotmail.com

Camila Caetano Feliciano é graduada pela UEG, atualmente Mestranda pela UFRGS. Realizou anteriormente disciplina como Aluna Especial de Mestrado na UNICAMP. Enquanto acadêmica da UEG, foi membro fundador do Escritório Modelo PRISMA. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo, em projetos de pequeno à grande porte e Planos Urbanos. Lattes: http://lattes.cnpq. br/8910631298596926

Celina Fernandes Almeida Manso é formada pela Universidade Católica de Goiás - PUC, especialista pela também pela PUC em Urbanismo Contemporâeneo e pela UnB no curso Reabilita, Mestranda pela PUC - Campinas e atualmente Doutoranda na Universidade de Brasília - UnB, concursada pela Prefeitura de Goiânia, atuando em vários setores. Docente na UEG. E autora do livro "Um certo olhar uma concepção moderna e contemporâena". Lattes: http://lattes.cnpq.br/58213652462377

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Danielle Costa Guimarães1 | Angela Gordilho-Souza2 | Bahia, Brasil HABITAÇÃO, URBANIZAÇÃO E DESURBANIZAÇÃO: Como serão as cidades brasileiras pós MCMV?

A questão da habitação entra na agenda oficial do Brasil na era Vargas (1930-1945), a partir de 1933, com a criação do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos (IAPM), seguido de outros institutos voltados para classes de trabalhadores.3 Embora tenham sido as primeiras instituições públicas de âmbito nacional a tratar da habitação social, os IAPs se destacam pelo ótimo nível dos projetos para as novas edificações. Introduzem a tipologia de conjuntos habitacionais de edifícios de apartamentos, em vazios da malha urbana ocupada, definindo assim novas tipologias de ocupação do espaço urbano e tendências urbanísticas inovadoras, com forte influência do movimento moderno. Esse modelo foi amplamente difundido no Brasil, sobretudo nas grandes cidades, sendo nas cidades médias utilizado o lote tradicional, com tipologias de casas, que nos documentos dos IAPs eram criticadas, pois levaria à expansão horizontal da cidade, bem mais onerosa4. Com a criação da Fundação da Casa Popular (FCP), em 1946, a pretensão inicial era criar uma estrutura de funcionamento bem diferente da praticada nos IAPs. Essa proposta, num contexto de demandas por reformas sociais, trazia os elementos fundamentais para uma nova atuação do Estado no setor: centralização da gestão, fontes permanentes de recursos e uma visão abrangente que buscava articular a produção de moradias com o desenvolvimento urbano.5 Dando curso a essa proposta, mas com outro arcabouço, o governo militar, que se instala a partir de 1964, cria o Banco Nacional de Habitação (BNH), Lei nº 4.380/1964, definindo uma política habitacional,

mais vigorosa, porém altamente centralizada e voltada para o capital imobiliário, esvaziando os movimentos sociais.6 Os primeiros obstáculos foram encontrados logo na experiência dos anos iniciais, não bastava apenas construir moradias, era preciso dotá-las de infraestrutura adequada, recurso que lhes faltava, sendo a maioria situados nas periferias urbanas, distantes de locais de trabalho.7 O resultado dessa urbanização do BNH é expressivo no espraiamento das cidades, marcado pela ausência de infraestrutura urbana no entorno dos conjuntos e privatização do espaço público ocioso. Constituem novos pedaços de cidades, sem integração, com a mesma tipologia - a “standardização” fordista da produção habitacional diminuição da qualidade de vida de quem ia viver distante (tempo e custos de deslocamento), segregação residencial (espacial), visando alcançar resultados quantitativos, em terras de menor valor, em detrimento de qualidade espacial e inserção urbana. O BNH foi extinto em 1986, deixando um saldo significativo nesse modelo de expansão metropolitana, associando polos industriais aos grandes conjuntos e loteamentos populares na periferia urbana.8

1 Doutoranda PPGAU-UFBA e Profa. UNIFAP. 2 Profa. PPGAU-UFBA. 3 Dados retirados do sítio do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC), da Escola de Ciências Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV), disponível em: http://cpdoc.fgv.br/producao/ dossies/AEraVargas1/anos30-37/ PoliticaSocial/IAP 4 Ver nesse sentido: BONDUKI, N. (1997). Espaço público, habitação social e arquitetura moderna. Anais do 2º Seminário Docomomo Brasil. Salvador, p. 4; e GORDILHOSOUZA, Angela (2000). Limites do Habitar: segregação e exclusão na configuração urbana contemporânea de Salvador e perspectivas no final do século

Na década de 1980, as pressões políticas das comunidades por infraestrutura urbana – devido a grandes ocupações de terras nas áreas remanescentes, de risco e mais distantes - fortalecem os movimentos sociais urbanos, pela redemocratização do país, fazendo ressurgir o movimento pela reforma urbana, culminando na introdução

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XX. Salvador: Edufba, 1ª. edição. 5 BONDUKI, N. (1999). Origens da habitação social no Brasil. 2ª ed. São Paulo: Estação Liberdade.


6 REYNOLDS, C. e CARPENTER R. (1977). Financiamento à habitação e distribuição de riqueza no

do direito social à moradia e do planejamento urbano, na Constituição Federal de 1988, regulamentada pela Lei Federal Nº 10.257/2001, o Estatuto da Cidade.9

Brasil. Revista de Administração de

O PMCMV REAFIRMA A PERIFERIA DESURBANIZADA Depois de um longo período sem grandes inves7 timentos urbanos no Brasil, entre os anos 1980 e AZEVEDO, S., ANDRADE, L. (1982). 1990, verifica-se na década seguinte, a retomada Habitação e Poder. Rio de Janeiro: de investimentos federais, a partir de 2003, com Zahar. a criação do Ministério das Cidades. As novas políticas urbanas implementadas a partir de 8 então tiveram um amplo espectro de atuação, AZEVEDO, S. de, ANDRADE, Luis A. G. fortalecendo a diversidade e a relação entre de. (1982). Op Cit. habitação e cidade. Na produção habitacional a partir de 2005, simultaneamente ao incentivo de 9 produção via mercado, foram criadas as condições BASSUL. José Roberto (2002). Reforma para uma produção subsidiada de habitação de urbana e Estatuto da Cidade. Eure, interesse social. Para isso, implantou-se, de forma Vol. 28 Número 84. Pontificia Universidad descentralizada, um novo Sistema Nacional de Católica de Chile, Facultad de Arquitectura Habitação (SNH), com dois subsistemas, sendo y Bellas Artes. Santiago, Chile: Instituto de um para o mercado e outro de interesse social, o Estudios Urbanos. SNHIS.10 Empresas. vol.17 Nº.5 São Paulo. ISSN 0034-7590.

Em 2006 é lançado o Programa de Aceleração Para essa síntese, ver GORDILHOdo Crescimento (PAC), que incluiu Urbanização, SOUZA, Angela M. (2014). Cidade Regularização e Integração de Assentamentos PreSeletiva e Exclusividade Urbana: cários e, em 2009 o programa Minha Casa Minha megaeventos, grandes projetos Vida (PMCMV) para produção habitacional de e a Copa 2014 em Salvador. interesse social, com fortes subsídios para as faixas IN: CARVALHO, I. M et al. (Org.) de renda de até três salários mínimos (SM), dinaMetrópoles na Atualidade Brasileira mizando, de forma inédita, esse segmento, que – Transformações, tensões e sempre esteve aquém da produção de mercado, desafios na Região Metropolitana contudo imprimindo uma outra sistemática, mais de Salvador. Salvador: EDUFBA. centralizada. Esse programa logo se tornou prioritário, por trazer um processo de produção 11 mais ágil, por meio de contratos diretos entre a Ver GORDILHO-SOUZA (2014). Op. Cit. Caixa Econômica Federal, instituição responsável pela operacionalização do programa, e empresas 12 cadastradas.11 Assim, o PMCMV vem a contribuir ROLNIK, R. e NAKANO, K. (2009). As para aquecimento do setor da construção civil armadilhas do pacote habitacional. e geração de emprego, no momento em que se Revista Le Monde Diplomatique – Brasil, intensifica a crise financeira mundial de 2008.12 edição 20. Com essa produção acelerada do PMCMV em todo o território nacional, a produção de novas 13 habitações passa a ser prioridade, atingindo não A partir do anuncio da participação do apenas as metrópoles, mas sobretudo as cidades Brasil Na Copa do Mundo de 2014, o médias e pequenas, com brusco recuo de investiPAC foi redirecionado para preparação mentos no PAC da urbanização, voltado para as de infraestrutura desse evento. Ver ocupações e favelas.13 10

GORDILHO-SOUZA (2014). Op. Cit. 14 Os manuais disponibilizados trazem

Definido para alcançar maior agilidade de execução, o PMCMV recupera, do antigo BNH, a perspectiva de produção habitacional padro-

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nizada, atendendo basicamente a manuais com conteúdos diferenciados por faixas de renda. Corresponde a uma fase de produtividade intensiva, entretanto sem o necessário diálogo com a cidade e os déficits qualitativos acumulados.14 A reprodução do cenário do BNH repetiu-se, com alguns agravantes: conjuntos habitacionais fora da área urbanizada, com baixa qualidade habitacional, construtiva e urbana, sem áreas de equipamentos ou de lazer, criando-se novamente “pedaços de não-cidade”, desconectados dos centros consolidados, longe do trabalho, sem infraestrutura de transporte resolvida, equipamentos comunitários e urbanos, tampouco espaços livres apropriados para o uso coletivo. Sobre esse aspecto Maricato (2009) lembra que: “Cada moradia urbana exige um pedaço de terra para sua realização. E não se trata de terra nua. Trata-se de terra urbanizada, isto é, terra ligada às redes de água, energia, esgoto, drenagem, transporte coletivo além de equipamentos de educação, saúde, abastecimento, etc. Trata-se, portanto de um pedaço de cidade.” (¶ 7)”15

A PRODUÇÃO DE NÃO-CIDADE NAS CIDADES BRASILEIRAS Infelizmente, com base nessa tradição histórica do Brasil no que se refere às políticas habitacionais, o que se vê mais uma vez, no resultado do PMCMV são investimentos em construção em total descompasso às consequências urbanísticas, verdadeiras “não-cidades”16. Os IAPs e a FCP, ainda que com projetos de mais qualidade, produziram de forma restrita e não foram capazes de se antecipar ao crescimento das cidades brasileiras. O BNH, que produziu habitações em grande quantidade, não atendeu às rendas mais baixas, contribuindo para direcionar a periferização urbana precária e segregação sócio espacial. Foram produzidas habitações sem condições urbanísticas de sustentabilidade e isso repercute até os dias de hoje no crescimento das nossas cidades. Isso se configura como o que Lojkine17, já na década de 1970, chama de “a forma mais desenvolvida da divisão do trabalho material e intelectual”, no qual se segrega nas periferias, local de reprodução precária das forças de trabalho, dos grandes centros urbanos, onde se localiza o trabalho intelectual mais desenvolvido e os a administração pública. Os detentores do poder (capital) ditam as regras da destinação dos recursos públicos, são postas a perder todas as conquistas alcançadas por aqueles que lutam pela reforma da cidade brasileira e por uma nova agenda de intervenções públicas na cidade.


Num olhar mais próximo, vivenciando esses ambientes recém construídos pelo PMCMV, em estudos de caso realizados em Conjuntos em Macapá, esses pedaços de não-cidade se revelam em ambientes áridos. Notou-se a ausência quase total de equipamentos públicos e comunitários, de áreas de uso e convívio social, de espaços livres, além do isolamento com relação à cidade. De fato, há claros elementos que revelam a produção de uma periferia “desurbanizada”, apesar de vinculada à ideia do que se reconhece como cidade, mas que não faz parte dela, no sentido o urbano entendido como integração das pessoas (e suas casas) ao espaço das cidades. O modelo de implantação segue os moldes já conhecidos e descritos anteriormente aqui, com produção em série, em desacordo com as características climáticas locais, inclusive precedida de uma ação “arrasa terreno”, retirando toda a vegetação local para a implantação do empreendimento, que resultou em um local quente e seco (inadequado para o clima Equatorial da cidade). O Conjunto Habitacional Mestre Oscar, que segue o modelo horizontal com 528 habitações unifamiliares, foi entregue em 2013 e teve o investimento de R$ 20 milhões (PMM, 2013)18. Relatos de moradores apontam a conquista do teto para morar, em tom de gratidão ao poder público pelo bem adquirido. Ao mesmo tempo em que agradecem, se ressentem do afastamento geográfico “da cidade”, limitam-se ao lazer familiar, interno às suas unidades habitacionais, nos quintais vide imagens 01, 02, 03 e 04).

há um tipo de privação, que tem sido pouco formulada em pesquisas nesta área. A consciência das pessoas aos poucos deixa de lado questões relativas à produção em si e se voltar para as questões da quotidianeidade, do consumo. Mesmo para cidades com grande crescimento e pouca industrialização, como Macapá, o processo dual citado ocorre como na cidade industrial: perde-se o sentido da vida camponesa, a cidade penetra o território e a relação urbanidade e ruralidade intensifica-se. Com a “suburbanização” principia um processo, que descentraliza a cidade e “afastado da Cidade, o homem perde o sentido da obra” e a consciência urbana se dissipa: “a consciência da cidade e da realidade urbana se esfuma” (Lefebvre, 1991, p. 17, 21)19 A condição do “direto à cidade”, na conceituação de Henry Lefebvre (1968), refere-se à reconquista coletiva do sentido de cidade como obra, resultado das relações sociais, e não do produto, como mercadoria. Esses pedaços de “não-cidade” estão sendo criados para suprir as demandas políticas, frente às necessidades de habitação para famílias de baixa renda, e econômicas de aquecimento da economia via construção civil. As pessoas já não possuem a compreensão do que seria viver na cidade, há uma noção entre os próprios moradores de que o que é ofertado com subsídios federais é o suficiente e o justo. São percepções necessárias para uma compreensão mais próximas dessas dinâmicas que se realizam nesses espaços.20 Como serão as cidades brasileiras pós MCMV?

modelos de projetos arquitetônicos, de acordo com a modalidade da renda. Visando à celeridade na aprovação de projetos, esses modelos acabam por induzir uma padronização arquitetônica de baixa qualidade e inadequada, considerando-se as diferenças climáticas e culturais no país. Ver GORDILHOSOUZA (2014), Op. Cit. 15 MARICATO, Ermínia. (2009) O “Minha Casa” é um avanço, mas segregação urbana fica intocada. São Paulo: Carta Maior. Publicado em 27/05/2009. Disponível em: http://cartamaior.com. br/?/Editoria/Politica/O-Minha-Casa-eum-avanco-mas-segregacao-urbana-ficaintocada/4/15160 16 MARICATO, Ermínia. (2009). É preciso repensar o modelo. São Paulo: Arquitetura e Urbanismo -AU. Ed 186. Publicado em 27/05/2009. 17 LOJKINE, J. (1977) O Papel do Estado na Urbanização Capitalista. In: FORTI, R. (org.) Marxismo e Urbanismo Capitalista. São Paulo: Liv. Edit. Ciências Humanas, p. 40. 18

Alguns reclamam da ausência da finalização das obras que fazem parte do projeto original, como a praça que é um dos locais mais áridos do conjunto. Em nenhuma das visitas feitas ao conjunto pessoas foram vistas nas ruas, nem mesmo as crianças. O que se percebe é a falta tão grande de cidade, que a vida segue sem que haja a percepção do espaço público. De fato, a realização do direito à cidade só pode acontecer quando ocorre a apropriação do espaço pelos moradores que, exercendo sua cidadania, confrontam a lógica de dominação e podem então satisfazer suas necessidades e expandir suas possibilidades criativas na coletividade, possibilitando que cada comunidade e indivíduo possa manifestar suas identidades. Essa apropriação, portanto, refere-se ao uso, mais que à propriedade.

MACAPÁ, Prefeitura Municipal de. (2013) Prefeitura promove ações para implantação do PTTS no Residencial Mestre Oscar. Disponível em: http://www.macapa. ap.gov.br/noticia.php?cod=3205 19 LEFEBVRE, H. (1968). O Direito à Cidade. São Paulo: Editora Moraes Ltda. 20

Esses estudos estão

sendo desenvolvidos na pesquisa de doutorado, no âmbito do PPGAUUFBA, “A moradia que tenho, a que me oferecem e a que eu quero: (re) Apropriações do espaço público em

Se o espaço coletivo não vigora nos projetos ou no processo de desenvolvimento sócio espacial,

conjuntos habitacionais, Macapá-AP” de GUIMARÃES, Danielle Costa, 2015.

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Figuras 01 e 02: Imagens da fase de execução do Conjunto Mestre Oscar, na Zona Norte de Macapá-AP. Data: setembro de 2012. Autor: Danielle Guimarães.

Figuras 03 e 04: Imagens do Conjunto Mestre Oscar implantado e ocupado. Data: setembro de 2015. Autor: Izanilde Barbosa da Silva.

DANIELLE COSTA GUIMARÃES dcguimaraes@gmail.com

ANGELA MARIA GORDILHO SOUZA. agsouza@terra.com.br

Danielle é mestre em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-UNB (2005), discente do Curso de Doutorado pelo PPGAU-FAUFBA e docente no curso de Arquitetura e Urbanismo da UNIFAP.

Angela é doutora em Arquitetura e Urbanismo pela USP (1999), docente permanente no PPGAU-FAUFBA e consultora ad-hoc em várias agências de fomento científico, como pesquisadora CNPq (1-C). Foi Secretária de Habitação na Prefeitura Municipal de Salvador (2005-2008).

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Andrés Cánovas | Nicolás Maruri | Atxu Amann | Madri, Espanha LA CONSTRUCCIÓN ESTRATÉGICA DEL LUGAR: El contexto desde una perspectiva de forma

En determinadas ocasiones, los tramos concretos de la ciudad en los que losarquitectos intervenimos, están sometidos a una normativa urbanística severa que obliga a desarrollar el trabajo a través de estrategias de proyecto ligadas com condiciones específicas de forma que tácticamente resuelvan problemas particulares del contexto intentando organizar lo establecido. En relación a este enunciado, en este artículo se pretenden describir cuatro mecanismos de proyecto que mediante operaciones de forma han conseguido generar un lugar que se muestra a través de edificios de vivienda colectiva ya construidos em determinadas situaciones urbanas y especialmente a través de proyectos del estúdio de arquitectura español amann-canovas-maruri. ADICIÓN DE PARTES PEQUEÑAS La primera operación es la de la construcción del edificio por adición de partes pequeñas. En este caso, la suma de esas partes diferenciadas, en aquellos casos em los que el sistema de adición es claro, construye un objeto diferente reforzado por uma geometría contundente que enlaza y ordena todas las partes. Este sistema lo podemos encontrar en casos como el complejo residencial Habitat 67 de Monshe Safdie en Montreal, donde se construye una aglomeración de partes que construyen un conjunto sin límites definidos, que se diferencia del proyecto del bloque de viviendas de San Chinarro de MVRDW + Lleó que si constituye un objeto perforado, con un marcado carácter escultórico. Finalmente, dentro del estúdio referencia, podemos incluir dentro de este apartado el

edificio de Carabanchel, que unifica la condición de vivienda y la de barrio conservando ambas escalas. Bloque perforado en Carabanchel El proyecto nace de un Concurso convocado por la Empresa Municipal de la Vivienda y Suelo de Madrid en el que se obtiene el Primer Premio. Se desarrolla en el nuevo ensanche del barrio de Carabanchel. El programa propuesto se centra en la construcción de 82 viviendas sometidas al régimen de protección pública de uno, dos, tres y cuatro dormitorios. Se complementa con un sótano para aparcamiento privado e instalaciones, así como zonas comunes en planta baja. La propuesta no se construye desde la revisión de la manzana, aunque aparente hacerlo, sino desde la cualidad del bloque abierto de ancho de crujía mínimo com perforaciones pasantes. Dicho bloque se dobla para configurar un espacio cerrado al interior lejano de los patios de manzana. Un bloque lineal com fachadas principales en todas sus caras, con el mismo tipo de acabado al interior y al exterior. El edificio se cierra sobre sí mismo generando una cinta de edificación permeable, que se ajusta de manera estricta a los límites de la parcela y que entiende que los condicionantes normativos son materia de proyecto. Dichos condicionantes se llevan a una situación extrema, buscando nuevas posibilidades en el tipo de vivienda y en la morfología del edificio. El pensamiento positivo de entender que la vida cotidiana y sus limites proporcionan material de trabajo para la configuración del proyecto de vivenda se constituye en un atractivo de primer orden en el desarrollo del trabajo de proyecto.

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La situación de ancho de banda mínimo para generar viviendas de dos crujías con ventilación cruzada y doblemente orientadas, acaba por construir un pátio interior de dimensiones considerables listo para convertirse en el corazón del proyecto. La propuesta se desplaza en este aspecto desde el interés por la vivienda al compromiso por el espacio público y entiende la necesidad de generar espacios colectivos que respondan a unos condicionantes mínimos de sociabilidad. En unos desarrollos urbanísticos vinculados de una manera irreflexiva al crecimiento del transporte privado, con calles trazadas desde la desmesura, en los que la calle y la plaza como lugar de relación han desaparecido a favor del centro comercial, se hace necesario aportar también desde el proyecto de vivienda una cierta dosis de compromiso para la generación de espacio público. El espacio público interior queda entreabierto y conectado al conjunto del ensanche, asumiendo con descaro una condición ambigua de exterior e interior y la conexión entre las distintas cotas topográficas existentes. Esa isla central, cóncava, roturada y convertida en un bosque, se conecta visualmente al conjunto de la ciudad desde la aparición de las múltiples y medidas perforaciones pasantes, que a su vez articulan a las viviendas y las conexiones en planta baja. Estos huecos permiten una respiración del edificio, que sigue recibiendo las brisas de los espacios abiertos y que convierte un interior en um exterior. De la misma manera las perforaciones permiten una disposición de viviendas doblemente orientadas a la vez y protegidas por el efecto de un pátio en altura que se dispone como un elemento intermedio entre la condición pública de la plaza y la privada de la vivienda. Un elemento de carácter ambiguo que permite engastar la vivienda con nuevos programas y usos no establecidos y reglados en este tipo de edificación. La célula es una vivienda con patio en altura. Una revisión de las propuestas de Le Corbusier para su proyecto de Inmuebles-Villa, aunque también se relaciona con la vivienda patio de un mediterráneo que valora con sutileza la aparición de espacios intermedios, lugares de usos difusos pero siempre atractivos e intensos. El patio puede articularse como delantero o trasero pero siempre pasante y ligado a la estancia de día, siendo un complemento, un escape, un desahogo, a la vida interior de unas viviendas normativamente mínimas. El pátio es un huerto y una plaza. A través suyo se produce la transpiración del edificio y de las viviendas. Un lugar soleado en invierno y fresco en verano. Con vistas cruzadas del interior y el exterior, del jardín y

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la calle, de la luz y la sombra. El patio como “interface” permite asimilar orientaciones muy distintas con mínimas modificaciones dentro de la vivienda. La posibilidad de construcción de estos elementos en un edificio de vivienda pública es posible leyendo la normativa de manera radical, agrupando espacio de lavaderos y balcones, comprimiendo al mínimo los pasillos interiores y espacios de conexión y entendiendo el pátio como la estancia de entrada a la vivienda, haciendo desaparecer ésta del interior, para convertirla en una estancia que agrupa salón, comedor y la posibilidad de unión de la cocina. La organización del bloque de viviendas, se obtiene desde la voluntad conceptual de aplicación de un sencillo mecanismo de agrupación lineal y ordenada sobre una bandeja estructural de hormigón armado previamente construida, esa misma agrupación se produce en altura, desde la más estricta literalidad, provocando una lectura de contenidos mecánicos, cada una de essas células habitadas tendrían la necesidad de ser asumidas por la industria y transportadas de manera natural a sus bandejas de apilamiento y conectadas con las distintas redes de suministro y evacuación. En ese aspecto su construcción se convertiría en seriada, dejando la individualidad para el contacto con los usuarios. Su interior de muebles móviles, de espacios versátiles com huecos disponibles en suelos, techos y paredes se comporta como un automóvil, como un elemento de distintos modelos que puede ser acoplable a una rejilla de servicios en altura. El exterior, por tanto se construye en carrocería de chapa, se comporta como una fachada transventilada, cuyos huecos se mimetizan mediante celosías y sus esquinas se curvan. Un elemento de repetición que pretende conservar un cierto grado de individualidad. El edificio se establece como un conjunto ordenado de carrocerías metálicas, cuyos colores y acabados podrían quedar a la elección de los usuarios mediante un catálogo de combinaciones, que pasan desde el color de la fachada hasta la organización interior y sus acabados. ADICIÓN DE PARTES MEDIANAS La siguiente operación, es la de adición de partes medianas. Esta táctica es la que se utiliza de forma explícita en el ya citado edificio del Mirador de San Chinarro para descomponer el volumen que de otra manera se leería como un gran objeto icónico. Neutelings y Riedijn ejecutan estrategias similares de estratificación por bandas en las iviendas de Hollainhof para manipular el tamaño percibido en un conjunto de viviendas adosadas. Finalmente,


respecto al estudio amann-canovas-maruri, esta misma operación es también la que se realiza en el edificio de viviendas de la Muralla de Cartagena en Murcia, para romper el perfil del bloque y conseguir matizarlo en el entorno. Edificio de la Muralla en Cartagena La muralla de edificios que contemplan los visitantes que se acercan a Cartagena desde el mar, es terrosa y asalmonada. En la esquina Este de la Muralla, articulando el espacio urbano, aparece un edificio de bloques de colores que remata la muralla; está construido sobre uma edificación del siglo XIX, que es valorada por su presencia unitaria frente a las piezas menores de la nueva construcción. A pesar del considerable volumen edificatorio a solucionar, la transparencia y los reflejos del cielo proporcionados por el vidrio y el aluminio colaboran a la ligereza de una construcción fragmentada obtenida por volúmenes dibujados mediante cortes y grietas. Por otra parte, el fraccionamiento de los volúmenes permite su eliminación progresiva en las plantas superiores, donde la construcción es sustituida por vacíos que generan terrazas desde las que poder disfrutar de la bahía de la ciudad. AGLOMERACIÓN ORDENADA La propuesta denominada “Luxemburgo 2”, se articula alrededor de una ordenación urbana impuesta por normativa y articulada en torno a tres volúmenes de dimensiones y proporciones muy distintas. En el proyecto, los volúmenes que resultan de aplicarla ordenanza, se organizan utilizando el edificio más pequeño como pauta dimensional en una operación extremadamente simple que permite que la suma de las partes se perciban como un todo organizado y no como piezas de distinto tamaño. Es una táctica similar a la utilizada también por el Estudio en el edificio de viviendas de Mieres, donde las formas encontrada, como retales urbanos que confluyen, deja de entenderse como encuentro fortuito, para adquirir una condición propositiva de uma agrupación de cuatro piezas. Esta tercera operación de la aglomeración ordenada, centra su esfuerzo en formalizar una totalidad como suma de partes, evidenciando su sistema de agrupación. En este caso, la condición arquitectónica pasa por convertir un retal urbano, en uma ordenación con sentido propio y cierta autonomía, que en el extremo puede llegar a considerarse como una amputación, en términos de cirugía urbana, tal y como ocorre con el conjunto residencial de la Rambla de Coslada, donde los edificios se cizallan em su eje longitudinal y marcan la diferencia a través de recursos expresivos

como los tonos de grises y las pequeñas cesuras en los volúmenes, que provocan la percepción de la agrupación de ocho esbeltas pantallas. El híbrido de Coslada Situado en una posición de crecimiento reciente, en el municipio de Coslada, cercano a Madrid, el edificio se construye desde la macla de usos diferenciados: oficinas, viviendas, comerciales, espacios públicos a cota de calle, espacios públicos en altura y aparcamientos subterráneos. Es un edificio híbrido y periférico. Su promoción es pública y su destino es cubrir la falta de vivienda de bajo coste en la ciudad, especialmente la vivienda destinada a jóvenes, así el 70% de las 118 viviendas construidas se destinan a alquiler, reservándose el resto a la venta, así como el resto de usos asociados. La promoción pretende ofrecer una situación potencialmente más atractiva que la simple cumulación de viviendas y en ese sentido toma partido por su singular situación en el conjunto de la ciudad, construyendo entre sus cuatro torres una plaza baja pública y cubierta que sirve como espacio previo a la entrada de los edificios. Dicha plaza inferior se conecta con una escalera colgada y un ascensor con uma segunda plaza que situada a una altura de diez metros sobre la primera enlaza las cuatro torres y separa los usos comerciales y de oficina de los de vivienda. Dicha plaza alta, se constituye en el corazón del proyecto. Todas las comunicaciones se enlazan con este espacio, que debidamente equipado asume una condición de espacio de ocio y socialización de la comunidad. Es un espacio comunitario al servicio de la ciudad. El conjunto de viviendas se articula en base a apartamentos de 40m2 de superficie. Dichos apartamentos se configuran como un espacio continuo separado por puertas correderas de gran formato. Dicho espacio se acolcha al exterior con un sistema de armarios y al pasillo de acceso general con una batería de núcleos húmedos que aísla de ruidos las viviendas y centraliza las instalaciones. Todos los apartamentos cuentan con una terraza protegida al exterior de 7m2 que permite un uso permanente. El conjunto se construye básicamente con estructura de hormigón armado; forrándose las cuatro torres con una piel de chapa de acero lacada en distintos tonos de gris y que actúa como fachada trans-ventilada, dicha fachada pasa de ser opaca a perforada según las distintas condiciones de uso, estableciéndose un conjunto de matices de luz y ventilación que construyen un cierre intenso y complejo.

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Si bien un proyecto de viviendas parece fundamentarse en la acumulación de recintos privados, no es menos cierto que lo público es lo que realmente concierne en mayor medida a la arquitectura. La búsqueda de la sociabilidad en arquitectura se puede entender desde la vertiente de la pura gestión de lo edificado, pero también desde la construcción de estructuras que rodeando una normativa que no permite excessivos festines, haga posible una secuencia de espacios y situaciones que nieguen la velocidad impetuosa “del coche a la casa”, para facilitar lugares que hagan posible la relación vecinal. El espacio verdaderamente público se caracteriza por su ausencia de especialización, es posible desarrollar bajo su amparo un buen número de actividades sin ningún tipo de jerarquía. Es un lugar anti-autoritario, carente de disciplinas de uso, pero lleno de códigos de utilización. Ese espacio público en el interior de los edificios de viviendas, no debe entenderse como el espacio residual sino la condición central de organización y estructura morfológica de las viviendas, en las que la asociación que genera una optimización del espacio y los recursos adquiere un estatus sustancial. En la pericia sobre el tipo en el mundo de la vivienda colectiva, esos espacios sin destino concreto son los que realmente pueden producir un avance razonable, el lugar sin destino es posible acumularlo y segregarlo, utilizarlo nocturna y diurnamente…. Em definitiva fabricar también lugares en los que el estatuto de lo público se abalance sobre lo privado, consiguiendo también sociabilidad mezclada con habitabilidad. Si aparentemente la habitabilidad puede conseguirse en el interior de la vivenda colectiva, uno de los retos todavía apetecibles es generar un cierto grado desociabilidad a través del cuidado de gradación de la escala humana a la urbana, a partir del diseño de espacios y volúmenes intermedios. DISPERSOS RELACIONADOS La última táctica contemplada es quizás la menos evidente que se produce desde uma dispersión relacional en aquellas situaciones en las que un marcado carácter urbano se impone al propio edificio que genera su forma desde la proporción entre partes y las relaciones de volúmenes como composición urbana; Así ocurre en el conjunto edificatorio del área protegida de Hilarión Eslava en el centro histórico de Madrid.

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Conjunto de edificios de viviendas en Hilarión Eslava esquina Menéndez Valdés El proyecto se sitúa en el distrito de Moncloa en el centro de Madrid. El suelo responde al erribo de un garaje interior y un edificio ocupado por una antigua churrería, y em esa liberación de espacio se descubre un patio de manzana que debido a su acceso diagonal configura un cruce de calle con cinco esquinas, caso singular en el conjunto del barrio. La promoción corresponde a la iniciativa privada aunque, debido a su singularidad, el proyecto es estrechamente vigilado por las distintas autoridades públicas. El proyecto responde y se construye desde esa situación enrocada e intenta resolver su configuración desde una cierta adaptación a las condiciones del entorno, no tanto desde la sumisión sino desde la proposición crítica. El edificio que resulta es fracturado y de caligrafía diversa en su contacto con los distintos lienzos urbanos y adquiere una presencia neta y singular en el remate de esquina. En dicho punto, la edificación se retrasa ampliando el espacio público y ocultándose a las vistas desde las calles cercanas haciéndose presente de forma notoria tan sólo desde la calle de la Princesa a una distancia media. La edificación intenta responder a la ciudad, construir en la medida de lo posible um lugar mejor desde lo ya consolidado, pero también un lugar en el que la edificación se acaba haciendo presente de manera activa. En este proyecto también se parte de una situación de retales urbanos que completan parte del tejido de la ciudad, obligando a la construcción de dos volúmenes separados: uno, rectangular, rematando el fondo edificable de en el interior de una manzana y otro triangular, remate de una esquina abierta en el frente urbano. Ambas piezas se atan mediante el dominante color blanco, levemente más claro que el del resto de los edificios de la zona. El volumen triangular, que da a la calle Hilarión, se organiza visualmente como el maclado de tres piezas gracias a la presencia de un elemento separador, una pantalla de zinc gris oscura de proporciones 7 a 1. Este volumen remata la esquina de la manzana, asumiendo el contexto volumétrico desde la lectura de las cornisas y los recortes en los áticos. En este edificio, la organización interior de las piezas em relación al programa, no responde a lo que parece indicar ni la volumetría, ni los materiales. En este último caso, como en los anteriores, lo urbano impone su ley sobre el programa. La forma encuentra su orden desde la proporción entre las partes y las relaciones de los volúmenes como composición urbana. Pura forma. Pura vida


Figura 1. Carabanchel figura 2. Carabanchel

Figura 3. Edificio de la muralla

Figura 4. Luxemburgo 2

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Figura 5. Mieres Figura 6. Rambla de Coslada

Figura 7. Conjunto de Hilarión Figura 8, edificio esquina Hilarión

ANDRÉS CÁNOVAS, NICOLÁS MARURI Y ATXU AMANN atxuamann@upm.es Estudio formado em 1987. Arquitectos, docentes e investigadores especializados em vivenda colectiva. Mas de cen premios. Publicados y expuestos nacional e internacionalmente.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Pablo Benetti | Maria Lucia Pecly | Solange Carvalho | Rio de Janeiro, Brasil PROTÓTIPOS MINHA CASA+SUSTENTÁVEL Proposição, avaliação, sistematização e disseminação de soluções de projeto que contribuam para elevar o desempenho de empreendimentos de Habitação de Interesse Social (HIS) do Programa Minha Casa, Minha Vida.

INTRODUÇÃO Esse artigo procura retratar a experiência resultado do convênio entre o SNH/MCidades e a FAU/ UFRJ para desenvolvimento de dois “Protótipos Minha Casa+Sustentável” para o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), no Rio de Janeiro e na Bahia, com ênfase numa abordagem projetual mais sustentável como objetivo buscar a melhoria dos parâmetros de qualidade e habitabilidade da HIS no Brasil. A discussão da qualidade e vitalidade na experiência dos Protótipos tenta compreender como se dão os diálogos entre a iniciativa privada, a normativa do PMCMV, a legislação municipal e as regras de financiamento, e qualidade do desenho urbano como prerrogativa de um projeto sustentável. Para isso, foi montada a parceria de atores que estão envolvidos no cotidiano desse processo, como a SNH/MCidades, a CEF, os governos local e federal, a iniciativa privada, Rede Procel/Eletrobrás e a FAU-UFRJ. O projeto foi desenvolvido pela Rede de Habitação da FAU-UFRJ é constituída pelo Laboratório de Habitação + Forma Urbana do PROURB (Programa de Pós Graduação em Urbanismo FAU-UFRJ), e pelo Laboratório de Habitação LabHab do PROARQ (Programa de Pós Graduação em Arquitetura FAU-UFRJ). FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O projeto parte do resgate do discurso do final do CIAM (Team X) nos anos 1950, de uma crítica ao movimento moderno e seus dogmas, e uma busca por uma arquitetura e urbanismo que dia-

logassem mais com a estrutura urbana existente. Estes arquitetos pregavam uma abordagem mais voltada para a vitalidade e a qualidade do projeto, feito a partir de diferentes escalas de associação. Contribuições posteriores de Nan Ellin, Herman Hertzberger, Oscar Newman e Jan Gehl foram consideradas como referência dos projetos elaborados. O Team X1 defendia em seus manifestos a Identidade como meios de expressar uma relação vital do ser humano com o lugar que pertence; os Padrões de Associação como maneira de projetar, considerando as diferentes escalas de apropriação e intervenção; a Mobilidade com vias de hierarquias diferentes, resultando uma permeabilidade da vitalidade em todo o bairro; o Cluster como forma de organização de um grupo de moradias, de modo que os espaços intermediários dessas unidades habitacionais pudessem ser controlados por seus moradores. Ainda na década de 1950, Jane Jacobs, Aldo Rossi, Christopher Alexander, Kevin Lynch, chamavam a atenção para a necessidade de projetos de renovação de áreas habitacionais degradadas, baseados em parâmetros como permeabilidade, diversidade de usos e tipologias, baixa altura/alta densidade (BAAD), hierarquia de espaços verdes, inserção de equipamentos públicos para promover a convivência dos moradores, participação comunitária, transportes públicos de qualidade, um desenho urbano que promova a vitalidade do espaço público e a inserção com o entorno e a segurança a partir do controle do espaço público feito pelos usuários. Oscar Newman ( 1972:9), em Defensible Space trabalha com a ideia que o crime seria inibido através da criação de espaços urbanos seguros. Quatro elementos atuam

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1

O casal

Peter e Alison Smithson e os representantes do grupo de jovens arquitetos da delegação inglesa, junto com o grupo MARS, foram os responsáveis pela organização do CIAM 10 em Dubrovnik, em 1953. Os jovens arquitetos se juntaram a J.B.Bakema e Aldo van Eyck, da Holanda, e Candillis, da Grécia, formando um grupo (Team X) que compartilhava as mesmas ideias baseadas nas associações humanas que estavam tendo muita repercussão devido às críticas da sociedade ao modelo de cidade funcional.


individualmente e em conjunto, e contribuem para criação de meio ambientes seguros:

nas proximidades, com farta oferta de comércio e facilidades.

- A definição territorial;

- Valorização dos espaços intermediários, criando limites claros entre público e privado.

Nesta primeira proposta adotamos a implantação dos blocos nas laterais de forma a gerar pequenos espaços intermediários entre os blocos, e uma praça mais ampla central ao empreendimento. Na frente do terreno, foi proposto um edifício misto com comércio virado para a rua no pavimento térreo e apartamentos de sala-e-quarto nos andares superiores, e assim privilegiando as menores unidades pela proximidade com a rua principal. A ideia foi o incremento de densidade ao empreendimento e o resgate da variedade de tipos de unidades habitacionais e de usos.

A partir do referencial teórico e do contexto, destacamos um repertório de boas práticas projetuais e parâmetros trabalhados nos projetos do Protótipo Minha Casa+Sustentável:

Foram elaborados quatro projetos até chegar ao projeto final que é fruto de várias restrições colocadas pela legislação, seja municipal seja federal, que podem ser resumidas da seguinte maneira:

- Limites e controle de acesso bem estabelecidos a partir de um bom desenho urbano;

- Como a Rua São Diniz ainda não é reconhecida pela Prefeitura do RJ, sua utilização como segunda frente de entrada ao terreno foi vetada na aprovação junto à prefeitura.

- A posição das janelas dos apartamentos; - A adoção das formas do edifício; - O reforço da segurança, localizando empreendimentos residenciais em áreas urbanas funcionalmente ativas.

- A qualidade dos espaços públicos; - O melhor aproveitamento dos espaços intermediários dos edifícios; - A possibilidade de flexibilizar a planta para a adequação de cada morador; - O uso misto dentro dos conjuntos habitacionais para criar maior vitalidade dos espaços públicos, e com isso maior segurança e controle; - Uma composição volumétrica que preveja a variedade de tipologias e no tecido urbano; - Uma implantação associada à melhor insolação e ventilação; - O paisagismo como elemento de conexão dos edifícios e de qualificação dos empreendimentos habitacionais, criando praças e locais adequados para a convivência. PROTÓTIPO MINHA CASA+SUSTENTÁVEL DO RIO DE JANEIRO O terreno do protótipo do Rio de Janeiro está localizado na Rua Frei Caneca, com 17m de largura e 146m de profundidade no Catumbi, bairro central, histórico e tradicional de moradia popular, com importantes instituições e instalações da Prefeitura

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- A colocação do comércio no pavimento térreo com unidades habitacionais sobre a mesma edificação não é permitida pela Caixa Econômica Federal, - As unidades de sala-e-quarto não foram permitidas devido à restrição da lei federal para PMCMV, que exige unidade mínima de dois quartos, - Exigência de uma rua para acesso de veículos com 7 m de largura. A proposta final resultou em dois blocos residenciais multifamiliares, alinhados de um único lado do terreno. Mesmo com todas as mudanças, a premissa inicial de espaços comuns de convivência de qualidade conseguiu ser mantida. Entende-se que o acesso de veículos será usado eventualmente apenas para carga e descarga e acessibilidade. Protótipo Minha Casa+Sustentável de Lauro de Freitas, BA. É um terreno situado na Rua Dejanira Maria Bastos s/n, borda urbana de Lauro de Freitas, BA, zona de expansão residencial da cidade de Salvador. A leitura do local indica a necessidade de reforçar o contato entre o empreendimento e a cidade colocando na frente do terreno, na via principal, atividades de lazer e comerciais capazes de fazer a interface entre a nova área habitacional e o


resto do tecido urbano, preservando o interior do terreno para o uso habitacional, que requer calma e silêncio. No caso da Bahia, diferentemente do Protótipo do Rio de Janeiro, é premissa do município que todas as ruas abertas, internas aos empreendimentos MCMV, são vias públicas de livre circulação. É importante destacar que a manutenção da mesma caberá à prefeitura local e não aos moradores. Grande parte da produção atual do programa PMCMV convive com problemas de toda ordem, desde a difícil gestão condominial, a falta de controle visual e social sobre espaços residuais, a dificuldade de incorporação de unidades comerciais até a falta de diversidade nos blocos edificados. Na BA a implantação dos blocos H, tanto a orientação solar como a direção dos ventos não estavam sendo levadas em consideração. A planta-tipo dos blocos H seguia o padrão difundido em inúmeros empreendimentos do MCMV por todo o país. As áreas livres resultantes desta implantação foram considerados os primeiros pontos a serem alterados para o projeto do protótipo da Bahia. DIRETRIZES: - Rever o desenho viário de modo a configurar quadras, adequando-o ao terreno e respeitando suas características, e definindo lote independente para a área comercial; - Projetar outros tipos de bloco habitacional, que permitam configurar áreas livres comuns de qualidade e que possibilitem a apropriação dos moradores; - “Explodir” o bloco H configurando novas tipologias do grupo de edifícios, e uma melhor apropriação dos espaços externos; - Não alterar apartamento-tipo do projeto original e o sistema estrutural em paredes de concreto do projeto original, mesmo isto engessando a flexibilidade interna do apartamento, pois o objetivo era viabilizar a replicabilidade da tipologia; - Procurar maior variedade de apartamentos incluindo os de três quartos na proposta. O desenho viário da nova proposta teve a intenção de dividir o terreno em quadras que permitem uma gestão condominial mais direta do empreendimento, com uma rua central de conexão aberta à cidade

e com a rua transversal na direção leste buscando uma possível conexão com a via existente da favela vizinha, pensando num futuro processo de urbanização. A principal área de lazer, com quadra de esportes, antes no interior do empreendimento, e a nova área comercial foram locadas na frente do terreno, de forma a gerar dinâmica urbana à rua e área de integração na vizinhança. Além da principal área de lazer, que agora assumia o caráter público, cada uma das quadras teria uma área central de lazer adequada para crianças pequenas e idosos com dificuldade de locomoção. Esta configuração de quadras, somente é possível com a modificação do bloco H. Adotamos a “explosão” do bloco H, abrindo a circulação comum e transformando-o em bloco L e em blocos lineares, que têm a peculiaridade de não apenas contribuir para a configuração do espaço externo, mas também serem mais adequados em termos de conforto ambiental e de eficiência energética, permitindo colocá-los de acordo com o melhor aproveitamento dos ventos dominantes vindos do mar. Tivemos o cuidado de ajustar o projeto à topografia do terreno, evitando assim grandes movimentos de terra. Nossa primeira proposta conseguiu implantar 410 unidades habitacionais, sendo 328 de dois quartos e 82 de três quartos, cerca de 15% a mais que o projeto original da construtora, além da inclusão de área comercial e com ganho substancial em termos de áreas livres. CONSIDERAÇÕES FINAIS: - Como resultado da experiência do projeto do Protótipo Minha Casa+Sustentável podemos apontar a necessidade de aumentar a conexão entre pesquisas e o conhecimento dos laboratórios de habitação e a cadeia produtiva da construção civil, com isso poder disseminar o as boas práticas do desenho urbano em assentamentos habitacionais. - Quebrar o paradigma das implantações homogêneas de tipologias dos blocos H, desenvolver um repertório de ferramentas de projeto capazes de ampliar a disseminação de ideias e fazer melhor aproveitamento dos espaços intermediários. - Estudar diferentes tipologias de maneira que sua implantação possa ter uma melhor orientação solar e melhor conforto ambiental para as unidades habitacionais; - Buscar compreender o método construtivo de maneira a criar a partir da modulação uma composição volumétrica diversificada.

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- Disseminar a valorização da rua pública como espaço de convivência e vitalidade do tecido urbano, em contrapartida a modelo de condomínios fechados. - Criar limites claros entre espaços públicos e privados, e privilegiar a hierarquia de espaços verdes, de maneira que o usuário sinta que tem a responsabilidade pela utilização e manutenção daquele espaço. - Determinar áreas para comércio e equipamentos sociais dentro da estrutura dos assentamentos, evitando o uso monofuncional. Procurar fazer uma caracterização urbana que minimize os impactos da inserção do novo empreendimento na estrutura do bairro. - Determinar percentuais de sombreamento obrigatórios nas fachadas para contribuir no conforto ambiental e eficiência energética. Estudar elementos de proteção de fachadas e esquadrias buscando maior eficiência energética da construção.

BIBLIOGRAFIA: ELLIN, Nan. Integral Urbanism. Routledge Group. New York, 2006. GEHL, Jan. Life Between Buildings. Using Public Space.IslandPress. 2011.(©1936) HERTZBERGER, Herman. Lições de arquitetura. São Paulo: Martins Fontes, 1996. JACOBS, Jane. Morte e Vida das Grandes Cidades. Tradução: Carlos S. Mendes Rosa. Martins Fontes. São Paulo, 2000. ISBN 85-336-1218-4 MUMFORD, Eric. The CIAM Discourse on Urbanism, 1928-1960. The MIT Press. Cambridge, Massachusets. London. 2000 NEWMAN, Oscar.Defensible Spaces. Crime Prevention Through Urban Design. Macmillan Publishing Co. N.Y. 1972. RISSELADA, Max and,HEUVEL, Dirk van den. Team 10 1953-81 in search of a Utopia of the present. NAi Publishers, Rotterdam,2005 ISBN 90-5662-471-7 SMITHSON, Alison + Peter. Urban Structuring. Studies of Alison & Peter Smithson. Studio Vista. London, 1967

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(fig.01) Primeira proposta: perspectiva e implantação. (fig.02) Perspectiva das áreas comuns.

(fig.03) Proposta final: perspectiva e implantação

(fig.04) Comparação: projeto Construtora JotaNunes X Rede Habitação.

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(fig.05) Comparação: projeto Construtora JotaNunes X Rede Habitação. (fig.06) Quadras com áreas de lazer.

(fig.07) Explosão do bloco H.

(fig.08) Proposta final.

MARIA LÚCIA PECLY mlpecly@gmail.com Maria Lucia Pecly tem extensa experiência em projetos urbanos, tendo desenvolvido o Plano de Reabilitação e Ocupação dos Imóveis do Governo do Estado do RJ para HIS. Ambos desenvolvem pesquisa de qualidade dos projetos do programa MCMV. PABLO BENETTI benettipablo@gmail.com

SOLANGE CARVALHO solange@fau.ufrj.br

Pablo Benetti é coordenador do Laboratório de Habitação e Forma Urbana do PROURB/FAU-UFRJ. Premiado com louvor no Concurso Morar Carioca e no Favela Bairro. Desenvolveu mais de vinte projetos de urbanização de favelas.

Solange Carvalho atua em projetos em favelas e de HIS, destacando os PAC-Favelas Rocinha e Cantagalo/Pavão/Pavãozinho, e o Morar Carioca Verde, projeto-piloto em sustentabilidade nas favelas Babilônia e Chapéu Mangueira.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Simone B. Villa | Gabriela O. Bertuluci | Juliano C. C. Oliveira Batista. | Urberlândia, Brasil

ESTRATÉGIAS DE ADENSAMENTO HORIZONTAL E VERTICAL E SUSTENTABILIDADE PARA HABITAÇÃO SOCIAL: A experiência do projeto Mora

RESUMO A baixa qualidade da produção de Habitação de Interesse Social (HIS) ofertada no Brasil é um tema presente em várias discussões e pesquisas atuais. Nesse contexto, o presente artigo pretende apontar reflexões sobre a ampliação da qualidade da produção do programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) através da continuação da experiência do projeto MORA [2]1. Tem como objetivo o aprimoramento da proposta projetual MORA [1]2, cujo mote principal é o da inovação tecnológica a partir da flexibilidade espacial, da sustentabilidade dos materiais e dos sistemas. A metodologia de trabalho foi baseada nas seguintes abordagens: (i) Síntese e análise dos resultados obtidos com o MORA [1] e o MORA [2]; (ii) pesquisa sobre a evolução da quadra, a sua relação com a habitação coletiva e formas de adensamento horizontal e vertical; (iii) desenvolvimento de proposta projetual MORA [2] para adensamento horizontal e vertical a partir do aprimoramento da proposta MORA [1], com estudo das possíveis configurações, avaliando sua qualidade e viabilidade de construção a partir de novos sistemas construtivos e soluções técnicas inovadoras e, (iv) no desenvolvimento de sistemas sustentáveis para o projeto MORA [2]. Palavras-chave: Habitação de Interesse Social (HIS), Inovação Tecnológica, Programa Minha Casa Minha Vida, Qualidade da Habitação, Flexibilidade.

1 – INTRODUÇÃO: O PROBLEMA DA HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL (HIS) NO BRASIL CONTEMPORÂNEO. Pesquisas indicam que existe uma grande necessidade de revisão dos modelos propostos de habitação de interesse social. Salvo algumas raras exceções, os conjuntos habitacionais espalhados por todo o Brasil possuem baixíssima qualidade espacial, além da ausência da qualidade tecnológica e construtiva3. A grande maioria das soluções propostas considera precariamente as reais necessidades dos moradores, assim como seu ciclo de vida4. A produção de habitação social no Brasil nunca esteve tão em alta como nos últimos anos. Isso se dá principalmente pela política habitacional desenvolvida pelo Governo Federal representada pelo programa Minha Casa Minha Vida. Entretanto, analisando o cenário atual, percebe-se que o programa possui falhas nos projetos bem como na sua implantação nas cidades. O desenho da habitação com interesse social no Brasil permanece praticamente o mesmo há décadas, apenas com variações de cunho construtivo alternativos, sem que, contudo, a função e a articulação dos espaços de habitar sejam sequer questionadas. Fatores como a diminuição no número de membros, a consequente alteração de papéis com a redistribuição da autoridade ou mesmo a falta de consenso sobre quem realmente é o chefe, o aumento no número de mães trabalhando fora, a independência cada vez mais acentuada de seus membros, entre outros, indicam fortemente a necessidade de revisão dos modelos tradicionais de morar 5 6.

1 Projeto de Pesquisa intitulado “MORA [2] Proposta de Inovação Tecnológica para Habitação de Interesse Social: Unidade Residencial de Baixo Custo sob a Ótica da Flexibilidade Espacial” financiado pelo PIBIT-CNPQ, desenvolvido no [MORA] pesquisa em habitação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia (FAUeD-UFU). 2

Projeto de

Pesquisa intitulado “MORA [1] Elaboração, Construção e Verificação de Unidade Habitacional de Baixo Custo sob a Ótica da Flexibilidade”, financiado pelos órgãos FAPEMIG (Demanda Universal 20102012), PIBIC-CNPq, PIBICFAPEMIG, PROGRAD-UFU, PROPP-UFU, desenvolvido no [MORA] pesquisa em habitação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia (FAUeD-UFU).

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3 AMORE, Caio Santo, et. al. (org.) (2015). Minha casa... e a cidade? Avaliação do programa Minha Casa Minha Vida em seis estados brasileiros. Rio de Janeiro: Letra Capital. 4 VILLA, S. B. et al (2015). Relatório de Atividades: Proposição de Avaliação Pós-Ocupação em unidades habitacionais (UHs) pertencentes à primeira fase do PMCMV

A baixa qualidade espacial, tanto do ponto de vista da implantação urbana como das tipologias ofertadas das unidades habitacionais destinadas às classes menos favorecidas no Brasil, têm sido amplamente abordadas e discutidas por vários pesquisadores brasileiros 7 8 9. O quadro geográfico da localização de HIS em áreas urbanas indica uma situação de abandono da população trabalhadora mais pobre nas franjas periféricas das grandes cidades brasileiras. Além de, ao lado destes grandes conjuntos que se formam nas periferias das cidades, a solução da ocupação pura e simples de glebas vazias e os loteamentos clandestinos continuarem até hoje a responder à maior parte da demanda habitacional dos excluídos do sistema 10 11.

na cidade de Uberlândia, pertencentes à primeira fase do PMCMV, enfocando aspectos funcionais, comportamentais e ambientais. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional – PNPD, FAUeD/UFU. 5 PALERMO, C. (2009) Sustentabilidade social do habitar. Florianópolis: Ed. da Autora. p.17. 6 VILLA, S. B. (2010) A APO como elemento norteador de práticas de projeto de HIS. O caso do projeto [MORA]. In: CIHEL 2010 – 1.º CONGRESSO INTERNACIONAL HABITAÇÃO NO ESPAÇO LUSÓFONO, Lisboa – Portugal. 7 ROLNIK, R.; KLINK, J. (2011) Crescimento Econômico e Desenvolvimento Urbano. Novos Estudos. 89: 89-109 p. 8 MARICATO, E. (1999) Habitação e desenvolvimento urbano: O desafio da próxima década. In: LABHAB, FAUUSP, São Paulo. 9

As rápidas e constantes mudanças ambientais, tecnológicas, sociais, econômicas, políticas e institucionais que estão acontecendo no país, exigem que os setores público e privado busquem, cada vez mais, uma maior sintonia entre os rumos da sociedade e a elaboração de estratégias para os novos desafios ao seu desenvolvimento. É nesse contexto que se insere a importância dos trabalhos realizados no grupo de pesquisa MORA, ao discutir, a partir da experiência metodológica desenvolvida para as pesquisas intituladas MORA [1] e MORA [2], novas formas de morar - alternativas ao tradicional modelo tripartido, que se adaptem melhor aos diferentes perfis e problemáticas familiares existentes, seja por meio da flexibilização de espaços e usos ou de soluções de inserção urbana mais adequadas. 2 – O PROJETO MORA [2] E SUAS ESTRATÉGIAS DE SUSTENTABILIDADE 2.1 – O PROJETO Buscando desenvolver e aprimorar as propostas iniciadas na pesquisa MORA [1] foram feitas uma série de estudos, experimentações e adequações gerando as alternativas de moradia horizontal e vertical MORA [2]. Esta proposta consiste na elaboração, construção e verificação de projeto de unidade habitacional, destinada às famílias com renda entre 3 a 5 salários mínimos, considerando a diversidade de modos de vida da sociedade atual, seus usos e relações com o espaço habitável. O conceito principal da proposta é a flexibilidade da habitação no seu sentido mais amplo: espacial-funcional, dos elementos constitutivos, da sustentabilidade dos materiais e dos sistemas. As propostas foram pensadas como um sistema habitacional, capaz de gerar possibilidades a partir de um embrião básico, podendo ser ampliado e/ou alterado com facilidade, com uma área inicial de 56

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m² na unidade isolada com um dormitório ou 50 m² na menor unidade do edifício, com dois dormitórios (superiores ao convencional). Há previsão de área flexível para sala, estudo, estar e jantar, assim como área de serviço, cozinha e banheiro tripartido, o que potencializa sua funcionalidade. (fig. 01). Baseado na constatação de que a maioria das unidades habitacionais sofre intervenções (ampliações e reformas) já no primeiro ano de vida, o embrião MORA [2] poderá se expandir para os fundos e também para frente - através da previsão de dois radiers – garantindo uma variedade de unidades através destas possibilidades. Na parte posterior poderá ser construído um escritório, um espaço flexível ou um novo dormitório, aumentando assim a capacidade de moradores da unidade. No embrião, poderão morar pessoas sozinhas, casais ou irmãos e amigos que dividem o mesmo dormitório. Com tal expansão, a área sobe para 72 m² e a capacidade aumenta de duas para quatro pessoas, como uma família composta por casal mais dois filhos, por exemplo. Já a expansão para a frente do lote poderá ser utilizada como área para um espaço comercial ou mesmo como extensão da própria sala. O embrião com a área das duas expansões soma cerca de 86 m². A partir de conceitos funcionais e programáticos similares, foi desenvolvida uma proposta vertical (edifício multifamiliar) do projeto, com uma organização sistemática das unidades favorecendo diferentes formatos de pavimento-tipo, garantindo maior adaptabilidade a diferentes sítios (fig. 02) 2.2 – SISTEMA CONSTRUTIVO O Light Steel Frame, sistema construtivo com perfis leves de aço, continuou a ser utilizado na proposta MORA [2] vertical e horizontal. De processo industrializado e sem etapas de concretagem, é um sistema flexível, que permite fácil expansão e colocação de instalações elétricas e hidráulicas. Sendo uma construção a seco, gera uma proporção muito menor de entulho, e, aliado ao uso de maquinário simples, reduz o impacto ambiental no local da construção. Estas placas servirão como base para a modulação da estrutura e espaço interno do projeto, com o objetivo de facilitar sua construção através da rápida montagem devido à precisão e padronização de encaixes e interfaces entre peças e outros materiais. Com base na ideia de flexibilidade e racionalidade defendida pelo projeto, os painéis de vedação para a estrutura metálica são desenvolvidos de forma que se adaptem as necessidades do espaço e orientação em que a construção estará inserida.


2.3 – SISTEMAS SUSTENTÁVEIS Um dos objetivos deste trabalho foi a escolha de materiais, sistemas construtivos e estratégias sustentáveis tanto das unidades, quanto de sua implantação na cidade, considerando todo o ciclo de vida das edificações. A primeira estratégia sustentável do projeto MORA [2] foi o próprio sistema construtivo Steel Frame. A segunda estratégia adotada foi a inserção de placas solares e fotovoltaicas nas unidades habitacionais. Para predimensioná-las, foi feita uma simulação no simulador Solar do Instituto Ideal12, que realiza cálculos preliminares a partir de dados como localização do terreno e consumo médio da residência. A localização escolhida para a simulação foi o bairro Shopping Park (Uberlândia-MG), bairro onde existem centenas de casas construídas pelo programa Minha Casa Minha Vida. De acordo com o relatório gerado pelo simulador Solar, o dados de localização e consumo médio informados indicam um sistema fotovoltaico de cerca de 1,2 kWp de potência, gerando 1.692kWh por ano e evitando a emissão de 494Kg de CO2 por ano. A área ocupada pelo sistema seria de 8 a 10m² com inclinação de 19º. O projeto MORA [2] também prevê um telhado verde na área da cozinha e da lavanderia. Foram pesquisadas opções de telhado verde disponíveis no mercado e foi escolhido o Sistema Modular Alveolar Leve da empresa Ecotelhado13. Além disso, foram mantidos no aprimoramento da proposta componentes que possibilitam o baixo consumo de água como válvula de descarga com dispositivo de acionamento seletivo e dispositivo de controle de vazão e dispersão do jato de água (arejadores, pulverizadores, prolongadores, etc.). Foi adotado também um sistema subterrâneo de reaproveitamento das águas cinzas. Neste sistema a água que é descartada pela máquina de lavar, tanque, lavatório e chuveiro é encaminhada para um sistema subterrâneo que filtra, armazena e reaproveita a água na descarga do vaso sanitário e na lavagem dos pisos (fig. 04). Tais sistemas também foram possíveis no edifício vertical, visto sua extensa área de cobertura e a presença de shafts para as instalações hidrossanitárias. Também fazem parte das estratégias sustentáveis do projeto, no caso da unidade térrea, com implantação em lote convencional de 10x25 m, o incentivo à manutenção das áreas permeáveis, com o plantio de árvores frutíferas e a definição de áreas para a implantação de pequenas hortas urbanas

(fig. 05). No edifício vertical, a implantação também prevê a reserva de áreas verdes, garantindo a permeabilidade do solo e um desenho mais humanizado das áreas coletivas. (fig. 06) 3 – ADENSAMENTO HORIZONTAL E VERTICAL Para esta etapa do projeto MORA [2], a ideia foi realizar adensamento horizontal e vertical, através da abertura da quadra e da extinção dos lotes. A problemática de habitação social coletiva está ligada com a densidade e crescimento das cidades, por isso a relação com o espaço urbano é um item importante a ser considerado quando o objetivo é realizar uma real transformação na forma de morar. A proposta baseou-se no argumento em favor do adensamento visando a melhor utilização dos serviços urbanos (água, esgoto, energia, transportes, equipamentos, etc.)14. Buscou-se, a partir dos trabalhos de avaliação pós-ocupação e pré-projeto15 elencados neste artigo, solucionar problemas frequentes. Entretanto os conjuntos habitacionais verticais de interesse social que frequentemente são construídos no país possuem uma série de problemas, como a falta de iluminação e ventilação em grande parte dos apartamentos, devido à altura e à proximidade dos blocos assim como à sua má orientação em relação ao sol. Conjuntos habitacionais verticais tradicionais possuem visadas restritas e pouca privacidade principalmente nos blocos centrais, cercados por outros blocos. As áreas térreas coletivas são pouco utilizadas e possuem pouco controle pelos moradores e os custos de manutenção condominial são altos além de apresentarem paisagens urbanas monótonas e desarticuladas. A partir disso buscou-se o adensamento horizontal da proposta procurando miniminar os problemas citados anteriormente, como também pelo fato do brasileiro ser muito ligado à casa térrea, por uma questão cultural, especialmente em cidades pequenas e médias. Este tipo de adensamento pode resultar em espaços de boa qualidade de moradia e ainda favorecer o desenvolvimento de uma cidade mais compacta, com uma ocupação do solo, infraestrutura e serviços públicos mais racionalizados. As implantações nas quadras tradicionais em geral são de baixa qualidade, suas áreas públicas se limitam às calçadas, que muitas das vezes são estreitas e não existe preocupação com a sustentabilidade.

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ROLNIK, R. (Org.) (2010) – Como produzir moradia bem localizada com recursos do programa minha casa minha vida?: implementando os instrumentos do Estatuto da Cidade. Brasília: Ministério das Cidades, 2010. 10 FERREIRA, J. S. W. (2005) A cidade para poucos: breve história da propriedade urbana no Brasil Simpósio “Interfaces das representações urbanas em tempos de globalização”, UNESP Bauru e SESC Bauru, 21 a 26 de agosto de 2005. Anais, 2005. p. 1-20. 11 AMORE, Caio Santo, et. al. (org.) (2015). Op cit. 12 Encontrado no site http://www. americadosol.org/. 13 “[...] o Ecotelhado difere dos sistemas convencionais de terra ou substrato por focar na armazenagem da água da chuva e reciclagem de águas cinzas e ou negras do próprio prédio. O Ecotelhado pode ser classificado como um sistema semihidropônico. Ele evita o acumulo desnecessário de sobrepeso gerado através do uso de substrato ou terra ao armazenar água na própria laje, embaixo da vegetação. É necessário ter uma impermeabilização de PVC, específica para telhados verdes, onde há a total proteção anti-raízes.” Ecotelhado, 2015. Ecotelhado. [Online] Disponível em: https://ecotelhado.com/ portfolio/ecotelhado/sistemamodular-alveolar-leve [Acesso em 16 outubro 2015].


14

Afinal, ao manter um padrão de implantação de casas isoladas

KASUYO, N. (2015) Densidade

em lotes localizados em áreas distantes, tal produção impõe um

demográfica e verticalização na

modelo de circulação e mobilidade dependente do transporte

produção imobiliária recente no

automotor, bem como exige a criação de uma série de infraes-

município de São Paulo. In: 3

truturas (vias de ligação, transporte coletivo, equipamentos

CHIEL – Congresso Internacional

educacionais e de saúde, entre outras). A combinação desses

de Habitação no Espaço

fatores potencializa os efeitos negativos das mudanças cli-

Lusófono, 2015, São Paulo.

máticas, em função da alta taxa de impermeabilização do solo

Anais do 3 CHIEL – Congresso

gerada e do uso de fontes energéticas ineficientes.16

Internacional de Habitação no Espaço Lusófono. São Paulo: FAU-USP. 15 MONTANER J. M., MUXÍ Z., ZULIN F. & CORADIN R. (2012) ‘Instrumentos de Avaliação de Projetos’ in França E. & Costa K.P. (ed.), 2012. Do Plano ao Projeto: Novos Bairros e Habitação Social em São Paulo. São Paulo, Secretaria Municipal de Habitação, pp. 253-313.

16 VILLA, S.B. ; OLIVEIRA, J.C.C.B. ; SARAMAGO, R. (2013) Respostas ao problema habitacional brasileiro. O caso do projeto MORA. In: 2º CONGRESSO INTERNACIONAL DA HABITAÇÃO NO ESPAÇO LUSÓFONO (CIHEL), 2013, Lisboa. Habitação, Cidade, Território e Desenvolvimento. 2º CONGRESSO INTERNACIONAL DA HABITAÇÃO NO ESPAÇO LUSÓFONO (CIHEL). Lisboa: Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC). v. 1. p. 186-187. 17 VILLA, S. B. et al (2014). A habitação social redesenhando a cidade: o caso da cidade de Uberlândia-Brasil. In: PLURIS – 6º CONGRESSO LUSO-BRASILEIRO PARA O PLANEAMENTO URBANO, REGIONAL, INTEGRADO E SUSTENTÁVEL.

A revisão dos modelos tradicionais de implantação na quadra se faz necessária, por isso foram feitas algumas sugestões de implantação alternativas. No caso das casas térreas, tomou-se como base duas quadras tradicionais separadas por uma rua, com 30 lotes cada quadra. Foram feitas 3 opções alternativas de implantação, todas com a mesma área das quadras tradicionais, mas transformadas em uma quadra apenas, que possui uma via interna com pavimento semipermeável, num total de 18.000 m². A primeira opção possui lotes tradicionais de 10x25 m e uma praça interna, onde o número de casas diminui em relação à implantação tradicional, mas a qualidade é maior pois existe uma área pública e permeável. A segunda e terceira opções estão em modelo de vila, que parte da extinção dos lotes, por isso as unidades geminadas são implantadas de forma mais livre no terreno, respeitando afastamentos mínimos, que neste caso são de 5,20 m de afastamento lateral e 6 m de afastamento entre os fundos para a primeira opção. Na segunda opção, são 5,20 m de afastamento lateral e 3 m entre os fundos. A diferença entre estas duas opções é a disposição das casas no terreno, que em uma é feita de forma linear, e na outra de forma alternada. Foi considerada “área comum” (coletiva) toda a área não particular e que não seja destinada a circulação de carros ou pedestres (fig. 07). No adensamento vertical, o piso térreo dos edifícios propostos busca se qualificar com a presença de unidades comerciais e unidades de habitação acessíveis, garantindo vitalidade e integração com a cidade. A quadra sai do usual modelo fortificado, com fronteiras muito definidas, buscando uma diluição dos espaços coletivos no tecido da cidade. O uso constante do térreo garante a presença de “olhos vigilantes” em bairros cada vez mais murados. Um mínimo de áreas coletivas nos pavimentos tipo garante uma adequada relação entre área construída e área do terreno. São cerca de 550 pessoas por m², através de uma média de 52

Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, v. 1. p. 2602-2614.

431

unidades de habitação em terrenos com cerca de 2.500 m² (Fig. 08). Esta medida procura garantir a viabilidade do empreendimento não apenas em áreas periféricas, mas também em setores consolidados da cidade, com preço da terra mais elevado.17 CONSIDERAÇÕES FINAIS Embora o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) tenha conseguido, até o momento, destinar recursos e construir moradias de interesse social para uma grande parcela da população brasileira, justamente em função dos investimentos despendidos e do significativo número de unidades edificadas, torna-se necessário discutir a qualidade de tal produção. Conforme exposto, existem problemas quanto às soluções espaciais padronizadas que não atendem à demanda de diferentes famílias, aos materiais e sistemas construtivos de baixa qualidade empregados, para além das questões relacionadas com os impactos socioambientais resultantes dos grandes conjuntos monofuncionais implantados no país. Por outro lado, desde o ano de lançamento do Programa, em 2009, o grupo [MORA] – Pesquisa em Habitação vem desenvolvendo estudos e soluções que buscam se contrapor ao modelo instaurado, concebendo protótipos flexíveis e de menor impacto ambiental. Assim, para se garantir a viabilidade das propostas desenvolvidas, além do apoio em instrumentos de avaliação pós-ocupação e da análise de casos exemplares, o grupo tem-se apoiado na realização de estudos de adensamento – visando atingir uma também maior qualidade urbano-coletiva de projetos de HIS em Uberlândia/MG.


Fig. 01 – Acima: Planta da unidade embrião com 56 m². Abaixo: Planta da unidade expandida com 72 m². Proposta MORA [2] Horizontal. Fig.02 – Conjunto com as três unidades tipo do edifício vertical: os interiores em divisórias leves (em cinza) permitem a reconfiguração e adaptação a diferentes perfis familiares. Proposta MORA [2] Vertical. Fig. 04 – Corte DD com esquema de reaproveitamento de água. Proposta MORA [2] Horizontal.

Fig. 05 – Sugestão de implantação no lote de 10x25m. Proposta MORA[2] Horizontal.

Fig. 06 – Implantação do conjunto em ZEIS: valorização do contato com a rua através de afastamentos ajardinados, unidades comerciais e permeabilidade através da abertura da quadra – proposta MORA [2] Vertical.

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Fig. 07- Implantação tradicional e Implantações alternativas – proposta projetual MORA [2] Horizontal. Fig. 08 – Conjunto Vertical com 52 unidades de habitação e 04 espaços comerciais em lote de 2.800 m² proposta projetual MORA [2] Vertical.

SIMONE BARBOSA VILLA simonevilla@yahoo.com Doutora, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia. GABRIELA DE OLIVEIRA BERTULUCI gabriela_bertuluci@hotmail.com Graduanda, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia. JULIANO CARLOS CECÍLIO BATISTA OLIVEIRA julianooliveira.arq@gmail.com Mestre, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Geovani Rafael Batista | Rosângela Favero |Santa Catarina, Brasil ANÁLISE SOBRE A REALIDADE E PROPOSTAS DE MELHORIAS PARA AS CONDIÇÕES HABITACIONAIS DE XANXERÊ, SANTA CATARINA, BRASIL

O êxodo rural na década 1970 e os imigrantes, do Rio Grande do Sul, na década 1980 trouxeram para área urbana de Xanxerê um contingente que se instalou em locais impróprios para habitação. Este estudo apresenta dados de levantamentos de campo realizados no município de Xanxerê, referentes à demanda habitacional de interesse social, relacionadas a invasões e propõe alternativas para melhoria das condições através de realocação das famílias encontradas em áreas de risco ou locadas sobre vias e regularização fundiária e melhoria das habitações nos demais casos. O estudo revela que a falta ou equívoco no planejamento urbano, ausência de fiscalização e a adoção de um modelo americano de expansão infinita e sem critérios do perímetro urbano, juntamente com a especulação imobiliária geraram um cenário, no qual, mesmo com disponibilidade de programas habitacionais, há dificuldade de viabilizar habitações de interesse social. Foi constatado que devido alguns fatores como o encarecimento da terra e a falta de planejamento em médio prazo, nas trocas de administração, mesmo com parecer contrário dos técnicos, ressurge a insistência em fixar as famílias nas áreas de risco. Para buscar alternativas a estas dificuldades, neste artigo, também serão analisados os fatores que impedem a aplicação dos instrumentos previstos no Estatuto da Cidade e como estes poderiam auxiliar no cumprimento da função social da cidade e a repercussão da Lei Federal 12.608/2012, na ocupação de áreas de riscos, especificamente na área urbana de Xanxerê. Palavras-chave: Áreas de Risco; Realocação e Regularização; Estatuto da Cidade; Déficit Habitacional.

1. INTRODUÇÃO O município de Xanxerê, Santa Catarina, Brasil (580km da capital estadual Florianópolis) conta com aproximadamente 42.000habitantes. Segundo Plano Local de Habitação de Interesse Social – PLHIS, 90% da população reside na área urbana. Neste estudo objetiva-se apresentar dados de levantamentos realizados em Xanxerê, referente à demanda habitacional de interesse social, realizados através de visitas in loco por assistentes sociais, psicólogas, arquitetos, estagiários do setor público, para mapeamento das áreas ocupadas e de risco (maioria pertencentes à municipalidade), cadastramento da população, organizando-se lista de espera para habitações. Após coleta de dados, realizou-se orçamento, desenvolvimento de projeto e encaminhamentos a setores públicos estadual e federal para busca de verba e materialização dos mesmos. As áreas estudadas, invadidas ou parceladas irregularmente, tem histórico iniciado na década 1970, quando da inversão da população da área rural para urbana tendo prosseguimento na década 1980 com o contingente da população ecônomicamente carente migrante do interior do Rio Grande do Sul. O deficit habitacional das famílias cadastradas pelo setor de habitação em 2014 é 1864 casas, 117 apartamentos para famílias com renda de 0 a R$1.600,001 , 127 casas e 46 apartamentos para famílias com renda familiar entre R$ 1.600,00 e R$ 5.000,00. Consta no PLHIS que foram identificadas 2.750 moradias inadequadas ou com problemas de regularização fundiária, totalizando aproximadamente 4mil habitantes.

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1 Prestações limitadas a 5% da renda familiar mensal, com valor mínimo de R$ 25 mensais por 120 meses.


Realocação e regularização de parte das áreas fazem-se indispensáveis, tendo em vista dignidade humana e melhoria da qualidade de vida da população residente nestas áreas irregulares. Comprovadamente a maioria das famílias reside em sub-habitações dificultando convívio familiar, gerando problemas sociais que se refletem em toda área urbana. O preço elevado da terra no perímetro urbano e seu entorno, alimentado pela falta de aplicação de instrumentos do estatuto da Cidade, inexistência de política de propriedade urbana que cumpra sua função social, concentração de terra e imóveis em mãos de poucos, Conselho do Plano Diretor que atende interesses particulares, criam cenários que alimentam insistência em fixar a população nas áreas de risco ou inadequadas, e proposital falta de mapeamento destas áreas faz com que mesmo sofrendo frequentes inundações e realocação de sub-habitações, sejam cogitadas por cada nova administração receber melhorias, desconsiderando-se riscos.

Municípios como Xanxerê, com arrecadação justa para pagamento de despesas de manutenção, tem indisponibilidade de recursos para subsidiar diferença do preço do terreno e parte da infraestrutura. Como não há obrigatoriedade de destinação mínima de recursos o Fundo de Habitação normalmente está zerado; atualmente o orçamento anual da pasta da Habitação (R$180.000,00), está comprometido com pagamento de alugueis sociais determinados pelo MP (Ministério Público). Há indisponibilidade de verba para subsidiar o montante necessário para complementar o programa Minha Casa Minha Vida ou desapropriar área de terra pelo preço de mercado. 2. LEVANTAMENTO DE DADOS, HISTÓRICOS, PROPOSTAS Vila União - Projeto Moradia Segura I - Vila União; - Bairro dos Esportes, entre Rua Santa Terezinha e Rua José Moreschi;

A disponibilidade de linhas de credito como o “Projeto Minha Casa Minha Vida”, para renda familiar até R$1.600,00 não consegue viablizar implantação dos projetos de realocação de população em áreas de risco ou locais impróprios devido a terra, no perímetro urbano e entorno ser cara e a renda das famílias residentes serem inferior a dois salários mínimos.

- Coordenadas: Latitude 26º 51´ 50,70” Longitude 52º 24´ 01,40” Datum: WGS 84;

O programa atualmente existente ao qual o município (menos de 50 mil habitantes) tem acesso e atende familias com renda familiar inferior a R$ 1.600,00 é o Minha Casa Minha Vida, que oferece R$48.000,00 por unidade (lote e casa). O módulo mínimo para casal e filhos composto de sala, cozinha, banheiro e quarto tem área aproximada de 39,00m², custo mínimo de R$39.000,00, restando para muncipalidade R$9.000,00 para aquisição do terreno e implantação de parte da infrestrutura.

- Aspectos ambientais: Parte da área é inundável (APP do Rio Xanxerê). Como a área é úmida (várzea do Rio Xanxerê-solo preto com lençol aflorante) há baixa salubridade, grande incidência de moradores com doenças causadas por parasitas, baixa qualidade de vida.

O metro quadrado de terreno em Xanxerê, no limite do perímetro urbano, custa no mínimo R$200,00 (com infraestrutura). Os detentores de terra no município, próximo ao perímetro urbano, não vendem áreas por menos de R$100,00m², resultando no preço do lote de 200,00m² (sem infraestrutura), no mínimo R$20.000,00. Normalmente loteamentos sociais são transformados em ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) sendo redes de água e luz, conforme legislação, realizada sem custos pelas concessionárias, porém parte da infrestrutura necessita custeamento municipal.

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- Número habitações: 255; - Número aproximado pessoas: 1020; - Área aproximada: 43.943,05m² e lotes 181,92m²;

Histórico Apresenta 03 proprietários: parte sociedade (cujo prefeito em 1970 fazia parte), outra parte Prefeitura, parte sob rede de alta tensão (Eletrosul). Área caracterizada como ZEIS. Situa-se no centro de área alagadiça, com o Rio Xanxerê ao lado. População residente encontra-se em área de conflito fundiário urbano. Em 1970, a grande inversão da população, principalmente cabocla, expulsa da área rural, a área foi indicada para os migrantes. Num primeiro momento, casas foram construídas com materiais de baixa qualidade, com o passar do tempo foram substituídos por alvenaria.


Como a área apresenta lençol freático aflorante, há ocorrência de infiltração de matéria orgânica proveniente de fossas negras, havendo grande percentual de crianças com sarna e verminoses, sendo considerado o local do município com maior incidência de ambas. As moradias, são extremamente adensadas, com vielas entre as mesmas, não sendo possível o acesso de carros de serviços de emergências. Por recomendação da Defesa Civil, casas próximas ao Rio Xanxerê, devem ser removidas, e o interior desadensado, permitindo segurança e salubridade aos moradores. Edificações estão em área de parcelamento irregular e área de risco. A Promotoria Pública de Xanxerê encaminhou recomendação as concessionárias de água e energia, assim a concessionária de energia (Iguaçu Energia) e de água potável (CASAN), não efetuam novas ligações e no caso de não pagamento e corte, não efetuam religações (Estas recomendações também foram encaminhadas e atribuídas aos demais casos que serão apresentados). Quando as famílias forem realocadas as moradias deverão ser destruídas. Áreas desocupadas deverão ter projeto de reconstituição de mata ciliar. Proposta Aquisição área com aproximadamente 34.100,00m², viabilizando 130 lotes de 200,00m²; Implantação de Abastecimento de rede de água e energia, drenagem pluvial e pavimentação com pedra. Produção habitacional de 255 unidades de aproximadamente 42,00m², divididas em 02 dormitórios, banheiro, sala e cozinha conjugada (possibilidade de ampliação chegando a 100,00m²), servida por sistema de tratamento de efluente doméstico individual e fechado (tanque séptico, filtro, sumidouro). - Estimativa de Investimento por unidade (lote urbanizado mais casa): R$ 70.000,00; - Investimento: R$ 15.975.000,00. Bairro Santa Cruz I - Projeto Moradia Segura II – Bairro Santa Cruz; - Bairro Santa Cruz, entre Rua Santos Basei e Batista Fabrício – Chácaras 176 e 177 e Parte da chácara 173; - Coordenadas: Latitude 26º 53´ 23,87” Longitude 52º 24´ 21,51”Datum: WGS 84;

- Número habitações: 157; - Número aproximado pessoas: 628; - Área aproximada: 36.245,30 m² e lotes 138,51m²; Aspectos ambientais: área apresenta riscos de deslizamentos de matacões, inclinação acentuada e patamares pequenos. População em risco constante. Esgoto a céu aberto; além da acentuada inclinação a área apresenta roxas aflorantes dificultando a construção de sistema individual de esgotamento sanitário. Histórico Em 1980 famílias que residiam em barracos junto a BR-282 foram removidas pela municipalidade para este local. Por este motivo popularmente a área é denominado como “Bairro da prefeitura”. Área caracterizada como ZEIS. Situada em região dobrada, apresenta declividade superior a 30% e vários locais superiores a 45% (APP), com perspectivas de deslizamentos. Algumas residências foram removidas a pedido da Defesa Civil e frequentemente a municipalidade precisa impedir o início de novas construções ou ampliações por estarem em local de risco. Devido à área apresentar risco de deslizamentos, ter inclinação acentuada e patamares pequenos, possibilitando construções em quase todos os casos somente sobre pilotis e ser área de APP em grande extensão, técnicos da Prefeitura e Defesa Civil sugerem remoção das famílias, sendo mais barata e segura do que medidas estruturais que propiciem segurança para construção de casas no local. Declividade acentuada não permite abertura de ruas transversais (existe somente uma em sentido longitudinal), acesso às moradias através de carreiros e escadarias precários. Após desocupação, há necessidade de demolição das moradias e transformação da área em hortas, áreas de lazer. Proposta - Aquisição área com aproximadamente 42.500,00m² viabilizando 157 lotes de 200,00m²; - Implantação de Abastecimento de rede de água e energia, drenagem pluvial, pavimentação com pedra; - 157 unidades de aproximadamente 42,00m²,

436


divididas em 02 dormitórios, banheiro, sala e cozinha conjugada (com possibilidade de ampliação chegando a 100,00m²), servida por sistema de tratamento de efluente doméstico individual e fechado (tanque séptico, filtro, sumidouro).

- Investimento: R$ 4.200.000,00.

- Estimativa de Investimento por unidade (lote urbanizado e residência): R$ 70.000,00;

- Bairro Nossa Senhora de Lourdes, Rua Silvério Paludo;

- Investimento: R$ 10.990.000,00.

- Coordenadas geográficas: Latitude 26º 51´ 31” Longitude 52º 24´ 08,31” Datum: WGS 84;

Bairro Santa Cruz II

Bairro Nossa Senhora de Lourdes - Projeto Moradia Legal I – Bairro Nossa Senhora de Lourdes;

- Projeto Moradia Segura III – Bairro Santo Dias;

- Número habitações: 36;

- Bairro Santa Cruz, entre Rua Virgilio Ortiz e Rua Santos Basei – Chácaras 181 e 182;

- Número aproximado pessoas: 144;

- Coordenadas: Latitude 26º53´19,26”Longitude 52º24´14,63” Datum: WGS 84; - Número habitações: 60; - Número aproximado pessoas: 240; - Área aproximada: 25.461,18 m² e lotes 275,82m²; - Aspectos ambientais: área apresenta riscos de deslizamentos, inclinação acentuada e patamares pequenos; declividade não permite construção de ruas transversais. Esgoto a céu aberto; além da acentuada inclinação a área apresenta roxas aflorantes dificultando construção de sistema individual de esgotamento sanitário. Histórico Congénere ao projeto Moradia Segura III – Bairro Santa Cruz I. Proposta - Aquisição área com aproximadamente 16.200,00m² viabilizando 60 lotes de 200,00m²; - Implantação de Abastecimento de rede de água e energia, drenagem pluvial e pavimentação com pedra. - 60 unidades de aproximadamente 42,00m², divididas em 02 dormitórios, banheiro, sala e cozinha conjugada (com possibilidade de ampliação chegando a 100,00m²), servida por sistema de tratamento de efluente doméstico individual e fechado (tanque séptico, filtro, sumidouro). - Estimativa de Investimento por unidade (lote urbanizado e residência): R$ 70.000,00;

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- Área aproximada: 6.367,80 m² e lotes 176,88m²; - Aspectos ambientais: Barracão edificado sobre área de APP, casa edificada sobre APP, esgoto a céu aberto. Histórico Em 1990, administração elaborou contratos de comodato permitindo que pessoas instalassem-se sobre parte da Rua Silverio Paludo em quatro quadras. Em 2006 um loteamento foi aprovado na área, porém os proprietários dos lotes individuais não têm acesso aos mesmos, pois a Rua Silverio Paludo está invadida (MP notificou a Prefeitura para tomar providencias para retirar as casas da Rua dando acesso aos lotes). Proposta - Aquisição área com aproximadamente 9.720,00m² viabilizando 36 lotes de 200,00m²; - Implantação de Abastecimento de rede de água e energia, drenagem pluvial, pavimentação com pedra; - 36 unidades de aproximadamente 42,00m², divididas em 02 dormitórios, banheiro, sala e cozinha conjugada (possibilidade de ampliação chegando a 100m²), servida por sistema de tratamento de efluente doméstico individual e fechado (tanque séptico, filtro, sumidouro); - Estimativa de Investimento por unidade (lote urbanizado e residência): R$ 70.000,00; - Investimento: R$ 2.520.000,00.


Bairro João Winckler - Projeto Moradia Legal II – Bairro João Winckler;

energia elétrica, precariamente, com perceptíveis riscos de contaminação e incêndios.

- Rua Minas Gerais e Av. H (entre Ruas Minas Gerais e Guanabara);

Em relação à questão socioeconômica, as famílias trabalham no setor informal como diaristas, safristas e catadores, renda média familiar de R$ 690,00 mensais; renda baixa, não garante suprimento das necessidades básicas, assim não conseguem ter acesso à habitação de qualidade.

- Coordenadas: Latitude 26º 52´ 38,85” Longitude 52º 22´ 24,84” Datum: WGS 84 - Número habitações: 14; - Número aproximado pessoas: 56; - Área aproximada: 2.017,27m² e lotes 144,09m²; - Aspectos área: Invasão de ruas de acesso ao aeroporto de Xanxerê. Histórico Em 2000, um candidato a vereador do município construiu uma casa e vendeu. Com a ação do candidato em questão, outras famílias iniciaram construções de moradias na área, ao longo do tempo foram sendo aumentadas. Moradores, que edificaram nesta área, foram notificados e o processo encaminhado à assessoria jurídica da Prefeitura. População residente em invasão de via pública, com parcelamento clandestino de área pública sem possibilidade de licenciamento, sendo necessário o reassentamento das famílias. Proposta - Aquisição área com aproximadamente 3.780,00m², viabilizando 14 lotes de 200,00m²; - Implantação de rede de água e energia, drenagem pluvial, pavimentação com pedra; - 14 unidades de aproximadamente 42,00m², divididas em 02 dormitórios, banheiro, sala e cozinha conjugada (com possibilidade de ampliação chegando a 100,00m²), servida por sistema de tratamento de efluente doméstico individual e fechado (tanque séptico, filtro, sumidouro); - Estimativa de Investimento por unidade (lote urbanizado e residência): R$ 70.000,00; - Investimento: R$ 980.000,00. Cenário Revelado, Justificativa dos Orçamentos Verificou-se unidades habitacionais, em sua maioria, constituindo-se sub-habitações com esgoto a céu aberto; apresentam instalações de água potável e

Orçamentos para realocação ou construção desconsideraram habitações coletivas devido o valor dos imóveis, pois a renda familiar, não permite área construída superior a 42,00m². Maioria das famílias inscritas tem mais de dois filhos, sendo reduzida área dos apartamentos, preferem-se unidades isoladas, permitindo ampliação ao longo do tempo. Lotes com 200m², foram considerados tendo como respaldo demais conjuntos habitacionais de Xanxerê. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A inversão das porcentagens da população rural brasileira para urbana em poucas décadas gerou um inchaço sem planejamento diminuindo a qualidade de vida dos habitantes. Em Xanxerê obrigou os menos favorecidos economicamente a ocuparem áreas de risco e vias, com permissão e até incentivo do poder público e a inexistência de dados arquivados comprova o descaso com o qual estas áreas foram tratadas pelo poder público durante décadas. Para amenizar a problemática habitacional no município faz-se necessário vencer empecilhos criados pela especulação imobiliária, alimentados pela inércia do poder público e oligarquia xanxerense. Valores liberados pelo Minha Casa Minha Vida para municipios com menos de 50 mil habitantes, sem estoque de terra, são insuficientes para custear lote e casa. Deveria haver obrigatoriamente percentual mensal ou anual mínimo destinado ao Fundo de Habitação municipais atrelando sua utilização a compra de área para execução de projetos habitacionais. Mesmo havendo aprovação do Plano Diretor com audiência pública, continua servindo interesses individuais, persistindo não cumprimento da função social das propriedades. Audiências públicas, realizadas sem capacitação da população prevista na resolução 25/2005 do Ministério das Cidades, não viabilizam controle social.

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Instrumentos do Estatuto da Cidade que poderiam auxiliar no cumprimento da função social da cidade não estão regulamentados no Plano Diretor de Xanxerê. Como no Estatuto da Cidade não há prazo limite para regulamentação o MP não tem como cobrar aplicação. A lei 12.608 de 2012, complementando o Estatuto da Cidade, busca mitigar desastres concebidos pela ocupação humana errônea. A fiscalização e responsabilização de técnicos e gestores em relação à ocupação de áreas sujeitas a emergências, desastres e loteadores clandestinos é crucial para que o número de desastres de concepção social diminua, bem como os prejuízos econômicos e número de vítimas, colaborando para melhora na qualidade de vida nas áreas urbanas brasileiras. Conclui-se que em Xanxerê, e outros municípios brasileiros, não é a falta de projetos que impede a diminuição do deficit habitacional. Há uma série de fatores que dificultam esta redução como falta de uma política que regulamente e permita aplicação dos instrumentos do Estatuto da Cidade, Conselho da Cidade que não defenda intertesses dos atores da especulação imobiliária, legislação que coiba expansão do perimetro urbano indefinidamente, sem planejamento para extensão do tecido urbano, encarecendo as propriedades mesmo longe do centro da cidade.

REFERÊNCIAS BRASIL (Câmara dos Deputados). Estatuto da cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Câmara dos Deputados: Brasília. 2001. BRASIL. Lei 12.608, de 10 de abril de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Senado, 1998. PLHIS. Plano Local de Habitação de Interesse Social. PMX e IBAM, Xanxerê, 2011.

Agradecimentos à Rosângela Favero.

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FIGURA 1: Vila União. Delimitação área de estudo. Rio Xanxerê em transborda. Moradores deixando suas casas. Fonte: Google Earth, 2004. Arquivo Corpo de Bombeiros, 2011.

FIGURA 2: Santa Cruz parte baixa. Delimitação área de estudo. Casas em risco. Casa sendo construída. Fonte: Google Earth, 2004. Rosângela Favero, 2008/2012.

FIGURA 3: Santa Cruz parte alta. Delimitação área de estudo. Viela para trânsito de moradores. Moradias no local. Fonte: Google Earth. 2004. Rosângela Favero, 2012.

FIGURA 4: Invasão Rua Silvério Paludo. Delimitação da área de estudo. Via ocupada por moradias. Construção em APP Rio Xanxerê. Fonte: Google Earth, 2004. Geovani Rafael Batista, 2013.

FIGURA 5: Invasão da Avenida H. Fonte: Google Earth, 2004. Geovani Rafael Batista, 2013.

440


GEOVANI RAFAEL BATISTA geovanirafaelbatista@gmail.com Arquiteto e Urbanista

ROSÂNGELA FAVERO Arquiteta e Urbanista

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Alexandre Fabiano Benvenutti | São Paulo, Brasil REVITALIZAÇÃO DO CENTRO: Preservação do patrimônio histórico, infraestrutura e espaço público

O presente artigo analisa as propostas de “revitalização” urbana implementadas na área central de Curitiba no decorrer na década de 1970. Promovidos a partir de diversos pretextos, como a preservação do patrimônio, a “valorização” da identidade local, bem como a otimização da infraestrutura para proporcionar o desenvolvimento econômico e a melhoria da qualidade de vida da população, os planos de intervenção ganharam relevância e estímulo dentro de uma dinâmica marcada também pela ascensão de interesses comerciais e imobiliários. Considerando tal contexto, serão analisados os impactos dessas propostas no espaço público e nas relações de sociabilidade dos usuários da cidade. O Plano Diretor de Curitiba de 1966, instituído pela Lei 2.828, em 31/07/1966, definiu e orientou o planejamento urbano da capital paranaense a partir das seguintes diretrizes básicas: estrutura de planejamento integrado, desenvolvimento urbano no eixo nordeste-sudoeste, hierarquia das vias de circulação, crescimento linear do centro principal servido por vias tangenciais de circulação rápida, caracterização dos espaços de uso exclusivo para pedestres, adequação e ampliação das áreas verdes, renovação urbana, preservação histórico-tradicional e a constituição de uma paisagem específica para Curitiba. (IPPUC, 1966, p.51).1 Após o processo de institucionalização no Plano Diretor, teve início a etapa de detalhamento, trabalho realizado ao longo da década de 1960 pelo Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba – IPPUC.

A execução das obras ocorreu a partir de 1971, iniciando um período de intensas atividades de intervenção no espaço urbano, com a concretização de grandes projetos que definiram a paisagem e o futuro crescimento da cidade. Dentro do conjunto de obras realizadas, especificamente, na região central, destacaram-se a implantação de espaços exclusivos para pedestres, a remodelação dos principais logradouros e a “revitalização” do Setor Histórico. O processo pioneiro de “pedestrianização” foi iniciado em abril de 1966, quando a Travessa Oliveira Belo, pequeno trecho localizado entre a Rua Luiz Xavier e a Praça Zacarias, foi fechada à circulação de veículos. A execução da obra foi concluída e entregue ao público em setembro do mesmo ano, constituindo-se na primeira área exclusiva de pedestre da cidade. (FARACO, 2002, p. 154).2 Mas foi a partir de 1972 que ocorreu a ação decisiva no sentido de promover a expansão e a consolidação desses espaços, tendo como ponto de partida o histórico fechamento da Rua XV de Novembro em 19 de maio de 1972. A escolha da data e do horário, estrategicamente planejada, final de tarde de uma sexta-feira, impediu que comerciantes insatisfeitos “impetrassem mandado de segurança contra a prefeitura” (Menezes, 1996, p.92) 3, garantindo tempo suficiente aos trabalhos de calçamento na rua com “petit-pavé”, a colocação de floreiras e árvores. (O Estado do Paraná, 21/05/1972).4

1 IPPUC. (1966) Plano Diretor de Curitiba 1966: processo no 91/1966. Curitiba: IPPUC. 2 Faraco, Jose Luiz. (2002). Planejamento urbano no Paraná: a experiência de Curitiba. Tese Doutorado (Arquitetura e Urbanismo), FAUUSP, São Paulo. 3 Menezes, Claudino Luiz. (1996). Desenvolvimento urbano e meio ambiente: a experiência de Curitiba. Campinas: Papirus. 4 Eis como ficará a XV. (1972, Maio 21). O Estado do Paraná. p. 08. 5 Sanchez, Fernanda Ester. (1997). Cidade espetáculo: política, planejamento e city marketing. Curitiba: Palavra.

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6 Eixo do turismo. (1972, Julho 27). O Estado do Paraná. 7 IPPUC. (1974). Plano de Recreação. Curitiba: IPPUC. 8 Prefeitura deixa bairros na mão. (1973, Abril 18). Gazeta do Povo, p.06. 9 Prefeitura Municipal de Curitiba. (1971). Decreto Municipal no 1160, de 05 de agosto de 1971. Dispondo sobre o setor histórico de Curitiba. Curitiba: Prefeitura Municipal de Curitiba.

O projeto previa a supressão da circulação de automóveis e a transformação da referida via em amplo calçadão, com implantação de nova pavimentação, equipamentos destinados ao lazer e à convivência, além da arborização e jardins. A proposta encontrou forte resistência de muitos proprietários de estabelecimentos comerciais, insatisfeitos com a imposição do projeto e a falta de consulta pública, assim como também manifestavam receios quanto à possível diminuição do movimento de clientes. Após superar os momentos iniciais mais críticos da disputa envolvendo administração municipal e comerciantes opostos à ideia do calçadão, os quais logo perceberam as vantagens da intensa movimentação que passou a ocorrer em frente às lojas e vitrines, a prefeitura dedicou esforços para a expansão do projeto aos diversos logradouros da área central. Dentro do plano de espaços exclusivos para pedestres, o calçadão da Rua XV de Novembro transformou-se em um dos principais “símbolos da modernidade emergente” (Sanchez, 1997, p.31).5 A sua constituição e perpetuação enquanto símbolo não foi resultado apenas da “criatividade” ou da aceitação passiva da coletividade. Como representava o projeto que efetivamente inaugurou um período de sucessivas intervenções, o plano e seus resultados foram continuamente divulgados através dos meios de comunicação, buscando convencer a população dos benefícios das demais transformações urbanas em andamento. As preocupações em proporcionar espaços adequados ao desenvolvimento comercial, estavam sintonizadas com as expectativas do setor hoteleiro e turístico, que constantemente reclamava através da imprensa a falta de pontos referenciais de “atrações à cidade para conter o visitante por mais de uma noite” e exigia investimentos para inserir Curitiba no chamado Eixo de Turismo “que liga as grandes cidades do Prata às principais capitais brasileiras” (O Estado do Paraná, 27/07/1972, p.06).6 Praças e logradouros receberam atenção especial da prefeitura. O programa de “revitalização” das praças consistia na remodelação e complementação, promovendo significativos melhoramentos no que se refere aos acessos, circulação, segurança, pavimentação, iluminação, arborização e instalação de equipamentos para esporte.

443

O Plano de Recreação de 1974 mencionava como objetivo “dotar a cidade de aparelhos necessários para uma adequada ocupação do tempo livre de seus habitantes, criando novas opções de ordem recreativa e cultural” (IPPUC, 1974, p.01).7 As propostas para o “espaço organizado de recreação” compreendiam Ruas de Recreio, Largos e Praças, Núcleos Ambientais, Pontos de Encontro, Centros Recreativos Educacionais Integrados, Centros Esportivos, Convênios com Clubes, Áreas Verdes e Parques, direcionadas tanto para o centro como para os bairros da capital. Apesar das novas praças adaptadas ao “lazer moderno” totalizarem um número considerável, esses novos espaços de convivência não necessariamente convergiam com as necessidades ou expectativas de muitos usuários ou mesmo de parte da população: Prefeitura deixa bairros “na mão” O centro está se aperfeiçoando, ficando cada dia mais bonito, com obras sensacionais; mas os bairros estão abandonados, um vexame! (...) O problema da Rua Eurípedes Garcez do Nascimento reflete, na realidade, um problema geral, que atinge todos os bairros da cidade. Quem transita, por exemplo, pelo Portão, Vila Hauer, Vila Fanny, Vila Camargo, Vila Oficinas, Capanema, Uberaba e outros, chega, por vezes, a duvidar da existência de uma prefeitura. (Gazeta do Povo, 18/04/1973, p.06).8

O descontentamento ou o desinteresse em relação às novas possibilidades de lazer e entretenimento no centro, não representou, propriamente, um posicionamento contrário aos melhoramentos, mas revelava que, na lista de prioridades, também figuravam outras questões igualmente importantes para os bairros mais pobres, como o serviço de água potável, sistema de esgotos, limpeza pública, educação, segurança, transporte entre outras. Entre os estudos voltados à elaboração de propostas concernentes à preservação do patrimônio histórico, destacou-se o Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba. As proposições presentes neste documento antecedem o Decreto Municipal nº 1.160/19719, o qual, de fato, delimitou oficialmente o “Setor Histórico”, localizado entre o Bairro São Francisco e o centro tradicional.


A proposta apresentada ao público versava sobre “revitalizar” e “integrar” estes espaços à vida urbana, beneficiando, na perspectiva dos idealizadores do projeto, usuários e turistas. Entre as medidas de preservação propostas destacavam-se: classificação das edificações (unidades monumento, unidades de acompanhamento e unidades incaracterísticas), orientações técnicas para restauração, tombamento de edificações, incentivos fiscais como a isenção de impostos municipais à recuperação e preservação das edificações, isenção de impostos às atividades comerciais que contribuíssem com a promoção das unidades de preservação e o financiamento dos trabalhos de restauração (IPPUC, 1970).10 O plano também evidenciava intenções relacionadas ao controle das práticas sociais. Através de um zoneamento rigoroso, seria possível não apenas monitorar as edificações antigas e as novas construções, mas controlar o espaço, estimulando “usos compatíveis“ (IPPUC, 1970, p.35)11, restringindo determinadas práticas não condizentes com o perfil econômico do novo público consumidor. Para Theodore, Peck e Brenner (2009)12, as políticas contemporâneas de requalificação urbana buscam “movilizar espacios de la ciudad tanto para el crecimiento económico orientado al mercado, como para las prácticas de consumo de las elites, asegurando al mismo tiempo el orden y el control de las poblaciones excluidas“ (p. 08). Nesse sentido, as considerações direcionadas ao turista como o “principal usuário dos bens preservados” (IPPUC, 1970, p.01) também significou privilegiar o consumidor, ao invés do cidadão e do usuário da cidade, reforçando o controle do espaço público na área do “Setor Histórico”, desqualificando e desestimulando práticas populares e usos espontâneos desvinculados dos interesses turísticos e comerciais. A seleção de espaços “representativos” da história também foi importante para conferir uma nova identidade à cidade, particularmente relacionada com o “padrão de vida urbano” voltado “às novas camadas médias detentoras de capital cultural e simbólico” (Sanchez, 1997, p. 91)13, imagem que passou a ser utilizada à divulgação da cidade no âmbito nacional e internacional nas décadas seguintes. Simultâneo às transformações urbanas na área central e no “Setor Histórico”, determinadas normas

foram elaboradas e reforçadas para garantir o controle do espaço público. O Decreto Municipal no 163614, de 31 de dezembro de 1971, estabeleceu uma área “terminantemente proibida à atividade do comércio ambulante de qualquer natureza”. O perímetro estabelecido pela Prefeitura Municipal envolvia a região central “revitalizada”, a Rua XV de Novembro, as áreas livres para pedestres e parte do Setor Histórico, constituindo-se uma nítida tentativa por parte das autoridades de controlar a população pobre e disciplinar os usos do espaço público:

10 IPPUC. (1970). Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba. Curitiba: IPPUC. 11 IPPUC. (1970). Plano de Revitalização do Setor Histórico de Curitiba. Curitiba: IPPUC. 12

A Prefeitura Municipal de Curitiba, de um momento para outro

Theodore, Nick; Peck,

resolveu abrir fogo contra todos os tipos de comerciantes am-

Jamie; Brenner, Neil.

bulantes de Curitiba, usando a justificativa de “tornar a cidade

(2009). Urbanismo

mais limpa e mais humana”.

neoliberal: la ciudad y el império de los mercados.

Adotou como lema a frase “quem quiser comerciar que se

Temas Sociales, (66),

estabeleça” e começou a cassar as licenças de vendedores de

01-11.

lanches, banqueiros, e mais recentemente vendedores de caldo de cana, dando-lhes o prazo até o dia 16 de maio próximo

13

para se estabelecerem ou mudarem de ramo. (Gazeta do Povo,

Sanchez, Fernanda

23/04/1974).15

Ester. (1997). Cidade

Para a frustração das autoridades, as medidas aplicadas não obtiveram o resultado esperado. Nos anos posteriores à instituição do referido decreto, jornais relatavam a presença constante de vendedores ambulantes na área proibida, além de conflitos envolvendo trabalhadores e fiscais da prefeitura. A insistência dos trabalhadores ambulantes em utilizar livremente o espaço público recebeu, inclusive, apoio por parte da população. As atividades desenvolvidas pelos vendedores de revistas também foram alvo de atenção por parte da fiscalização. De acordo com a imprensa, as tentativas de controle da administração municipal sobre o comércio de revistas iniciaram-se em 1971, relacionadas com dois decretos, respectivamente, Decreto Municipal no 1221/1971 de 08/08/1971 e Decreto Municipal no 1428/71 de 29/10/1971, enfatizando regras para disciplinar os pontos de venda e instituir um modelo de banca padrão para todos os vendedores; medidas que a municipalidade considerava como necessárias para proporcionar “aspecto condizente com a estética da cidade” (Gazeta do Povo, 18/05/1973).16 Ao contrário do que a prefeitura argumentava, os “banqueiros” não criticavam a padronização, mas a forma como o processo estava sendo conduzido, desconsiderando a opinião e a experiência dos próprios trabalhadores e comerciantes envolvidos

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espetáculo: política, planejamento e city marketing. Curitiba: Palavra. 14 Prefeitura Municipal de Curitiba. (1971). Decreto Municipal no 1636, de 31 de dezembro de 1971. Estabelece nova delimitação da área proibida para atividade do Comércio Ambulante. Diário Oficial – Atos do Município de Curitiba, 31/12/1971, p.07. Curitiba: Diário Oficial. 15 Prefeitura deseja terminar com todo tipo de comércio ambulante. (1974, Abril 23). Gazeta do Povo. 16 Bancas deixam centro da cidade. (1973, Maio 18). Gazeta do Povo.


17 Prefeitura nega o diálogo com banqueiros. (1974, Maio 31). Gazeta do Povo. 18 Mendigos assolam as ruas da cidade. (1973, Agosto 11). Gazeta do Povo, p. 06. 19

com tais práticas, enfatizando ainda que o preço elevado dificultava a aquisição do novo modelo. (Gazeta do Povo, 31/05/1974).17 Além da fiscalização sobre vendedores ambulantes e de revistas, a imprensa também registrou posicionamentos e manifestações contrários à presença da população pobre na área central. Para os segmentos favoráveis ao rigoroso controle sobre o espaço público, as contradições e as desigualdades sociais representariam um “quadro esteticamente negativo” ao cenário do convívio voltado ao consumo:

Janoschka, Michael. (2011). Geografías

De tempos em tempo Curitiba é assolada por uma onda de

urbanas en la era del

mendigos que invade as ruas centrais, praças, bares e restau-

neoliberalismo: Una

rantes, pedindo esmolas e implorando um prato de comida e,

conceptualización de la

quando não, revirando as latas de lixo à cata de alimentos...

resistencia local a través

quadro esteticamente negativo. (Gazeta do Povo, 11/08/1973,

de la participación y

p.06).18

la ciudadanía urbana. Investigaciones Geográficas, Boletín del Instituto de Geografía UNAM, (76), 118-132. 20 Albuquerque, Aline Figueiredo de. (2007). A questão habitacional em Curitiba: o enigma da “cidade - modelo”. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo), FAUUSP, São Paulo. 21 Albuquerque, Aline Figueiredo de. (2007). A questão habitacional em Curitiba: o enigma da “cidade - modelo”. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo), FAUUSP, São Paulo. 22 O Desfavelamento em Curitiba. (1976, Março, 10). Gazeta do Povo. 23 Boletim Casa Romário Martins. (2006). COHAB-CT: 41 anos de planejamento e

De acordo com Janoschka (2011) 19, as transformações espaciais empreendidas para adequar as cidades às necessidades do mercado promovem o enfraquecimento do próprio espaço público, impondo normas e padrões de sociabilidade condizentes com o consumo e os interesses de grupos privados, ao mesmo tempo que promoveram a exclusão social, a criminalização dos usos e das práticas não condizentes com as novas dinâmicas econômicas. Além da infraestrutura disponibilizada pelo Estado e dos novos critérios definidos para a ocupação e uso do solo, a produção imobiliária de mercado também foi beneficiada pela imagem da “cidade humana”. Acompanhando a realização dos grandes projetos urbanos, o setor imobiliário atuou no sentido de diferenciar seus produtos, articulando discursos diretamente relacionados ou que aludiam à ideia de “humanização” do espaço urbano, diferenciando seus “novos” empreendimentos justamente por estarem localizados nas proximidades ou inseridos em áreas com infraestrutura pública como, por exemplo, parques, praças revitalizadas, áreas de lazer, serviços de transporte de massa, rede de abastecimento de água, sistema de esgotos, pavimentação entre outros. Em relação às políticas de habitação desenvolvidas em Curitiba, Albuquerque (2007, p.70)20 destaca que nas décadas de 1960 e 1970 predominaram, em grande parte, propostas voltadas à remoção ou deslocamento das favelas, enquanto que, na década de 1980, privilegiou-se a urbanização dos núcleos de favelas.

realizações. Curitiba: Fundação Cultural de Curitiba.

445

A denominada Política Habitacional do Município de Curitiba (1964), enfatizava a necessidade de construir conjuntos habitacionais, tendo como exemplo dessas preocupações o projeto da Vila Nossa Senhora da Luz dos Pinhais, inaugurado em 1967. Já a Política de Erradicação das Favelas do Município de Curitiba (1968), caracterizou-se pela ênfase em disponibilizar “habitação transitória”, cujo argumento central baseava-se na ideia de “prover a progressiva integração dos favelados em um ambiente urbano” (ALBUQUERQUE, 2007, p.73).21 Posteriormente, em 1976, foi desenvolvido o Plano de Desfavelamento, recebendo ampla divulgação local e nacional. De acordo com a imprensa, a experiência piloto iniciou em abril de 1976, envolvendo as favelas do Capanema, Afonsinho e Britânia, totalizando 376 “barracos”. Pela proposta, os moradores foram “relocados”, ou seja, transferidos para outras áreas ou bairros, recebendo, ao mesmo tempo, uma casa com área inicial 22 metros quadrados, também chamada de “embrião”, disposta em terreno de 200 metros quadrados; ofertados mediante “pagamento mensal total... de Cr$105,00, sendo que 80 pela casa e 25 pelo terreno” (GAZETA DO POVO, 10/03/1976, p.03). 22 O programa da Companhia de Habitação Popular de Curitiba – COHAB-CT, atendia Curitiba e municípios integrantes da Região Metropolitana, mas a instituição também concretizou empreendimentos em Paranaguá, município localizado no litoral. Em Curitiba, durante o período compreendido desde 1967 até o ano de 1984, a COHAB-CT implantou 26.862 unidades, correspondendo 10.508 apartamentos, 13.616 casas e 2.738 lotes. (BOLETIM CASA ROMÁRIO MARTINS, 2006).23 Parte considerável dessas unidades foram implantadas em bairros distantes do centro e, geralmente, próximos ou em direção aos limites do município. O “desenvolvimento urbano” e o “progresso”, exemplificados pela concretização dos “espaços humanizados”, contrastava com a situação “lastimável” dos bairros pobres, favelas e de vários empreendimentos da COHAB-CT. Através da seção jornalística Coluna do Leitor, publicada diariamente pela Gazeta do Povo ao longo das décadas de 1970 e 1980, usuários da cidade e moradores de áreas excluídas dos melhoramentos urbanos, relataram, continuamente, o descaso das administrações municipais, a falta de rede de abas-


tecimento de água, a inexistência de sistema de esgotos, ausência de pavimentação, de áreas de verdes e de lazer, bem como a precariedade dos serviços de limpeza, transporte coletivo, energia elétrica entre outros. O processo de transformação espacial implementado em Curitiba na década de 1970 e nos primeiros anos de 1980 caracterizou-se, simultaneamente, como complexo e contraditório. Pautado pelo discurso institucional em defesa do fortalecimento do espaço público, dos espaços de convivência entre os cidadãos, da preservação da identidade social e histórica da cidade, a implantação dos projetos foi acompanhada por intenções e tentativas de controlar os usos e as práticas sociais nesses mesmos espaços “revitalizados”. As propostas para a “humanização” da cidade resultaram na disponibilização de infraestrutura, equipamentos de lazer e na realização de importantes melhoramentos urbanos. Porém, os valores manifestados no referido contexto também revelam a predominância de interesses privados no desenvolvimento do centro, os quais repercutiram para a constituição de um espaço contrastante, marcado pelos conflitos, resistências e pela desigualdade social.

446


ALEXANDRE FABIANO BENVENUTTI alexandre.benvenutti@usp.br Arquiteto e Urbanista pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), mestrado pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (FAUUSP). Atualmente, integrando o programa de doutorado, desenvolve pesquisa sobre espaço público, equipamentos urbanos, infraestrutura e planejamento urbano em Curitiba no período entre as décadas de 1970 e 1990. Durante o Semestre 2014/1 foi monitor da disciplina Fundamentos Sociais da Arquitetura e do Urbanismo II (Departamento de História da Arquitetura e Estética do Projeto da FAUUSP). Atividades atuais: doutorando pela FAUUSP e bolsista da CAPES.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Tainá Silva Melo | Maceió, Brasil OS EMPREENDIMENTOS RESIDENCIAIS FECHADOS DO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA: Fronteiras à (e/ou espaços de) sociabilidade da cidade contemporânea?

INTRODUÇÃO O espaço urbano se apresenta como locus principal das relações sociais. Nesses espaços, estão contidos o privado e o público, os indivíduos e a sociedade e as suas contradições. Na cidade contemporânea, essas contradições aparecem nos ambientes construídos para a existência privada de grupos sociais diferentes, bem como, no encontro inevitável desses grupos nos espaços de uso comum. Isto quer dizer, na coexistência, por exemplo, de bairros luxuosos e favelas. Os momentos de encontro inevitáveis de grupos sociais diferentes não significam necessariamente uma interação entre eles, ao contrário, muitas vezes, esses momentos são marcados por fronteiras “invisíveis” que se manifestam por meio do preconceito, medo, incômodo, constrangimento, etc.. Tais fronteiras são construídas coletivamente, e, segundo Arantes1, estas fronteiras simbólicas fazem com que “ruas, praças e monumentos transformem-se em suportes físicos de significações compartilhadas”. Somam-se a essas fronteiras “invisíveis”, os muros, cercas, guaritas e vigilantes (fronteiras visíveis) que se difundem cada vez mais na dinâmica urbana, separando-se social e espacialmente os diferentes, segregando e fragmentando a cidade. As fronteiras visíveis se multiplicam nos espaços privativos, com o modelo de condomínios residenciais fechados, que se popularizam frente ao aumento da violência. No interior desses condomínios são criados novos espaços de uso coletivo, porém restrito, que podem assumir funções de espaços “públicos” e assim, talvez, dar origem a novas formas de sociabilidade.

No Brasil, a “propagação” dos condomínios fechados ganhou um novo “fôlego”, após o lançamento do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV), em 2009, pois aquele tipo de empreendimento tem sido um dos modelos mais comuns adotados pelas construtoras, uma vez que tem um forte apelo mercadológico, oferecendo “exclusividade” e “segurança” com espaços “protegidos” com muros e guaritas. O presente trabalho reflete sobre a situação desse tipo de empreendimento na cidade de Maceió, Alagoas, especialmente após o lançamento do PMCMV e sobre a relação desses empreendimentos com a dinâmica urbana e social. A metodologia do trabalho foi composta pelas seguintes etapas: i) Levantamento bibliográfico; ii) Levantamento de dados sobre empreendimentos habitacionais financiados pelo PMCMV em Maceió; iii) sistematização e análise dos dados. Inicialmente, procura-se demonstrar a situação dos condomínios fechados em três bairros localizados em uma mesma área da cidade de Maceió. Em seguida, reflete-se sobre a relação entre os condomínios fechados e a redução dos espaços e/ou momentos “públicos” na cidade atual. O PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA E A DIFUSÃO DOS CONDOMÍNIOS RESIDENCIAIS FECHADOS EM MACEIÓ, AL. O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) foi instituído pela Lei Federal 11.977 de 7 de julho de 2009, em uma conjuntura de aquecimento do mercado interno e renovação da política nacional

448


1

ARANTES,

Antonio A. A guerra dos lugares: Sobre fronteiras simbólicas e liminaridades no espaço urbano. IN: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n°. 23. Rio de Janeiro: IPHAN, 1994. p.191-201. 2 BRASIL, Governo Federal; CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. Minha Casa, Minha Vida: cartilha completa. Brasília, 2012. Disponível em: www. cidades.gov.br. 3 Ministério das Cidades, 2015. 4 FERREIRA, João S. W. (Coord.) Produzir Casas ou Construir Cidades? Desafios para um novo Brasil urbano. São Paulo: LABHAB/FUPAM, 2012. 5 Prefeitura Municipal de Maceió, Superintendência Municipal de Controle e Convívio Urbano, 2015.

de habitação, com a finalidade de “criar mecanismos de incentivo à produção e aquisição de novas unidades habitacionais ou requalificação de imóveis urbanos e produção ou reforma de habitações rurais, para famílias com renda mensal de até R$ 4.650,00 (quatro mil, seiscentos e cinquenta reais)”. Esse programa foi concebido como uma das medidas do governo brasileiro de reação à crise econômica de 2008. Desde então, tem sido a principal ação da política habitacional brasileira e contribuído para uma reestruturação urbana.

Antares, Cidade Universitária e Benedito Bentes, que somam um total de 18.264 (dezoito mil duzentas e sessenta e quatro) unidades habitacionais (68% das UH totais para o segmento econômico).5 (Fig.01).

A meta inicial do programa era de construir um milhão de moradias para famílias com renda mensal de até 10 salários mínimos (SM). Os benefícios foram definidos segundo 3 faixas de renda: 0 a 3 SM – subsídio integral; 3 a 6 SM – subsídio parcial; 6 a 10 SM – redução dos custos do seguro. Em 2012, foi lançada a segunda fase do programa, com a meta de construção de 2 milhões de casas para famílias com renda mensal de até R$ 5.000,00 (cinco mil reais), divididas em: 2 grupos de renda: i) habitação de interesse social - HIS (até R$1600,00 de renda familiar bruta por mês) ii) segmento econômico (de R$1600,00 até R$5000,00).2

Como se pode ver no quadro 01, a maior parte dos condomínios (67%) são formados por blocos verticais (com ou sem elevador) e suas áreas de lazer são compostas por (no mínimo): salão de festa, churrasqueira e espaço para recreação infantil. Em relação às unidades habitacionais presentes nestes condomínios, semelhantemente ao que ocorre no restante do país (ver Ferreira, 2012), elas apresentam um dimensionamento reduzido, entre 40 e 65 m², considerando-se que o modelo principal é o de 2 ou 3 quartos, com possibilidade de comportar até 5 pessoas.

O resultado imediato após o lançamento do PMCMV foi o forte aquecimento do setor da construção civil para habitação. Em Maceió, Alagoas, por exemplo, segundo dados do Ministério das Cidades, até a presente data, haviam sido contratadas 38.922 (trinta e oito mil novecentas e vinte e duas) unidades habitacionais, 69% das quais, ou seja, 26.767 (vinte e seis mil setecentas e sessenta e sete) para o segmento econômico.3 O modelo principal dos empreendimentos que estão sendo produzidos para o segmento econômico são os condomínios residenciais fechados com áreas de lazer interna aos muros. De acordo com Ferreira4, esse modelo de espaços privativos, além de fragmentar o tecido urbano, limita o exercício da verdadeira urbanidade, ou seja, o convívio social entre diferentes. A concentração desses empreendimentos em uma mesma área da cidade, normalmente, nos bairros onde a terra é mais barata (mais carentes de infraestrutura urbana), contribui para a existência de uma malha urbana repleta de entraves à mobilidade e ao convívio social. Em Maceió, os empreendimentos se concentram nos bairros localizados na parte alta da cidade. Por exemplo, foram identificados 41 empreendimentos contratados pelo PMCMV para o segmento econômico situados em três bairros desta região:

449

Dos 41 empreendimentos citados, 37 são condomínios residenciais fechados com área de lazer, ou seja, 90%. Para exemplificar essa situação, no quadro 01 são explicitadas as principais características arquitetônicas e urbanísticas desses 37 condomínios.

Além disso, podem-se levantar diversas questões, ao verificar a relação dos condomínios com o entorno. A seguir serão descritos 4 exemplos de condomínios e o contexto urbano em que eles se inserem. (Fig.02). O Residencial “Reserva Maragogi: Parque Paraíso das Águas” (Fig.02a) faz parte de uma produção de 5 condomínios semelhantes situados na mesma rua, os quais somam 1510 unidades habitacionais. São formados por 5 ou 7 blocos de apartamentos com 5 pavimentos e 8 a 10 unidades por andar. Cada um dos 5 condomínios possui: piscina, salão de festas e churrasqueira e espaço de recreação infantil e são isolados com muro e guaritas, o que faz com que os transeuntes se deparem com um “paredão” que se estende por toda a rua. (Fig03). O residencial “Parque Maceió” (Fig.02b) é um condomínio vertical com elevador, tipo de conjunto que, de acordo com Ferreira6, apresenta “as maiores densidades construtivas e demográficas (...). Por isso, sua implantação acaba sendo a de torres contíguas, sem variação de altura e impactantes quando inseridas em bairros residenciais horizontais, com forte impermeabilização do térreo devido à priorização das vagas de automóveis”. O residencial “Recanto das Cores” (Fig.02c) é um condomínio fechado horizontal com 498 casas em


lotes separados. Esse residencial faz parte de uma produção de 10 condomínios vizinhos (6 horizontais e 4 verticais sem elevador), que somam um total de 4661 unidades habitacionais. (Fig.05). O residencial “Bosque das Palmeiras” (Fig.02d) possui 20 blocos de 4 pavimentos e 4 unidades por andar, que somam um total de 320 unidades habitacionais, e dispõe de: salão de festa, churrasqueira, quadra poliesportiva e área de recreação infantil. O projeto arquitetônico deste conjunto será reproduzido para mais 8 condomínios no mesmo bairro (Benedito Bentes) que somam 2576 unidades. Considerações finais – Condomínios residenciais fechados: fronteiras ou espaços de sociabilidade da cidade contemporânea? Os exemplos demonstrados levam a uma reflexão sobre a problemática que envolve a produção imobiliária financiada pelo PMCMV, levantando diversas questões sobre o agravamento de problemas urbano-ambientais nas cidades brasileiras. A concentração de empreendimentos com grande quantidade de unidades habitacionais em determinados bairros, por exemplo, sobrecarrega os sistemas de infraestrutura e os equipamentos urbanos. Para um maior aproveitamento dos espaços disponíveis para a produção dessas unidades, são negligenciados os padrões de conforto ambiental, como ventilação e iluminação natural. Assim também, a reprodução da localização em bairros, de certa forma, afastados dos centros de trabalho e lazer, reforça o modelo urbano baseado no automóvel e eleva o tempo de deslocamentos diários das famílias.

Entretanto, nos exemplos mostrados aqui, as áreas de lazer oferecidas ao “público” consumidor desses empreendimentos, não, necessariamente assumem as funções de “espaço público” (substituindo-os), mas sim de espaços utilizados por grupos privados (famílias, amigos) em momentos distintos (salão de festas, piscina, etc.). Nesse sentido, levanta-se aqui a hipótese de que não há relações causais entre a propagação dos condomínios fechados e o “abandono” das praças públicas (e a redução dos espaços/momentos “públicos”), mas sim que ambos os fenômenos são reflexos do modo de vida da sociedade contemporânea. Desse modo, entende-se aqui que os condomínios residenciais fechados não representam, necessariamente, fronteiras à sociabilidade, mas são resultados da falta de desejo de se sociabilizar entre os diferentes grupos sociais nas cidades contemporâneas. Esses condomínios até podem representar espaços de sociabilidade, porém entre indivíduos pertencentes a um mesmo grupo social.

6 AUGÉ, Marc. Por uma antropologia da mobilidade. Maceió: EDUFAL, 2010. 7 FARIA, Geraldo Majela Gaudêncio. Voix publique – Voies publiques (Critique de La sphère publique au Brésil: figures, configurations, spatialités). Tese de doutorado. Université de Paris, 2002. 8 BERTOLINO, Monica. Conversas latinoamericanas: Espaços públicos. IN.: Revista AU. São Paulo: PINI, setembro de 2011, p.76-79. 9 HARVEY, David. O direito à Cidade. IN.: Revista Piauí. Rio de Janeiro: Alvinegra, julho de 2013. p. 38-43.

No entanto, a principal questão apontada nesse trabalho, é se os condomínios fechados representam realmente fronteiras à sociabilidade e podem ser responsabilizados pelo “abandono” das praças públicas. A generalização do modelo de condomínio fechado talvez seja um reflexo do modo de vida da sociedade contemporânea, que, conforme afirma, Augê6, evita o convívio com o “estranho”, enclausurando-se cada vez mais. Faria7 afirma que a separação entre público e privado é apenas uma forma de se mostrar a separação entre os próprios indivíduos. A difusão dos condomínios residenciais fechados é apontada por Bertolino8 como a “recriação do intramuro e extramuro” e a propagação de “novas cidades dentro da cidade”. Para Harvey9, esses condomínios são resultados de áreas urbanas cada vez mais propensas a conflitos, em função do agravamento das desigualdades sociais.

450


Figura 01. Localização dos bairros que concentram um maior número de empreendimentos financiados pelo PMCMV. Fonte: Base cartográfica PMM, alterado pela autora.

Figura 02. Quatro exemplos de empreendimentos habitacionais financiados pelo Programa Minha Casa Minha Vida, em Maceió, AL. Fontes: a) imoveis.mrv.com.br; b) www.contratoengenharia. com.br; c) www. construtorasauer.com.br; d) www.telesilengenharia. com.br. Todos acessados em: Julho de 2015 e sistematizados pela autora. Imagens: Melo, T. out.2015.

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Figura 03. “Paredão” formado pelos condomínios do complexo “Reserva Maragogi” que se estende pela Rua Treze, Antares, Maceió, AL. Fonte: Melo,T. out. 2015.

Figura 04. Vista do Residencial Parque Maceió (destaque para a horizontalidade do entorno). Fonte: Melo, T, out.2015.

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Figura 05. Localização dos condomínios edificados pela construtora Sauer no Bairro Benedito Bentes, Maceió, AL. Fonte: Google Earth, 2012, modificado pela autora.

Fonte: PMM, SMCCU, 2015.

TAINÁ SILVA MELO tai.melo@gmail.com Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo (2007) e Mestrado em Arquitetura e Urbanismo (2010) pela Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Atualmente é professora efetiva de ensino básico, técnico e tecnológico do Instituto Federal de Alagoas (IFAL) e estudante de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo (Doutorado Cidades) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade federal de Alagoas (FAU-UFAL). Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Daniela Andrade Monteiro Veiga | Bahia, Brasil TODOS JUNTOS E MISTURADOS, INDISSOCIÁVEIS, NA PRODUÇÃO DAS CIDADES: A capacidade da provisão habitacional pública e privada no Brasil

RESUMO O objetivo deste artigo foi avaliar, com base em um estudo comparativo, a capacidade da produção habitacional pública e privada na produção das cidades no Brasil no período de 1940 a 2010, com perspectivas até 2020. Nesse sentido, a população residente e os domicílios particulares permanentes recenseados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] no ano da coleta correspondem ao total da população e habitações existentes no Brasil. O acréscimo do número desses domicílios em um intervalo de tempo representa o total da produção habitacional daquele período. Os dados da produção habitacional pública, exclusivamente, foram extraídos de diversos autores que abordam essa temática, destacando os períodos do BNH (1964-1986) e a recente produção associada ao SNH (2002-2010). A produção privada de unidades habitacionais nos mesmos períodos, para o Brasil, foi calculada a partir da subtração da produção habitacional extraída das análises dos dados do IBGE, com os quantitativos da produção pública informada pelos autores. O acréscimo de população e domicílios foi analisado cronologicamente, correlacionado a fatos e dados apresentados por diferentes autores. Os resultados apontam para uma necessidade de se mesclar a capacidade produtiva do setor privado com a otimização dos recursos públicos, sob a perspectiva de uma sociedade que avança politicamente nas suas relações, capaz de produzir um cenário construído coletivamente e, assim, alcançar sua meta, ou seja, cidades melhores para os seus cidadãos, para os visitantes e para as gerações futuras. Palavras-chave: habitação; política pública; produção de cidades.

INTRODUÇÃO A provisão habitacional pública e a privada são complementares na produção das cidades. A seletividade de atendimento direcionado a uma parcela da população indica que a produção habitacional da população não beneficiada é parte integrante da classe oposta e complementar. Sendo assim, a dualidade pública e privada emprega lógicas econômicas distintas no complexo processo de provisão habitacional que se relaciona a tantas outras questões, como a propriedade da terra, a segurança da posse, a expansão das áreas urbanas e da infraestrutura etc. Sob a perspectiva de uma sociedade que avança politicamente nas suas relações, capaz de produzir um cenário construído coletivamente como reflexo dos seus anseios e expectativas, as áreas informais ou formais, segregadas ou integradas, são partes indissociáveis de um todo: a cidade. Destaca-se que a lógica econômica da provisão pública fundamenta-se na concessão de crédito a quem possa pagar, mediante a disponibilização de recursos públicos do sistema financeiro. Essa lógica de financeirização habitacional pública necessita fornecer às agências financeiras, submetidas às regras internacionais, garantias legais, registros públicos, inseridos em um sistema que caminha para o reconhecimento mundial da propriedade, precisamente medido e monitorado; assim, toda provisão habitacional pública é considerada formal. A produção habitacional privada, oposta e complementar à produção pública, abarca todas as demais ações de provisão habitacional, inclusive a informal, que em determinados períodos foi analisada como

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1 Gordilho-Souza, Angela M. (2008). Limites do Habitar: Segregação e exclusão urbana na configuração urbana contemporânea de Salvador e perspectivas no final do século XX. (2.ed.). Salvador: EDUFBA. Ribeiro, Luiz Cesar de Queiroz (1997). Dos cortiços aos condomínios fechados: as formas de produção de moradia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Maricato, Ermínia (1996). Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualdade e violência. São Paulo: Hucitec. Azevedo, Sergio de; Andrade, Luis Aureliano Gama de (1982). Habitação e Poder: da fundação da casa


popular ao banco nacional da habitação. Rio de Janeiro: Zahar. Taschner, Silvia P. (1997). Política Habitacional no Brasil: Retrospectivas e Perspectivas. Revista de Estudos Sobre Urbanismo, Arquitetura e Preservação. São Paulo, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, n°21, set/out. Royer, Luciana de Oliveira (2014). Financeirização da política habitacional - limites e perspectivas. São Paulo: Annablume. 2 Bonduki, Nabil (2004). Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. (4. ed.). São Paulo: Estação Liberdade.

a parcela mais representativa da produção privada. Quanto à produção privada, muitas dessas unidades habitacionais são construídas em um processo alheio ao sistema financeiro, isso significa que as habitações são edificadas empregando-se os recursos das famílias, com diferentes rendimentos. Especificamente as famílias com baixa renda somam a sua força de trabalho ao processo de construção de suas habitações. No Brasil, misturam-se ao processo de provisão habitacional privada uma série de relações informais, desde a comercialização ou ocupação da terra até a aquisição de produtos e serviços, mantidas pelas famílias com diferentes rendimentos. Nesse sentido, as análises estatísticas realizadas com base nos dados do IBGE são reforçadas pelos estudos de alguns autores que analisaram a produção das cidades e das moradias brasileiras sob diferentes aspectos, como1: a segregação e exclusão da população, analisada por Gordilho-Souza (2008), Ribeiro (1997) e Maricato (1996); a interferência das políticas públicas na produção do mercado habitacional, conforme Azevedo e Andrade (1986), Taschner (1997) e Royer (2014), entre outros temas e autores. Portanto, este artigo apresenta uma reflexão, mediante análise quantitativa, a respeito da produção habitacional no Brasil em um extenso período, mensurada a partir da variação (acréscimo ou decréscimo) de domicílios recenseados entre 1940 e 2010 e também uma perspectiva para o ano de 2020. METODOLOGIA A população e os domicílios particulares permanentes recenseados pelo IBGE, no Brasil, nos censos realizados entre 1940-2010 representam a totalização das unidades habitacionais e a população residente. Para a produção deste artigo, com base nesses dados, foi elaborada uma tabela síntese para o Brasil, contendo os valores absolutos e relativos da variação da população e domicílios em um período de tempo. Dessa forma a variação (acréscimo ou decréscimo) de população e domicílios foi obtida por meio da subtração do dado recenseado mais recente, com o do ano anterior, aplicado em cada período analisado. Além da análise realizada entre censos, foram realizados recortes associados ao período de execução das políticas habitacionais correspondentes à atuação do Banco Nacional de Habitação – BNH (1964-1986) e ao Sistema Nacional de Habitação – SNH (2002-2010).

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Como o período entre os censos não coincide com os recortes estabelecidos, utilizou-se, no cálculo da informação para cada ano, a estimativa da projeção linear no período compreendido entre os censos do respectivo ano que marca o início ou término do período analisado. O acréscimo do número desses domicílios em um intervalo de tempo representa o total da produção habitacional daquele período. Os dados da produção habitacional pública foram extraídos de diversos autores que abordam essa temática. Ainda nesse sentido, a produção privada de unidades habitacionais nos mesmos períodos, para o Brasil, foi calculada a partir da subtração da produção habitacional, extraída das análises dos dados do IBGE, com os quantitativos da produção pública informada pelos autores. O acréscimo de população e domicílios foi analisado cronologicamente, correlacionado a fatos e dados apresentados por diferentes autores. PROVISÃO HABITACIONAL PÚBLICA E PRIVADA NO BRASIL (1940-2010) A produção habitacional pública entre 1940-1964 estava associada à inserção do cidadão no mercado de trabalho, à formalidade do emprego e à sindicalização. Assim, as Caixas de Aposentadoria e Pensão (CAP’s), os Institutos de Aposentadoria e Previdência (IAP’s) e a Fundação Casa Popular (FCP) foram os principais órgãos responsáveis pelo atendimento à expectativa da casa própria nesse período. Vale ressaltar que o projeto original da FCP foi alterado após os vetos dos diversos atores envolvidos na produção habitacional pública da época. “Entre os pontos alterados, dois eram cruciais: o que previa a centralização da política habitacional na FCP (artigo 13) e o que criava uma espécie de empréstimo compulsório por trinta anos, que garantia recursos baratos e contínuos para viabilizar a atuação da FCP (artigo 9)” (Bonduki, 2004, p.117)2. Apesar de manter a alusão ao caráter redistributivo das unidades habitacionais, a alteração das diretrizes iniciais da FCP e os meios de arrefecimento da arrecadação de impostos3 inviabilizaram as construções habitacionais destinadas às classes de baixa renda, não necessariamente sindicalizados ou com empregos formais. Sem urbanização e infraestrutura, o crescimento das cidades foi acelerado com base na autoconstrução de moradias, em loteamentos populares e parcelamentos clandestinos, destituídos de serviços básicos destinados ao atendimento da demanda da população de baixa renda, preterida das ações públicas empreendidas.


Entre as décadas de 1940-1950 ocorreu um acréscimo populacional de 10,7 milhões de pessoas, simultâneo ao acréscimo de 2,1 milhões de domicílios (fig. 1). Em 1940 a quantidade de domicílios urbanos recenseados foi de 2,5 milhões, em 1950 foi de 3,7 milhões; respectivamente, para os mesmos censos, os domicílios recenseados na situação rural foram de 5,3 milhões e 6,3 milhões. Portanto, o acréscimo de domicílios urbanos foi de 1,2 milhões (49%) e o de domicílios rurais 1 milhão (17%). Ainda que a predominância da população e domicílios fosse rural, eram nas cidades, áreas urbanas, que se observavam os maiores acréscimos de domicílios em resposta à crescente demanda do período. De acordo com Veiga (2008, p.19)4, “as políticas públicas que ocorreram antes de 1964 permitiram que as famílias se fixassem em lugares onde e como pudessem no território urbano”. Logo, a provisão habitacional privada desse período foi marcada pelos processos de ocupação coletiva por invasão, possuía uma lógica própria, provia a habitação para todos os que aceitassem os seus riscos ou as suas “garantias” de posse. Durante a atuação do BNH (1964-1986), a produção da habitação pública esteve restrita a quem tivesse capacidade de endividamento para assumir o financiamento; dessa maneira, sob outra conjuntura política e econômica, mantinha-se excluída do acesso à moradia a maioria da população brasileira. O BNH foi responsável pela produção de 4,45 milhões de moradias, desse universo apenas 33,1% foi destinado à população com renda solvável entre 1 e 3 salários mínimos5. Com base nos dados censitários (fig. 1), para o mesmo período identificou-se que o número de domicílios particulares permanentes em 1964 foi de 15,1 milhões, e em 1986 de 30,4 milhões. Desse modo, para o referido período aproximadamente 15,2 milhões de domicílios foram construídos. Assim, a provisão habitacional privada foi de 10,8 milhões, simultânea à pública e com o dobro da capacidade de produção em número de unidades domiciliares produzidas. No diversificado processo de provisão habitacional privado destacam-se as ações das famílias de baixíssima renda excluídas do sistema financeiro, que, empregando parcos recursos economizados e a sua força de trabalho, contribuem para a enorme produção habitacional privada. Ainda que essas habitações não sejam estruturadas de forma ideal e levem muitos anos para serem construídas, obedecendo à lógica econômica de poupar, administrar

e aplicar poucos recursos continuamente na edificação da própria casa, essa ainda é uma alternativa à excludente financeirização da habitação, possibilitando o acesso da população de baixa renda a uma habitação. Apesar da população apresentar contínuo crescimento, a partir de 1960 esse crescimento relativo passou a ser gradativamente menor a cada década (fig. 1). No caso dos domicílios, destaca-se o auge do período BNH (1970-1980), visto que apresentou um acréscimo de domicílios na ordem de 43%, impulsionado pela expectativa da casa própria gerada na população e pela produção habitacional pública. Nos demais períodos entre os censos ocorreram pequenas variações nesse índice (fig. 1). Já entre 1991-2000, as estratégias do governo federal tiveram pouca repercussão na construção do espaço urbano. Ainda assim, o acréscimo de domicílios recenseados em 2000 foi de 10 milhões, 29% a mais que em 1991. Segundo Cardoso (2011)6, a respeito do período pós-extinção do BNH:

3 Para compreender as razões da insuficiência dos valores arrecadados pela FCP, ver Azevedo e Andrade (1982, p. 21-26) 4 Veiga, Daniela Andrade Monteiro (2008). Domicílios sem moradores – Moradores sem domicílio. Um estudo sobre os domicílios vagos em Salvador como subsídio para políticas habitacionais. Vitória da Conquista: Edições UESB. 5 Dados calculados por Royer (2014, p.68). A produção do BNH também foi sistematizada

Entre 1986 e 2003, a política habitacional em nível federal

por AZEVEDO e

mostrou fragilidade institucional e descontinuidade adminis-

ANDRADE (1982).

trativa, com reduzido grau de planejamento e baixa integração

Referências citadas

às outras políticas urbanas. A sequência de programas

anteriormente.

desconexos, com pouca perspectiva de continuidade, fortaleceu práticas tradicionais das administrações locais, em que pre-

6

dominaram ações pontuais, muitas vezes acompanhadas de

Cardoso, Adauto Lucio

práticas clientelistas que não dialogavam com outras políticas

(2011). Habitação de

de desenvolvimento urbano.

interesse social: política

Nessa perspectiva, no final da década de 1990, observou-se a diversificação das ações públicas voltadas para a habitação de interesse social, que ampliaram o foco de intervenção no contexto urbano, aplicando recursos na produção, melhoria e qualificação do ambiente construído. Muitas dessas ações tiveram suas origens no esforço conceitual de técnicos que buscavam legitimar a ação das agências multilaterais7 em países em desenvolvimento como o Brasil. As regras dos projetos executados em prol do desenvolvimento eram calcadas na organização e legitimação da propriedade privada e nas relações econômicas advindas disso. Percebe-se um esforço internacional em busca da inserção de todas as partes da cidade em um mesmo sistema de registro público e segurança da posse.

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ou mercado? Reflexos sobre a construção do espaço metropolitano. In: Anais...ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, Rio de Janeiro, ANPUR, CD-ROM.


7 As agências multilaterais são organismos com representantes de vários países que financiam projetos de desenvolvimento ou fornecem ajuda a nações em dificuldade financeira. Os exemplos mais famosos são o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

8 Gordilho-Souza, Angela (2014). Cidade seletiva e exclusividade urbana: megaeventos, grandes projetos e a Copa 2014 em Salvador. In: Carvalho, I. M. M. et al. (2014) (Orgs.) Metrópoles na atualidade brasileira: tensões e desafios na Região Metropolitana de Salvador. Salvador: EDUFBA.

9 Déficit habitacional extraído do IBGE – PNAD 2007.

Na década seguinte, foi aprovado o Estatuto da Cidade, Lei Federal n° 10.257/2001, que reforça a busca por instrumentos capazes de assegurar o direito à cidade. Gordilho-Souza (2014)8 ressalta que nesse período ocorreu: [...] A retomada de investimentos federais, a partir de 2003, com a criação do Ministério das Cidades. As novas políticas urbanas implementadas a partir de então tiveram um amplo espectro de atuação, fortalecendo a diversidade e a relação entre habitação e cidade. [...] Na produção habitacional de 2005, simultaneamente ao incentivo de produção via mercado, foram criadas, de forma pioneira, as condições para uma produção subsidiada de habitação de interesse social, resultando em um boom imobiliário, sem precedentes. [...] De 2002 a agosto de 2010, foram produzidas no Brasil um total 4,3 milhões de novas unidades habitacionais, com investimentos na ordem de R$ 243 bilhões, para todo o SNH. Entre 2002 e 2010, o acréscimo de domicílios em todo Brasil foi de 10 milhões, por exclusão a produção habitacional privada foi responsável por 5,7 milhões de novos domicílios. Ressalta-se que essa comparação entre a produção pública e privada equivale a um período de apenas 8 anos. O dado sintetizado por Gordilho-Souza (2014) refere-se à produção pública dos dois subsistemas integrantes do SNH, compostos pelo Sistema de Mercado orientado à população com renda solvável e o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS). No breve intervalo entre 2003 e 2008 foram aplicadas políticas urbanas com diversificadas ações no ambiente construído. Além da produção de unidades habitacionais, buscou-se, também, a integração de diferentes ações públicas em prol da melhoria da unidade habitacional indissociável da cidade. As perspectivas foram alteradas a partir de 2009, quando os recursos federais deixaram de prover as diversificadas ações públicas, contraditoriamente fortalecidas pela aprovação do Plano de Habitação Nacional (2008), e aplicados nos Programas Minha Casa Minha Vida (MCMV) e no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Com o lançamento do MCMV (2009), a população foi envolvida em uma atmosfera de prosperidade e desenvolvimento econômico, foi intensamente divulgada a financeirização da casa própria como solução para o déficit habitacional proporcional a 91% na população com rendimentos de 0 a 3

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salários mínimos9. Ressalta-se que 40% das casas produzidas pelo MCMV foram destinadas às famílias nessa faixa de renda; os 60% restantes foram unidades habitacionais subsidiadas com recursos públicos, não onerosos, para extinguir 9% do déficit habitacional estimado para o Brasil. PERSPECTIVAS PARA O PRÓXIMO CENSO EM 2020 As perspectivas para o período que corresponde a 2010-2020 pressupõem que o MCMV, principal responsável pela provisão pública, impulsione o diversificado processo de provisão habitacional privado, conclua a construção de 3 milhões de unidades contratadas até 2014, concretizando-se as novas etapas anunciadas, além de realizar novas contratações de unidades habitacionais e, seguramente, haverá manutenção da segregação e exclusão de muitas famílias com renda inferior a 2 salários mínimos. O tema segregação e exclusão populacional, amplamente investigado nas metrópoles, é de difícil quantificação. Nessa linha, Gordilho-Souza (2014)8 afirma que: [...] Nas grandes cidades brasileiras, altamente segregadoras da pobreza, a maioria de seus habitantes está excluída dos benefícios urbanos. Estima-se que, nas grandes cidades-capitais, entre 20% e 60% da população esteja morando em áreas de favelas, vilas, cortiços e outros tipos de habitação precária e informal, variando conforme a região do país, com maiores índices nas regiões Nordeste e Norte. Dessa forma, mesmo reconhecendo que na conjuntura social e política existente em 2010 eram concretas as afirmativas sobre a melhor distribuição da renda, o aumento do poder aquisitivo das famílias, os avanços em subsidiar a habitação às famílias excluídas do sistema financeiro, reconhece-se, também, a insuficiência de recursos públicos para que a provisão habitacional destinada a essas famílias ocorra em quantidades significativas. A provisão habitacional pública ampliou sua capacidade produtiva, oferecendo subsídios à população com renda solvável, fornecendo garantias econômicas às agências financeiras e concedendo empréstimos para as construtoras. Quando o limite máximo da capacidade de compra da população for atingido ou os fundos que alimentam os recursos públicos se exaurirem, a produção pública diminuirá e a produção habitacional privada, constantemente alimentada pelo


acréscimo de domicílios da população em todas as faixas de renda, não atendidas pela pública e que necessitarem de novas moradias, voltarão a ser contabilizadas como provisões privadas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em virtude de algumas vicissitudes, a provisão habitacional pública federal, por mais vultosos que sejam os recursos empregados, se manteve inferior a 50% do total de domicílios acrescidos em todo o Brasil. Em número de unidades produzidas, a provisão habitacional pública historicamente privilegia os segmentos solváveis da população, mantendo a exclusão e segregação de muitas famílias. Conforme análise, baseada em estudos e pesquisas, pode-se concluir que a quantidade adicional de domicílios recenseados nesse período acompanhou o crescimento populacional e as mudanças ocorridas na estrutura familiar, assim, independente de crises ou períodos de prosperidade, todos moram em algum lugar. As comparações entre a capacidade produtiva da provisão pública e privada indicam historicamente que o setor privado é o principal provedor de habitação para as numerosas famílias com as mais baixas rendas, excluídas do mercado de trabalho, do sistema financeiro e do acesso ao subsídio público. Portanto, é fundamental que as políticas públicas sejam eficazes no aproveitamento da capacidade produtiva do setor privado e que também vislumbrem a problemática habitacional brasileira, pois ela não se restringe às necessidades quantitativas de novas unidades habitacionais. Por fim, este trabalho fornece uma argumentação para que aplicação dos recursos públicos seja empregada na melhoria do ambiente construído de forma diversificada, além da construção de novas unidades habitacionais. Os resultados apontam para uma necessidade de se mesclar a capacidade produtiva do setor privado com a otimização dos recursos públicos, sob a perspectiva de uma sociedade que avança politicamente nas suas relações, capaz de produzir um cenário construído coletivamente e, assim, produzir cidades melhores para os seus cidadãos, para os visitantes e para as gerações futuras.

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DANIELA ANDRADE MONTEIRO VEIGA dmonte_arq@yahoo.com.br Possui mestrado e graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal da Bahia. Atualmente é professora assistente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Pesquisadora do LabHabitar - Laboratório de Habitação/ Faculdade de Arquitetura - UFBA e doutoranda do programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo - PPGAU da Universidade Federal da Bahia. Tem experiência na área de Planejamento Urbano e Regional, com ênfase em habitação, atuando principalmente nos seguintes temas:habitação de interesse social, déficit habitacional, sustentabilidade urbana, mercado imobiliário informal e monitoramento sig / gis.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Gilda C. Bruna | Ivan A. Pereira | Nathalia da Mata M. Pinto | São Paulo, Brasil HABITAÇÃO COLETIVA SUSTENTÁVEL MOLDANDO A CIDADE Sustentabilidade na Habitação em São Caetano do Sul

INTRODUÇÃO Como estabelecido pela Organização das Nações Unidas (ONU), o conceito de desenvolvimento sustentável significa assegurar a qualidade de vida da população mundial atual sem comprometer a qualidade de vida das populações futuras1. Por isso, os índices socioeconômicos de cada município representam significativamente as condições de implementação de uma política de desenvolvimento sustentável. O município de São Caetano do Sul apresenta excelentes índices socioeconômicos resultando no melhor Índice de Desenvolvimento Humano do Brasil (0,8 em uma escala onde 0 é muito pouco desenvolvido e 1 representa alto grau de desenvolvimento) e 100% das casas com água encanada, esgoto e coleta de lixo2. Segundo o índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (IFDM), São Caetano do Sul está em 4º lugar no ranking nacional de desenvolvimento de municípios brasileiros.3 Além disso, o município apresenta diversos programas de sustentabilidade, como a coleta seletiva. Por esses motivos, entende-se que São Caetano apresenta boas condições para desenvolver sustentabilidade em seu território. No entanto, o município apresenta grande concentração de renda, expresso no índice GINI4. O índice GINI é uma ferramenta utilizada para mensurar a concentração de renda, onde zero representa total igualdade e 1 a completa desigualdade da distribuição de renda na população. Devido a tendência de decréscimo dos resultados do índice GINI (tabela 1), entende-se que a concentração de renda no município tende a crescer.

Segundo Rogers (1997), para atingir o desenvolvimento sustentável, a desigualdade social não deve ser elevada, pois a população de baixa renda, decorrente da concentração de renda, acaba sendo exposta a situações de risco, como inundações, deslizamentos, doenças, etc5. Desta forma, os índices de desigualdade em São Caetano se apresentam como um desafio para o governo municipal. Isso pode ser um desdobramento da elevada qualidade de vida do município, levando a um possível encarecimento dos terrenos e consequente gentrificação. Por estes motivos, a população de baixa renda migrou para os municípios vizinhos, principalmente áreas próximas a morros, nascentes e represas, originando ocupações clandestinas e favelas. Como exemplo tem-se as favelas de municípios vizinhos a São Caetano, destacando-se Heliópolis no município de São Paulo. Por isso, as famílias com baixo poder aquisitivo de São Caetano não habitam favelas. Ainda, para diminuir o custo da moradia, seria necessário que o município contasse com Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), que não constam do Plano Diretor. No entanto, São Caetano abriga diversas habitações coletivas irregulares, os ditos cortiços. Os cortiços são caracterizados por aglomerações de famílias distribuídas em edifícios antigos, em cômodos ao longo de corredores ou um pátio (fig. 1). Metodologicamente, a pesquisa de indicadores de sustentabilidade destaca São Caetano do Sul como o município mais sustentável6.

1 UNITED NATIONS. (1987) Our Common Future, Chapter 1: A Threatened Future. Retrieved 1th May 2014, from http://www.undocuments.net/ocf-01.htm

2 PNUD. (2010). Ranking IDHM Municípios 2010. Retrieved 27 October 2014, from http:// www.pnud.org.br/atlas/ ranking/Ranking-IDHMMunicipios-2010.aspx

3 SISTEMA FIRJAN (2013). São Caetano do Sul - SP : (Ano 2013): IFDM . Retrieved 21 January 2016, from http:// www.firjan.com.br/ ifdm/consulta-ao-indice/ ifdm-indice-firjan-dedesenvolvimentomunicipal-resultado. htm?UF=SP&IdCidade= 354880&Indicado r=1&Ano=2013

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4 ATLAS BRASIL. (2013). Perfil do Município de São Caetano do Sul. Retrieved 27 October 2014, from http://atlasbrasil.org. br/2013/pt/perfil/saocaetano-do-sul_sp 5 ROGERS, Richard. GUMUCHDJIAN, Philip; DI MARCO (1997). Cidades para um Pequeno Planeta. Barcelona: G. Gili. 6 BRUNA, G. C. (2013). Pesquisa Cidades e Edifícios Sustentáveis (Apoio CNPq, Produtividade de Pesquisa). FAU UPM. 7 PENTEADO, A. R. (1958). A Cidade de São Paulo: estudos de geografia urbana Volume IV. São Paulo, SP: Nacional 8 PENTEADO, A. R. (1958). A Cidade de São Paulo: estudos de geografia urbana Volume IV. São Paulo, SP: Nacional 9 FUNDAÇÃO PROMEMÓRIA DE SÃO CAETANO DO SUL. A História dos Bairros – São José. Retrieved 10 October 2015 from http://www. fpm.org.br/scs_bairros. asp?historia=True&id_ b=15 > 10 PREFEITURA DE SÃO CAETANO DO SUL (2001). Artigo 2°, Lei

ORIGEM DOS CORTIÇOS Até 1876, a região que hoje é o município de São Caetano do Sul era conhecida como “Fazenda de São Caetano” por abrigar uma capela deste santo. Era local de produção de objetos de cerâmica e criação de gado. A partir da compra da fazenda por parte do Governo Imperial, a região tornou-se núcleo colonial e no ano de 1877 recebeu, 26 famílias de imigrantes majoritariamente da região norte da Itália, que se instalaram nos antigos casarões da fazenda, junto de empregados e escravos que costumavam trabalhar na gleba.7 Os italianos nortistas eram conhecidos como “sem-propriedade” e por serem trabalhadores braçais. É importante ressaltar que, mesmo com o incentivo do Governo Imperial, as condições de vida dos colonos eram precárias quando chegaram ao Brasil. Mesmo que a legislação e acordos com a Itália previssem que haveria lotes e auxílio econômico para todos os colonos, muitos moravam em casas precárias e abandonadas, ou dividiam com muitas famílias, criando um ambiente propício para a proliferação de doenças e óbitos5. Por estarem ambientados a essas condições, pode-se dizer que formaram os primeiros cortiços nascentes. O trabalho dos imigrantes italianos nesse início da urbanização foi essencial, por terem desbravado terras praticamente abandonadas da antiga fazenda, vindo a lotear a região. Mesmo depois de uma década do início do núcleo colonial, a população ainda era de maioria italiana. Segundo Penteado (1958), em 1907 é fundada a “Sociedade Internacional Operária de São Caetano”, e partir de 1910 a região começou a receber industrias importantes, como a Cerâmica São Caetano (antes chamada de “Cerâmica Privilegiada do Estado de São Paulo”), General Motors e Industrias Reunidas Matarazzo. Até a década de 1940, São Caetano do Sul já havia alocado as indústrias de maior expressão de sua história: A Cerâmica São Caetano S.A. em 1912, a Refinadora de Óleos Brasil em 1913, a General Motors Brasil em 1929 e as Indústrias Reunidas F. Matarazzo em 1926. Em 1944 São Caetano do Sul foi denominado subdistrito do município de Santo André até 1948, quando o crescimento da região foi tanto que foi necessária sua emancipação, tornando-se o município de São Caetano do Sul.8

3961 de 25 de abril de 2001. Retrieved 18 June 2015, from in http:// cm.jusbrasil.com.br/ legislacao/706783/lei3961-01

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O núcleo inicial da cidade contava com várias chácaras e poucas casas ocupadas por famílias de diferentes nacionalidades. Recebeu ainda migrantes nordestinos atraídos pelo trabalho na indústria. Nesse período, os cortiços se afirmaram moradias abrigando essa população, especialmente no bairro de São José9. CORTIÇOS HOJE Atualmente existem lotes com mais de uma unidade edificadas, comunicando com as vias públicas e com uma ou mais entradas comuns, consideradas cortiços caso as habitações não correspondam ao Código Sanitário Estadual10 (condições de salubridade, ventilação, iluminação e dimensões mínimas, além de ligações, medidores de água e eletricidade independentes). Os bairros com maior concentração dessas habitações precárias em São Caetano são os bairros Prosperidade, Fundação, São José, Nova Gerty e Boa Vista (fig.2), abrigando aproximadamente 700 famílias nessas condições11. Segundo este Código, são estabelecidos 240 dias para reforma, sendo que não se pode acrescentar unidades àquelas existentes. Em contraponto, existe o conceito de habitação coletiva sustentável, que é um modelo de projeto integrado com edificações e urbanismo sustentáveis12, energia, recursos naturais e qualidade ambiental13. Os cortiços se fazem presentes na Lei número 3961 de 25 abril de 2001, sobre habitações coletivas e cortiços. Por essa lei, em seu artigo 1º As habitações coletivas-cortiços, existentes no Município, cadastradas no Departamento de Urbanismo, Obras, Habitação e Meio Ambiente – DUOHMA, ou as constantes do último levantamento aerofotogramétrico, deveram atender aos princípios básicos em condições sanitárias satisfatórias. Assim sendo, deveram ter, conforme o artigo 4º, ‘’ condições adequadas de salubridade, ventilação e iluminação, com as dimensões mínimas que possam ser toleradas, tomando como parâmetros o código sanitário estadual’’. Assim o município está mostrando o caminho para a sustentabilidade das habitações coletivas- cortiços. A Prefeitura de São Caetano do Sul reconhece essa tipologia habitacional (habitações coletivas- cortiços) e impõe regras para normatizar seu projeto, mostrando que cada unidade deve apresentar pelo menos um dormitório, uma cozinha, uma instalação sanitária, áreas de tanque e caixa d’água, conforme


o artigo terceiro desta lei14. Conforme essa lei, os proprietários de habitações coletivas – cortiços devem ter suas propriedades seguindo os artigos terceiro e quarto. Caso não estejam atingindo os parâmetros constantes da lei, devem solicitar um Alvará de Reforma, valido por 240 dias. Caso contrário, será considerada habitação irregular, sofrendo as sanções da lei. Esse é o caminho até agora adotado buscando a sustentabilidade da habitação coletiva (fig. 3). Além da legislação, existe pouco esforço por parte do poder público para solucionar o problema de habitações irregulares (cortiços) em São Caetano. Ha apenas dois conjuntos habitacionais de interesse social no município, sendo o último deles construído em 2011 pelo CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo) que, sendo um programa do estado, não atendeu apenas a população de São Caetano, mas também outros municípios, tornando-se insuficiente para atender famílias em situação precária em São Caetano.15 Segundo relatos da população, na gestão que terminou em 2013, houve a implantação do Programa “João de Barro”, que promovia moradia para populações carentes.16 O projeto foi paralisado e permanece inativo, embora seu restabelecimento e revisão fizessem parte das propostas do atual prefeito (2013- 2016).

CONCLUSÕES Os cortiços são formas habitacionais que merecem uma análise mais acurada, para que o desenvolvimento sustentável possa ser utilizado neste governo e possivelmente ainda por gerações vindouras. Nesse sentido, aponta-se a necessidade de contar com uma política urbana do município que focalize os cortiços como uma tipologia habitacional, presentes na Lei número 3961 de 25 abril de 2001 acima mencionada, sobre habitações coletivas e cortiços, incentivando sua inclusão na sustentabilidade, isto é, levando formas de energia renovável, uso das águas e seu reuso, paisagismo junto às habitações e outros equipamentos economizadores de água e de energia, dentre outros, bem como critérios que direcionem a cidade para uma forma de preservar espaços abertos e a vegetação, possibilidade de transporte público e vias de pedestres e bicicletas, construções compactas. Assim sendo, São Caetano de um modo geral, conta com baixa produção de interesse social, embora a cidade seja relativamente urbanizada e conte com trem e ônibus municipais e intermunicipais.

11 VOROS, I. (2013). Cortiços Contrastam com S. Caetano de melhor IDH. Retrieved 9 October 2015, from http:// www.reporterdiario.com. br/Noticia/416350/ corticos-contrastam-com-scaetano-de-melhor-idh/ 12 KEELER, M. & BURKE, B. (2010). Fundamentos de Projeto de Edificações Sustentáveis. Porto Alegre: Bookman. 13 RIFKIN, J. (2012). A terceira revolução industrial como o poder lateral está transformando a energia, a economia e o mundo. São Paulo: M. Books. 14 LEIS MUNICIPAIS. (2005). Lei nº 3961 de 25 de

O município de São Caetano do Sul já tem politicas implantadas que incentivam a participação da comunidade em prol do desenvolvimento sustentável, como campanhas de economia de recursos hídricos. Por essas iniciativas, a cidade recebeu a certificação de Município Verde Azul, programa da Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo que valoriza ações municipais que visem a qualidade ambiental e participação da comunidade. Seguindo o exemplo de outros municípios, São Caetano do Sul poderia aproveitar seu potencial econômico e atender a população oferecendo habitação social.

abril de 2001 – Dispõe sobre as habitações coletivas – cortiços existentes no município. Retrieved 10 October 2015, from https:// leismunicipais.com. br/a/sp/s/sao-caetanodo-sul/lei-ordinaria/2001 /397/3961/lei-ordinarian-3961-2001-dispoe-so bre-as-habitacoes-coletivascorticos-existentes-no -municipio-e-da-outras-pro videncias?q=3961 15 CAVALLINI, T. (2013). O CONTRASTE DE SÃO CAETANO: CORTIÇOS X IDH. Retrieved 15 October from http:// ocdoabc.com. br/2013/09/02/ocontraste-de-sao-caetanocorticos-x-idh/

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16 TRIBUNA DO ABC. Se o Prefeito Paulo Pinheiro abraçar a nobre causa, Projeto “João de Barro” torna-se realidade com a solidariedade do povo de S. Caetano. Retrieved 15 October 2015 from http:// www.tribunadoabcd. com.br/materia_display. php?id=15713

Tabela: Renda, pobreza e desigualdade. Fonte: Atlas de Desenvolvimento Humano, 2010

Ilustração 1

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Ilustração 2

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Ilustração 3

NATHALIA DA MATA MAZZONETTO PINTO nathymmp@hotmail.com Graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Técnica em Design de Interiores em 2011. Bolsista de Iniciacão Científica pelo CNPq. IVAN ALVES PEREIRA ivanalves@gmail.com

GILDA COLLET BRUNA gildacbruna@gmail.com Professora Associada Plena da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduada e doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo de 1991-1994. Foi Presidente da Emplasa de 1995 a 2000.

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Graduado em Arquitetura e Urbanismo pela Belas Artes de São Paulo, Junho de 2015. Estagiário do Departamento de Estradas de Rodagem de São Paulo em 2010, Membro da Equipe TC URBES classificada para a final do concurso Público do Arco do Tietê, Estagiário da Equipe Responsável pela revisão Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação de Solo da Secretaria Municipal de Desenvolvimento de São Paulo.


2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Daiane Regina Valentini | Janete Facco | Queila Rissi Conde | Chapecó, Brasil HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL E MOBILIDADE URBANA EM CHAPECÓ-SC Infraestrutura urbana e acessibilidade a equipamentos públicos de lazer, saúde e educação

1. INTRODUÇÃO Sendo o direito à habitação equivalente ao direito à cidade, a discussão sobre a integração da habitação de interesse social (HIS) à cidade e o seu acesso aos equipamentos públicos coletivos e à infraestrutura urbana é de grande relevância para o planejamento e avaliação das políticas públicas vigentes. Se vive uma crise urbana, o tema da mobilidade, discutido a partir do ponto de vista da HIS é ainda mais relevante. Nessa perspectiva, observa-se que muitos empreendimentos habitacionais coletivos são implantados como ilhas, de forma que segregam ou são segregados pelo espaço urbano. Assim, a integração da habitação assume papel na configuração e na forma da cidade e no acesso aos bens coletivos frente às necessidades de deslocamento, consideradas as dimensões do espaço urbano e a complexidade das atividades nele desenvolvidas. Dessa forma, esse trabalho tem por objetivo analisar a inserção urbana dos empreendimentos de habitação de interesse social coletivas em regime condominial, quanto à sua integração à cidade sob a análise da mobilidade e infraestrutura urbana e o acesso a equipamentos públicos de educação, saúde e lazer no município de Chapecó-SC. A metodologia proposta para a análise baseia-se na elaboração de análises espaciais do entorno dos empreendimentos de HIS coletivas, mediante levantamentos documentais e de campo e elaboradas a partir de um banco de dados em Sistema

de Informações Geográficas (SIG) livre - QGis. Essas análises espaciais do entorno das HIS, dividem-se em duas abordagens: a) mobilidade urbana: estrutura viária, transporte coletivo e integração urbana através da abordagem da sintaxe espacial; b) acesso aos equipamentos públicos de saúde, lazer e educação. 2. A QUESTÃO HABITACIONAL DE INTERESSE SOCIAL NO CONTEXTO CHAPECOENSE A partir de 1930, até os dias atuais, passaram-se uma série de ações e políticas que procuram resolver o problema da habitação social no Brasil (BONDUKI, N. 2014)1. Com a Reforma Urbana, a política urbana na Constituição de 1988, o Estatuto da Cidade (2001), a criação do Ministério das Cidades 2003 e a Lei Federal 11.977 - Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), em 2009, passaram-se 79 anos e a questão habitacional brasileira precisa avançar para abordagem qualitativa. A reflexão sobre a função social da cidade e da propriedade para a construção da cidade sustentável, apresenta os programas habitacionais de interesse social como um dos pontos de destaque da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. Nele, a integração da HIS à cidade e à sua infraestrutura passa a ser diretriz para a construção da cidade sustentável. O município de Chapecó localiza-se no Oeste do Estado de Santa Catarina (fig. 1), e segundo o IBGE (2015)2 possui população estimada de 205.795 habitantes. Considerado o mais importante centro agroindustrial brasileiro, essa atividade

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1 Bonduki, Nabil. (2014). Os pioneiros da habitação social no Brasil.São Paulo: Editora Unesp. V.1. 2 IBGE. Cidades Santa Catarina Chapecó. (2015). Disponível em: http://cidades.ibge. gov.br/xtras/perfil. php?codmun=420420. (Acesso em 25-09-2015). 3 Reche, Daniela.; Sugai, Maria Inês. (2008). A influência do capital agroindustrial na distribuição sócio espacial urbana do município de Chapecó no sul do Brasil. In: X Colóquio Internacional de Geocrítica – “Diezños de câmbios em el mundo, em laGeografía/ las ciências sociales, 1999-2008”. Barcelona: Universidade de Barcelona. Disponível em: http://www.ub.edu/ geocrit/-xcol/257.htm. (Acesso em 25-09-2015).


4 Fujita, Camila.; Rigon, Matheus José (2014). Desigualdade social, segregação espacial e impactos ambientais em uma cidade média: o caso dos assentamentos precários em Chapecó-SC. (online), In: XIII Seminário Internacional da Rede Iberoamenricana de Investigadores – RII. – Salvador, Bahia. 1-13 Disponível em: http:// www.rii.sei.ba.gov.br/ anais-do-xiii-seminariorii/. (Acesso em 25-092015). 5 CHAPECÓ. Lei Complementar 202 de 2004. Disponível em: www.leismunicipais.com. br. acesso set/2015. 6 CHAPECÓ. Lei Complementar Nº 541/2014. Disponível em: www.leismunicipais. com.br. acesso set/2015. 7 Hillier, Bill.; Hanson, Julienne. (1984).The social logic of space. Cambridge: Cambridge University Press.

foi a principal responsável pelo desenvolvimento econômico e pelo processo de urbanização do município (RECHE e SUGAI, 2008)3. De acordo com Fujita e Rigon (2014)4, a partir dos anos 1970, com a instalação de grandes agroindústrias no município houve altos índices de crescimento populacional urbano (entre 1970 e 1980 a população urbana passou de 20.275 habitantes para 55.269 habitantes) e, gradativa ampliação da demanda habitacional de interesse social ou popular. Observa-se que o município ao longo dos anos, principalmente a partir dos Programas MCMV tem ofertado empreendimentos habitacionais coletivos de interesse social na forma de condomínio. Muitos deles são implantados como “ilhas”, sem acesso aos equipamentos públicos básicos ou com acesso restrito à malha viária e à infraestrutura urbana de forma que segregam ou são segregados pelo espaço urbano. O primeiro Plano Diretor de Chapecó após o Estatuto das Cidades5 abordou o tema da HIS a partir do Programa de Produção Habitacional de Interesse Social e a instituição das AEIS - Áreas Especiais de Interesse Social. Adotou como princípio que a HIS deve estar “integrada aos elementos estruturadores do território, garantindo a infraestrutura adequada, a qualificação ambiental e o oferecimento dos serviços necessários para a promoçãoda qualidade de vida nos assentamentos”. Considera-se adequados à ocupação de HIS, locais com oferta de equipamentos sociais e culturais, espaços públicos, serviços e comércio de caráter local (PDDTC, 2004 Art. 185). Porém, na prática, a HIS nunca conseguiu ser implantada em regiões centrais ou melhor integradas aos locais com maior infraestrutura urbana, mesmo em terrenos e edifícios abandonados ou subutilizados, ou vazios urbanos. Analisando a localização dos empreendimentos de HIS coletivas, observa-se que eles não integram regiões de AEIS e estão distribuídas, principalmente na porção leste e sul do município, além do destaque para o Bairro Efapi, que tem na sua origem ligação com a HIS de operários dos frigoríficos da região. O novo Plano Diretor de Chapecó – 2014 (PDC)6, quanto ao acesso à habitação, assegura que deve-se garantir o direito à moradia digna, através da reestruturação e qualificação dos espaços territoriais informais, da ampliação da oferta, da democratização do acesso e do reconhecimento e regularização das ocupações habitacionais consolidadas”.

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O PDC 2014 regrou os loteamentos de interesse social, (modalidade já existente por lei específica), nos art. 188 e 189, como “aquele produzido para atender às famílias com renda mensal não superior a 3 (três) salários mínimos e inscritas em Cadastro Público da Secretaria Municipal de Habitação. Mesmo esses empreendimentos que possuem flexibilização nos índices urbanísticos, a legislação trouxe consigo requisitos para a sua integração urbana, já que deverão possuir ao menos uma via coletora onde deverá ser localizadas as áreas institucionais e dar acesso ao transporte coletivo urbano. Outra inovação é o artigo 197 que “permite a realização de atividades comerciais e de serviços de pequeno porte e baixo impacto de degradação ambiental nos empreendimentos de interesse social”. 3. INTEGRAÇÃO URBANA DAS HIS COLETIVAS EM CHAPECÓ-SC A identificação dos empreendimentos a serem analisados deu-se através do cadastro municipal imobiliário, utilizando-se de uma chave de busca para empreendimentos que obtiveram incentivos fiscais pelos empreendimentos de habitação de interesse social de regime condominial. As análises urbanas foram elaboradas a partir de um banco de dados correlacionado a uma base cartográfica georreferenciada em SIG livre - QGis. As análises de integração da malha viária foram realizadas no software depthmapXnet-0.30v2. Com a ajuda de bibliografias e estudos de caso, estabeleceu-se que a área de análise do entorno abrange cerca de 300 metros em torno de cada empreendimento. Diversas relações de proximidade e destinação do uso do solo identificaram sobreposições das áreas de análise, porém elas foram analisadas individualmente. 3.1 Mobilidade urbana Para avaliar a integração urbana dos empreendimentos estudados, adota-se uma metodologia abordada por HILLIER; HANSON (1984)7, chamada Sintaxe Espacial. Assim, o acesso da HIS à malha viária integrada pode ser considerada um ponto de integração desta à cidade e aos seus locais mais bem servidos. Com base na abordagem da sintaxe espacial demonstrada no mapa da (fig 2) é possível avaliar algumas relações entre os empreendimentos estudados e a sua integração à cidade, especialmente nos aspectos que se referem à mobilidade urbana, tomando como base a configuração da malha.


Os empreendimentos analisados estão localizados fora dos núcleos integradores da cidade, principalmente onde a malha viária é menos integrada. Confirma-se a observação de Carmo et al (2013, p. 31)8 de que “o desenvolvimento econômico ocasionado por uma rede mais integrada contrasta com vias menos integradas, que levam às áreas mais segregadas, ocupadas, em geral, por populações de renda mais baixa”. Os empreendimentos melhor integrados, localizam-se em bairros já consolidados nas regiões leste, sudeste e sudoeste. As maiores desconexões estão localizadas nas regiões sul e nordeste da cidade. Essas áreas, que são também as mais distantes do centro, possuem interligações de malha urbana aberta ou quase inexistentes, configurando no isolamento espacial dos empreendimentos. Quanto ao acesso dos empreendimentos às vias de maior importância (PDC 2014), é possível identificar no Mapa da Estrutura Viária Urbana na (fig3) que os empreendimentos localizados na parte leste da cidade, são servidos por importantes vias arteriais. Em piores condições de acessibilidade às referidas vias estão os empreendimentos localizados na região sul e nordeste da cidade, cujos acessos se restringem a ruas locais e estradas municipais com reduzida infraestrutura, muitas inclusive sem pavimentação. Quanto à análise do Mapa de acesso ao transporte coletivo Urbano (fig 4), é possível constar que os locais com serviços mais precários estão localizados nas regiões sul e nordeste da cidade e na porção sudoeste do bairro Efapi. Os empreendimentos melhor servidos estão na parte central de bairros consolidados como Santo Antônio, Esplanada e região leste da cidade. 3.2 Acesso aos equipamentos públicos de saúde, lazer e educação Para a análise do acesso aos equipamentos públicos, foram lançados na base cartográfica do município as escolas municipais e estaduais, centros de educação infantil, centros de saúde e as praças públicas. O estudo demonstra que dos 70 empreendimentos analisados, 42 deles (60%) não possuem em seu raio de entorno nenhum equipamento público. Somente um dos empreendimentos (1,4%) estudados é servido por todos os equipamentos. As piores situações estão na parte sul do Bairro Efapi, região sul e nordeste da Macroárea urbana. Essas duas últimas localizações coincidem com as porções do território mais desconexas e periféricas da malha urbana. A

condição se agrava quando observadas as grandes distâncias a serem percorridas até o equipamento mais próximo, que para alguns empreendimentos ultrapassa 1.000 metros. Os empreendimentos melhor servidos pelos equipamentos públicos coincidem com regiões centrais de bairros consolidados, com destaque para os empreendimentos MCMV construídos na região central do bairro Santo Antônio e Esplanada, nestas áreas tanto os equipamentos públicos, quanto o traçado da malha viária já se encontram implantados e consolidados. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Conclui-se que, assim como em grande parte no Brasil, os empreendimentos de HIS chapecoenses ainda possuem baixa integração urbana, geralmente implantados longe dos equipamentos públicos essenciais de educação, saúde e lazer. Pode-se evidenciar que em Chapecó – SC, os empreendimentos menos integrados à cidade encontram-se na porção sul e noroeste da cidade e são destinados à população de 0 a 3 salários mínimos. As melhores condições de inserção urbana estão especialmente em bairro já consolidados, seja pelas conexões existentes na malha viária, seja pela proximidade aos equipamentos e serviços públicos disponíveis. Observa-se que o transporte público coletivo não atende satisfatoriamente a demanda de muitos empreendimentos, dificultando ainda mais a vida dos trabalhadores e exigindo desperdício de tempo e maior investimento para o deslocamento urbano. Percebe-se que é indispensável maiores investimentos públicos na infraestrutura urbana e na oferta de equipamentos públicos nessas regiões periféricas e de expansão urbana para suprir a demanda por abastecimento de água, esgoto, vias e transportes públicos, equipamentos de saúde, educação e lazer. Além disso, haverá de se conquistar maior efetividade no cumprimento das legislações municipais e federais e das demandas habitacionais para a construção de uma cidade mais integrada e sustentável.

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Carmo,

Cassio Leandro do; Raia Junior, Archimedes Azevedo; Nogueira, Adriana Dantas. (2013) Aplicações da sintaxe espacial no planejamento da mobilidade urbana. Ciência & Engenharia (Science &EngineeringJournal) ISSN 1983-4071 22 (1): 29 – 38.


(fig 1) – Localização do município de Chapecó-SC e a localização das áreas em análise na Macrozona Urbana. Elaboração das autoras: 2015.

(fig2) – Mapa de integração viária para os empreendimentos em análise. Elaboração das autoras: 2015.

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(fig 3) – Mapa da estrutura viária urbana para os empreendimentos em análise. Elaboração das autoras: 2015.

(fig4) – Mapa do acesso ao transporte coletivo urbano. Elaboração das autoras: 2015.

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(fig5) – Mapa do acesso aos equipamentos Públicos de Educação, Saúde e Lazer. Elaboração das autoras: 2015.

QUEILA RISSI CONDE queilarissi@yahoo.com.br Arquiteta e Urbanista UEM-PR (2007) e Especialização em Direito Imobiliário, Notarial e Registral - Celer/Unisc (2012). Funcionária pública municipal do quadro técnico permanente. DAIANE REGINA VALENTINI arqvalentini@yahoo.com.br

JANETE FACCO janetefacco1@gmail.com

Arquiteta e Urbanista (2007); mestre em Geomática (2010) - UFSM . Docente UNOESC Chapecó e funcionária pública municipal do quadro técnico permanente. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa CNPQ Planejamento da Paisagem e Sistema de Espaços Livres IntraUrbanos-UFSM.

Geógrafa (2004); Mestre em Ciências Ambientais UNOCHAPECÓ (2011). Doutoranda em Geografia UFSC (2014). Pesquisadora do Laboratório de Análise Ambiental e Permacultura (UFSC).

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Ana Cristina S. Morais1 | Luiza P. F. Guerino2 | São Paulo, Brasil CONJUNTOS RESIDENCIAIS NOVE DE JULHO E SANTA CRUZ: O IAPB na urbanização e industrialização de São Paulo

RESUMO Por meio da análise dos Conjuntos Residenciais Nove de Julho e Santa Cruz, construídos pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB) entre 1945-50, esse artigo pretende compreender o processo de formação de padrões espaciais na cidade de São Paulo no período de sua industrialização e urbanização, entende-se por padrões espaciais as relações estabelecidas entre cidade e arquitetura. O estudo sistemático das implicações do meio construído no meio urbano se anuncia como ferramenta importante para compreensão do quadro urbano atual. Assim, a sistematização da produção habitacional do IAPB mostra-se essencial, já que este órgão teve papel fundamental para a verticalização e modernização de várias cidades brasileiras. Entende-se que a implantação desses conjuntos possui relação direta com o território onde se encontram, com as dinâmicas metropolitanas no momento de sua construção e com o pensamento das vanguardas no período. A leitura desses dois conjuntos simultaneamente se mostra interessante devido as diferentes tipologias e soluções adotadas em cada caso, além das distintas consequências da legislação urbanística e da transformação da cidade em seus projetos. Esse artigo parte de duas frentes, uma relacionada ao urbanismo em São Paulo e à configuração geral do território à época, e outra pautada pelo estudo dos Institutos de Aposentadoria e Pensões – em específico o IAPB – e dos conjuntos em suas configurações e alterações espaciais ao longo do tempo.

Assim, a partir da análise espacial destes objetos, busca-se compreender três questões relacionadas ao enfoque mencionado: i) qual conceito de cidade estava subentendido nas soluções projetuais apresentadas pelo IAPB; ii) qual a relação desta ideação de cidade com a realidade urbana apresentada no momento de sua concepção; e, iii) quais alterações ocorreram nas interfaces de comunicação destes espaços. PALAVRAS-CHAVE: Conjunto Residencial Nove de Julho, Conjunto Residencial Santa Cruz, IAPB, urbanização e industrialização, espaço urbano, habitação social. ABSTRACT Through the analysis of the residential developments Nove de Julho and Santa Cruz, built by the Banking Retirement and Pension Institute (IAPB), between 1945-50, this article aims to understand the process of consolidation of spatial patterns in the city of São Paulo during its industrialization and urbanization. Spatial patterns are understood as the stablished relations between city and architecture. The systematic study of the built environment implications in the urban environment announces itself as an important tool to comprehending the current urban panorama. Thus, the systemization of the IAPB dwelling production is essential once this organization had a fundamental role to the process of verticalization and modernization of several Brazilian cities. The deployment of these projects is considered to be directly related to the territory in which they are located, to the metropolitan dynamics of the moment

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1 Autora deste artigo, graduanda da FAUUSP e pesquisadora do projeto FAPESP no. 2013/14951-7. 2 Coautora do artigo, graduanda da FAUUSP e pesquisadora do projeto FAPESP no. 2013/14951-7. Agradecemos à FAPESP e ao CNPQ pelo financiamento desta pesquisa. 3 Author of this article, undergraduate student in FAUUSP and researcher of the FAPESP project number 2013/14951-7. 4 Coauthor of the article, undergraduate student in FAUUSP and researcher of the FAPESP project number 2013/14951-7.


5 A taxa de crescimento de São Paulo é de 133% entre 1920 e 1940. (Antunes, 1997). 6 (Botas & Koury, 2014, p. 146) 7 (Pessolato, 2007, p. 40) 8 (Bonduki, 1998, p. 76 apud Pessolato, 2007, p. 41) 9 (Botas & Koury, 2014, p. 147) 10 (Bruna, 2010) 11 (Bonduki, 2014; Farah, 1983 apud Ferrari, 2013)

they were built and the thoughts of the avant-gard in the period. The reading of both projects similarly is interesting due to the different typologies and solutions adopted in each case, and, because of the different consequences of urban legislation and city transformation into their design.

profissionais, cada Instituto tinha autonomia para administrar suas arrecadações que dependiam do número de associados e rendimentos salarias de cada categoria. Entre os anos de 1937 e 1964, foi possível a produção de 124.025 unidades habitacionais em todo o País10.

This article derives from two approaches, one related to urbanism in São Paulo and to the general configuration of space at the time, and the other, connected to the Retirement and Pension Institutes – specially the IAPB – and the housing developments in their spatial changes throughout time. So, based on the spatial analysis of these objects, this works seeks to answer three questions related to the presented focus: i) what concept of city was understood in the design solutions adopted by IAPB; ii) what is the relation between this ideation and the urban reality at the moment of its conception; and iii) what are the alterations in the communication interfaces between these spaces.

O INSTITUTO DE APOSENTADORIA E PENSÕES DOS BANCÁRIOS O Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários (IAPB) foi o que teve a maior arrecadação per capita devido o salário médio da categoria ser, na época, o mais alto entre os trabalhadores do País. Consequentemente, seus associados tiveram os melhores serviços de proteção social, incluindo, além das aposentadorias e pensões, serviços de assistência médica, hospitalar e cirúrgica11.

KEYWORDS: Housing Development Nove de Julho, Housing Development Santa Cruz, IAPB, urbanization and industrialization, urban space, social housing. A QUESTÃO HABITACIONAL NO BRASIL ENTRE 1930 E 1964 Durante o século XX, São Paulo passou por uma intensa modernização e expansão urbana. Entre 1920 e 1960, a população das principais cidades brasileiras cresceu em taxas altíssimas5, invertendo o quadro populacional do país de rural para urbano6. Até a década de 1930, mesmo com as drásticas transformações passadas pelas cidades brasileiras durante a República Velha, a questão habitacional ainda não era o foco das questões urbanas7. A cidade de São Paulo ainda se apoiava na produção rentista para prover moradia para as classes médias e baixas. A habitação ganha atenção pelo Estado com a criação da legislação trabalhista por Getúlio Vargas a partir de 1930, quando, em um governo positivista e populista, “(...) a questão social passa a constituir um item relevante da agenda do Governo Federal”8. A partir de 1933, o governo Vargas elabora os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), que “(...) tinham o objetivo de assegurar aposentadoria e pensões para os seus beneficiários e secundariamente assistência médica e a oferta de moradia através da construção de conjuntos habitacionais”9. Eram sete IAPs, organizados segundo categorias

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O início da produção do IAPB é pautado pela construção de unidades unifamiliares, utilizando uma arquitetura tradicional. Contudo, gradativamente o ideário moderno é agregado aos projetos do Instituto. Dessa forma, a partir da década de 1940, seus investimentos se concentram em edifícios verticais e blocos multifamiliares de três ou quatro pavimentos; ambas as tipologias poderiam possuir comércio e/ou equipamentos em seu térreo ou em edifícios segregados no interior da gleba. Os conjuntos de blocos multifamiliares, como o Santa Cruz, eram, comumente, implantados em glebas segregadas da malha existente12. Por outro lado, os “edifícios dos bancários” – como eram conhecidos os edifícios verticalizados, sendo o Nove de Julho um exemplo – por estarem em áreas valorizadas ou contíguos a eixos de conexão eficientes, garantiam a proximidade aos centros urbanos, onde a maioria dos bancários trabalhava. Além disso: “Por meio dos “edifícios dos bancários”, o IAPB foi um importante protagonista do processo de verticalização e de difusão da modernidade no centro de inúmeras cidades brasileiras nos anos 1950. Caracterizou esses projetos o uso de elementos arquitetônicos próprios do modernismo brasileiro, como estrutura modulada, pilotis, cobogós, planos de quebra-sóis, variação funcional marcada na volumetria e equipamentos destacados na cobertura”13

É importante ressaltar que dentre as comissões técnicas do IAPB em diferentes regiões brasileiras, a paulista se destaca como uma das mais conservadoras. Por exemplo, apesar do ideal modernizador, que pautou a tipologia e localização do C. R. Nove de Julho, seu projeto arquitetônico pouco dispõem dos citados elementos do modernismo brasileiro ou da lógica funcional na distribuição de seus espaços.


OS CONJUNTOS RESIDENCIAIS NOVE DE JULHO E SANTA CRUZ Os Conjuntos Residenciais Nove de Julho e Santa Cruz foram construídos entre os anos de 1946 e 1950 na cidade de São Paulo, sendo seus projetos desenvolvidos pela comissão técnica do IAPB em contemporaneidade. Ambos os conjuntos estavam, na época de implantação, em regiões distantes do centro da cidade, contudo, já valorizadas e visadas pelo processo de expansão urbana que estava em curso. Os dois conjuntos estão em área de várzea, ou seja, alagáveis e, supostamente, mais baratas. O Conjunto Residencial Nove de Julho, projeto da comissão técnica do IAPB, está localizado no cruzamento entre as avenidas Nove de Julho – construída no vale do Rio Saracura – e São Gabriel duas vias da zona sudoeste de São Paulo. Na época de sua construção, a avenida radial Nove de Julho ainda não havia sido implantada, contudo, já estava projetada no Plano de Avenidas de Prestes Maia14, sendo construída logo após a inauguração do conjunto. Atualmente, a região está consolidada, sendo muito valorizada pela grande oferta de comércio, serviços e lazer, além de possibilitar acesso fácil ao centro da cidade. O conjunto é composto por três edifícios, separados pelas avenidas citadas. Dessa forma, cada edifício está localizado em um bairro distinto – Itaim Bibi, Jd. Europa e Jd. América. O conjunto possui 486 unidades habitacionais, distribuídas entre os três edifícios, cada um com treze pavimentos conectados verticalmente por elevadores e escadas. Ao total são onze tipologias de unidades habitacionais, das quais a maioria possui dois ou três dormitórios e dois banheiros, somando área útil entre 70 e 100 m². No térreo do edifício 12 de setembro, localizava-se o centro social, salas de múltiplas atividades, atendimento médico, odontológico e uma escola infantil15. A implantação desses edifícios acompanha o alinhamento das ruas locais que possuíam urbanização mais plena e ocupada na década de 1930, já as entradas dos edifícios foram voltadas para as avenidas maiores, futuros eixos de locomoção e mobilidade. Deste modo, enquanto que o alinhamento faz sentido na criação de composição visual da cidade, ainda se preservou maior privacidade aos edifícios e facilitou o acesso ao transporte. A área de lote entre estes e a rua, criou pátios que foram utilizados como área livre semi pública de lazer, que era utilizado pelos moradores do conjunto e da vizinhança.

O Conjunto Residencial Santa Cruz, projeto de Marcial Fleury de Oliveira, está localizado na Rua Santa Cruz, na Vila Mariana, em um terreno triangular formado, na época de sua construção, pela confluência da Rua Santa Cruz, com o Rio Ipiranga, atual Avenida Doutor Ricardo Jafet. Hoje, essa antiga região de várzea é bastante consolidada, sendo a Avenida Ricardo Jafet um importante corredor de tráfego. A área possui infraestrutura de transportes, comércio e serviços bastante ampla. A gleba do conjunto é cortada por uma via principal, mais larga do que as vias locais de acesso aos blocos. Desse modo, formam-se quadras compridas, que abrigam blocos de edifícios separados por vias arborizadas para pedestres. O conjunto é composto por 47 blocos multifamiliares de três andares cada, associados em fita ou isolados, totalizando 282 apartamentos. Cada bloco possui seis apartamentos, ou seja, dois apartamentos por andar, organizados a partir de uma caixa de escada. Há duas tipologias de apartamento, ambas com três dormitórios, sala, cozinha, banheiro social e de serviço e área de serviço. As unidades menores possuem de 71,60 m², enquanto as unidades maiores possuem 80,64 m², diferenciando-se, apenas, pela presença da despensa. Originalmente, a gleba era equipada com uma cooperativa de consumo, ambulatório médico do IAPB e um clube, todos em edifícios independentes. LEGISLAÇÃO, CIDADE E PROPOSTAS O Código de Obras Arthur Saboya16 estabelecia quatro zonas na cidade de São Paulo – central, urbana, suburbana e rural (fig. 4). Além disso, designava limites de altura, estipulando para a Zona Central a construção de edifícios com no mínimo três andares; enquanto que no resto da cidade – incluindo as Zonas Suburbana e Rural, onde estavam, respectivamente, os C. R. Nove de Julho e Santa Cruz – os edifícios deviam obedecer à relação de, no máximo, uma vez e meio a largura da rua17. Contudo, nos eixos de expansão da cidade previstos no Plano de Avenidas, havia a flexibilização da legislação, permitindo, nessas áreas, maior adensamento construtivo, com o objetivo de criar avenidas verticalizadas, símbolo da modernização da cidade18. Esse era o caso da Avenida Nove de Julho, o que possibilitou a implantação do conjunto vertical do IAPB19. O C. R. Santa Cruz, por sua vez, como não estava localizado em um eixo de expansão, não foi abarcado por tal flexibilização, devendo obedecer, assim, o limite de gabarito estipulado pelo Código de Obras.

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12 (Ferrari, 2013, p. 142) 13 (Bonduki & Koury, 2014, p. 185) 14 Plano criado por Prestes Maia, priorizando a circulação de veículos sobre pneus em um sistema de avenidas de tipo radial-perimetral. Começa a ser implantado em meados da década de 1930, no mandato de Fábio Prado como prefeito. 15 (Bonduki & Koury, 2014, p. 190) 16 Vigente de 1934 até o Plano Diretor de 1972, o primeiro Código de Obras da cidade de São Paulo reunia toda a legislação sobre edificações e arruamentos existentes até aquela data. 17 (Rolnik, 1997; Somekh, 1997) 18 (Campos, 2002; Somekh, 1997)


A diferença entre a legislação da área dos dois conjuntos é insuficiente para explicar as suas diferentes tipologias - edifícios verticalizados x blocos multifamiliares - é preciso considerar, também, as especificidades de cada área. Por estar em um dos eixos do Plano de Avenidas, o edifício da Nove de Julho deveria ser coerente com a proposta de modernização da cidade. Assim, o IAPB implantou um conjunto de edifícios verticais, com elevadores e vagas para automóveis, próprio para o novo homem urbano e moderno, mais abastado do que o “homem novo”, trabalhador-padrão, de Vargas. Consequentemente, o C. R. Nove de Julho foi ocupado pelos associados ao Instituto mais bem remunerados. Diferentemente, o C. R. Santa Cruz, além de ter que respeitar os limites de gabarito, foi implantado em uma região que, até então, era largamente ocupada por chácaras e casas horizontais de operários. Além disso, estava em uma área de várzea de um rio, onde ainda não havia nenhum projeto de implantação de uma avenida de fundo de vale sobre suas águas. Essa configuração era coerente com a implantação de um conjunto menos denso e mais arborizado. Ainda que não possuísse o viés modernizador planejado para a nova metrópole, este Conjunto não deixa de apresentar fortes características da vanguarda moderna alemã. Sua tipologia remete às Siedlungs Frankfurtinas – misto entre a implantação racional de blocos repetidos e Cidade Jardim. TRANSFORMAÇÕES, OS CONJUNTOS AO LONGO DO TEMPO Ao longo dos anos, o crescimento e expansão da cidade juntamente com a dissolução dos IAPs trouxeram mudanças significativas na configuração dos conjuntos. Sujeitos às mesmas pressões – como a demanda por garagens – os conjuntos reagiram semelhantemente, porém com diferenças vultosas que são importantes de serem cotejadas. Com o crescimento da cidade, a Avenida Nove de Julho se tornou, de fato, uma importante conexão entre o centro e a região da Faria Lima e Pinheiros. No caso do Conjunto Santa Cruz, em 1968 foi implantada, ao longo do Rio Ipiranga, a avenida de fundo de vale Ricardo Jafet. O uso intenso dessas vias serviu como justificativa para o fechamento dos conjuntos com grades, alternativa comumente adotada por administrações de edifícios na tentativa de garantir maior segurança para seus moradores. Na mesma década em que há o gradeamento dos conjuntos, ocorreu também, em 1967, a dissolução

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dos IAPs e a criação do Instituto Nacional de Previdência Social (INPS). Consequentemente, os equipamentos dos conjuntos foram incorporados a esse órgão. Esses dois fatos acarretaram diferentes mudanças no espaço dos dois conjuntos. No C. R. Nove de Julho, por exemplo, os equipamentos, por serem menos expressivos e menores, não tiveram força o suficiente para permanecerem públicos e abertos para a população; consequentemente, esses espaços foram transformados em unidades habitacionais. Diferentemente, no C. R. Santa Cruz – provavelmente por estarem em edifícios indepedentes e, portanto, serem mais expressivos e maiores – seus equipamentos e seus espaços se mantiveram abertos e públicos. Nesse caso, os equipamentos do conjunto, hoje dois postos de saúde do Sistema Único de Saúde (SUS), asseguraram, ainda que gradeado, o livre acesso aos seus espaços. Isso garante a dinâmica e qualidade urbanística do conjunto, ainda exercendo a função de parque urbano. Outro ponto a ser considerado é o aumento da frota de automóveis dos moradores dos dois conjuntos, assim como ocorreu em toda cidade de São Paulo. O estacionamento projetado para o C. R. Nove de Julho foi insuficiente; consequentemente, alguns de seus espaços livres foram substituídos por espaços para garagem. Por outro lado, no C. R. Santa Cruz, o aumento do número de automóveis não resultou na desconfiguração de espaços, contudo, suas vias internas foram tomadas por automóveis. Os dois conjuntos sofreram diminuição de suas qualidades espaciais. É inegável, contudo, que isso tenha ocorrido mais drasticamente no C. R. Nove de Julho, com a alteração do projeto original e com a eliminação de espaços fundamentais para a articulação da vida social como havia sido ideada pelo IAPB. Além disso, devido ao largo processo de condominização de diversos edifícios habitacionais na cidade de São Paulo, o C. R. Santa Cruz se configura como uma exceção por permanecer aberto e por manter, ainda que diminuída, sua qualidade urbanística. Ademais, enquanto projetos habitacionais para a futura metrópole, ambos os conjuntos possuem tipologias e características espaciais interessantes. Estas, por mais que tenham perdido alguma qualidade, não deixam de ser propostas reconhecidamente positivas e interessantes para a cidade, principalmente, quando confrontadas com a produção habitacional, pública e privada, recente.


Antunes, C. (1997). A Arquitetura Moderna brasileira e o projeto da habitação popular 1940-1950. FAUUSP, São Paulo. Bonduki, N. G. (1998). Origens da habitação social no Brasil: arquitetura moderna, lei do inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade.

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Figura 1 - Implantação do C. R. Nove de Julho. Fonte: Edição própria sobre imagem do Google.

Figura 2 - Implantação do C. R. Santa Cruz. Fonte: Edição própria sobre imagem do Google.

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Figura 3 - Implantação do C. R. Nove de Julho e Santa Cruz, respectivamente da esquerda para a direita. Fonte: Autoria própria durante as pesquisas FAPESP e CNPq. Figura 4 - Mapa de São Paulo em 1943 com destaque para os limites entre zonas do Código Arthur Saboya e localização dos conjuntos. De leste para oeste se destaca em preto, a localização dos C. R. Santa Cruz e Nove de Julho, respectivamente. Fonte: Autoria própria a partir de base do Arquivo Municipal de São Paulo, Memória Pública, 2015.

Figura 5 - Vista da Av. São Gabriel a partir do C. R. Nove de Julho. Fonte: Autoria própria, 2015.

Figura 6 - Vista a partir de uma das vias exclusivas para pedestres no C. R. Santa Cruz. Fonte: Arquivo Pioneiros da Habitação Social, 2014.

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Figura 7 - Vista da entrada do C. R. Nove de Julho, gradeamento do perímetro da quadra. Fonte: Arquivo Pioneiros da Habitação Social, 2014.

Figura 8 - Vista atual do C. R. Santa Cruz, rua interna da gleba tomada por estacionamento de carros. Fonte: Autoria própria, 2015.

ANA CRISTINA DA SILVA MORAIS anacmoraiss@gmail.com

LUIZA PIRES FUJIARA GUERINO luiza.guerino@outlook.com

Ana Morais é graduanda em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAUUSP), realiza pesquisa de iniciação científica fomentada pelo CNPQ sobre o Conjunto Residencial Santa Cruz, construído pelo IAPB.

Luiza Guerino é também graduanda da FAUUSP, bolsista de iniciação científica pela FAPESP, na área de crítica da arquitetura com o estudo da temática de Habitação Social e Cidade no Conjunto Residencial Nove de Julho, também construído pelo IAPB.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Fabrício Arriaga | Niteroi, Brasil PRODUÇÃO HABITACIONAL EM NITERÓI/RJ Habitação sobre um molde de cidade possível

Habitação constitui a relação mais elementar entre o espaço e o indivíduo. Pode ser definido como nome do lugar onde o ser humano vive e forma sua relação mais intima com a cidade. No entanto, ainda que possua tal relação íntima, privativa e individual com as pessoas, a habitação não pode ser entendida e projetada de forma isolada, alheia a formação do “lugar”. Depende, essencialmente, de mecanismos funcionais e estruturais do espaço urbano e questões subjetivas relacionadas a identidade cultural do espaço humanizado ao seu redor. Pensar e projetar habitação apenas sob o viés da construção física, desconsiderando componentes objetivos e subjetivos caracteriza grande parte da produção habitacional do país nas últimas décadas. Historicamente, o uso e ocupação do solo urbano nas grandes cidades não seguiram políticas públicas e parâmetros que conduzissem a um melhor ordenamento territorial. Prevaleceu a supervalorização de muitas áreas em detrimento de outras, com investimentos públicos insuficientes para atender boa parte da população, que recorreu ao improviso e gerou sérios desequilíbrios sócio espaciais. O déficit habitacional no Brasil (2012) calculado pela Fundação João Pinheiro 1 passou dos 9,1%, quase 6 milhões de moradias, e afeta principalmente a população de baixa renda. Para minimizar o problema, sucessivos governos adotaram o viés quantitativo de construção de unidades, com foco na dinamização econômica e incremento na construção civil.

No entanto, a ausência de uma política nacional de habitação de interesse social, desde 1986 extinção do BNH (Banco Nacional de Habitação), tem dificultado a articulação de programas e ações à uma proposta ampla de planejamento urbano que considere a qualidade da moradia integrada aos diversos sistemas e centralidades urbanas. Segundo ADAUTO 2 (2008), o período BNH foi encerrado deixando como herança, entre outras, a visão de que fazer política habitacional refere-se somente a construção de conjuntos, pouco efetivos para população com renda até 3 salários mínimos atendida quase exclusivamente, nesta época, por soluções e práticas alternativas como a autoconstrução. Porém, a preocupação daquela instituição em avaliar a sua atuação mediante contratos com os principais institutos de pesquisa do pais perdeu-se no tempo e foi eliminada da historia. Ao longo das ultimas décadas, alguns importantes marcos institucionais permearam a problemática habitacional no Brasil. A inserção dos artigos 182 e 183 na Constituição de 1988, que tratam da politica urbana, regulamentados no Estatuto das Cidades, e a elaboração de linhas de financiamento à produção de novas moradias populares, foram os principais mecanismos, porem pouco efetivos, que pautaram a ação do Estado sobre a necessidade por habitação adequada com acesso a cidade. Dentre os principais programas destacam-se o Plano PAR (Programa de Arrendamento Residencial) e MCMV - Minha Casa, Minha Vida, ambos focados na produção de novas moradias populares, sob

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1 FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, (2012). Déficit Habitacional Municipal no Brasil. Belo Horizonte: FJP, Centro de Estatística e Informações. 2 CARDOSO, Adauto Lucio (2008). Política Habitacional no Brasil: Balanço e perspectiva. Observatório IPPURJ/ UFRJ-FASE. Rio de Janeiro.

3 MACHADO, L. M. C. P (1997). Qualidade Ambiental: indicadores quantitativos e perceptivos. In: MARTOS, H. L. e MAIA, N. B. Indicadores Ambientais. Sorocaba: Bandeirante Ind. Gráfica S.A. p. 15-21.


diretrizes federais e aplicadas pelos municípios, sob decretos específicos respeitando parâmetros urbanísticos e edilícios de seus Planos Diretores. Entre os anos de 1999 e 2009, o PAR buscou facilitar o acesso a moradia às famílias com renda até 6 salários mínimos através do arrendamento residencial, com opção de compra após 15 anos de contrato, ou seja, algo semelhante a um aluguel social, porém subsidiado a juros zero durante todo período. Neste programa, o empreendedor privado, grande parte de pequeno e médio porte, escolhia o terreno, elaborava os projetos arquitetônico e complementares e submetia à apreciação da Caixa Econômica Federal, gestora do FAR (Fundo de Arrendamento Residencial). Para liberação da verba de financiamento à construção, prevaleciam como critérios de avaliação o risco financeiro das empresas interessadas, o atendimento às diretrizes técnicas mínimas e a entrega da documentação burocrática aprovada e emitida pelos órgãos competentes. Após construído e habitado, os empreendimentos continuavam sob gestão do FAR por meio das administradoras condominiais, as quais deveriam executar a manutenção das áreas comuns e fiscalizar possíveis modificações para adaptações das unidades residenciais. Em março de 2009, o PAR deixa de existir a partir do lançamento do programa MCMV. O titulo de propriedade do imóvel no período de 10 anos, com prestações limitadas a 10% da renda de famílias enquadradas na faixa de 0 a 3 salários mínimos (atual faixa 1) substituiu o regime anterior de arrendamento. Sob novo paradigma de atuação, o governo convocou grandes construtoras para viabilizar a construção em massa de habitações em módulos de até 500 unidades em recortes urbanos por vezes duvidosos desprovidos de infraestrutura, equipamentos públicos, comercio e serviços. A forma de análise dos empreendimentos se comparada ao PAR foi pouco alterada. No entanto, o ritmo de contratação imposto para superação de metas governamentais ambiciosas resultou em projetos pouco desenvolvidos, seja na distribuição dos espaços internos, seja na conexão com a cidade. Cabe destacar ainda que, para efeito deste programa, em relação a projetos da categoria faixa 1, houve uma diferenciação de valores em

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função da tipologia adotada, ou seja, o valor para construção de apartamentos é superior ao valor de casas. Neste caso, torna-se mais nítido o incentivo à produção em massa de habitações visto que, contraditoriamente, o aproveitamento dos terrenos é bem inferior em implantações de residências unifamiliares, elevando desta forma o custo da terra para uma tipologia menos valorizada. No MCMV, politicas pós-ocupação restringem-se a atuação de empresas de trabalhos técnico social 6 meses antes e depois da entrega dos empreendimentos. Diferente do PAR que possui uma administradora condominial contratada pelo FAR, no MCMV institui-se a figura jurídica do condomínio e após a entrega das chaves a gestão do empreendimento passa diretamente ao novo sindico, eleito pelos próprios novos moradores. INTERAÇÃO ENTRE POLÍTICA HABITACIONAL E ORDENAMENTO TERRITORIAL A redução do déficit habitacional não pode ser entendida apenas sob o foco da construção em massa de unidades habitacionais. Deve ser considerada a qualidade ambiental urbana na qual o novo empreendimento deve se integrar, a população alvo e sua cultura. MACHADO 3 salienta que a qualidade ambiental está intimamente ligada à qualidade de vida, pois vida e meio ambiente são inseparáveis. Cada cidade possui características específicas relacionadas aos múltiplos usos e ocupações do solo, modificações climáticas e ambientais que as distinguem em ecossistemas próprios e formas de apropriação do espaço. O urbano se apresenta como uma segunda natureza, modificada pelo homem, que expressa as relações sociais em um espaço produzido para convivência sob parâmetros mínimos de qualidade de vida. A elaboração de programas habitacionais deve estar baseada em planos locais de estruturação urbana que conduzam a uma ordenação territorial equilibrada a partir dos novos empreendimentos habitacionais que prezem pela qualidade de vida de seus usuários. No entanto, a garantia do direito à habitação e à cidade vem sofrendo com uma intensa inversão de prioridades pelos sucessivos governos, que valorizam estes temas em momentos eleitorais e deixam a sociedade buscar suas próprias soluções durante a vigência de seus mandatos. BONDUKI 4 entende que nas cidades, a postura de abandonar as áreas sociais significou (e ainda


significa) investimento em obras discutíveis, sob a lógica da privatização dos lucros e socialização dos prejuízos, enquanto grandes parcelas da população sofrem com a carência de serviços públicos básicos e habitação de qualidade. HABITAÇÃO NO MUNICÍPIO DE NITERÓI Os dados socioeconômicos de Niterói apontam para uma cidade que possui um segmento significativo da sociedade com alta e média renda - publico alvo do mercado imobiliário local. No entanto, a questão habitacional de interesse social destaca-se seja pela escassez de recursos públicos frente às demandas por ações habitacionais de regularização fundiária, intervenção urbanística em comunidades e produção de novas moradias, seja pelos processos especulativos da terra que direcionam a produção formal de habitação econômica para as áreas periféricas ás principais centralidades, sendo também insuficiente frente à exponencial demanda por novas habitações. Logo, soluções alternativas de moradia resultam em ocupações irregulares próximas aos polos de geração de empregos, morros e áreas de fragilidade geológica. Á luz do principal marco regulatório para o planejamento urbano nacional (Estatuto da Cidade), o desafio maior que recai a Niterói é construir um caminho viável para a boa localização das suas famílias pobres no território – PLHIS 5 - , de forma a evitar, por exemplo, o ocorrido em abril do ano de 2010 no Morro do Bumba, Região Norte do Município. Para ilustrar o processo histórico de ocupação do território municipal e ações habitacionais de produção de moradia pautadas em recentes programas federais, a seguir serão apresentados uma breve descrição sobre o Morro do Estado e dois projetos habitacionais implantados em momentos distintos sob diretrizes do PAR e MCMV. Em ambos os programas, os principais agentes - Construtoras, Prefeitura e Caixa Econômica Federal - definiram, aprovaram e financiaram o projeto, respectivamente, tendo como base o cumprimento de diretrizes pré-estabelecidas, sem efetiva participação popular. Neste sentido, CARVALHO 6 demonstra que a natureza peculiar dos conjuntos habitacionais parece manter estreita relação com o processo de produção, que condiciona a oferta por moradias aos critérios de economia de escala, reduzindo a possibilidade de escolha e/ou participação do beneficiário final.

MORRO DO ESTADO O Morro do Estado tem como vizinhos Icaraí, Ingá e Centro, bairros de elevado padrão de renda e alta atividade comercial, respectivamente, tendo ambos elevados níveis de centralidade pela multiplicidade de funções urbanas com diferentes níveis de complexidade. Tal localização contribuiu decisivamente para intensificar o processo de ocupação territorial do bairro nas ultimas décadas. Sobre a configuração urbana, o Diagnostico Social do Morro do Estado 7 desenvolvido pelo Observatório de Favelas – RJ, sintetiza: “... os terrenos do bairro são majoritariamente irregulares, as vias de acesso são praticamente constituídas por becos e vielas .... Em relação à tendência de verticalização, observa-se que um terço dos domicílios possuem mais de um pavimento. Em relação às condições domiciliares, ... metade dos domicílios possui apenas um cômodo como dormitório. ” Conforme a descrição acima, o processo de ocupação e uso do solo tem se adaptado ás novas condições e possibilidades de preenchimento do tecido urbano, com destaque para verticalização de boa parte dos domicílios analisados. A constatação reforça a vitalidade do bairro, elevando a densidade domiciliar pela permanência e crescimento das famílias mais antigas e atração de novos moradores motivados pelo fator localização da comunidade, já bem incorporada e consolidada á geografia da cidade. RESIDENCIAL NILO PEÇANHA – PAR O Residencial Nilo Peçanha é composto por 62 apartamentos (2 quartos, sala, cozinha, banheiro e área de serviço), distribuídos em dois blocos com 4 pavimentos, concluído no ano de 2008. O empreendimento localiza-se no bairro Caramujo, região Norte do município de Niterói, que concentra a maior parte dos aglomerados subnormais e problemas relacionados á questão habitacional no município. Próximo a RJ 104 e Alameda São boa Ventura, os moradores tem facilidade de acesso ao Centro de Niterói e Rio de Janeiro, com opções diversas de transporte coletivo. No entorno imediato existem poucas opções de comercio e serviços de bairro, como padaria, farmácia e pequenos mercados. Em relação a equipamentos de saúde e educação, há dependência direta

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4 BONDUKI, Nabil (2000). Habitar São Paulo: reflexões sobre a gestão urbana: São Paulo: Estação Liberdade. 5 DAMASIO, C.; PERRONI, G.; MENEGASSI, J. (coords.) (2012). PHLIS – Diagnóstico Plano Local de Habitação de Interesse Social. LATUS Consultoria, Pesquisa e Assessoria de Projetos Ltda. Niterói: PMN – PREFEITURA MUNICIPAL DE NITERÓI. 6 CARVALHO, Thereza. (1985). As Dimensões da Habitação. In Revista Projeto 77. São Paulo: Editora. p 95-103. 7 PIRES SIMÃO, Mario (2006). Diagnóstico Social do Morro do Estado. Observatório de Favelas. Rio de Janeiro. p. 40. 8 SEM, Amartya Kumar (2000). Desenvolvimento como liberdade. Trad.: Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras.


da oferta do bairro vizinho Fonseca ao longo da Alameda São Boa Ventura, principal centralidade linear da Região Norte. A quantidade de unidades, a boa condição topografica e a inserção urbana deste empreendimento, com fácil acesso ao transporte coletivo, foram determinantes para sua contratação junto á Caixa Econômica Federal com recursos do FAR (Fundo de Arrendamento Residencial). Neste caso, o impacto sobre a infraestrutura urbana do entorno (redes de abastecimento de água e esgotamento sanitário), não demandou obras externas complementares, as quais não possuem subsídio governamental e impactam diretamente o interesse privado neste tipo de projeto. CONDOMÍNIOS ZILDA ARNS – PROGRAMA MCMV. O Residencial Zilda Arns – MCMV- é composto por 374 apartamentos e divide-se em 2 condomínios. O empreendimento foi implantado em terreno com condição topografia que demandou significativa movimentação de terra e obras de contenção de taludes, dentre tais algumas de maior complexidade. Localizados no Morro do Castro, os condomínios possuem em seu entorno imediato uma escola municipal e alguns estabelecimentos de comercio local de pequeno porte sendo diretamente dependente do bairro Venda da Cruz, centralidade urbana emergente mais próxima. Em relação ao transporte, poucas linhas municipais estão disponíveis e não há opção de linhas intermunicipais. Os casos apontados ilustram diferentes situações locacionais que definem a qualidade da inserção territorial da habitação no município. O processo histórico de ocupação do Morro do Estado, através da autoconstrução, foi pautado no interesse da população em manter-se próxima ao bairro Centro, centralidade urbana com multiplicidade e complexidade de funções urbanas, opções de transportes e empregos. O Residencial Nilo Peçanha – PAR – caracteriza-se pela carência de funções urbanas complexas, atendido apenas por opções básicas de comercio e serviços, porém com beneficio locacional pela oferta de inúmeras linhas de ônibus municipais e intermunicipais e proximidade à Alameda São Boa Ventura, importante centralidade linear da Região Norte. Diferentemente, o Residencial Zilda Arns foi implantado em localidade com poucas opções de equipamentos urbanos e sob restritas opções de acesso ao transporte publico.

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Logo, a inserção de novos empreendimentos habitacionais populares na malha urbana qualificada tem sido o principal desafio do município, seja pela elevada valorização do solo urbano pautada em intensa dinâmica imobiliária votada às classes sociais de maior poder aquisitivo, seja pela dificuldade ou descaso de sucessivos governos em elaborar e implantar ações habitacionais que efetivamente atendam a população mais carente. CONCLUSÃO Enquanto uns tendem a sustentar que o projeto e o conteúdo físico-espacial da cidade são decisivos para se instaurar novas dinâmicas sociais, outros sustentam que é a ação humana, realizando sua própria história, que dirá que forma urbana lhe servirá no porvir. Trata-se de especular sobre os limites das intervenções físicas em meios sociais, onde se verificam fortes barreiras à expansão das liberdades humanas, tomadas aqui como irremediáveis a uma efetiva reforma urbana. SEM 8 propõe avaliar o grau de desenvolvimento através do grau de expansão dos diversos tipos de liberdades humanas (políticas, econômicas, oportunidades sociais, entre outras). Segundo o autor, a pobreza deve ser vista como uma privação de capacidades, e não meramente um baixo nível de renda, critério tradicional de identificação da pobreza. Educação e saúde devem ser “fatores de produção” e não benefícios. A justiça haveria de ser a regulação das liberdades e o direito à garantia do exercício das possibilidades. Não obstante, o município de Niterói tem mantido uma estrutura de atuação sobre a questão habitacional com pouca efetividade em responder a velocidade das demandas da população mais carente, excluídas do mercado imobiliário voltado às classes mais favorecidas. Logo, urge uma nova concepção de inserção da habitação na cidade, com diretrizes de ordenamento urbano mais justas e inclusivas, que garanta o exercício das possibilidades a todos os seus cidadãos.


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FABRÍCIO ARRIAGA TAVARES arriagatavares@gmail.com Formado em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal Fluminense, Pós graduado em Engenharia Urbana pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, MBA em Negócios Imobiliários na Construção Civil pela Fundação Getulio Vargas. Arquiteto Urbanista, Sócio Proprietário da Habitar Projetos e Consultoria, atuando no gerenciamento técnico de empreendimentos imobiliarios, desenvolvendo projetos arquitetonicos e de infraestrutura urbana, com foco no segmnento residencial de média e baixa renda, especialmente aqueles inseridos em programas da Politica Nacional de Habitação.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Filomena Nascimento | Lisboa, Portugall PARA A COMPREENSÃO DO AMBIENTE CONSTRUÍDO Mumbai, uma casa chamada cidade

SINOPSE A investigação centra-se na análise do ambiente construído do Mumbai e na qualidade de vida dos seus habitantes com o objetivo de criar uma estratégia metodológica para o desenvolvimento urbano sustentável. Uma necessidade surgida do paradoxo entre os elevados preços imobiliários e a crescente degradação do ambiente construído.

sidade de habitação na forma das cidades em países de baixo rendimento; 3. Quais as estratégias de desenvolvimento urbano sustentável que podemos adoptar para cidades de países subdesenvolvidos considerando a habitação de baixo custo como a unidade para pensar o espaço.

O Mumbai é a quarta cidade mais populosa do mundo, diariamente 13 milhões de pessoas, e se considerarmos o grande Mumbai 21,5 milhões, lutam para sobreviver. A maioria são imigrantes provenientes do estado de Maharashtra ou de outros estados da Índia em busca de oportunidades de trabalho. A habitação é uma necessidade subjacente que molda a imagem do ambiente construído.

Palavras-chave: Ambiente Construído, Habitação, Estratégia de Crescimento Urbano Sustentável

Os níveis elevados de imigração desencadeiam um processo de urbanização descontrolado e a necessidade de uma resposta rápida das infra-estruturas urbanas e da habitação, impossíveis de obter num período de tempo tão curto. Devido à hiperocupação do solo, os preços do imobiliário e o número de assentamentos informais disparam. O Mumbai abriga mais de 50% de pessoas distribuídas entre ruas e favelas. É dentro de uma cidade dividida entre edifícios opulentes e anorécticos assentamentos informais onde as ruas são o principal suporte da vida cotidiana, desafiando qualquer tentativa convencional de planeamento urbano, que discutimos três questões: 1. Ao que nos referimos quando nos referimos a casa; 2. Qual é o impacto da neces-

MUMBAI, O CONTEXTO DO CONTEXTO Deli é a capital da Índia, contudo o Mumbai é seu núcleo comercial e financeiro. Inicialmente formada por sete ilhas a cidade é composta por uma área pequena de ‘’terra seca’’ e um porto natural, o mar Arábico, que determina as suas possibilidades de expansão e de forma. A relação com a água tem implicações diretas no microclima quente e húmido, adicionando as monções. A época das chuvas, entre Julho e Setembro, pode ser tão intensa que um percurso que demora entre 15 a 20 minutos pode demorar 2 horas. Toda a cidade fica inundada incluindo os caminhos-de-ferro. Conhecida como a maior democracia do mundo, a India compõe-se de várias religiões, hindus (a maioria), cristãos, muçulmanos, sikhs, budistas, jainistas e outras micro religiões não-declaradas. A religião não é apenas uma crença, é uma forma de vida determinando a relação do ser humano com o ambiente. O Vastu Shastra, a ciência construtiva indiana, independentemente da adaptação

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climatérica é, através da sua natureza espiritual, uma tentativa de reunir no mesmo espaço divindades e pessoas. Outro aspecto relevante, é o sistema de castas, dividido em quatro grupos - os Brahmana (as pessoas desta casta ensinam), os Kshatriya (serviço público, lei e ordem), os Vaishya (actividade comercial) e os Shudra (trabalhadores semi ou não qualificados). Nesta forma simplificada de explicar a sociedade indiana o mais importante, em traços gerais, é que este sistema determina o tipo de trabalho que um individuo pode ter e as suas limitações sociais e educacionais, refletindo-se na apropriação do espaço. Devido à dimensão do país e ao baixo rendimento per capita, para a maioria das pessoas emigrar para outro país não é opção, mas para o Mumbai sim. A maioria da população urbana são imigrantes provenientes do estado de Maharashtra ou de outros estados indianos em busca de oportunidades de trabalho. Vêm atraídos pela enorme aglomeração de escritórios, bancos, hotéis, lojas, universidades e outras oportunidades impossíveis de encontrar na índia rural. No sul do Mumbai – o nosso caso de estudo – a população é de quase 13 milhões, uma densidade de 200 pessoas por km², e se considerarmos o grande Mumbai a população aumenta para 21,5 milhões, uma densidade de 209 por km². A compacta população desencadeia um processo de urbanização descontrolado e a necessidade de uma resposta rápida por parte das infraestruturas urbanas e da habitação, impossíveis de obter num período de tempo tão curto. Devido a hiperocupação do solo, entre outros fatores, o número de assentamentos informais e o preço do imobiliário disparam. Mais de 50% dos habitantes do Mumbai vivem onde podem, preferencialmente perto dos núcleos de emprego. A cidade é um paradoxo entre as desumanas condições de vida e os elevados preços do imobiliário. Para os mais desfavorecidos as opções de habitação são as ‘’Chawls; Patra chawls (estruturas semipermanentes, podem ou não ser autorizadas); Zopadpattis (habitações ilegais); e as ruas’’ (Risbud, 2003). INVESTIGAÇÃO, DADOS E MÉTODOS É dentro de uma cidade dividida entre edifícios opulentes e anoréticas favelas que a investigação tem por objetivo criar uma estratégia metodológica para o desenvolvimento urbano sustentável, focada na habitação de baixo custo. A investigação foi

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conduzida em dois níveis: N1: dados recolhidos no lugar; N2: dados recolhidos a partir de diversas fontes, cruzando diferentes metodologias de análise urbana e de intervenção projectual em países subdesenvolvidos. Com o objetivo de detectar padrões de atuação que possam originar uma nova estratégia metodológica útil para melhorar a qualidade do sistema sócio-espacial do Mumbai. N1, realizou-se entre Abril e Maio de 2015. O contacto com o quotidiano da população e a cidade permitiram a identificação de diferentes sinergias urbanas e das necessidades sócio-espaciais emergentes, gerando um enquadramento mais eficaz para futuras respostas. Nesta fase a recolha de dados implicou vários métodos, nomeadamente: observação natural, fotografia, gravação sonora, vídeo, análises de mobilidade e conversas com arquitetos e urbanistas locais. Em N2 a recolha de dados fez-se a partir das Nações Unidas, da Ordem dos Arquitetos Indiana e do 15.º Censos Indiano, completando a informação em N1 ao nível do território e da cidade. Como métodos utilizamos: seleção crítica dos dados, revisão crítica de projectos, papers e relatórios, e a reunião crítica dos dados sobre o ambiente construído e sociocultural do Mumbai. Os censos indianos desempenharam um papel central na compreensão do contexto urbano, conduzidos a partir de dois grupos, 1. listagem de casas e 2. enumeração da população, contribuíram para aprofundar conhecimento sobre o contexto sociocultural e para detectar padrões de crescimento da população urbana essenciais para prever o desenvolvimento da cidade. A listagem de casas permitiu identificar as zonas emergentes de atuação ao nível da habitação. Nesta fase foram, ainda, estudadas as metodologias de análise do lugar e as recomendações de crescimento urbano sustentável das Nações Unidas, da 74.ª Constitutional Amendment – USAID e do Arquiteto Charles Correa. RESULTADOS Assim, propomos uma estratégia metodológica dividida em quatro etapas: Visão expandida do contexto, Levantamento do lugar, princípios enquanto ferramentas projectuais e preparando o projecto, com recomendações ao nível do planeamento urbano e da arquitectura.


Uma visão expandida do contexto sociocultural, politico e económico do país contribui para um enquadramento e entendimento aprofundado da área de intervenção e para uma planificação curada do plano e cronograma de ação. Recomendamos trabalhar com dados de fontes oficiais, nomeadamente: World Urbanization Prospects das Nações Unidas, os Censos, Institutos Nacionais de Estatística, Ordens de Arquitetos e/ou Urbanistas e Centros de Investigação que se dediquem ao tema explorado. No levantamento do lugar propomos três níveis complementares de ação. O primeiro prende-se com o levantamento sociocultural, útil para traçar um quadro dos utilizadores e respectivas práticas socioculturais, fornecendo uma visão holística da interação do ser humano com o espaço. Assim, propomos a seguinte recolha de dados: estimativa do crescimento da população (ONU, 2015), número de tribos, religiões e castas (Censos, 2011), média do salario nacional, preferências culturais (ONU, 2015), práticas socioculturais (por tribo, religião e castas), economias de escala trazidas por diferentes assentamentos (ONU, 2015), média de idades e alfabetização. Utilizando os seguintes métodos: revisão da literatura, observação natural, vídeo, fotografia, revisão histórica, análise dos Censos e do relatório World Urbanization Prospects. No segundo nível temos o levantamento geográfico. Este levantamento permite-nos (re)conhecer os recursos naturais do lugar e a utiliza-los para criar projetos mais ecológicos e sustentáveis. Um exemplo são os materiais naturais autóctones que podem ser utilizados na construção e que têm um impacto profundo na redução dos custos da habitação, porque são mais baratos de adquirir e de levar para a obra, apresentando um fator de desperdício diminuto porque são facilmente recicláveis. Para o realizar propomos os seguintes elementos: clima, topografia e recursos hídricos (ONU, 2015), topologia, flora e levantamento de materiais autóctones para construção. Utilizando como métodos: observação natural, levantamento topográfico, de linhas e de reservas de água, fotografia, informação climatérica, poluição atmosférica, GIS (Geographic Information Systems) e CAD (Computer Aided Design). No terceiro nível encontramos o levantamento do ambiente construído, fornecendo os dados sobre a materialidade construída do lugar. Para a sua recolha propomos: localização da cidade (ONU,

2015), ocupação do solo e distribuição de funções, infra-estruturas, número médio de pessoas por habitação informal e por m2 (Censos, 2011), estados de conservação, paleta, espaços públicos e tráfico (pedonal e motorizado), recorrendo aos seguintes métodos: observação natural, fotografia, vídeo, diagramas, mapas entrópicos e sensoriais, desenhos a mão levantada e rigorosos descritivos do contexto, GIS e CAD. Projetar em países de baixo rendimento, como defendia o arquitecto Charles Correa, implica perceber outros contextos em que a habitação é uma declaração de direitos. Assim, introduzimos alguns os seus princípios enquanto ferramentas operativas para pensar o projecto ao nível da habitação e da cidade. Este é o terceiro passo da nossa estratégia metodológica – princípios enquanto ferramentas projectuais. Incrementabilidade e maleabilidade: a imigração todos os dias traz mais alguém para os assentamentos informais do Mumbai, hospedando-se na casa de um amigo ou de um parente, fazendo com que o número de pessoas e de espaço disponível dentro da habitação mudem rapidamente. A esta realidade devemos adicionar as famílias numerosas e o trabalho a partir de casa, sendo por isso necessário espaço extra. Projectar habitação para os menos favorecidos significa uma casa evolutiva, cujo espaço seja adaptável através de sistemas modulares servindo diversos requisitos. Pluralismo: a sociedade indiana compõe-se de várias tribos e religiões cujos costumes implicam diferentes apropriações espaciais. O espaço deve ser projectado com a máxima neutralidade, permeável a todas as formas de pluralismo que constituem a identidade do país. Participação: aliar a tecnologia ao conhecimento vernacular, através da participação da população no processo construtivo, produz uma relação mais afectiva com o espaço e reduz os custos da construção e da manutenção dos edifícios, porque as pessoas já estão familiarizadas com as técnicas e os materiais. Equidade: não projectamos para ricos ou pobres, projectamos para pessoas. O direito as diversas oportunidades que a cidade oferece é transversal a qualquer casta, tribo ou estatuto social.

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Espaço-a-céu-aberto: Na índia cerca de 75% das actividades diárias podem ser realizadas a-céu-aberto durante aproximadamente 70% do ano (Correa, 2000). Terraços e pátios podem ser utilizados para cozinhar, dormir, trabalhar ou conviver. Reconhecer o factor de uso do espaço-a-céu-aberto significa projetar com menos massa construída e gerir de forma mais eficaz os recursos naturais e a cultura local. Por último iniciamos a preparação ao projeto dividida entre a escala urbana e o projeto de arquitetura. Ao nível da escala urbana recomendamos os seguintes passos: Identificação de padrões de crescimento urbano: a previsão do crescimento da população urbana e das possibilidades de crescimento físico da cidade permitem reajustar e regular a distribuição de serviços e optimizar densidades. Análise da malha urbana: uma cidade com 10 milhões de pessoas e um centro é sufocante e disfuncional, mas se lhe adicionarmos três ou mais centros estamos a torna-la mais equilibrada e com uma distribuição de densidades mais sustentável, ‘’preservar a escala humana nas nossas cidades não é uma questão de tamanho mas sim de estrutura’’ (Correa, 2000). Desenvolver a rede de transportes (74th Amendment, 2010): sustentabilidade também implica mobilidade, cujo foco abrange, além da ecologia, as dimensões sociais, económicas e institucionais. No Mumbai chegar do ponto A ao ponto B é uma questão indeterminada de tempo, as ruas e estradas comportam uma quantidade incontável de pessoas, veículos motorizados e animais movendo-se ao mesmo tempo mas com velocidades diferentes, um verdadeiro desafio de mobilidade urbana. Desenvolvimento da rede de tratamento e distribuição de água: a água é um dos recursos mais escassos na India, a industrialização e o crescimento urbano desregulado faz com que cada ano mais de 40% da água á superfície seja utilizada. Metade do país enfrenta problemas de seca e mais de 10 milhões de pessoas vivem em áreas onde a água é extremamente poluída. Desenvolvimento de planos de saúde pública e de gestão de resíduos sólidos (74th Amendment, 2010): A falta de gestão dos resíduos sólidos faz com que, na maioria das vezes, estes terminem na água contaminando-a e disseminando doenças como malária, disenteria e cólera.

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Desenvolvimento e futura irradicação dos assentamentos informais: devem ser analisados desde a escala da cidade à escala da habitação comportando: rede de saneamento e de distribuição de água e energia, orientação solar, espaços públicos, ruas e acesso aos transportes e serviços públicos. Devemos, ainda, incluir a proteção do meio ambiente e dos aspetos ecológicos, uma vez que são centrais para reforçar a saúde pública e garantir os benefícios da relação entre o homem e a natureza. Para a preparação do projeto de arquitetura, centrado na habitação de baixo custo, devemos considerar três aspectos base para pensar o projeto: Poder de compra (Correa, 2000): tem de reconhecer e incluir diversos tipos de rendimento correspondentes a diferentes grupos sociais, incluído o rendimento mínimo. Este pode ser encontrado através da divisão entre o custo médio de vida e o rendimento medio do grupo social para o qual se esta a projetar. Lugar (Correa, 2000): para calcular o preço da habitação devemos, ainda, ter em conta a sua localização, cujo custo pode ser calculado através da localização, área do lote e composição do solo. Habitação – forma e uso (Correa, 2000): Para reduzir os custos da habitação é necessário entender os padrões socioculturais e praticas espaciais vigentes, uma vez que estes têm influência na área e forma da habitação. Para estimar o preço da habitação consideramos a área, materiais, tecnologia, mão-de-obra, tempo e as diversas infra-estruturas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Quando a procura de habitação é superior á oferta, a casa passa a ser a cidade. Um pavimento, uma estação de comboio ou um passeio. O impacto é devastador. No Mumbai o preço do imobiliário, a divisão por castas, o baixo rendimento per capita o desemprego e o trabalho precário garantem que assim continue. Com milhares de pessoas a viver nas ruas e a falta gritante de infraestruturas o ambiente construído é um conjunto de magras condições sócio-espaciais, favoráveis ao aparecimento de numerosas doenças. As pessoas que vivem em assentamentos informais são as primeiras a ser expostas aos perigos provocados pela poluição sonora e atmosférica, pela contaminação da água e pela falta de gestão de resíduos sólidos.


Para que o Mumbai consiga um crescimento urbano sustentável temos de enfrentar a pobreza como um tema prioritário e de criar políticas que salvaguardem um desenvolvimento equilibrado entre as áreas rurais e urbanas. Outro passo importante é a estimativa do crescimento da população e a previsão de tendências e desafios urbanos, representando uma contribuição chave para determinar necessidades e estabelecer políticas urbanas de desenvolvimento e prioridades de investimento. Através do levantamento geográfico centramo-nos em soluções mais sustentáveis e ecológicas, onde o clima desempenha um papel central. A adaptação climatérica é o primeiro passo para poupar energia e (re)descobrir tipologias de viver. Enfatizar o espaço-a-céu-aberto contribui para uma gestão mais eficaz dos recursos naturais e para preservar praticas sócio-espaciais que estimulem a noção de vizinhança.

Este trabalho pretende fornecer um campo expandido de ação sobre o desenvolvimento urbano sustentável para cidades localizadas em países de baixo rendimento, com foco na habitação de baixo custo. O nosso contributo é o de condensar num documento métodos de análise, de intervenção e recomendações, utilizados separadamente numa única estratégia metodológica. REFERÊNCIAS: Risbud, Neelima. (2003). The case study of Mumbai, India. Understanding Slums: Case Studies for the Global Report on Human Settlements 2003. 5. Retrieved from: http://www.ucl.ac.uk/dpuprojects/ Global_Report/pdfs/Mumbai.pdf United Nations. (2015). World Urbanization Prospects, the 2014 Revision. Economic and Social Affairs. Population Division. New York: Publishes by the United Nations

O levantamento sociocultural traça um quadro mais preciso dos utilizadores do espaço, compreender as suas práticas é tornar os projetos mais duradouros através de lugares mais inclusivos e identitários, garantindo maior sustentabilidade do programa. Nele, encontramos a materialidade do espaço que nos permite leituras como a configuração de ruas ou o uso dos passeios, que no Mumbai durante o dia estão cheios de vendedores e à noite de pessoas a dormir. Compreender esta dinâmica significa criar projetos de desenho urbano inclusivos, oferecendo aos mais desfavorecidos o mínimo de dignidade.

Census of India. (2011). Retrieved from http://censusindia.gov.in/

Preparar o projecto de arquitectura, em países subdesenvolvidos, requer a definição de tarefas e prioridades a nível urbano. Estudos efetuados pelas Nações Unidas indicam que as cidades mais pequenas cresceram mais depressa do que as grandes. Assim, a primeira tarefa para um desenvolvimento sustentável será a identificação de cidades vizinhas de pequena dimensão, em desenvolvimento, e através de diversas infraestruturas integra-las numa rede urbana mais extensa, equilibrando densidades e originando mais empregos. Pensar o projeto de habitação de baixo custo é reconhecer e entender diversos padrões sociais e diferentes maneiras de apropriação espacial. Uma casa não tem de ser, necessariamente, uma estrutura estática e fechada, na Índia uma visão simplificada da habitação conduz a uma pilha de caixas em vez de um lugar desejável para viver.

Correa, Charles. (2000). Housing and Urbanization: Building Solutions for People and Cities. Publishes by Thomas and Hudson. 121 -122.

Correa, Charles. (2000). Housing and Urbanization: Building Solutions for People and Cities. Publishes by Thomas and Hudson. 109 - 111. 74th Amendment. (2010). Primer of Implementing the 74th Constitutional Amendment and Integrating City Planning with Service Delivery. JNNURM State-Level Reform. Final Report. Retrieved from: http://pdf. usaid.gov/pdf_docs/pnaea768.pdf

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Fig. pavment dewllers Fig. newpossibilities Fig. streetscheme

Fig. street saller

Fig. street saller

Fig. traffic

FILOMENA LOPES NASCIMENTO filomenascimento@gmail.com In 2005 graduates in Architecture (Architectural and Urban Recovery) at the University of Arts and Architecture Lusíada of Porto (Portugal). worked as an architect with several studios in Italy, Spain, Portugal and recently in India. In 2011 concludes the Master of Art and Design for the Public Space, at the Faculty of Fine Arts of the University of Porto, attending in the same year the PhD in Architecture – project development - in the Faculty of Architecture of the University of Lisbon coordinating, since 2012, the research project ‘’From the Dehumanization of the Built Landscape. The (Re)activation of the Socio-spatial System Through Place Identity’’.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Pablo Medinaceli | Victoria Fernández Bruniar | CABA, Argentina MUTACIONES URBANAS

Plan estratégico para el desarrollo de viviendas en ciudades emergentes. Proyecto de localización y diseño de viviendas masivas.Transformación urbana de la ciudad de Añelo, Provincia de Neuquén, Argentina y sus zonas de influencia en la Patagonia.

INTRODUCCIÓN. La ciudad de Añelo se ha transformado en el epicentro de una transformación económica en la República Argentina debido al hallazgo de la segunda reserva de shale gas y cuarta de shale oil a nivel mundial. Este descubrimiento realizado en el norte de la Patagonia argentina representaría económicamente, según distintas estimaciones, en varias decenas el PBI nacional. (Figura 1 y 2) Ésto ha motivado relevamientos y planes como el llevado adelante para el programa de la Iniciativa Ciudades Emergentes y Sostenibles del Banco Interamericano de Desarrollo y la Fundación YPF. A través del método ICES se ha analizado el estado actual de la ciudad de Añelo y las posibilidades de un crecimiento sostenible; dada la importancia que tiene esta ciudad como epicentro dentro de la logística de la actividad petrolera de “Vaca Muerta”, se estima que la población para el año 2034 será de 35.872 habitantes contra los 2.449 del último censo realizado en el año 2010 (BID – Fundación YPF 2014). Dicho dato refleja la importancia de elaborar un conjunto de estrategias que incluyan sin lugar a dudas la producción de viviendas en el marco de una transformación urbana, ya que la ciudad se verá afectada en forma directa por el crecimiento de la población permanente proveniente de las industrias involucradas en las actividades petroleras y aquellas de servicios relacionadas. (Figura 3) Este movimiento supone también la necesaria transformación de la infraestructura urbana para dar respuesta a las nuevas demandas de la ciudad. La nueva coyuntura requerirá establecimientos edu-

cativos, salud pública, tratamiento de aguas potables como de uso propio del fracking, espacio público y recreación, tratamiento de residuos, espacios de trabajo y servicios. De la observación de la particular topografía y el paisaje se presenta un desafío para el desarrollo urbano en pos de la preservación del espacio natural, el crecimiento organizado de la nueva densidad y las previsiones para una ciudad sostenible. Frente a dicho escenario nuestro proyecto plantea un ordenamiento territorial para el desarrollo de una ciudad que incorpore pensamientos y acciones contemporáneas explorando las potencialidades del sitio y sus nuevas circunstancias. (Figura 4) Si bien el proyecto se orienta a resolver la problemática inminente –en principio- de vivienda multifamiliar dentro de parámetros de sostenibilidad, favoreciendo el espacio público y la participación ciudadana para el desarrollo de una nueva urbanidad la orientación será evitar la conformación de una ciudad que se estructure exclusivamente por la presencia de una o varias empresas que en forma exclusiva condicionen el presente y futuro de sus pobladores (es el caso ya estudiado y presente en la historia del urbanismo de las “company towns”) ;propondremos, por el contrario, una intervención que rescate elementos de la cultura local como modo de pensar su porvenir. Es así entonces que el trabajo propone la oportunidad de reflexionar en términos de producción arquitectónica y urbana, asuntos de gran complejidad que se hallan en el

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centro de la polémica poniendo en observación las consecuencias de esta actividad, sus demandas y las prexistencias locales. La intervención se centra en el desarrollo de un plan urbano general que contemple el origen y la transformación de la ciudad dirigida a potenciar su resiliencia; en tal sentido las etapas a proyectar consistirán en la planificación de una ciudad en crecimiento en un marco geográfico preciso, la conformación del espacio público como herramienta de consolidación de una comunidad participativa, el desarrollo de estrategias de vivienda y la construcción de un espacio físico integrado entre la planicie y la barda (planicie elevada sobre el nivel de la trama de la ciudad de Añelo) . PRINCIPIO BÁSICO DE ACCIÓN URBANA. A partir de los estudios realizados por el Banco Interamericano de Desarrollo y la Fundación YPF donde se ponen a la luz las disponibilidades actuales de la región y en forma específica de la ciudad de Añelo, nos proponemos trabajar sobre un modelo de ciudad concebida desde la reflexión crítica de lo existente, lo propuesto y lo consolidado procurando una mirada que puede resultar contrapuesta al desarrollo real que en parte se está llevando a cabo en el sitio con parámetros y condicionamientos – muchas vecesreñidos con la idea de una nueva urbanidad sobre los parámetros del Siglo XXI – o conformado por acciones espasmódicas dominadas por la especulación política, que lejos de aportar una mirada saludable sobre el futuro hábitat de los ciudadanos de Añelo, abre las puertas a problemáticas que deberán ser resueltas en el mediano plazo con costos mayores para el erario público. PROPUESTAS DE INTERVENCIÓN. Los lineamientos generales se desarrollarán sobre 3 puntos centrales: 1 - Estrategia general de desarrollo urbano. El territorio estudiado por las instituciones mencionadas en la introducción como así también por otros organismos relacionados con la arquitectura y el urbanismo se compone de dos sectores bien diferenciados: el valle y la barda. El valle es una planicie donde se halla la trama urbana de la actual ciudad de Añelo; la barda se trata de una superficie elevado 60 metros por encima del nivel de la ciudad y no es aún un espacio consolidado como expansión de la ciudad contando con escasas construcciones y próximo a

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algunas exploraciones del complejo de Loma La Lata y Loma Campana. De todos modos existen proyectos pendientes o en ejecución de unidades de habitación de carácter temporal con escasa planificación y preocupación por el hábitat especifico. Sobre éste escenario nuestro proyecto propone el desarrollo de estrategias de conexión de ambos espacios territoriales, que si bien poseen características diferenciadas en términos climáticos y de disponibilidades fitogeográficas, precisan establecer relaciones espaciales de usos. Con estas premisas proponemos generar una estrategia habitacional que potencie la trama existente respetando la escala actual a la que se sumarian dos acciones nuevas: la generación de viviendas de conexión en altura sobre la pared de la barda y los conjuntos de viviendas autosuficientes de baja altura en la planicie elevada. Las acciones generales de la intervención urbana se centrarían en: a- Ampliación del tejido urbano existente respetando la escala normalizada del casco urbano (altura máxima de 15 metros) b- Delimitación del espacio urbano a partir del desvío de la Ruta Provincial N° 7 que hoy se encuentra atravesando la ciudad y se plantea como un futuro obstáculo para el desarrollo de una ciudad moderna; ésta actuaría como límite formal del Sur de la ciudad mientras que la barda seria el borde Norte. Conformación de un nuevo espacio público en antiguo trazado de la RP N°7 c- Creación de espacio públicos destinados a implementar los vínculos ciudadanos, la cultura del esparcimiento urbano, la presencia de espacios verdes y de cultivo. d- Desarrollo de programas públicos de diferentes escalas para la delimitación de circuitos de recorrido y la creación de programas de usos (esparcimiento, educación, servicios) distribuidos en la trama en vista a un posible crecimiento. e- Desarrollo de viviendas sostenibles en altura que salven la diferencia de niveles entre el valle y la barda para albergar alrededor de 10.000 habitantes. Se trataría de piezas que actúen como espacio de habitación pero también de recorrido.


f- Desarrollo de viviendas en el sector de la barda agrupadas en complejos de densidad media y de igual escala que en el actual ejido urbano (1000 habitantes por complejo) para albergar alrededor de 10000 habitantes con posibilidades de proponer un sistema de crecimiento futuro ordenado.

continuidad espacial de la trama y sus posibilidades de generación de una ciudad más segura y eficiente.

g- Para la totalidad de la intervención se propone una estrategia de sostenibilidad basada en la captación de energías naturales y su almacenamiento como también la disminución del gasto de recursos optimizando recorridos y circulaciones; se propone la delimitación del uso del automóvil en el casco central de la ciudad existente transformándola en espacios de peatonalización, transporte público y uso de medios alternativos acordes al clima imperante.

ÁREA DE VIVIENDAS EN ALTURA. El proyecto propone la creación de 4 grupos de viviendas en altura que salven las diferencias de niveles existentes entre el valle y la barda que actualmente es de alrededor de 60 metros. No es solo un edificio de vivienda de altura sino que se trata de una pieza que albergará 3000 habitantes por unidad agrupando viviendas de 70 metros cuadrados de promedio y que serán el nexo entre la ciudad existente y el nuevo sector de habitación de la barda comportándose como vínculo circulatorio.

2- SECTORES GENERALES. La intervención propuesta por nuestro equipo se centra en promover acciones generales para el ordenamiento actual y el crecimiento planificado en base al trabajo multidisciplinar y la participación activa de los ciudadanos y las organizaciones sociales involucradas; en este sentido podríamos ordenar los sectores dentro de los espacios que describiremos a continuación sin proponer zonificaciones de usos cerradas y tendiendo a la descentralización de los servicios e infraestructura (salud, educación, esparcimiento, atención ciudadana); en la actualidad la ciudad de Añelo posee algunos planes y estrategias de zonificación propuestas tanto por las autoridades nacionales, provinciales y municipales, pero creemos que se trata de acciones inconexas que responden posiblemente a disputas políticas sobre el territorio y de las cuales queremos diferenciarnos ya que nuestra mirada es de carácter disciplinar y académica y nos guían esos lineamientos y no otros. ÁREA DEL CASCO CENTRAL. Se trata del área existente y tomando los lineamientos del código vigente se respetará la altura máxima de 15 metros; en este sector se alojarán las funciones de gobierno y áreas de viviendas y oficinas. El espacio actual se consolidará ampliándose en el eje Este-Oeste y menormente en el lado Norte que –como explicaremos más adelantese conectará con la parte baja de las viviendas en altura y un espacio público de grandes dimensiones. En el sector Sur el límite estará dado por las áreas de cultivo propuestas por el plan existente y una nueva vía de circunvalación (ex Ruta Provincial N° 7) que desviará el tráfico general pero principalmente el de camiones de carga de gran porte fuera del tejido urbano preservando el hábitat de la ciudad y desarticulando barreras arquitectónicas que interrumpen la

A los ya existentes sectores de quintas que se ubican en el sector Oeste se le sumarian los sectores al Sur de la ciudad en su límite con el río. (Figura 6)

Cada conjunto de viviendas en altura contará con su propio espacio público ciudadano (plazas ubicadas cada 3 niveles de vivienda) donde poder desarrollar actividades de recreación y esparcimiento entre los habitantes del complejo; en la parte inferior y en toda la extensión en donde se ubican los basamentos de las viviendas en altura se halla un espacio público de grandes dimensiones que actúa tanto como expansión del casco existente como de los nuevos complejos y se trata de un área que alberga usos diversos que incluyen el deporte, el esparcimiento (gastronomía, cultura), la reubicación de los servicios públicos (salud, seguridad, educación), áreas comerciales y de infraestructura. Se trata de un sector de 106 hectáreas que contiene superficies cubiertas y descubiertas para la correcta adecuación a las características climáticas de la zona. En la parte superior se encuentra una explanada que alberga los núcleos circulatorios que permiten vincular los sectores de los distintos niveles y convierten a los conjuntos en altura en piezas de conexión y circulación; esta explanada superior también es un recinto de “plaza” en términos de espacio público ciudadano y funciona también como expansión de los complejos habitacionales ubicados en la barda. (Figura 5 y 8) ÁREAS DE CONJUNTOS DE VIVIENDAS EN LA BARDA. A diferencia del grupo de viviendas anteriormente descritas, la barda presenta particularidades de uso relacionadas a factores climáticos de características diferentes a los existentes en el valle donde se ubica el casco central de la ciudad de Añelo. Se trata de una planicie de características semi desérticas. Ac-

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tualmente existen planes de instalación de viviendas de madera sobre plateas de hormigón que lejos de haber sido concebidas para consolidar un espacio urbano de calidad proponen soluciones precarias que solo representarán problemas a resolver a corto plazo. Nuestra intervención propone conjuntos de viviendas de densidad media que albergarán alrededor de 1000 habitantes por complejo en unidades de alrededor de 70 metros cuadrados por unidad; cada complejo contará con servicios básicos de atención (salud, seguridad, atención ciudadana) y espacio público de interacción para sus moradores contenido dentro de la estructura edilicia de modo de preservar a los usuarios de las inclemencias del tiempo para poder hacer usos de estos espacios la mayor parte del año. Cada edificio contará con su propia fuente de generación de energía alternativa aprovechando los vientos imperantes y la exposición a los rayos solares.

cesarias sin interferencias ni concesiones a asuntos prestablecidos relacionados con intereses que no se relacionen con la posibilidad de la mejora sustancial del espacio urbano y público y su porvenir. La eventualidad de acción sobre un territorio que se verá afectado por un desarrollo económico inédito y la posibilidad de reflexionar y producir un documento de arquitectura y urbanismo en tiempo real es una oportunidad para que tanto actores sociales como de la disciplina puedan establecer reflexiones sobre las condiciones de trabajo, miradas alternativas y sentar un precedente sobre acciones similares para ser evaluadas y corregidas comprendido éste como una tarea de construcción temporal de mediano plazo necesaria para el desarrollo de futuras intervenciones urbanas en las economías emergentes de los países en desarrollo.

La sumatoria de estos complejos debería llegar a albergar aproximadamente a 10.000 habitantes con posibilidades de expansión, siempre respetando la escala – se trata de edificios de 2 niveles y no más de 15 metros de altura – y los valores de sostenibilidad establecidos en su gestación. Los complejos entre sí se relacionan con edificios menores que contienen servicios vinculados con la educación, la cultura, el esparcimiento y la atención ciudadana y operan como vínculos circulatorios. (Figura 7)

BIBLIOGRAFÍA Bercovich, Rebossio. (2015). “Vaca Muerta” Buenos Aires: Editorial Planeta

Fuera de estos sectores propuestos y sus potenciales crecimientos la intervención procura consolidar límites precisos para evitar las expansiones descontroladas que no hacen más que provocar problemas relacionados con la infraestructura que finalmente conspiran contra un hábitat acorde con los valores deseados del Siglo XXI. Una nueva ciudad que establezca con claridad sus necesidades y aspiraciones para hacer frente a los desafíos a los que se verá sometida en su crecimiento. CONCLUSIÓN. Nuestro trabajo no actúa pretendiendo modificar las acciones que se han propuesto a través de distintos canales de acción o se encuentran siendo realizadas en este momento en la región que contiene a la ciudad de Añelo sino establecer una vía alternativa en base a una reflexión crítica que permita cotejar avances comparativos entre la ciudad deseada y la que se va gestando con la dificultades coyunturales y los intereses que operan en ella. Con este espíritu nos propusimos intervenir en base a las acciones ne-

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ICES BID – Fundación YPF. (2014). “Añelo Sostenible: Innovación para la Planificación de la Ciudad” recuperado de http://www.fundacionypf. org/Publicaciones/Comunidades/Plan_Accion_ Anelo.pdf


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PABLO MEDINACELI FERNÁNDEZ BRUNIAR VICTORIA pmedinaceli@nedmagazine.com Zurdosteam fue creado en 2011 por los arquitectos Pablo Medinaceli, Victoria Fernández Bruniar y Juan Cazado, con el fin de trabajar en concursos, producciones académicos, seminarios y talleres de grado. Sus miembros se han desempeñado como profesores en la Facultad de Arquitectura, Diseño y Urbanismo de la Universidad de Buenos Aires especializándose en proyectos de escala metropolitana y espacio público. Durante 2013 se fundó NED magazine, una plataforma comunicacional de arquitectura, urbanismo y crítica orientado a estudiantes de grado con el fin de promover los trabajos de los alumnos y estimular investigaciones proyectuales.

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2. A HABITAÇÃO COMO FORMADORA DA CIDADE | VIVIENDA COMO GENERADORA DE CIUDAD

Olivia de Oliveira | Ana Fernandes | Salvador, Brasil REGENERAÇÃO DE VAZIOS CONSTRUIDOS EM AREAS URBANAS CENTRAIS DE SALVADOR Alternativas e oportunidades para a produção de habitação-cidade.

A presente comunicação aborda trabalho de pesquisa em curso1, que problematiza a existência de uma grande concentração de estruturas obsoletas, em situação precária ou sem uso na zona costeira de Salvador, frontispícia à Baía de Todos os Santos, antigo centro tradicional, comercial e industrial, que se estende ao longo da Cidade Baixa, desde o Comércio até a Baía de Itapagipe. Espaço construído com diversas temporalidades, mas com dominantes do patrimônio dos séculos XIX e XX, ele tem sido, bastante negligenciado pela política de preservação e pela política urbana. Nosso olhar se volta então para entender a questão dos vazios a partir de uma ampla visão dos processos de esvaziamento do centro cidade e sua relação com as lógicas econômicas de um urbanismo corporativo. Além disso, visa elaborar uma tática de reciclagem desse tecido urbano existente e esparsamente utilizado, construindo alternativas de ocupação, para esses vazios construídos a partir do uso habitacional social e comunitário. “Entendemos por vazio construído áreas urbanas inteiras esvaziadas de suas funções e de sua vitalidade, precocemente tornadas obsoletas. Fundamentam essa obsolescência as novas lógicas da produção e especulação imobiliária, os requisitos tecnológicos e de cooperação das atividades econômicas e a incongruência entre o que se constrói e as carências sociais existentes”2. O contexto histórico e os processos de esvaziamento do centro de Salvador Baseada em sua topografia natural, Salvador já nasceu estruturada em duas partes, a cidade alta, sede do poder civil e religioso, e a cidade baixa,

onde se desenvolviam as atividades marítimas e comerciais. Era pelo porto que a cidade se articulava com o mundo. Por sua posição estratégica, esta zona costeira ganha interesse ao longo dos séculos e no seu interior irão se superpor momentos históricos importantes, desde a fundação da cidade até o seu desenvolvimento comercial e industrial nos séculos XIX e XX. É nessa região da Cidade Baixa, entre o porto e Itapagipe, onde se instalam as primeiras indústrias, assim como um comércio grossista dinâmico, eminentemente ligado às atividades portuárias. Aí também se localiza a Estação Ferroviária, construída pelos ingleses em 1860. A partir de 1910, as obras de ampliação do porto e o aterro irão oferecer um novo espaço central para a cidade, o Comércio, que consolida as atividades já existentes, e, a partir dos anos 1960, um novo centro de serviços financeiros e de exportação para a cidade ali se constitui. Assim, a Cidade Baixa, com características de zona portuária, comercial, industrial e de serviços é separada pela encosta da Cidade Alta, assentada na cumeada, zona predominantemente residencial no passado e que hoje corresponde ao Centro Histórico de Salvador. Estas duas cidades se complementavam e, através de elevadores e planos inclinados, elas se conectavam vencendo o limite topográfico que as separava, garantindo, de certa forma, o equilíbrio entre as áreas de moradia e trabalho. As reformas urbanas promovidas pelo Governador J. J. Seabra, nas primeiras décadas do século XX, priorizando a expansão da cidade alta em direção ao sul, dão origem ao processo de esva-

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1 Iniciada em 2015, ela é desenvolvida no âmbito do Programa Ciência sem Fronteiras/CAPES e acolhida pelo Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFBa e pela Faculté de l’Environnement Naturel, Architectural et Construit de l’École Polytechnique Fédérale de Lausanne, Suíça. 2 Fernandes, Ana (2014). Coerção, Solidariedade, Hibridez: a ação pública sobre o centro de Salvador (BA). In Uriarte, U.M, Carvalho Filho, M.J. (Org.). Panoramas Urbanos: usar, viver e construir a cidade. (pp. 55-72). Salvador, BA: EDUFBA. 3 Bahia. Governo do Estado. Escritório de Referência do Centro Antigo. UNESCO (2010). Centro Antigo de Salvador: Plano de Reabilitação Participativo. Salvador: Secretaria de Cultura, Fundação Pedro Calmon.

ziamento do centro. Frente às áreas modernizadas, o Centro Histórico perde em atratividade, as classes mais abastadas dirigem-se para os novos bairros, iniciando o processo de empobrecimento e crescente degradação da área central da cidade. A aprovação do novo Código de Urbanismo de 1966, proibindo o uso residencial em diversas áreas do centro tradicional, contribui muito para esse processo. Apesar disto, as regiões do Comércio e Calçada, na Cidade Baixa, permanecem dinâmicas, vivendo seu apogeu nas décadas de 1960 e 1970, quando uma nova lógica industrial-metropolitana, com a instalação da Petrobrás no Recôncavo Baiano nos anos 50, a construção do Centro Industrial de Aratu nos anos 60 e a implantação do Polo Petroquímico de Camaçari na década de 1970, acelera a perda de ritmo de crescimento da área central. Some-se a isso a transferência de alguns equipamentos polarizadores, como a Estação Rodoviária e diversas secretarias de governo, que serão agrupadas no novo Centro Administrativo da Bahia CAB, distante 16 quilômetros do centro antigo. A nova infraestrutura viária, que foi construída para dar acesso ao CAB, combinada com a privatização de uma enorme quantidade de terras públicas, produz um novo centro de atividades econômicas na região do Iguatemi, Paralela, Tancredo Neves, passando a competir com o Centro Antigo, acentuando sua crise. A partir dos anos 1990, grande parte dos serviços financeiros e bancários serão deslocados do Comércio em direção a novas centralidades.

pobres da área de intervenção, transformando o lugar em mero cenário, esvaziado de sentido, voltado apenas para o consumo e o turismo. Este modelo rapidamente evidenciou seus limites e, pouco a pouco, ele voltou ao estado de semi-abandono.

Com os diferentes processos de esvaziamento do Centro Antigo, aquele equilíbrio e complementaridade das atividades realizadas entre a cidade baixa e a cidade alta e entre essas e o restante da cidade entraram em colapso. Hoje, escassas são as áreas destinadas a moradias no Centro e, quando existem, elas se encontram, em grande parte dos casos, precárias e insalubres.

Consequência direta da expulsão dos moradores pobres, ainda na década de 1990, foi a diminuição radical da população, que chegou a variar negativamente de 72% entre 1991 e 2000 em alguns perímetros da intervenção promovida pelo governo do Estado e também a migração desta população para as áreas próximas e adjacentes ao CHS, com as consequências que isto implica: novos cortiços, aumento de população sem teto, aumento de violência urbana, prostituição, tráfico de drogas, enfim uma vulnerabilidade social que foi transferida do CHS para seu entorno. Não por acaso, o recente Plano de Reabilitação Participativo, elaborado em 2010, leva em conta esta área de entorno para criar um “cinturão de proteção” ao CHS3.

Políticas urbanas aplicadas e consequências Práticas de planejamento urbano contemporâneas têm demonstrado que a introdução massiva do uso habitacional nos tecidos urbanos degradados constitui um dos pilares para o sucesso de políticas de recuperação do patrimônio e redinamização de centros esvaziados. Em Salvador, ao contrário, a política de Recuperação do seu Centro Histórico (CHS), praticada a partir dos anos 1990, baseou-se num processo excludente de remoção e expulsão dos moradores

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Uma política titubeante no que se refere ao uso habitacional ainda está presente nos recentes programas de recuperação do Centro Histórico e do Centro Antigo. E se algumas tentativas de recuperação de vazios construídos foram feitas, elas se restringiram ao território tombado pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade situado na Cidade Alta, privilegiando a sua recuperação principalmente para fins turísticos, econômicos e comerciais, com o uso residencial aparecendo de forma marginal. Este processo tem se estendido a outras áreas da cidade e, de maneira vertiginosa, ao Centro Tradicional de Salvador, principalmente nesta última década. Segue-se uma lógica de exclusão perversa, onde o poder público parece ter permitido ou tolerado a ocupação de imóveis vazios ou abandonados no centro enquanto não havia interesses do capital imobiliário e a área era considerada degradada. Mas ao requalificar a área, essa população acaba sendo expulsa, ou de forma violenta, ou de forma tácita, com o aumento dos aluguéis e dos preços em geral. Além disso, parece persistir uma visão preconceituosa que considera que a própria presença dos pobres desvalorizaria o entorno e rebaixaria o valor dos imóveis.

Mesmo se os princípios deste plano revelam compromisso com o bem estar coletivo, prevendo o repovoamento do centro com alguns projetos de habitação, estas ações são menores frente a outras direcionadas ao turismo e aos negócios e sua aplicação é, todavia, morosa. Além disso o plano


continua centrado essencialmente no perímetro tombado, revelando pouca articulação com a área central como um todo e com a cidade propriamente dita. Ora, a atual conjuntura mostra um grande interesse pela área de grupos empresariais com forte poder econômico e decisório, caracterizando em Salvador a ação de um urbanismo corporativo4. Nos últimos anos, diversos empreendimentos privados, alguns de luxo, vêm sendo propostos para a região, caracterizando perímetros de intensa rotação de imóveis, alguns altamente especulativos5. Também alguns vazios construídos históricamente importantes estão sendo rapidamente ocupados por empreendimentos que seguem esta mesma lógica, a exemplo de residenciais exclusivos, construídos em lugar de antigos armazéns de apoio ao porto, no antigo cais da cidade, ou mesmo da construção em expansão de marinas. Diante deste quadro, torna-se urgente desdobrar, da tomada de consciência da importância desse tecido urbano existente, uma política urbana consistente e abrangente. A disputa pela terra urbanizada ou pela localização na cidade é acirrada em toda parte, mas ela é ainda mais aguda nas cidades ditas periféricas, onde estão presentes a escassez de terras urbanizadas e de moradias6. Jamais essa questão foi tão abordada no contexto das cidades pós-industriais européias, particularmente pelas novas relações que o tecido urbano mantém com as necessidades funcionais da sociedade contemporânea. Autores como Ascher7 consideram que 80% da cidade de amanhã já estão construídos hoje. Uma constação que se impõe na prática cotidiana, onde as intervenções de poderes públicos e de arquitetos e urbanistas, já não podem ser concebidas como tábula rasa, como outrora, para criar uma cidade ideal, mas devem almejar, através de ações coordenadas e projetos mais limitados, otimizar o existente. Ou seja, agir de maneira coerente com os diferentes níveis de planejamento territorial, urbano e arquitetônico, para valorisar seus potenciais e moderar suas disfunções. Explorando novas possibilidades para ocupação dos vazios Sabemos que nas grandes metrópoles brasileiras o número de imóveis edificados vazios e ociosos é imenso, e aproxima-se do seu déficit habitacional. O censo IBGE 2010 indica que a Região Metropolitana de Salvador possui um déficit de 139.8 mil habitações, cerca de 75% dele concentrado na capital. Ou seja, um déficit de 106 mil habitações, o quarto maior do país, menor apenas que São

Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. Ainda segundo o IBGE, Salvador contava, no ano 2010, com 77.454 domicílios vagos, o que correspondia a 8% sobre o estoque total de imóveis construídos, sendo que este número não toma em conta nem os imóveis fechados nem aqueles em ruinas. A maioria dos imóveis não ocupados concentram-se nas áreas centrais e, portanto atendidas por infraestrutura e oferta de serviços urbanos.

4 Fernandes, A. (2013) Decifra-me ou te devoro: Urbanismo Corporativo, Cidade – Fragmento e dilemas da prática do Urbanismo no Brasil. In: Gonzales, S. F. N.; Francisconi, J. G. e Paviani, A.

Ora, um dos objetivos previstos claramente no atual Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador8 é aquele de “incentivar a utilização de imóveis não utilizados e subutilizados para programas habitacionais de interesse social”. O PDDU também define tais vazios como ZEIS do tipo III, que correspondem “aos terrenos não edificados, aos imóveis subutilizados ou não utilizados e às edificações desocupadas ou em ruínas, localizados em áreas dotadas de infra-estrutura e adequadas à ocupação, nos quais haja interesse público na implantação de Habitação de Interesse Social, HIS.”9 Um levantamento do uso e ocupação do solo, realizado em 2009 pelo Escritório de Referência do Centro Antigo de Salvador, permitia identificar o estado de vacância de imóveis ali existentes, demonstrando não apenas o grau de esvaziamento e precariedade da ocupação da área, como também o potencial de renovação e requalificação urbana. Partindo deste levantamento e ampliando sua área de estudo, realizamos uma marcação prévia de vazios construídos possíveis de serem identificados através da ferramenta My Maps de Google e de fotos disponíveis no Google Street View. Estas marcações mapeadas foram verificadas e complementadas com visitas de campo e levantamento fotográfico feito para cada imóvel identificado visualmente em estado vacante, parcialmente vazio ou em ruínas. Informações que veêm sendo qualificadas em termos de tipologias de espaços, interrelações urbanas, atividades e usos, temporários e permanentes. Assim, o recorte que fazemos traz à luz parte dos 1.500 imóveis vazios identificados no Centro Antigo de Salvador10, além de centenas de outros edifícios sem uso e de grande valor simbólico e histórico-cultural situados na zona costeira da Baía de Todos os Santos, mais especificamente numa poligonal delimitada em sua parte externa pelo mar e, internamente, pela Falha Geológica de Salvador, pela linha férrea Calçada-Paripe (1860) e pela avenida Afrânio Peixoto (1971). Esta nova poligonal encerra um total de 16 bairros, abrangendo a área

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(Orgs.). Planejamento e Urbanismo na atualidade brasileira: objeto teoria prática. 1 ed. (pp. 83–108). São Paulo, Rio de Janeiro: Livre Expressão. 5 Mourad, L. N. (2011) A verdadeira face do processo de reabilitação do Centro Histórico de Salvador. Seminário Urba11 Direito à Cidade/Cidade do Direito, Salvador, 22pp. Recuperado em 10 agosto, 2014, de http:// urbanismonabahia11. blogspot.ch/2011/11/ o-seminario-urbanismo-nabahia-11_8205.html 6 Maricato, E. (2010). O Estatuto da Cidade Periférica. O Estatuto da Cidade Comentado. (p.14) São Paulo : Ministério das Cidades. Aliança das Cidades. 7 Ascher, F. (2001) Les nouveaux principes de l’Urbanisme. Paris: L’aube. 8 Art.79. Inciso III do Plano Diretor PDDU 2007 LEI No 7.400/2008.


9 Art.80. Inciso III. 10 Bahia. Governo do Estado. Escritório de Referência do Centro

central do Comércio, todos os 13 bairros da Cidade Baixa, e os primeiros bairros do subúrbio industrial Lobato, Baixa do Cabrito além de uma área restrita de Plataforma. O conjunto destes bairros soma uma população de mais de 200 mil habitantes, onde a renda per capita predominante, quando existente, é inferior a dois salários mínimos.

Antigo. UNESCO (2010). Centro Antigo de Salvador: Plano de Reabilitação Participativo. Op.cit. 11 Certeau, Michel de. A invenção do cotidiano. Vol.1 Artes do Fazer. Trad. Ephraim Ferreira Alves. 2ª ed. Petrópolis, Vozes, 1996. p.100

Esse recorte traz também uma série de constatações : 1. No interior desta poligonal encontramos uma grande diversidade de vazios urbanos, entre eles muitas fábricas desativadas. 2. A presença destes vazios construídos degrada o conjunto urbano e, especificamente, o patrimônio histórico cultural, por sua proximidade à área reconhecida pela Unesco como Patrimônio Mundial da Humanidade. 3. A soma destes espaços é significativa, constituindo uma reserva de solo importante e não utilizado, apesar de provido de infra-estruturas básicas : transportes, serviços públicos e comércio. 4. Muitos destes vazios construídos são em si mesmos edifícios culturalmente emblemáticos, depositários de valores simbólico-culturais e memoriais para a cidade. 5. Certos vazios estão sendo ocupados por empreendimentos imobiliários de forma não controlada, dentro de uma lógica puramente mercadológica. 6. Alguns destes bens culturais e históricos correm o risco de desaparecer. Paralelamente ao mapeamento físico, iniciou-se um trabalho junto aos atores sociais protagonistas desses espaços, particularmente ao MSTB, Movimento Sem Teto da Bahia, buscando reconhecer vazios potencialmente interessantes ao uso residencial e comunitário dentro da poligonal estudada. Alguns imóveis em estado precário, ocupados por moradores sem teto foram visitados, merecendo uma especial atenção de nossa parte. Assim, um trabalho de articulação com os principais movimentos presentes nesses espaços vem sendo construído e vai possibilitando descortinar quais efetivamente são as demandas existentes e como elas podem ser enfrentadas. Esse olhar minucioso e crítico supõe que apenas o conhecimento da situação concreta de cada cidade pode conduzir a propostas adequadas e específicas, repropondo e valorizando o existente. Trata-se de desdobramento metodológico do agir de modo tático, contrário às estratégias tecnocráticas capazes de “produzir, mapear e impor” : as táticas só podem “utilizar, manipular e alterar” o existente, desviando a ordem efetiva das coisas para fins próprios11. Ou seja, as táticas como possibilidade de exploração de alternativas sócio-técnico-políticas de produção de habitação-cidade, podendo vir a se constituir em

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configuração potente de agregação e negociação de modos de produzir território. Um conjunto destes vazios será escolhido, em conjunto com os movimentos sociais envolvidos, para a elaboração de uma proposta de intervenção e reciclagem, buscando a adoção de métodos construtivos mais eficientes, tecnologias alternativas, sociais e eficazes para a produção habitacional e urbana, que levem em conta aspectos culturais, econômicos e participativos. Um trabalho imaginado como uma experiência, que pouco a pouco possa se somar a outras existentes, construindo alternativas para um projeto de produção de cidade, espaço coletivo por excelência da vida em comum.


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ANA MARIA FERNANDES anaf2017@gmail.com

/,·6)! /,)6%)2! ARCHITECTE B O V ARCH CH Arquiteta formada pela FAU-UFBa (1986) e IUAV-Venezia (1989). Mestre e Doutora pela ETSAB-UPC Barcelona (1998/2002). Autora de diversas publicações no Brasil e estrangeiro, entre elas da monografia "Lina Bo Bardi, obra construida" GG Books e do livro "Sutis substâncias da arquitetura de Lina Bo Bardi", Prêmio IAB São Paulo em 2006 e finalista do prêmio RIBA - Royal Institute of British Architects em 2007. Desde 1998 vive e trabalha em Lausanne, Suiça, onde é sócia fundadora do escritório Butikofer de Oliveira Vernay Sàrl. Atualmente é pesquisadora visitante no PPGAU UFBa, com bolsa do Programa Ciências Sem Fronteiras CAPES.

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Arquiteta e Urbanista formada pela Universidade de São Paulo (1978), Doutora pela Université Paris XII (1985). Pós-doutorado Columbia University (1996-1997) e École d’Architecture Paris Malaquais (2004). Professor associado da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia e diretora entre 1999 e 2003. Foi diretora (1995-1997 e 2003-2005) e presidiu a ANPUR (2005-2007). Professora convidada do Institut d’Urbanisme de Paris/ UPEC (2011) e da Eötvös Loránd University of Budapest (2012). Atuamente é coordenadora brasileira do programa diverCIDADE (CAPES/FIPSE) e do comitê binacional de implementação do Programa Attilio para implementação de trocas acadêmicas em Urbanismo e em Planejamento Urbano entre a França e o Brasil.


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3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD

Desde o início do século XX, a questão da habitação coletiva tem concentrado grande parte dos debates no campo da arquitetura e do urbanismo. A revolução industrial acelerou o crescimento das cidades e promoveu rupturas diversas em suas estruturas formais e funcionais – independentemente de suas proporções, população, liderança política e conjuntura econômica. A falta de moradias e a precariedade das que eram destinadas à classe trabalhadora fez com que o tema despertasse interesse nos campos de estudos relacionados às questões da construção e da cidade. Aos arquitetos, o interesse centrava-se na busca por alternativas formais e técnicas que adequassem as práticas disciplinares às necessidades da sociedade urbana em emergência.

Desde el inicio del siglo XX, gran parte de los debates en el campo de la arquitectura y del urbanismo se concentra en la vivienda colectiva. La revolución industrial aceleró el crecimiento de las ciudades y promovió la ruptura de sus estructuras formales y funcionales, independientemente de sus proporciones, población, liderazgo político y condición económica. La falta de viviendas y la precariedad de las que eran destinadas a la clase trabajadora, hizo que el tema despertara interés en los campos de estudio relacionados con las cuestiones de la construcción y de la ciudad. Para los arquitectos, el interés se centró en la búsqueda de alternativas formales y técnicas que adecuasen las prácticas disciplinares a las necesidades de la sociedad urbana en emergencia.

Por certo a mudança do sistema produtivo – do artesanato à indústria – também iria repercutir nas formas de ideação e nos mecanismos de projeto das habitações coletivas, sobretudo quando destinadas às grandes massas de trabalhadores com poucos recursos econômicos. Destarte, um novo léxico formal e entendimento espacial deveriam ser inventados para que os fundamentos do projeto de habitações pudessem se adequar às novas demandas da disciplina. Contudo, o habitat da Arquitetura Moderna não sobrepujou o habitar histórico. O que fez com que as demandas em ascensão encontrassem soluções extra-disciplinares, como na autoconstrução ou nas favelas.

Ciertamente el cambio del sistema productivo - de la artesanía a la industria - también repercutió en las formas de creación y en los mecanismos para proyectar las viviendas colectivas, especialmente cuando éstas estaban destinadas a las grandes masas de trabajadores con pocos recursos económicos. Así, un nuevo lenguaje formal y comprensión espacial debieron ser creados para que las bases del proyecto de vivienda pudieran adecuarse a las nuevas exigencias de la disciplina. Sin embargo, el hábitat de la Arquitectura Moderna no superó el habitar histórico. Lo que hizo que la demanda de vivienda en ascenso encontrara soluciones extra-disciplinares, como la autoconstrucción o las favelas.

Assim, adentramos ao século XXI ainda sem soluções em grande escala para a questão das habitações coletivas, principalmente no que diz respeito à população e baixa renda que se aglomeram nas grande cidades dos países de industrialização tardia.

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De esta manera, entramos en el siglo XXI aún sin soluciones para la cuestión de la vivienda colectiva a gran escala, principalmente para la población de baja renta que se aglomera en las grandes ciudades


Os acertos ocasionais ou pontuais não se tornaram modelos exequíveis na dimensão que a demanda da urbanização industrial, ou pós-industrial, exige. Nas últimas décadas, pesquisas dedicadas ao desenvolvimento de metodologias de avaliação das habitações coletivas ganharam espaço no debate acadêmico internacional. Tais pesquisas tratam da elaboração de mecanismos de avaliação de edificações já construídas, como as Post Occupancy Evaluation – POE; ou resultam em certificações que atuam tanto nas fases de projeto quanto no edifício construído, como a Leadership in Energy & Environmental Design – LEED, este último mais dedicado ao tema das construções sustentáveis. Entretanto, ainda são poucas as pesquisas dedicadas à avaliação específica de habitações coletivas ou às habitações de interesse social – HIS. Trata-se de um tema de alta complexidade que dificilmente será equacionado por instrumentos que não consideram as heterotopias que constituem as urbanidades contemporâneas. Os projetos de habitações coletivas devem considerar o habitar (em termos lefebvrianos), ou seja, a compreensão de uma dimensão que extrapola as tecnicidades da casa-abrigo – onde atuam as ciências parcelares – e interage com a dimensão da cultura, da história, da política e dos sistemas fundiários e econômicos. A cidade passa a ser um fim, e a habitação um meio. Nesse sentido, os avanços nos termos da crítica foram significativos, tanto no que diz respeito aos juízos feitos aos modelos realizados ou projetados pela Arquitetura Moderna, quanto em relação às experiências (e algumas excentricidades) da arquitetura contemporânea. Contudo, as demandas aceleradas não puderam instrumentalizar os meios de gestão em relação às avaliações qualitativas no âmbito da produção habitacional. Os artigos selecionados para este eixo temático são resultados de pesquisas direcionadas à busca pela qualidade dos projetos habitacionais. Um campo ainda novo e pouco explorado, sobretudo se considerarmos as infinitas possibilidades que os recursos informacionais podem oferecer a esta área do conhecimento. Renata Ocanha Góes e Maria Cristina da Silva Schicchi em “Reciclagem de edifícios para habitação social: aproximação entre experiências europeias e brasileiras“ analisa o percurso histórico da habitação social na Europa e no Brasil, para então direcionar o estudo para casos dedicados à reciclagem de edifícios. Rúbia Carminatti Peterson, Jorge Luiz Vieira, Fernando Barth e Lisiane Ilha Librelotto em “Avaliação de parâ-

de los países de industrialización tardía. Los aciertos ocasionales o puntales no se convirtieron en modelos viables, al menos no en la medida en que la demanda de la urbanización industrial, o pos-industrial exige. En las últimas décadas, investigaciones dedicadas al desarrollo de metodologías de evaluación de la vivienda colectiva ganaron espacio en el debate académico internacional. Tales investigaciones tratan de la elaboración de mecanismos de evaluación de edificaciones ya construidas, como las Post Occupancy Evaluation - POE; o certificaciones que actúan tanto en las fases de proyecto, como en el edificio construido, como la Leadership in Energy & Environmental Design - LEED, este último más dedicado al tema de las construcciones sostenibles. Sin embargo, aún son pocas las investigaciones dedicadas a la evaluación específica de viviendas colectivas o viviendas sociales. Se trata de un tema de alta complejidad que difícilmente puede ser resuelto mediante instrumentos que no consideren las heterotopías que constituyen las urbanidades contemporáneas. Los proyectos de vivienda colectiva deberían considerar el habitar en términos lefebvrianos, es decir, la comprensión de una dimensión que va más allá de los aspectos técnicos de la casa-refugio - donde actúan las ciencias parcelares e interactúa con la dimensión de la cultura, la historia, la política y los sistemas económicos y de tenencia de la tierra. La ciudad se convierte en un fin, y la vivienda un medio. En este sentido, los avances en los términos de la crítica fueron significativos, tanto en lo que se refiere a los juicios realizados a los modelos realizados o proyectados por la Arquitectura Moderna, como a las experiencias (y algunas excentricidades) de la arquitectura contemporánea. Sin embargo, las demandas aceleradas no pudieron instrumentalizar los medios de gestión en relación a las evaluaciones cualitativas en el ámbito de la producción habitacional. Los artículos seleccionados para este eje temático son el resultado de investigaciones direccionadas a la búsqueda de la calidad de los proyectos habitacionales. Un campo aún nuevo y poco explorado, especialmente si consideramos las infinitas posibilidades que los recursos informacionales pueden ofrecer a esta área del conocimiento. Renata Ocanha Góes y Maria Cristina da Silva Schicchi en Reciclagem de edifícios para habitação social: aproximação entre experiências europeias e brasileiras” analizan el recorrido histórico de la vivienda social en Europa y en Brasil, para entonces dirigir el estudio hacia casos dedicados al reciclaje de edificios.

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metros projetuais e construtivos em habitações de interesse social em Criciúma/SC” buscam compreender as características projetuais e construtivas de alguns exemplos de arquitetura habitacional, incluindo uma análise dos índices de reciclabilidade dos edifícios. “Habitação coletiva sustentável para idosos”, de Célia Regina Moretti Meirelles, Gilda Collet Bruna e Renata Lima de Mello, analisa o projeto da Vila Dignidade desde alguns parâmetros específicos, como o sistema construtivo, a sustentabilidade e a acessibilidade. Por outro lado, Ricardo Socas Wiese e Eduarda Beatriz Valandro da Silva em “Reflexões acerca dos espaços da moradia estudantil, baseadas em critérios qualitativos de sustentabilidade” trazem uma análise da moradia estudantil enquanto espaço social, de educação e de integração com a cidade, em busca de modelos mais sustentáveis e que não se limitariam à função de abrigo. Os artigos de Lorenna Aleixo Lobo e Darja Kos Braga, ou de Poliana Cardoso e Javier Pablos trazem o tema das certificações ambientais no Brasil, voltados para a habitação. Para isso, apresentam artigos relacionados ao método do Selo Casa Azul, desenvolvido pela Caixa Econômica Federal (CEF). No primeiro artigo, “Estudo de viabilidade de aplicação do Selo Casa Azul em habitações de interesse social do programa PROSAMIM em Manaus”, foi feita uma análise de estudo de caso a partir dos parâmetros do Selo Casa Azul. Já o segundo artigo, “Certificação ambiental de habitações no Brasil e as fases de ciclo de vida”, estabelece relação entre o Selo Casa Azul e as fases do ciclo de vida dos edifícios. O artigo “Habitação social e novas tecnologias: Desafios de inovação e sustentabilidade”, de Rosa Maria Locatelli Kalil e Adriana Gelpi, traz estudos de caso de projetos de habitação de interesse social em municípios polo, também estabelecendo relação com parâmetros do Selo Casa Azul. Outro tema de destaque é o Programa Minha Casa Minha Vida, um dos maiores programas habitacionais da atualidade. Em relação a ele, Simone Barbosa Villa, Rita de Cássia Pereira Saramago e Lucianne Casasanta Garcia, em “Qualidade ambiental em HIS: uma avaliação do Programa Minha Casa Minha Vida”, apresentam uma metodologia de avaliação pós-ocupação desenvolvida para habitações do Programa em questão, com aplicação em estudo de caso. Em “Avaliação da Qualidade de Vida no Conjunto Habitacional Cidade Verde”, Débora Cristina Araujo

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Rúbia Carminatti Peterson, Jorge Luiz Vieira, Fernando Barth y Lisiane Ilha Librelotto en “Avaliação de parâmetros projetuais e construtivos em habitações de interesse social em Criciúma/SC” buscan comprender las características proyectuales y constructivas de algunos ejemplos de arquitectura habitacional, incluyendo un análisis de los índices de reciclabilidad de los edificios. “Habitação coletiva sustentável para idosos”, de Célia Regina Moretti Meirelles, Gilda Collet Bruna y Renata Lima de Mello, analiza el proyecto de la Vila Dignidade desde algunos parámetros específicos, como el sistema constructivo, la sostenibilidad y la accesibilidad. Por otro lado, Ricardo Socas Wiese y Eduarda Beatriz Valandro da Silva en “Reflexões acerca dos espaços da moradia estudantil, baseadas em critérios qualitativos de sustentabilidade” proponen un análisis de la vivienda estudiantil como espacio social, de educación y de integración con la ciudad, en búsqueda de modelos más sostenibles y que no se limitan únicamente a la función de refugio. Los artículos de Lorenna Aleixo Lobo y Darja Kos Braga, o de Poliana Cardoso y Javier Pablos aportan el tema de las certificaciones ambientales en Brasil vinculado a la vivienda. Para ello, presentan artículos relacionados con el método del Sello Casa Azul, desarrollado por la Caja Económica Federal (CEF). En el primer artículo, “Estudo de viabilidade de aplicação do Selo Casa Azul em habitações de interesse social do programa PROSAMIM em Manaus”, se hizo un análisis de estudio de caso desde los parámetros del Sello Casa Azul. En el segundo artículo, “Certificação ambiental de habitações no Brasil e as fases de ciclo de vida”, establece la relación entre el Sello Casa Azul y las fases del ciclo de vida de los edificios. El artículo “Habitação social e novas tecnologias: Desafios de inovação e sustentabilidade”, de Rosa Maria Locatelli Kalil y Adriana Gelpi, aporta estudios de caso de proyectos de vivienda social en ciudades polo, también estableciendo relación con los parámetros del Sello Casa Azul. Otro tema destacado es el Programa Minha Casa Minha Vida, uno de los mayores programas habitacionales de la actualidad. Con respecto a él, Simone Barbosa Villa, Rita de Cássia Pereira Saramago y Lucianne Casasanta Garcia, en “Qualidade ambiental em HIS: uma avaliação do Programa Minha Casa Minha Vida”, presentan una metodología de evaluación pos-ocupación desarrollada para viviendas del


e Simone Barbosa Villa também tratam sobre o tema do desenvolvimento de avaliação pós-ocupação para habitações de interesse social, a partir de índices de avaliação de qualidade de vida, com estudo de caso. Em contrapartida, no artigo “Avaliação pós-ocupação da qualidade espacial e ambiental de habitações coletivas verticalizadas destinadas a classes médias”, Simone Barbosa Villa, Rita de Cássia Pereira Saramago e Caio Augusto Alves Silva abordam a temática da avaliação pós-ocupação de habitações para a classe média, do mercado imobiliário, com estudos de caso, ampliando as discussões no Congresso para além das habitações de interesse social. Mariana Porto Viana, Ana Raquel Avelino Diniz Gonzaga, Vaneli Santos Neves e Cinthia Mayara Silva, em “A utilização e reuso de água nas áreas comuns de condomínios residências horizontais na cidade de Campina Grande, Paraíba”, fazem uma análise comparativa sobre o tema a partir de estudos de caso, preocupadas com o impacto ambiental de condomínios e com a questão do desenvolvimento sustentável. “Mapeamento da arquitetura de terra na rota das cachoeiras: Taquaruçu e um olhar atento à sua arquitetura popular”, de Carla Campos, Diorde Lucas Nunes Oliveira e Marielle Rodrigues Pereira, analisa a produção da arquitetura de terra, como as construções em adobe, a partir do mapeamento de tais construções e pesquisas in loco. Jadiane Beilfuss e Rosa Karina Carvalho Cavalcante apresentam, em “Casa Hidelmar Santos Araújo: Iniciativa de sustentabilidade e problemas de conservação”, uma análise da residência do engenheiro civil que dá nome ao projeto, desde sua solução arquitetônica, até estrutura e materiais, incluindo uma análise das alternativas tecnológicas sustentáveis presentes. Em “Uma articulação ético-política para a sustentabilidade: o grito de uma minoria na obra de Lina Bo Bardi e Glauber Rocha”, Iazana Guizzo, Leonardo Francisco Amaral e Hilton Berredo analisam exemplos em que se destacam as “culturas menores” e que fogem de modelos comumente adotados como “padrões” disciplinares. O temas abordados neste conjunto de pesquisa são abrangentes e múltiplos, o que corresponde a própria complexidade das questões em debate. O conjunto certamente deve contribuir para as discussões sobre a qualidade da habitação contemporânea.

Programa en cuestión, con aplicación en estudio de caso. Por el contrario, en el artículo “Avaliação pósocupação da qualidade espacial e ambiental de habitações coletivas verticalizadas destinadas a classes médias”, Simone Barbosa Villa, Rita de Cássia Pereira Saramago y Caio Augusto Alves Silva abordan la temática de la evaluación pos-ocupación de viviendas para la clase media del mercado inmobiliario y con estudios de caso, que amplía el debate del Congreso más allá de las viviendas de interés social. Mariana Porto Viana, Ana Raquel Avelino Diniz Gonzaga, Vaneli Santos Neves y Cinthia Mayara Silva, en “A utilização e reuso de água nas áreas comuns de condomínios residências horizontais na cidade de Campina Grande, Paraíba”, hacen un análisis comparativo a partir de estudios de caso, centrado en el impacto ambiental de los condominios y el tema del desarrollo sostenible. “Mapeamento da arquitetura de terra na rota das cachoeiras: Taquaruçu e um olhar atento à sua arquitetura popular”, de Carla Campos, Diorde Lucas Nunes Oliveira y Marielle Rodrigues Pereira analiza la producción de la arquitectura en tierra como las construcciones en adobe, a partir del mapeo de dichas construcciones e investigaciones in situ. Jadiane Beilfuss y Rosa Karina Carvalho Cavalcante presentan, en “Casa Hidelmar Santos Araújo: Iniciativa de sustentabilidade e problemas de conservação”, un análisis de la residencia del ingeniero civil que da nombre al proyecto, desde su solución arquitectónica hasta la estructura y materiales, incluyendo un análisis de las alternativas tectónicas sostenibles. En “Uma articulação ético-política para a sustentabilidade: o grito de uma minoria na obra de Lina Bo Bardi e Glauber Rocha”, Iazana Guizzo, Leonardo Francisco Amaral y Hilton Berredo analizan ejemplos en los que destacan las “culturas menores” y que huyen de modelos frecuentemente adoptados como “estándares”disciplinares. Los temas abordados en este eje de investigación son exhaustivos y múltiples, lo que se corresponde dada la complejidad de las cuestiones en debate. Este conjunto debe sin duda contribuir a los debates sobre la calidad de la vivienda contemporánea.

LEANDRO MEDRANO CÁSSIA BARTSCH NAGLE 508


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3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD

Célia Regina M. Meirelles | Gilda C. Bruna | Renata Lima de Mello |São Paulo, Brasil HABITAÇÃO COLETIVA SUSTENTAVEL PARA IDOSOS

RESUMO Este artigo analisa a Habitação Coletiva Sustentável para Idosos produzida no Estado de São Paulo, Brasil, conhecida como Vila Dignidade, como forma de atendimento às pessoas acima de 60 anos em situação de vulnerabilidade. Focaliza assim, a qualidade habitacional como forma de assistir espacialmente a essa população, propondo soluções construtivas sustentáveis, com baixo impacto ambiental e rapidez na produção, através de sistemas estruturais como o steel frame, utilizado no conjunto de casas de Caraguatatuba. Esse sistema permite a fixação de placas como forma de vedação e se associadas a isolantes térmicos, potencializam o conforto ambiental. Além disso, as casas produzidas contemplam a acessibilidade do conjunto, ampliando a segurança e autonomia no uso dos idosos.

de vida que pode retardar ou acelerar problemas de saúde que impactam diretamente na vida e nos atendimentos assistenciais. Para atender aos idosos, os governos deverão repensar as formas de apoio, conforme o Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde, 2015. As tecnologias podem ser aliadas nesse processo, como por exemplo, “a Internet pode permitir conexão contínua com a família, apesar da distância; ou acesso a nformações que podem orientar o autocuidado de uma pessoa mais velha ou prestar apoio aos cuidadores”2 (OMS, 2015).

INTRODUÇÃO A população no Brasil está envelhecendo aceleradamente com declínio de fertilidade e aumento da longevidade. Isso significa que no país cresce a cada dia o número de pessoas acima de 60 anos. Segundo, a Organização Mundial de Saúde:

Busca-se um “Envelhecimento Saudável” que maximize a capacidade funcional, priorizando as quatro áreas sugeridas pela OMS:

Essas mudanças são dramáticas e as implicações são profundas. Uma criança nascida no Brasil ou em Mianmar em 2015 pode esperar viver 20 anos mais que uma criança nascida há 50 anos. (...) E o ritmo de envelhecimento da população é muito mais rápido que no passado.1 (OMS, 2015).

2. Desenvolver sistemas de cuidados de longo prazo;

A conjuntura atual do número de pessoas na terceira idade demanda novas medidas em políticas públicas. Cada pessoa possui um contexto

As medidas públicas para atender as diversas demandas de pessoas com mais de 60 anos devem ser constantes, ampliando o período de autonomia e independência para a realização das atividades da vida diária.

1. Alinhar os sistemas de saúde com o crescimento da população;

3. Criar ambientes favoráveis aos adultos seniors; 4. Melhorar a medição, o monitoramento e a compreensão. É possível notar, que o item 3 indica que ambientes favoráveis aos idosos podem contribuir para a

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1 OMS (2015). Resumo: Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde. Disponível em: http:// sbgg.org.br/wp-content/ uploads/2015/10/ OMS-ENVELHECIMENTO2015-port.pdf [Acesso 15 Set. 2015].

2 OMS (2015). Resumo: Relatório Mundial de Envelhecimento e Saúde. Disponível em: http:// sbgg.org.br/wp-content/ uploads/2015/10/ OMS-ENVELHECIMENTO2015-port.pdf [Acesso 15 Set. 2015].

3 CDHU (2010). Desenho Universal na Habitação de Interesse Social. Disponível em: http:// www.mpsp.mp.br/portal/ page/portal/Cartilhas/ manual-desenho-universal.


passagem dos anos de forma saudável. E nesse sentido, o projeto da habitação inclui o conceito do Desenho Universal, no qual são contemplados 4 espaços de circulação mais amplos, que permitem a ABNT (2004). NBR 9050: passagem de pessoas em cadeira de rodas, portas Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos com vãos livres mínimos de 0,80m, pisos foscos e antiderrapantes sob qualquer condição de uso, urbanos. Rio de Janeiro: ABNT. além de barras de apoio, minimizando acidentes e estimulando as atividades no lar. 5 pdf [Acesso 10 Set. 2015].

CDHU (2010). Desenho Universal na Habitação de Interesse Social. Disponível em: http://www. mpsp.mp.br/portal/page/portal/ Cartilhas/manual-desenho-universal. pdf [Acesso 10 Set. 2015]. 6 BRUNA, Gilda Collet (2010). Pesquisa Cidade e Edifícios Sustentáveis coordenada por com apoio do CNPq / Produtividade de Pesquisa 2. São Paulo. 7 SEADS, Fundação SEADE (2013). Índice de Futuridade. Disponível em: http://www. seade.gov.br/produtos/imp/ index.p?page=consulta&action=var_ list&busca=%CDndice+Futuridade. [Acesso 3 Jun. 2013].

8 SEADS (2013). Elaboração do Plano Estadual para Pessoa Idosa – Futuridade; Lei nº 12.548 de 27/02/2007 que define no Estado a Política Estadual da pessoa idosa no Estado de São Paulo e no Plano de Ação Internacional para o Envelhecimento. Disponível em: http://www.desenvolvimentosocial. sp.gov.br/. [Acesso 2 Agos. 2013].

9 BORGES, Carlos A. de Moraes; SABBATINI, Fernando H (2008). O Conceito de desempenho de edificações e a sua importância para o setor da construção civil no Brasil. Boletim Técnico da Escola Politécnica da USP. Disponível em

Além disso, a Secretaria de Estado da Habitação/ SP (SH) e a Companhia de Desenvolvimento Habitacional (CDHU) orientam a qualidade integral na moradia e começam a implantar os princípios do Desenho Universal nos projetos desde 2010. Focam na igualdade de uso; em soluções flexíveis, simples e intuitivas; usam informações destacadas conforme sua relevância; com medidas minimizadoras dos riscos de acidentes e baixo esforço físico, além de criar espaços para a livre circulação e uso dos mesmos. O Governo do Estado de São Paulo, gestão (2007/2010) direcionou suas ações com: Melhoria da qualidade da moradia como elemento essencial para a construção de cidades sustentáveis quanto à habitabilidade, acessibilidade, segurança, uso dos equipamentos públicos de infraestrutura, lazer, saúde, esporte, cultura, respeito ao ambiente saudável e, sobretudo, inclusão social (...)[com uma] urbanização e regularização de assentamentos precários3. Nesse processo, a criação do manual “Diretrizes do Desenho Universal na Habitação de Interesse Social no Estado de São Paulo” tem como base a NBR 9050 (2004)4 da ABNT, ditando as regras para os projetos habitacionais, da CDHU, em 100% das unidades residenciais e nas áreas comuns. Um destes programas é o “Vila Dignidade”, um conjunto destinado aos idosos com 60 anos ou mais, que gozam de plena saúde física para desempenhar as atividades com independência e recebem até dois salários mínimos. Como perfil de demanda do empreendimento, devem morar sozinhos, sem vínculos sólidos com a família e residentes há pelo menos dois anos no município de localização do conjunto. Essa vila se ampara legalmente no Decreto Estadual n°54.285, de 29 de abril de 20095, que: Autoriza as Secretarias Estaduais da Habitação e de Assistência e Desenvolvimento Social, representando o Estado, a celebrar convênios com a Companhia

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de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo - CDHU e com os Municípios do Estado de São Paulo, visando a implementação do Programa Vila Dignidade. A partir dessa legislação diversos convênios foram firmados, possibilitando a construção de casas acessíveis no interior do Estado de São Paulo, como em: Ituverava, Presidente Prudente, Avaré, Limeira, Araraquara, Caraguatatuba, Itapeva, Ribeirão Preto, Itapetininga e São José do Rio Preto. O conjunto Vila Dignidade é constituído por no máximo 24 casas que atendem aos preceitos do Desenho Universal: são construídas pela CDHU em terreno próprio ou cedido pela prefeitura, oferecendo também áreas de lazer e centro de convivência. Esses empreendimentos fazem parte do plano estadual para a pessoa idosa do Estado de São Paulo. Trata-se da política do Índice de Futuridade no Estado6, cidade (município) que recebe iniciativas na área da Assistência Social à Pessoa Idosa, oferecendo possibilidade de envelhecimento digno e saudável. O Índice Futuridade varia de 0 a 100. Quanto mais próximo a 100, melhor são as condições oferecidas pelo Estado de São Paulo aos idosos, por exemplo em saúde, serviços sociais, atividades esportivas e culturais7. Em 2013 esse índice de futuridade tornou-se um Plano organizado e coordenado pela Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social – SEADS do Estado. Esse promove qualidade de vida, principalmente para aqueles que se encontrem em situação de vulnerabilidade social, praticamente sem seus direitos8. Nesse sentido o Estado procura garantir a pessoas acima de 60 anos, os mínimos direitos sociais. A cidade de São Paulo encontra-se com 38 pontos, enquanto Santos e Cubatão apresentam melhores condições para os idosos, com índices acima de 50, mostrando que nessas cidades os programas sociais para essa camada da população, são mais atuantes. O DESEMPENHO APLICADO AOS CONJUNTOS DE HABITAÇÃO SOCIAL A exigência por parâmetros de desempenho associa-se à busca da qualidade do espaço construído, durabilidade dos edifícios e impacto em sua vida útil. Esses referenciais técnicos visam o conforto ambiental dos usuários, com processos construtivos mais sustentáveis, maior ciclo de vida do edifício, economia de energia e construção mais durável. Segundo Borges; Sabbatini (2008) apud Gibson


(1982)9, uma das explicações mais bem aceitas foi definida por Gibson (1982): “a abordagem de desempenho é, acima de tudo, a prática de se pensar em termos de fins e não de meios, focando nos requisitos que a construção deve atender e não a forma como está deve ser construída”. Este conceito embasou a criação da Norma de Desempenho, durante os anos 2000, validando a NBR 15575 (2013)10 da ABNT, propondo parâmetros técnicos como: “estrutural, segurança contra incêndio; segurança no uso e operação; estanqueidade; desempenho térmico; acústico; lumínico” e a acessibilidade para a qualificação dos edifícios de Habitação de até cinco pavimentos. A longevidade dos edifícios se relaciona ao conceito de construção sustentável, que embasam os condicionantes funcionais, às características locais, ambientais e socioeconômicas. O edifício nasce a partir de um projeto, tendo uma longa vida útil. Dessa forma, cabe aos projetistas desde a concepção projetual à incorporação de técnicas bioclimáticas, minimizando gastos energéticos e emissões de CO2 (TORCELLINI et al, 2006)11. Segundo Gauzin-Muller (2011)12 a arquitetura sustentável se apoia na qualidade dos espaços que integram conforto dos usuários às questões ambientais, desde a sua construção até a demolição final. Ainda, Keeler; Burke (2010, p 49)13 apontam que a habitação sustentável deve integrar a racionalização aos processos construtivos, minimizando o impacto no uso de materiais de fontes não renováveis e a diminuição da quantidade de resíduos sólidos, bem como a redução de poluentes no ar, água e solo. Nesse sentido, sistemas leves aplicados à habitação social, como o steel frame e o wood frame permitem uma construção a seco, minimizando o impacto sobre o meio ambiente. Tem-se uma construção racional, que produz menor quantidade de resíduos, reduzindo também as tarefas realizadas na obra. A grande contribuição de Walter Gropius14, para a construção industrializada nos Estados Unidos na década de 1930, foi de um sistema leve para produção de moradia unifamiliar. Destacou que a produção em série ganha em qualidade sobre processos convencionais, pois é produzido ...dentro de fábricas especializadas, em partes separadas e passíveis de serem produzidas em série (...) [e] montadas em loco. Esse tipo de construção (...) contribui para barateamento das edificações (...) em comparação com o processo convencional em concreto, que depende da secagem dos elementos da construção, das

argamassas, etc., para o andamento da obra. (GROPIUS, 2004) O steel frame incorpora conceitos de construção industrializada, pois trabalha com paredes autoportantes, vedações independentes em paineis industrializados, com vantagens em relação ao concreto armado moldado in loco, sistema amplamente utilizado no Brasil, em otimização do processo construtivo e baixo impacto ambiental. O conceito do sistema tem como base a construção modular, com medidas múltiplas, de 60 cm e painéis de vedação de 1,20 x 2,40 m e 1,20 x 3,00 m. A técnica reduz o tempo de montagem da obra, facilitando a execução da estrutura assim como a adequação dos painéis de vedação. A estrutura é realizada com perfis dobrados a frio, produzidos a partir de chapas finas. A vedação sendo composta por painéis como OSB (Oriented Standard Board), placas cimentícias, painéis Wall, placas de gesso e outros, está fixada na estrutura. Para maior durabilidade e estanqueidade dos painéis externos em madeira, são aplicadas mantas protetoras e sobre estas, fixa-se o acabamento final como réguas horizontais de madeira ou siding vinilico. Outra característica desse método construtivo é a baixa eficiência térmica global, compensada pela dupla vedação em painéis, quando associados aos isolantes térmicos como lã de vidro e lã de rocha. Um dos materiais amplamente utilizados para vedação dos ambientes internos são os painéis de gesso acartonado, que proporcionam conforto e ampliam a segurança contra o incêndio. VILA DIGNIDADE: CARAGUATATUBA, SP O condomínio Vila Dignidade localizado no bairro Jardim Jaqueira em Caraguatatuba, litoral de São Paulo, é constituído por 20 casas geminadas térreas, área de lazer (academia ao ar livre) e centro de convivência. Esse empreendimento foi construído pela CDHU em terreno de 3.615 m2 cedido pela prefeitura, situado próximo a rodoviária da cidade e inaugurado em 2011. As unidades habitacionais são compactas apresentando uma área útil de 47,14 m². O projeto é composto por “um dormitório, sala conjugada à cozinha, banheiro, área de serviço, aquecedor solar e uma pequena área externa nos fundos que pode ser utilizada como jardim ou horta”.15 (SÃO PAULO, 2011) O processo construtivo - steel frame - apresenta inicialmente a fundação em radier como mostra a

<http://publicacoes.pcc. usp.br/PDF2008/BT515_ borges.pdf>. [Acesso 12 Nov. 2013].

10 ABNT (2013). NBR 15575: Edifícios Habitacionais de 5 pavimentos: desempenho. Rio de Janeiro: ABNT.

11 TORCELLINI, P. et al. (2006). Zero Energy Buildings: A Critical Look at the Definition. California: National Renewable Energy Laboratory. U.S.

12 GAUZIN-MÜLLER, D (2011). Arquitetura Ecológica. São Paulo: Senac São Paulo.

13 KEELER, M.; BURKE, B. Fundamentos de Projeto de Edificações Sustentáveis. Porto Alegre: Bookman, 2010. 362 p.

14 GROPIUS, Walter (2004). Bauhaus: Nova Arquitetura. São Paulo: Perspectiva

15 SÃO PAULO (2011). Estado inaugura Vila Dignidade em Caraguatatuba. Disponível em: http://

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www.saopaulo.sp.gov. br/spnoticias/lenoticia. php?id=217276 [Acesso 17 Set. 2015].

16 SÃO PAULO (2011). Estado inaugura Vila Dignidade em Caraguatatuba. Disponível em: http:// www.saopaulo.sp.gov. br/spnoticias/lenoticia. php?id=217276 [Acesso 17 Set. 2015].

17 SÃO PAULO (2011). Estado inaugura Vila Dignidade em Caraguatatuba. Disponível em http:// www.saopaulo.sp.gov. br/spnoticias/lenoticia. php?id=217276 [Acesso 17 Set. 2015].

18 ABNT (2015). NBR 9050: Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos. Rio de Janeiro: ABNT.

19 SÃO PAULO (2011). Estado inaugura Vila Dignidade em Caraguatatuba. Disponível em http:// www.saopaulo.sp.gov. br/spnoticias/lenoticia. php?id=217276 [Acesso 17 Set. 2015].

(fig. 2), sendo industrializado e muito rápido de ser executado, atendendo as diretrizes do Programa Brasileiro da Qualidade e Produtividade do Habitat (PBQP-H) e do Sistema Nacional de Avaliação Técnica (SINAT) (2010) do governo federal, introduzindo um padrão sustentável na habitação de interesse social, de acordo com a norma de desempenho 15575 (2013)16. A (fig. 3) ilustra as paredes montadas em perfil dobrado a frio, construindo a ossatura da edificação em aço galvanizado, com tubulações de água quente e fria embutidas nas paredes. Estas são intertravadas por perfis em forma de U para conformar a unidade. Na sequencia de montagem (fig. 4) a ossatura recebe as tesouras de coberturas. Na face externa, os painéis OSB promovem a vedação e o contraventavento da estrutura, (fig. 5) . Para maior conforto térmico e acústico exigido pelas normas. As paredes internas são em painéis de gesso acartonado – Drywall – associados a um isolamento térmico. Para garantir a estanqueidade e a durabilidade da construção, as casas receberam sobre o painel OSB uma manta de impermeabilização da marca LP (fig. 6), e um siding vinílico horizontal na cor branca, (fig. 7). Na cobertura sobre as tesouras apoiam as terças metálicas, uma manta de subcobertura e telhas cerâmicas, (fig. 7). As portas e janelas externas são de alumínio para garantir a durabilidade frente à salinidade própria das áreas litorâneas. As internas são em madeira. A eficiência energética, inserida no conceito de sustentabilidade é otimizada pela orientação solar e aumentada pelo aquecimento solar da água. Adotou-se também equipamentos economizadores nos banheiros com bacias acopladas, e áreas verdes permeáveis, contribuem para a drenagem da área. Essa obra, por ter adotado a racionalização do processo construtivo teve a parte estrutural executada em duas semanas. O conjunto de casas com toda a infraestrutura foi finalizado em oito meses. ACESSIBILIDADE O projeto integrou o conceito do “Desenho Universal” que embasa as soluções de acessibilidade, criando condições de segurança e autonomia aos moradores com mais de sessenta anos de idade, que por vezes podem ter dificuldade de locomoção temporária ou permanente.17 (SÃO PAULO, 2011).

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Nessa acessibilidade, vários detalhes construtivos foram contemplados para evitar acidentes domésticos que são recorrentes nessa faixa etária. Em toda a residência foi aplicado um piso antiderrapante para minimizar eventuais quedas. Para permitir a livre circulação, as portas têm vão livre mínimo de 0,80 m e os corredores são mais largos. Os banheiros foram dimensionados para permitir o giro de 360° de uma cadeira de rodas e a área do chuveiro recebeu barras de apoio, e as louças sanitárias foram instaladas em altura adequada em torno de 0,80 m, conforme a NBR 9050:2015 da ABNT18. As áreas comuns incorporam equipamentos voltados para a qualidade de vida do idoso com um “salão de convivência, equipamentos de condicionamento físico”, áreas verdes, portarias, além de um “posto do programa Acessa São Paulo” com internet, e monitores buscando integrar o idoso.19 (SÃO PAULO, 2011). CONCLUSÃO Os avanços da medicina e melhoria das condições sociais permitem que as pessoas vivam mais. Esta realidade demanda novas posturas públicas para assistir com qualidade às pessoas acima de 60 anos e ampliar seu período de vida com autonomia. Para tanto, englobam-se vários fatores, dentre eles a importância da ambiência e este aspecto é reforçado pela Organização Mundial da Saúde, quando propõe “criar ambientes favoráveis aos adultos seniors”, dentro da lógica por um Envelhecimento Saudável. Nesse sentido destaca-se a política do governo do estado de São Paulo, ao inaugurar o Programa Vila Dignidade. Os Programa para a Habitação de Interesse Social ganham privilégios ao se tornarem sustentáveis, oferecendo um espaço com conforto ambiental, segurança, acessibilidade e valorização do idoso. Para essa qualidade destaca-se o atendimento à Norma de Desempenho e o uso do steel frame como estrutura básica de construção, permitindo racionalização, rapidez e baixo impacto ambiental.


Fig. 1: Vila Dignidade Caraguá. Fonte: Renata Mello, 2015 Fig. 2: Fundação Radier. Fonte: Wallace Santos, 2011.

Fig. 3: Montagem da estrutura. Fonte: Wallace Santos, 2011. Fig. 4: Tesouras e Painéis OSB. Fonte: Wallace Santos, 2011

Fig. 5: Conjunto de casa vedação externa. Fonte: Wallace Santos, 2011

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Figura 6: Aplicação da manta de proteção LP. Fonte: Wallace Santos, 2011. Figura 7: Siding vinílico. Fonte: Wallace Santos, 2011

GILDA COLLET BRUNA gildacbruna@gmail.com Prof Associado Pleno, UP Mackenzie. Coord Progr Pós-grad Arquitetura e Urbanismo 2004-2008. Arquiteta FAUUSP/1968. Doutora/ maio 1973. Especialização/1977 Tóquio, Japão, JICA. Livre Docência/1980/FAUUSP. Professora visitante/1985, Universidade do Novo México, Estados Unidos, lecionando pós-graduação: Planejamento Urbano Regional no Brasil. Aposentou-se Prof Titular da FAUUUSP, foi Diretora FAUUSP/1991-1994. Presidente Emplasa/1995 a 2000. Experiência: desenvolvimento urbano e sustentável, ambiente construído e impacto ambiental, gestão ambiental e meio ambiente. CÉLIA REGINA MORETTI MEIRELLES morettimeirelles@gmail.com Engenheira Civil/Universidade Estadual de Maringá/1984. Mestre em Engenharia Civil Poli- USP/ 1993. Doutora em Engenharia Civil USP/1998. Professora Adjunto I da Universidade Presbiteriana mackenzie a Curso Arquitetura e Urbanismo desde 2002. Professor colaborador da Pós-Graduação Stricto-sensu desde 2009. Líder Grupo Pesquisa Sistemas Construtrutivos na Arquitetura Contemporânea.

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RENATA DE LIMA MELLO renatamello@bioarq.com.br FORMAÇÃO ACADÊMICA PÓS GRADUAÇÃO 2013: MESTRE EM ARQUITETURA E URBANISMO - UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE. PROFISSIONAL Atual 2013: FIAM FAAM Cargo: - Docente no Curso de Arquitetura e Urbanismo, ministrando a disciplina: Desenho de Arquitetura. - Docente no Curso de Tecnologia em Design de Interiores, ministrando as disciplinas: Acessibilidade Universal; Portfólio; MateriaisI e Cores, Materiais e Técnicas. Atual 2006: BIO ARQ SOLUÇÕES EM ARQUITETURA LTDA. Cargo: Sócia-Diretora 2005 2004: MOBILIDADE ARQUITETURA LTDA. Cargo: Sócia-Diretora ATIVIDADES COMPLEMENTARES 2012 2010: Coordenadora do grupo de estudos da norma técnica sobre Acessibilidade em Estádios do CB40 da ABNT. 2012 2008: Coordenadora do grupo de estudos sobre Mobiliários e Equipamentos Urbanos para a revisão da NBR 9050:2004 Acessibilidade a edificações, mobiliário, espaços e equipamentos urbanos do CB40 da ABNT


3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD

Simone B. Villa|Rita De Cássia P. Saramago|Lucianne C. Garcia|Uberlândia, Brasil QUALIDADE AMBIENTAL EM HIS: Uma avaliação do programa Minha Casa Minha Vida

RESUMO O Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) tem gerado um impacto considerável na infraestrutura econômica, social e urbana do Brasil. Nesse sentido, importa acompanhar constantemente seus resultados através da realização de estudos de avaliação pós-ocupação (APO). O presente trabalho trata de um recorte da pesquisa realizada pela FAUeD/UFU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo e Design da Universidade Federal de Uberlândia) e pelo IPEA-DF (Instituto de Pesquisa Econômicas e Aplicadas) para desenvolvimento de proposta metodológica de APO em habitações do Programa na cidade de Uberlândia/MG em 2014, enfocando os resultados relativos a um dos edifícios estudados – Residencial Baltimore. Apresenta-se a metodologia desenvolvida na APO em questão, incluindo a definição e estruturação dos instrumentos de avaliação. Tendo em vista os aspectos socioculturais e econômicos da sustentabilidade, também se pretendeu identificar o papel dos moradores na redução dos impactos ambientais, analisando-se seus hábitos e ações. A partir dos resultados obtidos, demonstra-se a necessidade da ampliação dos padrões de qualidade ambiental das habitações produzidas pelo PMCMV no sentido de atenderem amplamente às demandas de seus usuários e do meio ambiente em que se inserem. INTRODUÇÃO Cerca de 45% do total da energia produzida no planeta é utilizada para o aquecimento, resfriamento, iluminação e ventilação das edificações1. Considerando que o Brasil tem presenciado, nos últimos anos, um dos maiores ciclos de crescimento do setor imobiliário nacional2, percebe-se que a

produção arquitetônica e urbanística do país assume a obrigação de se tornar menos impactante e de maior qualidade. No caso específico da produção de habitação de interesse social (HIS), tal crescimento tem decorrido, principalmente, de uma maior disponibilidade de incentivos públicos para o financiamento de construções, visando solucionar o problema do déficit habitacional brasileiro. Entre os programas criados, destaca-se atualmente o Minha Casa Minha Vida (PMCMV), implantado em 2009, com o objetivo de produzir 3 milhões de moradias para famílias com renda de até 5 mil reais3. No entanto, mesmo com o alargamento da produção do setor, a questão habitacional brasileira continua sem solução. Isso porque, ao se analisar os modelos das unidades habitacionais (UHs) comumente ofertadas, é possível observar que respondem insatisfatoriamente à demanda existente: aspectos mínimos de habitabilidade, funcionalidade, espaciosidade e privacidade frequentemente não são atendidos4. Nesse sentido, para se conceber moradias de custos controlados e que atendam a um padrão mínimo de qualidade, é imprescindível conhecer as reais necessidades dos moradores, mediante a realização de estudos de pós-ocupação, como o proposto por esta pesquisa. É em relação a esse aspecto que se insere a importância deste trabalho, pois se busca justamente apontar a relevância da APO como ferramenta para a elaboração de projetos de HIS com maior qualidade, por meio do aferimento das reais necessidades e aspirações das populações de baixa renda beneficiadas por programas habitacionais no quesito sustentabilidade.

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1 EDWARDS, Brian; HYETT, Paul (2005). Guía básica de la sostenibilidad. Barcelona: Gustavo Gilli. 2 ROLNIK, Raquel; KLINK, Jeronen (2011). Crescimento econômico e desenvolvimento urbano: por que nossas cidades continuam tão precárias? São Paulo: Novos Estudos. 3 CEF – CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (2012). Demanda habitacional no Brasil. Brasília: Caixa. 4 VILLA, Simone Barbosa; OLIVEIRA, Juliano Carlos Cecílio Batista; SARAMAGO, Rita de Cássia. Pereira; NICOLAU, Tamires Nunes de Alcântara; MELO, Mariana Mudim (2015). A habitação social redesenhando a cidade: o caso da cidade de


Uberlândia – Brasil. UR Cadernos FA / UL, v.1, n.8, p.74-83, jun. 5 ZAMBRANO, Letícia Maria de Araújo (2008). Integração dos princípios de sustentabilidade ao projeto de arquitetura. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 6 SILVA, Vanessa Gomes (2007). Indicadores de sustentabilidade de edifícios: estado da arte e desafios para desenvolvimento no Brasil. Ambiente Construído, Porto Alegre, v.7, n.1, p.47-66, jan./mar. 7 PREISER, Wolfgang; RABINOWITZ, Harvey; WHITE, Edward (1988). Post-occupancy evaluation. New York: Van Nostrand Reinhold. MALLORY-HILL, Shauna; PREISER, Wolfgang; WATSON, Chris (2012). Enhancing building performance. London: Wiley-Blackwell Press. 8 Pesquisa financiada pela FAPEMIG, que se intitula AVALIAÇÃO PÓS-OCUPAÇÃO EM APARTAMENTOS COM INTERFACES DIGITAIS, desenvolvida em outra linha de investigação do grupo de pesquisa da FAUeD/UFU.

No entanto, os métodos de avaliação ambiental atualmente disponíveis, de maneira geral, não abordam os aspectos socioculturais e econômicos da problemática, sendo direcionados para a verificação da eficiência energética e dos impactos ambientais gerados pelos edifícios5. Nesse contexto, relacionar medidas de desempenho das edificações a indicadores mais amplos de sustentabilidade representa um desafio6. Tais medidas devem ser relacionadas com o cotidiano dos usuários e com suas expectativas (em termos de custo, conforto e segurança) e, por isso, para além das questões de eficiência, a pesquisa aqui apresentada pretendeu identificar o papel dos moradores na redução dos impactos ambientais, analisando seus hábitos e ações. METODOLOGIA O presente artigo trata de parte da pesquisa realizada pela FAUeD/UFU em parceria com o IPEA-DF, que objetivou a elaboração de uma avaliação do PMCMV em HIS (faixa 1 – na qual está mais concentrado o déficit habitacional brasileiro), a partir da obtenção de dados primários em uma amostra de beneficiários do programa em Uberlândia/MG. Baseando-nos nas definições da literatura7, que indicam três níveis de serviços de avaliação, optamos por uma APO – investigativa (ou de médio prazo), que proporciona, mediante visitas exploratórias ao ambiente em questão e entrevistas selecionadas com usuários-chave, a indicação dos principais aspectos positivos e negativos do objeto de estudo, acrescida da explicação de critérios referenciais de desempenho. Para a aplicação dos métodos, utilizou-se como base softwares específicos desenvolvidos em pesquisas anteriores8, com seu aprimoramento, em ambiente tablet. Tal aprimoramento metodológico justificou-se no sentido de trazer possíveis soluções aos problemas frequentes na área de avaliação de habitações. Sendo assim, os procedimentos metodológicos desenvolvidos, tal como os resultados obtidos nesta APO piloto, corroboram para a replicação desta ferramenta em nível nacional, contribuindo de forma efetiva para a melhoria das moradias. No sentido de complementar as variadas formas de avaliação e análise dos resultados, estipulou-se para a APO proposta a abordagem de múltiplos métodos de natureza qualitativa e quantitativa: (i) levantamento de dados, (ii) análise Walkthrough, (iii) pesquisa de perfis familiares, (iv) questionários, (v) análise dos usos e (vi) grupo focal. A metodologia utilizada justificou-se pela coleta de diferentes tipos de dados sobre o mesmo fenômeno, o que permitiu contrabalancear os desvios e tendências existentes

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em um dos métodos com os desvios dos outros métodos utilizados. A fig.1 sintetiza a aplicação das técnicas nos estudos de caso de Uberlândia/MG, enquanto a fig.2 apresenta um resumo das principais características das técnicas empregadas. O CASO DO RESIDENCIAL BALTIMORE Para a aplicação da APO proposta neste projeto, Uberlândia/MG foi escolhida por apresentar um número expressivo de unidades habitacionais na faixa 1 do PMCMV – com previsão de construção, até 2015, de um total de cerca de 8.800 UHs. Tendo em vista a produção habitacional do PMCMV nessa cidade, adotou-se como critério para a seleção dos estudos de caso a diversidade tipológica das habitações ofertadas, contemplando unidades horizontais e verticalizadas. Neste trabalho, apresentam-se os dados referentes à tipologia apartamento do Residencial Baltimore. Esse conjunto está localizado no setor Oeste de Uberlândia/MG, no bairro Chácaras Tubalinas e Quartel (fig.3), circunscrito entre bairros bastante adensados. Sua entrega foi realizada em maio de 2012. O Residencial movimentou cerca de R$2.688.00,00 e teve como responsável de obra a construtora Marca Registrada. O conjunto é estruturado em 64 unidades habitacionais, sendo dividido em 4 blocos, cuja população atual ultrapassa 200 habitantes (segundo dados da Prefeitura Municipal de Uberlândia, 2014). Embora o Residencial esteja próximo de um terminal de ônibus, poucas linhas percorrem a área interna do bairro. No entanto, tal bairro apresenta elementos básicos de infraestrutura urbana, a saber: energia elétrica, água potável e rede de esgoto. A maior parte conta com ruas pavimentadas, porém, algumas poucas vias de menores dimensões ainda não disfrutam deste serviço. Ademais, o bairro Chácaras Tubalina e Quartel não possui escolas e postos de saúde. A escola mais próxima se localiza a mais de 1 km de distância, enquanto o posto de saúde mais próximo está a mais de 2 km de distância. Inexistem equipamentos públicos voltados às atividades culturais ou de lazer, visto que o equipamento mais próximo está em processo de implantação. Por outro lado, observa-se uma concentração de serviços e atividades comerciais ao longo da avenida Aspirante Mega, localizada próxima ao Residencial. RESULTADOS PARCIAIS DA APO: RELAÇÃO DOS USUÁRIOS COM O MEIO AMBIENTE Com o intuito de avaliar o nível de consciência ambiental dos moradores, os mesmos foram ques-


tionados sobre seus hábitos e ações em termos de: economia de água; economia de energia; motivos que justificam economia de água e de energia; coleta e destinação de resíduos; consumo de alimentos orgânicos e justificativas para tal consumo (ou para a ausência dele); relação com vegetação e mobilidade urbana (meios de transporte mais utilizados e justificativas para tanto). Segundo dados do questionário, o uso racional da água aparece com maior expressividade principalmente nas medidas mais corriqueiras. Afinal, entre as alternativas oferecidas para que os moradores expressassem como economizam água, mais de 80% deles tomam banhos rápidos, escovam os dentes e ensaboam a louça com a torneira fechada; cerca de 60% utilizam a máquina de lavar roupas com a capacidade máxima; 20,51% reutilizam a água da máquina de lavar para limpeza das unidades; ao passo que menos de 13% adotam aparelhos que economizam água. Os dados sobre economia de energia foram mais satisfatórios, visto que acima de 87% dos residentes apagam as luzes ao sair do ambiente e utilizam lâmpadas econômicas; 71,79% desligam aparelhos que não estão em uso e compram eletrodomésticos com selo A de eficiência energética. Essa situação pode ser justificada, em parte, pelo aumento das tarifas de energia em função de recentes crises de abastecimento. Fato comprovado quando se analisa a razão segundo a qual as pessoas economizam água e energia. Observou-se que mais de 80% dos moradores praticam tal ato para reduzir o preço das tarifas mensais, ao passo que apenas cerca de 60% deles citaram que a economia é realizada para diminuir os danos ao meio ambiente. Assim, diante do cenário de crise hídrica vivenciado pelo país, depreende-se que provavelmente irá ocorrer uma redução ainda maior do consumo de água. Através do levantamento de dados e do Walkthrough, constatou-se que o Residencial Baltimore não conta com sistema de aquecimento solar de água. Portanto, seu consumo energético poderia ser reduzido ainda mais, caso o empreendimento fizesse uso de tal estratégia. Afinal, 73% das residências brasileiras possuem chuveiro elétrico – equipamento que corresponde a, aproximadamente, 24% da energia elétrica consumida no país e que exerce grande impacto sobre a curva de carga das concessionárias de energia brasileiras (em função dos horários de pico)9.

No que concerne aos resíduos sólidos, 64,1% dos moradores do Residencial Baltimore separam o lixo reciclável do comum (fig.4). O bairro não conta com o serviço de coleta seletiva, oferecido pela Prefeitura Municipal de Uberlândia/MG, porém, vários bairros vizinhos possuem esse benefício. Acredita-se que tal fato contribua para um maior engajamento dos moradores de tal conjunto na adoção dessa prática. Sendo assim, observa-se que ações públicas podem influenciar a mudança de hábito dos residentes, tornando-se necessário aumentar a abrangência do serviço para toda a cidade. Em relação à separação de óleo, 71,79% das pessoas que moram no Residencial Baltimore dizem separar o mesmo de outros resíduos. Por outro lado, mais de 80% dos residentes não sabem o local para o qual o lixo é destinado – o que indica um baixo nível de envolvimento dos residentes. Ainda com relação aos resíduos sólidos, importa comentar que o próprio processo construtivo do conjunto apresenta baixo desempenho ambiental, tanto no que concerne às unidades originais quanto às obras de reformas. Isso porque desrespeita a lógica da flexibilidade e da possibilidade de ampliação das unidades, indo de encontro à dimensão social da sustentabilidade. Como não há previsão de mudanças quanto ao número de membros das famílias contempladas ou mesmo de mudanças internas em uma única família ao longo do tempo, as reformas realizadas geram grandes quantidades de entulhos. Através da dinâmica “Discussão Aprofundada”, realizada no grupo focal, ficaram claras a dimensão e a diversidade das reformas realizadas pelos moradores – tanto para ampliar e/ou modificar ambientes, quanto em função da baixa qualidade dos materiais de acabamento e dos sistemas prediais originalmente empregados. Quanto ao consumo de alimentos orgânicos, observa-se que tal prática ainda está em processo de consolidação entre os respondentes, visto que cerca de 41% dos moradores não a realizam, enquanto 38,46% consomem alimentos orgânicos esporadicamente (fig.5). O pouco conhecimento sobre esse tipo de alimentação pode ser expresso quando os residentes relataram qual tipo de produto orgânico consomem: a maioria se restringe a consumir frutas e verduras, enquanto os produtos de origem animal apresentaram baixíssima expressividade. De forma semelhante, o motivo principal para justificar tal consumo é em relação à saúde (acima de 45%) e não para evitar danos ao meio ambiente (12,82%). Nesse sentido, ressalta-se a necessidade de in-

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9 ASSIS, Eleonora Sad de; PEREIRA, Elizabeth Marques Duarte; SOUZA, Roberta Vieira Gonçalves de; DINIZ, Antônia Sônia Alves Cardoso (2005). Habitação social e eficiência energética: um protótipo para o clima de Belo Horizonte. In: Congresso Brasileiro de Eficiência Energética, 2., 2005, Vitória. Anais do II CBEE. Vitória: ABEE, p.1-7.


centivos públicos aos produtores que utilizam formas alternativas de cultivo, com o intuito de aumentar a oferta e o acesso aos alimentos orgânicos. No que concerne à presença de vegetação nas unidades, observa-se que o conjunto horizontal investigado pela pesquisa apresenta melhor desempenho que o Residencial Baltimore, em termos quantitativos e em relação à diversidade. Tal situação pode ser justificada quando se analisa a maior área disponível para o cultivo de vegetação nas unidades térreas. Ressalta-se, portanto, o desconhecimento do potencial emprego da vegetação em edifícios de apartamentos na forma de hortas e jardins verticais, por exemplo. No entanto, a maior parte dos moradores (acima de 60%) expressou desejo de contar com áreas ajardinadas em seus apartamentos. Quanto aos aspectos de mobilidade urbana, observou-se o predomínio do uso de transporte coletivo (69,23%), seguido pelo transporte próprio (23,08%). Poucos moradores informaram que majoritariamente andam a pé ou de bicicleta – ainda que, quando indagados sobre o meio de transporte utilizado em função das distâncias a serem percorridas, tais opções apareceram com maior porcentagem para até 500 metros. Visando justificar tal escolha, os moradores citaram principalmente: o custo mais acessível (51,28%), não possuírem outro meio de transporte (48,72%) e a facilidade de acesso a todos os lugares da cidade (35,9%). Portanto, embora o nível de satisfação com transporte coletivo seja baixo, conforme confirmado no grupo focal, a falta de outras opções leva à adoção desse meio de locomoção por grande parte dos residentes. Já a redução dos danos ao meio ambiente foi citada por um número pouco expressivo de moradores. Desse modo, infere-se que a redução dos impactos gerados pelos veículos automotores somente será possível na medida em que políticas ligadas à mobilidade urbana – que apoiem o transporte coletivo e o uso da cidade por pedestres – forem empregadas em larga escala, conectando diferentes pontos da cidade. Com o objetivo de apresentar visualmente os resultados gerais da pesquisa, contemplando os aspectos relativos à visão dos moradores, dos pesquisadores e dos técnicos envolvidos, apresenta-se a matriz de descobertas, que sintetiza tais impressões em uma base gráfica (fig.6). CONSIDERAÇÕES Pensar a habitação em todas as suas etapas é de fundamental importância para assegurar a qua-

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lidade do ambiente construído. A participação dos moradores nesse processo garante não apenas um melhor atendimento das necessidades dos usuários, como também possibilita o estabelecimento de diretrizes qualitativas para futuras construções. A pesquisa aqui relatada baseou-se, principalmente, nessas considerações quando delineou seus procedimentos metodológicos, destacando-se a abordagem de múltiplos métodos de avaliação acerca dos aspectos quantitativos e qualitativos das habitações. Tal aprimoramento metodológico se justifica no sentido de trazer possíveis soluções aos problemas frequentes na área de avaliação de habitações, garantindo-se: i) maior eficiência dos resultados da avaliação; ii) a questão da privacidade dos moradores avaliados; iii) a possibilidade de maior interação entre o pesquisador e o morador na avaliação; iv) a redução do tempo de avaliação; v) a redução dos custos da avaliação; vi) a eficiência da tabulação dos resultados da avaliação; vii) a adequada escolha dos estudos de caso e levantamento de dados; e viii) a capacidade da avaliação em se constituir como parte do processo de transformação do lugar. A partir do exposto, fica claro que a oferta de projetos de HIS adequados às necessidades e às aspirações das populações de baixa renda depende de uma série de fatores. Devem-se levar em consideração as características do sítio de implantação (suas dimensões e condicionantes climáticas) e também as características do público a que o projeto será destinado. Somente a partir dessas informações é possível garantir a qualidade final das unidades ofertadas. A repetição, a estandardização, a ausência de preocupação com o impacto ambiental e a inadaptação aos diferentes modos de vida da população devem ser amplamente revisados pelos agentes envolvidos no processo de produção do programa. Os resultados de APOs, somados aos de outros estudos, que envolvem os modos de vida de uma população, podem vir a garantir condutas projetuais mais sustentáveis, economicamente viáveis e com níveis de satisfação mais elevados. Sendo assim, os procedimentos metodológicos desenvolvidos, assim como os resultados obtidos nesta APO piloto, corroboram para a replicação desta ferramenta em nível nacional, contribuindo de forma efetiva para a melhoria das moradias, da cidade e consequentemente da qualidade de vida dos cidadãos brasileiros participantes do PMCMV.


Fig.1 – Síntese das técnicas aplicadas nos estudos de caso de Uberlândia/MG Fig.2 – Procedimentos metodológicos elencados para a APO, atributos avaliados e objetivos.

Fig.3 – Localização e esquema de implantação do Residencial Baltimore

Fig.4 – Separação de resíduos

Fig.5 – Consumo de alimentos orgânicos

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Fig.6 – Matriz de descobertas do Residencial Baltimore

SIMONE BARBOSA VILLA simonevilla@yahoo.com Faculdade de Arquitetura Urbanismo e Design (FAUeD). Universidade Federal de Uberlândia (UFU). LUCIANNE CASASANTA GARCIA luciannecasasanta@gmail.com

RITA DE CÁSSIA PEREIRA SARAMAGO saramagorita@gmail.com

Faculdade de Arquitetura Urbanismo e Design (FAUeD). Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Faculdade de Arquitetura Urbanismo e Design (FAUeD). Universidade Federal de Uberlândia (UFU) .

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3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD

Débora Cristina Araujo1 | Simone Barbosa Villa2 | Uberlândia, Brasil AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DE VIDA NO CONJUNTO HABITACIONAL CIDADE VERDE

RESUMO: A avaliação pós-ocupação (APO) de empreendimentos de habitação de interesse social tem sido amplamente discutida no Brasil, sendo essas pesquisas ligadas à avaliação da qualidade do projeto, dos materiais e do comportamento nos espaços, entre outras questões. Entretanto, verifica-se ainda uma carência de pesquisas de APO que considerem a qualidade de vida como método de avaliação pós-ocupação de conjuntos habitacionais. Este artigo trata de parte de uma pesquisa de mestrado intitulada “A qualidade de vida na Habitação de Interesse Social Verticalizada em Uberlândia-MG a partir da avaliação pós-ocupação: o caso do conjunto habitacional Cidade Verde”, em desenvolvimento no PPGAU - FAUeD, - UFU. Tal pesquisa tem como objetivo principal desenvolver uma ferramenta de APO da qualidade de vida dos moradores de habitações verticais de interesse social tomando-se por base três índices de avaliação de qualidade de vida: o IDH – Índice de Desenvolvimento Humano, o Índice de Progresso Social - IPS e o Índice de Bem-estar Urbano – IBEU, utilizando como piloto o conjunto habitacional Cidade Verde. Metodologicamente este artigo se divide em: (i) apresentação do objeto de estudo, (ii) apresentação dos procedimentos metodológicos, (iii) demonstração dos principais resultados preliminares e (iv) considerações finais, tendo como objetivo principal apresentar os resultados preliminares da pesquisa através da APO, por meio da ferramenta de avaliação desenvolvida e aplicada como um pré-teste no conjunto habitacional. Os resultados preliminares indicam insatisfações pontuais dos moradores, principalmente em relação à qualidade e ao tamanho da unidade, visto que as unidades

habitacionais não atendem às diferentes demandas dos arranjos familiares identificados. Palavras-chave: avaliação pós-ocupação, habitação de interesse social, qualidade de vida. ABSTRACT The post-occupancy evaluation (POE) of social housing projects has been widely discussed in Brazil, these research related to the evaluation of quality of design, materials and behavior in the spaces, among other issues. However, also evaluate whether POE a lack of research to consider quality of life as post-occupancy evaluation method of housing. This article is part of a Master thesis entitled “The quality of life in the upright Social Housing in Uberlândia-MG from post-occupancy evaluation: the case of housing Cidade Verde” in development in PPGAU - FAUeD, UFU. Such research aims to develop an POE tool the quality of life of residents of vertical social housing taking up based on three levels of evaluation of quality of life: the HDI - Human Development Index, the Social Progress Index - SPI and the Welfare Index Urban - WIU using as a driver the housing Cidade Verde. Methodologically this article is divided into: (i) presentation of the subject matter, (ii) presentation of the methodological procedures, (iii) a statement of the main preliminary results and (iv) final considerations, with the main objective to present the preliminary results of research through POE, through the evaluation tool developed and applied as a pre-test in housing. Preliminary results indicate specific grievances of the residents, especially in relation to the quality and size of the unit, as the housing units do not meet the different demands of the identified family arrangements.

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1 Arquitetura e Urbanista. Mestranda em Arquitetura e Urbanismo, no PPGAUFAUeD-UFU/MG. 2 Arquiteta e Urbanista, professor adjunto da Universidade Federal de Uberlândia (UFU/ MG) na FAUeD. Doutora pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) na subárea Tecnologia da Arquitetura (2008). 3 ORNSTEIN, Sheila Walbe et. al. (2013). “A avaliação pós-ocupação em empreendimentos habitacionais no Brasil: da reabilitação aos novos edifícios.” In: VILLA, Simone Barbosa & ORNSTEIN, Sheila Walbe (orgs). Qualidade ambiental na habitação: avaliação pós-ocupação. São Paulo: Oficina de Textos. pp. 37-52


4 ROMERO, Marcelo de Andrade & ORNSTEIN, Sheila Walbe (2003). Avaliação PósOcupação: métodos e técnicas aplicados à habitação social. Porto Alegre: ANTAC. Coleção Habitare. 5 AMORE, Caio Santo, et. al. (org.) (2015). Minha casa... e a cidade? Avaliação do programa Minha Casa Minha Vida em seis estados brasileiros. Rio de Janeiro: Letra Capital. 6 BRASIL. (2014). Ministério das Cidades - Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Pesquisa de satisfação dos beneficiários do Programa Minha Casa Minha Vida. Brasília, DF: MCIDADES; SNH; SAEPR; IPEA. 7 MONTANER Josep Maria, et. al. (2012). ‘Instrumentos de Avaliação de Projetos’ in FRANÇA E. & COSTA K.P. (ed.), 2012. Do Plano ao Projeto: Novos Bairros e Habitação Social em São Paulo. São Paulo, Secretaria Municipal de Habitação, pp. 253-313. 8 VILLA, Simone Barbosa & ORNSTEIN, Sheila Walbe (orgs). (2013). Qualidade ambiental na habitação: avaliação pós-ocupação.

Keywords: post-occupancy evaluation, social housing, quality of life. DEFINIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO O conjunto habitacional Cidade Verde localiza-se no Setor Oeste de Uberlândia-MG, Brasil, tendo como principal acesso a Avenida Rio Mississipi, conforme pode ser verificado no mapa de localização (fig. 1). Na área, a Secretaria Municipal de Habitação desenvolveu o projeto de sete condomínios verticais em 2010, que foram construídos em etapas, sendo que as chaves foram entregues aos moradores entre 2013 e 2014 (Tabela 1). Os apartamentos são de dois quartos (1824 unidades) e três quartos (640 unidades) sendo dezesseis apartamentos por bloco, quatro apartamentos por andar, sem elevador e pilotis, com uma vaga de garagem. Para aplicação do pré-teste de APO desta pesquisa, foi escolhido o Residencial Gravatá. O condomínio é atendido por três linhas de ônibus, que param na Avenida Mississipi, a cerca de 150 metros da portaria do condomínio e uma linha que para próximo à portaria, na Avenida Américo Attiê, com maior intervalo de tempo. No entorno existem cinco escolas, localizadas a no mínimo quinhentos metros do condomínio, atendendo ao ensino infantil, fundamental e médio. O bairro não conta com equipamentos de saúde, entretanto no entorno (Bairro Luizote de Freitas) encontram-se duas UAPSF – Unidade de Atenção Primária da Saúde da Família (para atendimento ambulatorial) e uma UAI – Unidade de Atendimento Integrado, que conta com atendimento ambulatorial e pronto atendimento de baixa complexidade. O acesso ao condomínio é controlado por portaria 24h; o empreendimento conta ainda com as seguintes áreas de uso coletivo: quadra, salão de festas, churrasqueiras e playground (fig. 2). O pavimento tipo tem tipologia de planta em H, e os apartamentos são de três quartos, com área útil de 51,78 m², totalizando 288 unidades (fig. 3). PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A aplicação da APO em empreendimentos de habitação de interesse social no Brasil é antiga, sendo uma das primeiras pesquisas aplicadas na década de 1970 (ORNSTEIN et. al., 2013)3. A APO vem sendo utilizada no Brasil principalmente no meio acadêmico,

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“firmando-se cada vez mais nas universidades brasileiras, públicas ou privadas, como um conjunto de métodos e técnicas com potencial de aplicação nos ambientes em uso. [...] a APO é utilizada em diferentes estudos de caso como maneira para incrementar a qualidade nos processos de projeto, construção e uso dos ambientes construídos.” (ORNSTEIN et. al., 2013, p. 37).

Esse processo de avaliação se distingue das avaliações de desempenho clássicas pois considera fundamental aferir o atendimento às necessidades e o nível de satisfação dos usuários em relação a determinado ambiente (ROMERO & ORNSTEIN, 2003)4. Nesse sentido, a aplicação da metodologia de APO em habitações de interesse social já vem sendo testada em diversas pesquisas recentes (AMORE, 20155; BRASIL, 20146; MONTANER, et. al. 20127; VILLA & ORNSTEIN, 20138; VILLA, 2015)9. A APO é um instrumento indispensável nessa pesquisa, que amplia o enfoque das abordagens de avaliação pós-ocupação que vem sendo praticadas nos últimos anos, visto que objetiva desenvolver um instrumento de avaliação pós-ocupação de empreendimentos habitacionais verticais do Programa Minha Casa Minha Vida, com ênfase na avaliação dos níveis de satisfação e na qualidade de vida; entende-se, ainda, que, ao final deste trabalho, essa metodologia poderá ser utilizada por prefeituras, universidades, ONGs, entre outros; além disso, as informações levantadas e a metodologia podem servir como banco de dados para elaboração de projetos habitacionais futuros, seja por parte dos órgãos públicos ou pela iniciativa privada, podendo, portanto, contribuir com a melhoria da qualidade dos projetos arquitetônicos, atendendo às demandas dos usuários e fomentando a qualidade de vida nesses conjuntos habitacionais. Deve-se destacar, ainda, que este programa tem repetido as mesmas soluções equivocadas, segregadoras e homogêneas de antigos programas habitacionais brasileiros (como os projetos do BNH); e que os projetos habitacionais são desenvolvidos sem considerar a heterogeneidade dos usuários/moradores, bem como as suas necessidades e anseios, embora inseridos em distintos arranjos familiares. Para elaboração deste trabalho foram pesquisados diversos indicadores de avaliação de qualidade de vida, sendo que três foram escolhidos: i) Índice de Desenvolvimento Humano – IDH (IDHM, 2013)10, ii) Índice de Progresso Social – IPS (STERN, 2015)11 e o iii) Índice de Bem-Estar Urbano – IBEU (RIBEIRO & RIBEIRO, 2013)12, visto que os mesmos tem uma


metodologia definida, já aplicada anteriormente, e contam com parâmetros de avaliação que estão disponíveis para consulta e pesquisa, ou ainda, que podem ser empregados na avaliação pós-ocupação, por exemplo, através de questionários e/ou entrevistas. Os três instrumentos pesquisados nortearam a definição dos métodos abaixo citados, bem como dos aspectos e atributos abordados nestes métodos (Quadro 1): a) levantamento de dados: mapas, plantas, projetos aprovados e outras informações relevantes referentes ao conjunto habitacional; b) walkthrough: combina uma observação com uma entrevista, que possibilita identificar os aspectos positivos e negativos dos ambientes analisados; c) questionários e; d) grupo focal: tem como objetivo perceber os aspectos valorativos e normativos que são referência de um grupo. (RHEINGANTZ, et. al., 200913; KOWALTOWSKI, et. al., 201314). PRINCIPAIS RESULTADOS LEVANTADOS Embora os dados levantados sejam preliminares, podem ser apontados os seguintes resultados: foi possível identificar que o entorno dos condomínios não apresenta problemas graves de infraestrutura urbana, exceto as áreas públicas que se encontram sem calçamento, com acúmulo de lixo, com iluminação precária ou sem iluminação; verificaram-se demandas significativas nas áreas de educação, saúde, lazer e recreação, cultura (fig. 4) – embora existam equipamentos de recreação no entorno, os mesmos não se encontram em bom estado de conservação; em relação à mobilidade urbana, metade dos entrevistados declararam utilizar transporte público, tendo sido bem avaliado; o tempo de viagem de casa ao trabalho foi considerado alto: mais da metade dos entrevistados gastam mais de 45 minutos (ida-volta); a localização do empreendimento foi bem avaliada, o que pode estar relacionado ao acesso rápido ao bairro. Em relação às condições habitacionais, não foram identificados no condomínio nem no entorno residências sem condições mínimas de habitabilidade; no que tange à acessibilidade, os calçamentos são acessíveis e alguns apartamentos térreos também; a coleta de lixo é eficiente, sendo realizada três vezes por semana; o condomínio apresenta lixeira própria (entretanto não conta com coleta seletiva); a escolaridade dos moradores é relativamente alta,

inclusive entre as mulheres; foram identificados três perfis familiares (fig. 5), que reforçam a necessidade de ofertar projetos habitacionais para atender as diferentes demandas desses arranjos familiares, formadas em sua maioria por pessoas jovens. No que se refere às oportunidades, os entrevistados declararam votar nas eleições (embora a maioria tenha declarado que só vota porque é obrigatório), entretanto não mostraram grande envolvimento nas decisões locais; a maioria dos entrevistados não se sente discriminado por morar no bairro ou por expressar suas opiniões, entretanto sofrem discriminação principalmente por cor/raça e religião; a maioria das mulheres utilizam algum método anticoncepcional; a renda dos entrevistados foi considerada alta, acima de 3 salários em mais da metade dos entrevistados; quase a totalidade das moradias são financiadas, sendo que a maioria dos entrevistados saiu do aluguel para adquirir a casa própria; não foi identificado número significativo de pessoas que morassem em áreas de risco anteriormente; a maioria das pessoas se declararam bem informadas, sendo o acesso a informações feito por meio da internet, popularizada pelos smartphones, entretanto o sinal de celular foi considerado ruim; em relação à segurança, os moradores se declararam seguros, tanto interna quanto externamente ao condomínio; a maioria dos moradores mostrou consciência ambiental em relação à economia de recursos, entretanto não tem hábito de separar o lixo reciclável do comum; em relação à diversidade de usos do entorno, verificou-se que o bairro é bem atendido por diversos serviços, entretanto não se verificou grande variabilidade tipológica e qualidade arquitetônica das construções do entorno; no que tange à qualidade de vida, a maioria dos entrevistados declararam que a qualidade de vida melhorou após a mudança pro bairro e que nesse momento encontram-se felizes ou muito felizes. Em relação à qualidade da habitação, poucos entrevistados declararam utilizar as áreas externas, sendo o principal fator de descontentamento a falta de privacidade, entretanto, dentre os que as utilizam, foram consideradas bem cuidadas e conservadas; as principais insatisfações dos moradores estão relacionadas à baixa qualidade da construção, especialmente em relação aos acabamentos e ao tamanho de alguns cômodos, como a sala e a cozinha/área de serviço, o que ocasionou grande número de reformas antes da construção, bem como, quase a metade dos entrevistados declararam que os móveis da moradia anterior não couberam no apartamento; em relação ao conforto, no geral as

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9 VILLA, S. B. et al (2015). Relatório de Atividades: Proposição de Avaliação Pós-Ocupação em unidades habitacionais (UHs) pertencentes à primeira fase do PMCMV na cidade de Uberlândia, pertencentes à primeira fase do PMCMV, enfocando aspectos funcionais, comportamentais e ambientais. IPEA – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, Programa de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional – PNPD, FAUeD/UFU. 10 Índice de Desenvolvimento Humano Municipal Brasileiro (2013). Brasília: PNUD, Ipea, FJP. (Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2013). 11 STERN, Scott et. al. (2015). Social Progress Index 2015: Methodological Report. Social Progress Imperative, Washington, USA. Disponível em: http://www. socialprogressimperative. org/publications, acesso em 13/04/2015. 12 RIBEIRO, L. C. Q & RIBEIRO, M. G. (2013). IBEU: Índice de bem-estar urbano. Rio de Janeiro: Letra Capital.


13 RHEINGANTZ, Paulo Afonso et. al. (2009). Observando a qualidade do lugar: procedimentos para avaliação pósocupação. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Pós-Graduação em Arquitetura. Coleção PROARQ. 14 KOWALTOWSKI, Doris C. C. et al. (2013). “Métodos e instrumentos de avaliação de projetos destinados à habitação de interesse social.” In: VILLA, Simone Barbosa & ORNSTEIN, Sheila Walbe (orgs). Qualidade ambiental na habitação: avaliação pós-ocupação. São Paulo: Oficina de Textos. pp. 149-184.

unidades foram bem avaliadas, exceto em relação ao barulho, com insatisfação de mais de 80% dos entrevistados; por fim, em relação aos aspectos gerais da construção a quantidade de vagas de estacionamento, a acessibilidade e a qualidade da construção tiveram baixa avaliação. CONSIDERAÇÕES O pré-teste foi imprescindível para validar a proposta de APO e auxiliar na continuidade da pesquisa. Com os dados levantados, foi possível identificar falhas tanto nos métodos, quanto no processo de aplicação; os métodos testados são factíveis, não tendo sido verificadas grandes dificuldades ou falta de aceitação do síndico e dos moradores durante o processo de aplicação. As insatisfações levantadas são pontuais, sendo as mais representativas em relação ao acabamento e qualidade da construção, e em relação à privacidade. A proximidade com o local de trabalho embora tenha sido mal avaliada, é compensada pela boa avaliação em relação à localização, visto que o condomínio tem acesso rápido e fácil ao centro da cidade. Embora o bairro e o condomínio tenham sido considerados seguros, o principal motivo de insegurança deve-se à falta de iluminação das áreas públicas. Portanto, ainda que preliminarmente, pode-se afirmar que os moradores encontram-se satisfeitos com a moradia. Entretanto, visto que os métodos foram empregados somente em caráter de pré-teste, e que a pesquisa ainda encontra-se em andamento, não há dados suficientes para afirmar se há ou não qualidade de vida no condomínio levantado. Além disso, o empreendimento apresenta-se como um modelo repetidor das velhas práticas habitacionais brasileiras, e não apresenta avanços em relação ao fomento da qualidade de vida. Portanto, justifica-se a importância da APO nesse momento, visto a carência de pesquisas com esse enfoque, que poderá contribuir como uma metodologia de aplicação em empreendimentos similares e auxiliar no desenvolvimento de projetos habitacionais que possam fomentar a qualidade de vida dos moradores. Por fim, essa pesquisa poderá contribuir com a alimentação de bancos de dados para o desenvolvimento de futuros projetos habitacionais menos segregadores, que mitiguem o impacto na paisagem urbana e consequentemente, que proporcionem maior qualidade de vida aos moradores.

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Fig. 1. Mapa de localização do conjunto habitacional Cidade Verde. Fonte: Prefeitura Municipal de Uberlândia – 2015. Figura 2. Vista interna do condomínio. Fonte: Fotos das autoras. 2015. Fig. 3. Planta do pavimento tipo do Residencial Gravatá. Fonte: Prefeitura Municipal de Uberlândia. Organização: autoras.

Fig. 4. Gráfico dos resultados da avaliação dos equipamentos públicos.

Tabela 1. Quadro representativo dos condomínios do conjunto habitacional Cidade Verde. Quadro 1. Aspectos abordados nos métodos empregados no pré-teste. Fig. 5. Gráfico dos perfis familiares identificados nos questionários.

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Fig. 6. Gráfico dos resultados da avaliação dos cômodos da unidade.

Fig. 7. Gráfico dos resultados da avaliação da satisfação em relação aos aspectos gerais do condomínio.

SIMONE BARBOSA VILLA simonevilla@yahoo.com

DÉBORA CRISTINA ARAUJO dca.arquitetura@gmail.com

Doutora em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (2008). Professor Adjunto IV da Universidade Federal de Uberlândia da Faculdade de Arquitetura, Urbanismo e Design. Professora do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da FAUeD/UFU. Coordenadora do [MORA] Pesquisa em Habitação - CNPq. Tem experiência na área de Habitação, Processo de Projeto, Avaliação Pós-Ocupação. Autora do livro “Qualidade Ambiental na Habitação: avaliação pós-ocupação”. Têm publicado diversos artigos científicos sobre as temáticas: habitação de interesse social, avaliação pós-ocupação, processo projetual, edifícios de apartamentos nos principais eventos da área nacional e internacional.

Possui Graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de Uberlândia - 2007. Possui Pós-Graduação em Gestão Ambiental pela Faculdade Católica de Uberlândia - 2013. Concursada como Arquiteta na Prefeitura Municipal de Uberlândia desde 2009, atuando como Coordenadora de Parcelamento do Solo desde 2014. Mestranda do Curso de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal de Uberlândia desde 2014. Membro do Conselho Municipal do Plano Diretor 2013-2015. Membro do Conselho Municipal de Habitação de Interesse Social 2015-6. Atuando principalmente nos seguintes temas: Planos Diretores, Aalização Pós-ocupação de edifícios, Habitação de Interesse Social, entre outros.

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3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD

Iazana Guizzo, Leonardo Francisco Amaral e Hilton Berredo | Rio de Janeiro, Brasil UMA ARTICULAÇÃO ÉTICO-POLÍTICA PARA A SUSTENTABILIDADE: O grito de uma minoria na obra de Lina Bo Bardi e Glauber Rocha

Publicado em 1989, “As Três Ecologias” de Felíx Guattari já apontava a necessidade de se compreender a sustentabilidade para além de uma visão tecnocrática. Para o autor era preciso que se desse a tal conceito uma articulação ético-política, ampliando sua percepção de uma para três ecologias: a do meio ambiente, a das relações sociais e a da subjetividade humana. Nessa visão, denominada pelo autor de ecosofia, o pensamento ecológico não poderia estar separado de uma reorientação dos objetivos e valores da produção material e imaterial bem como da problematização dos modos de existência e da produção do desejo. A possibilidade de uma vida autônoma, individual e coletiva, só seria possível uma vez superada a cisão entre natureza e cultura. Guattari ilustra essa íntima relação lembrando da experiência de Alaon Bombard. O biólogo francês apresentou na televisão um experimento com duas bacias: uma com água do mar poluída e um polvo que nela residia; e outra com água do mar sem poluição. Ao tirar o polvo da primeira bacia e colocá-lo na segunda o animal, antes bem vivo, se debate até a morte. No real os domínios se misturam e a sustentabilidade vista apenas do ponto de vista ambiental fica demasiadamente isolada para enfrentar a crise atual. Nessa perspectiva de necessária integração entre as três ecologias, a sustentabilidade não atuaria apenas nas forças visíveis (placas solares, reaproveitamento de água da chuva, bairros ecológicos), mas também reorientaria as práticas cotidianas suscitando experimentações nos modos de vida que escapem aos modelos hegemônicos, questionando

os valores de mercado e remodelando o nosso modo de habitar, os nossos modos de sentir, de pensar, de agir, de viver. Sendo assim, a homogeneização dos modos de vida e do seu habitar é tão grave quanto as catástrofes ambientais. A incorporação de um modelo de práticas e ambientes cotidianos não apenas movem grandes indústrias ou volumosos sistemas, mas criam também vidas desprovidas de sentidos existenciais e de engajamento coletivo, o que, ao mesmo tempo, provoca uma exacerbação do consumo e um esvaziamento político. Em busca de atuar nessa crise ecosófica, paralelamente a outras ações, Guattari sugere, principalmente, aos campos do esporte, da arte, e do urbanismo, a invenção de “dispositivos de criação de subjetividade, indo no sentido de uma re-singularização individual e/ou coletiva, ao invés de ir no sentido de uma usinagem pela mídia, sinônimo de desolação e desespero.”1 É no sentido de uma sustentabilidade existencial social e subjetiva - que o trabalho de Lina Bo Bardi realizado entre 1958-1964 na Bahia pode ser visto como exemplo nessa via antes mesmo do termo “sustentabilidade” ter se tornado uma das grandes novas diretrizes dos projetos arquitetônicos e urbanísticos. A dita “primeira fase” da arquiteta em Salvador incidia em um série de trabalhos nos quais uns conjugam-se com os outros fazendo consistir um projeto de cunho político, social, cultural e arquitetônico que versava sobre o processo de industrialização no Brasil. Em 1958 a arquiteta foi convidada a dirigir o Museu de Arte Moderna da Bahia, trabalho este que logo mais agenciaria outros como a Exposição

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1 GUATTARI, Félix (1990). As três ecologias. Campinas: Papirus, pg15. 2 Conforme documento escrito pela própria arquiteta em 1961. Documento este transcrito e publicado como anexo em PEREIRA, Juliano Aparecido (2007). A Ação Cultural de Lina Bo Bardi na Bahia e no Nordeste (1958-1964). Uberlândia: EDUFU. 3 Bardi in Ferraz M. (2008) Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. p.141. 4 Lina Bo Bardi pontua que a palavra artesanato corresponde à agremiações populares unidas por interesses comuns, as ditas corporações. Para o caso brasileiro seria melhor


chamar de pré-artesanto já que é produzido, na sua maioria, por famílias. 5 Essa fusão entre passado e moderno já singularizava a arquitetura moderna brasileira a muitos anos. Carlos Eduardo Comas (2009 e 2013) aponta que antes de Bardi a revista do SPHAN, fundada 1937, já trazia a cultura material popular e indígena e as obras de Costa (1944), Warchavchick (1946) e Ferreira (1949) já faziam fortes referências a arquitetura vernacular. No entanto, o que mostraremos aqui é que Bardi continuará essa perspectiva da arquitetura moderna brasileira com singularidade: ela tem de modo mais claro uma intenção política e, também, uma menor idealização das culturas populares. Para mais informações do autor citado, Carlos E. (2009). Lina 3x2. Revista ArqTexto, on-line, n.14, Porto Alegre e COMAS, Carlos E. (2013). La revista como Lanza. Hábitat y Lina Bo Bardi. Revistas, arquitectura y ciudad: representaciones en la cultura moderna. Pamplona: T6 Ediciones. 6 Deleuze G. (1992) Conversações. São Paulo: Editora 34. p.214. 7 Deleuze, op. cit., p.214. 8

Bahia (1959), a Exposição Nordeste (1963), a Reforma do Conjunto Arquitetônico Solar do Unhão (1959-1963), o Museu de Arte Popular (1963) com seu Departamento de Pesquisa e Documentação, além do Centro de Estudos e Trabalhos Artesanais (1961)2 embrião da futura Escola de Desenho Industrial. Cabe ressaltar que todos estes trabalhos foram interrompidos por intervenção militar em 1964. Lina Bo Bardi entendia que sendo inevitável, a industrialização poderia proporcionar dois rumos para o Brasil: “ser um país de cultura autônoma, construída sobre raízes próprias, ou ser um país inautêntico, com uma pseudocultura de esquemas importados e ineficientes.”3 Foi na busca de um país com autonomia industrial e cultural, portanto, que tais programas se conjugaram no Solar do Unhão. O Museu de Arte Popular se encarregaria então da pesquisa dos objetos artesanais ou pré-artesanais4 brasileiros, de sua conservação e de sua divulgação a fim de preservar o que estava em vias de desaparecer naquele território: os objetos da vida arcaica indígena, africana, europeia bem como de suas misturas cabocla e sertaneja. Paralelo a isso, o Museu de Arte Moderna da Bahia traria, em primeira mão, exposições da vanguarda moderna internacional e nacional. Assim, ambos os museus forneceriam a base para a Escola de Desenho Industrial desenvolver, reinventar ou criar os objetos e espaços da vida moderna singularizada naquele território ou da “Civilização Nordestina”, como muitas vezes disse Bardi. É relevante também destacar que essa ideia não se restringiu apenas à criação desse conjunto de instituições, mas esteve também encarnada na obra construída pela arquiteta: talvez a famosa escada do Solar do Unhão seja o exemplo mais emblemático. Nesse trabalho conjugaram-se a expressão moderna e o mais profundo Sertão. Isso não apenas porque Bardi fez uso do encaixe dos carros-de-boi nos degraus da escada, mas, sobretudo, pela própria expressão moderna que ali se singularizou sertaneja, tornando-se especificamente rústica, seca e necessária.5 Esses inúmeros trabalhos propostos e desenhados por Bardi nesse período foram tecidos em um movimento comum que visava fazer do Unhão uma espécie de fábrica de invenção de um Brasil autônomo e moderno. O que estava em jogo era evitar a simples importação de um modelo industrial capitalista que provocaria uma profunda dependência. Ao invés disso, Bardi propunha que

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a industrialização fosse uma continuidade, em seu próprio meio, da tão vasta cultura local, ou, ainda, fosse tomada por expressões advindas de diferentes matrizes culturais, incluindo as matrizes “minoritárias”, marginalizadas ou contra-hegemônicas, tão marcantes na cultura brasileira. É importante dizer que o termo minoritário, como já assinalava Deleuze (1992), é o mesmo que contra-hegemônico. “O que define a maioria é um modelo ao qual é preciso estar conforme: por exemplo, o europeu médio adulto macho habitante das cidades. Ao passo que a minoria não tem modelo, é um devir, um processo”6. Em qualquer matriz cultural pode haver modos de vida minoritários, já que essa análise é feita nas práticas cotidianas para além das determinações de origem e raça de um povo. “Pode-se dizer que a maioria não é ninguém. Todo mundo, sob um ou outro aspecto, está tomado por um devir minoritário que o arrastaria por caminhos desconhecidos caso consentisse em segui-lo”7. Apesar de não haver matriz cultural a priori “menor”, há modos de vida que na maior parte de suas ações e de seus pensamentos afirmam algum modelo dominante normalmente ligado à concentração de poder e renda; ao passo que outros modos são marcados fortemente por processos de experimentação, e desvios forçosamente dissonantes. Essa diferença entre vidas que seguem e não seguem um modelo é política. É nos modos de vida que a micropolítica é instaurada, distinta mas inseparável da macropolítica. Lina Bo Bardi afirmava que o Brasil era mais África, mais Oriente que Ocidente e não cansava de alertar para a potência contra-hegemônica que transbordava nas chamadas culturas primitivas, tão evidentes na Bahia daquela época. “Nem todas as culturas são ‘ricas’, nem todas são herdeiras diretas de grandes sedimentações”8. A convergência de diferentes povos de cultura rica, as suas misturas e, também, o abandono político durante séculos, forçou populações inteiras a criarem seus próprios modos de vida em diversas regiões brasileiras. A exemplo do sertanejo, esses modos não apenas destoavam do modelo central industrial e restavam à margem do consumo e da modernidade, como eram, em si, um paradoxo: ao mesmo tempo em que traziam grandes possibilidades expressivas, eram, também, duramente submetidos a regimes despóticos. A população sertaneja se apresentava excluída, sofrida, dominada pelos coronéis, mas, como dizia Bardi, com enormes “possibilidades criativas originais”9. Era como: “a rede de Che-Guevara, [ou] os ‘buracos’ e as flechas do Vietnã contra o requinte do mundo ocidental”10.


No entanto, como seria possível apostar nessa cultura minoritária sendo que ela havia se constituído e trazia consigo condições tão desumanas? Afirmar o sertanejo da lata vazia, do chapéu de couro, do trato arcaico com o boi não seria o mesmo que congelá-lo e condená-lo a esse modo de vida? Em Imagem Tempo: cinema 2, Deleuze analisa as obras do cineasta baiano Glauber Rocha, realizadas nessa mesma época. Seus filmes também baseavam-se na expressão das matrizes culturais “minoritárias” da Bahia11. Diante do mito vivido, praticado pelo povo - “fome, sede, sexualidade, potência, morte, adoração”12 - Rocha não visou buscar seus sentidos, sua estrutura arcaica ou seus modelos, mas extraiu deles uma questão que o impediu de cair em uma idealização da cultura popular. Essa problemática aparece em três de seus filmes e, ao nosso ver, está muito próxima daquela que subjaz os trabalhos de Bardi no Unhão. Em Deus e o Diabo na Terra do Sol o profeta Sebastião com o mito da religião e o cangaceiro Corisco com o mito da revolução são expressões populares as quais escaparam ao nepotismo do coronel, mas não sem que, com isso, reproduzissem sua violência.13 Apesar da forte aliança com a cultura popular, o cineasta não deixou de mostrar os limites desta, dando a ver tanto a sua potência quanto a sua fraqueza, e, por vezes, sua ausência de coesão. Se a busca política era pela autonomia do sertanejo, ela não poderia ser alcançada, nesse caso, com a clássica fórmula de conscientização do povo para a tomada do poder. Deleuze analisa que a consciência adquirida na obra de Rocha é outra: não há um povo unificado no Terceiro Mundo, mas “sempre vários povos, uma infinidade de povos, que faltava unir, ou que não se devia unir, para que o problema mudasse.”14 É nesse sentido que o sertanejo pode ser pensado como menor, ou como uma potência criativa, que viria a ser “ainda outra coisa” em uma nova circunstância necessária. É no sentido em que faltam, que são um vir a ser, um devir, diante da impossibilidade de viver tanto no presente como no passado que essas vidas não eram apenas marginais aos modelos hegemônicos, mas também imediatamente políticas, públicas, porque eram “o grito” de uma sociedade ou de uma “civilização” inaceitável. Um grito que denuncia a inexistência de um povo ao mesmo tempo que elogia as potências criativas dos fragmentos de povos existentes. E essa denúncia-elogio já é um enunciado coletivo (ou não pessoal): são os germes de um povo por vir.

Eis a trilogia que apresenta a questão de Rocha, segundo Deleuze: se em Deus e o Diabo na Terra do Sol (1963) o cineasta mostra o que não pode ser vivido, o intolerável da miséria, em O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1969) ele apresenta um ato de fala, um grito, aquilo que não pode ser calado. Um grito-denúncia que deve ser dado para que seja possível forçar uma passagem: do mito à fabulação. Da busca de uma origem para a criação de um porvir. “O futuro está em cima do futuro e não em baixo do passado”15. Um porvir mas não sem arrastar para ele a potência já expressa pelos fragmentos de povos e tampouco sem antes desacomodar as hierarquias ou forçar sua terra a entrar em transe, Terra em Transe (1967), para que tudo possa mudar e o novo possa surgir. “Um ato de fabulação que não seria uma volta ao mito, mas uma produção de enunciados coletivos capazes de elevar a miséria a uma estranha positividade, a invenção de um povo.”16 Bardi e Rocha valiam-se das forças contra-hegemônicas existentes nas culturas “menores” para renegar todo tipo de modelo, e, com isso, efetuar uma passagem do mito à fabulação, superando, num só tempo, os padrões universais (capitalísticos centrais; leis da arquitetura e do cinema) e os modelos internos (o folclore, a idealização em relação às culturas primitivas). O conjunto dessas obras, arquitetônicas e cinematográficas, atesta para essas evoluções a-paralelas e seu infindável potencial inventivo, devíres minoritários que empreendem um duplo combate, furtando-se tanto às capturas de uma sobrecodificação do capital, quanto aos retrocessos e neoarcaísmos atrelados aos códigos de uma linhagem tão tradicional quanto conservadora. Diz-se, portanto, que a força política da diferença possibilita um processo de re-singularização, individual e coletiva, necessária para a qualificação e autonomia dos modos de vida. É essa ecologia social e subjetiva que Guattari aponta como necessária para a própria vida, e que traz já consigo os caminhos para um habitat sustentável. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS COMAS, Carlos E. (2009). Lina 3x2. Revista ArqTexto, on-line, n.14, Porto Alegre. ________. (2013). La revista como Lanza. Hábitat y Lina Bo Bardi. Revistas, arquitectura y ciudad: representaciones en la cultura moderna. Pamplona: T6 Ediciones. DELEUZE, Gilles (1992). Conversações. São Paulo: Editora 34.

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Bardi in Suzuki M. (1994) Tempos de Grossura: o design no impasse Lina Bo Bardi. São Paulo. Instituto Lina Bo Bardi e P. M. Bardi. p.20. 9 Bardi, op. cit., p.21. 10 Bardi, op. cit., p.24. 11 Essa consonância entre o trabalho de Bardi e Rocha não é casual. Bardi ao ser chamada para a coordenação do MAMB fazia parte de um projeto político-cultural maior idealizado pelo em tão Reitor da UFBA, o Professor Edgar Santos. Nessa época Glauber Rocha era aluno da Universidade e coviveu intimamente com essas novas ideias e práticas culturais que agitavam Salvador nesse período. É conhecida a relação de troca entre a arquiteta e Glauber Rocha bem como entre outros integrantes do Cinema Novo e da Tropicália. Mais sobre isso pode ser visto em Avant-Gard Bahia de Antônio Risério. 12 Deleuze G. (2007) Imagem Tempo: Cinema 2. São Paulo: Brasiliense. p.261 13 A expressão desses mitos populares e as características que singularizam as matrizes culturais brasileiras bem como suas misturas regionais podem ser vistas


no livro O Povo Brasileiro, de Darcy Ribeiro. Antropólogo brasileiro próximo de Glauber Rocha e, em menor grau, de Lina Bo Bardi. 14 Deleuze, op. cit., p.262. 15 Fala do cangareiro Corisco com o negro Antão no filme O Dragão da Maldade contro o Santo Guerreiro. 16 Deleuze, op. cit., p.265.

_________. (2007) A Imagem Tempo: Cinema 2. São Paulo: Brasiliense. FERRAZ, Marcelo (2008). Lina Bo Bardi. São Paulo: Instituto Lina Bo e P.M. Bardi, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. GUATTARI, Félix (1990). As três ecologias. Campinas: Papirus. SUZUKI, Marcelo. (1994) Tempos de Grossura: o design no impasse Lina Bo Bardi. São Paulo. Instituto Lina Bo Bardi e P. M. Bardi. PEREIRA, Juliano Aparecido (2007). A Ação Cultural de Lina Bo Bardi na Bahia e no Nordeste (19581964). Uberlândia: EDUFU. RUBINO, Silvana Barbosa (2002). Rotas de Modernidade: Trajetórias, campo e história na atuação de Lina Bo Bardi, 1947-1968. Tese de Doutorado em Ciências Sociais: Unicamp. IAZANA GUIZZO izanaguizzo@gmail.com Iazana Guizzo é doutora em Urbanismo pelo PROURB-UFRJ (sanduíche Institut d’DUrbanisme de Paris), mestre em Psicologia pela UFF e arquiteta e urbanista pela UniRitter. É professora do Mestrado Profissional de Gestão do Trabalho para a Qualidade do Ambiente Construído da Universidade Santa Úrsula-RJ, professora e coordenadora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da mesma instituição e particia do escritório de arquitetura Terceira Margem: arquitetura, urbanismo e experiências.

Fig.1 Escada do Solar do Unhão, Salvador. Fonte: Ferraz, 2008. Fig.2 Conversa entre o negro e o cangaceiro. Fonte: Rocha, 1969.

LEONARDO FRANCISCO Leonardo Francisco Amaral émestre em Filosofia pelo PPGFIL-UERJ com o trabalho Perceptos e Afectos: a arte no pensamento de Deleuze. Graduado na mesma instituição em Filosofia. HILTON BERREDO Hilton Berredo é arquiteto, artista plástico, professor e coordenador do Mestrado Profissional de Gestão do Trabalho para a Qualidade do Ambiente Construído da Universidade Santa Úrsula-RJ. É doutor e mestre pelo PROARQ-URFJ, graduado em arquitetura pela Gama Filho e possui larga experiência como arquiteto e artista plástico.

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3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD

Simone B. Villa|Rita De Cássia P. Saramago|Caio A. A. Silva|Uberlândia, Brasil AVALIAÇÃO PÓS-OCUPAÇÃO DA QUALIDADE ESPACIAL E AMBIENTAL DE HABITAÇÕES COLETIVAS VERTICALIZADAS DESTINADAS A CLASSES MÉDIAS

RESUMO Este artigo pretende demonstrar resultados parciais obtidos pela pesquisa [HABITAR VERTICAL] AVALIAÇÃO DA QUALIDADE ESPACIAL E AMBIENTAL DE EDIFÍCIOS DE APARTAMENTOS, cujo objetivo principal centrou-se na avaliação da qualidade de empreendimentos destinados às classes médias e lançados pelo mercado imobiliário em cidades de médio porte brasileiras (Ribeirão Preto/SP e Uberlândia/MG). Tal análise fundamentou-se, principalmente, por meio da aplicação de instrumentos de avaliação pós-ocupação (APO) em relação aos aspectos funcionais, comportamentais e ambientais dos edifícios. Para tanto, foi testado e validado um método de APO do espaço habitacional, desenvolvido em pesquisas anteriores, que se aprofunda em questões relativas à funcionalidade e modos de morar, ampliando-o para englobar a avaliação das estratégias de sustentabilidade existentes nos exemplos investigados e da relação dos usuários com o meio ambiente. Assim, este trabalho apresenta a fundamentação teórica da pesquisa, bem como alguns resultados referentes à aplicação da metodologia em quatro estudos de caso em 2014, notadamente os aspectos relativos à sustentabilidade. Esses resultados apontam: a inadequação dos modelos habitacionais ofertados aos modos de vida dos usuários, a precária adoção de estratégias de sustentabilidade nos empreendimentos avaliados e o baixo nível de consciência ambiental de seus moradores – os quais realizam predominantemente ações mais corriqueiras visando reduzir os impactos do morar. Palavras-chave: Avaliação Pós-Ocupação, Qualidade espacial e ambiental, Estratégias de susten-

tabilidade, Habitação Coletiva, Cidades de médio porte. INTRODUÇÃO A partir de sua introdução na década de 1980, o conceito de sustentabilidade gradualmente foi incorporado no cotidiano de diversos estratos sociais e setores da economia, que passaram a defender a preservação ambiental em suas práticas. A área da construção, sobretudo em meados dos anos 19901, integrou esse processo, de maneira que várias pesquisas vêm sendo desenvolvidas com o intuito de indicar os impactos ambientais da cadeia da construção civil, bem como visando apontar possíveis estratégias para sua redução (como o desenvolvimento de sistemas prediais de maior eficiência energética). Afinal, o setor construtivo é considerado o mais promissor para contribuir com a redução da produção de gás carbônico e do consumo de energia. Isso porque o mesmo seria responsável por 40% do uso de energia primária, 72% do consumo de eletricidade e 39% da emissão de gás carbônico2. Visando diferenciar as práticas de sustentabilidade entre si, empresas do ramo têm buscado conquistar selos de desempenho ambiental. Também no caso específico dos empreendimentos imobiliários, a preocupação com a sustentabilidade tem sido expressa mediante a participação de construtoras e incorporadoras em processos de acreditação3. No entanto, diante do aumento do número de obras que se dizem sustentáveis, torna-se importante questionar essa produção, visto que, muitas vezes, as mesmas não são submetidas aos métodos consagrados de avaliação. Ademais os próprios parâmetros de-

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1 AGOPYAN, V.; JOHN, V. M.; GOLDEMBERG, José. (Coord.) (2005) O desafio da sustentabilidade na construção civil. São Paulo: Bluncher. 2 SANTOS, M. F.; ABASCAL, E. H. S. (2012) Certificação LEED e arquitetura sustentável: edifício Eldorado Business Tower. Arquitextos, ano 12. 3 VASCONCELOS, D. L. B.; VASCONCELOS, R. L. (2008) Sustentabilidade: ferramenta de marketing ou instrumento essencial. In: VII Seminário Internacional da LARES, São Paulo.


4 VIEIRA, L. A.; BARROS FILHO, M. N. M. A emergência do conceito de Arquitetura Sustentável e os métodos de avaliação do desempenho ambiental de edificações. (2009) Humanae, v.1, n.3, p. 1-26. 5 STEVENSON, F. Avaliação de um ambiente planejado e a busca pela sustentabilidade ambiental em moradias. O caso do Reino Unido. 2013. In: VILLA, S. B.; ORNSTEIN, S. W. (Org.) (2013) Qualidade ambiental na habitação: avaliação pós-ocupação. São Paulo: Oficina de Textos. p.359379. 6 VISSCHER, H.; WERF, E. V.; VOORDT, T. J. M. V. Eficiência energética no parque habitacional holandês. 2013. In: VILLA, S. B.; ORNSTEIN, S. W. (Org.) (2013) Qualidade ambiental na habitação. São Paulo: Oficina de Textos. p.343-358. 7 VILLA, S. B.; SARAMAGO, R. C. P. A qualidade espacial e ambiental de edifícios de apartamentos em cidades médias. (2014) In: Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e PósGraduação em Arquitetura e Urbanismo, 3., 2014, São Paulo. Anais do III Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo. São Paulo: Universidade

finidos nos selos nem sempre resultam em soluções coerentes ao contexto socioeconômico e cultural de implantação desses empreendimentos4. Outro problema centra-se na ausência de estudos mais concisos quanto à usabilidade de tecnologias de baixo teor de carbono5, prejudicando sua adoção por parte dos usuários. Estudos apontam justamente o importante papel dos moradores na redução dos impactos, pois, mesmo quando soluções mais eficientes são adotadas, é possível se obter altos índices de consumo energético em função dos hábitos dos residentes6. Para além do enfoque ambiental da sustentabilidade, verificou-se que, no caso dos edifícios de apartamentos voltados às classes médias, como as soluções espaciais pouco atendem às suas demandas atuais, também as abordagens sociais e econômicas do conceito deixam de ser cumpridas. Tal situação deriva da excessiva redução dimensional das unidades com o intuito de potencializar os lucros gerados pelos empreendimentos, da falta de flexibilidade dos projetos – caracterizados por estanqueidade de cômodos, monofuncionalidade e compartimentação –, e da supremacia das questões estéticas como ferramentas de valorização das edificações7.

– aplicação dos estudos de casos nas cidades estudadas (pesquisa-ação). O primeiro (a) seguiu as seguintes etapas: (i) identificação das principais tipologias de edifícios de apartamentos ofertadas pelo mercado imobiliário; (ii) estudo da verticalização; (iii) levantamento e análise do processo de projeto do “produto” edifícios de apartamentos; (iv) mapeamento das estratégias de sustentabilidade colocadas em prática nos empreendimentos residenciais; (v) identificação de modelos não convencionais de habitação coletiva lançados no país; e (vi) quadro comparativo da produção imobiliária nas cidades estudadas. Já o segundo (b) tratava-se da identificação dos modos de morar em apartamentos, por meio de avaliação pós-ocupação (APO) funcional e ambiental, que se utilizou de multimétodos de naturezas quantitativas e qualitativas, dividindo-se em: (viii) revisão e ampliação dos métodos de APO; (ix) aplicação da metodologia revisada em estudos de caso de Uberlândia/MG e Ribeirão Preto/SP; e (x) apresentação dos resultados a partir da tabulação dos dados.

Considerando o panorama apresentado, este artigo busca discutir e apresentar parte dos resultados da pesquisa [HABITAR VERTICAL] – AVALIAÇÃO DA QUALIDADE ESPACIAL E AMBIENTAL DE EDIFÍCIOS DE APARTAMENTOS8, que teve como objetivo principal avaliar a habitação coletiva verticalizada e ofertada às classes médias nas cidades de Ribeirão Preto/SP e Uberlândia/MG. Para tanto, esse estudo envolveu a aplicação de métodos de avaliação pós-ocupação (APO), desenvolvidos em estudos anteriores9, que enfocam aspectos funcionais e comportamentais, os quais foram aprimorados e reformulados ao longo da pesquisa. Além disso, foi acrescentado como escopo à metodologia inicial a investigação de aspectos relativos à identificação da presença de instrumentos de sustentabilidade nas unidades habitacionais analisadas e do nível de consciência ambiental dos moradores.

No processo de revisão, atentou-se também para a elaboração de uma metodologia que fosse prática, eficiente, viável economicamente e coerente à tipologia avaliada – habitação coletiva vertical. Assim, buscou-se, em parceria com outra pesquisa10, o aprimoramento necessário para cumprir tais objetivos, mediante utilização de equipamento tablet, contendo um conjunto de softwares especialmente desenhados para a APO. A metodologia, elaborada com diversos instrumentos, dividiu-se em: análise walkthrough; pesquisa de perfis familiares; entrevistas com pessoas-chave; questionário; grupo focal e entrevista com o arquiteto. Os critérios utilizados para definição dos estudos de caso foram: empreendimentos destinados às classes médias, entregues de 2012 a 2014, com 30 unidades minimamente, possuindo equipamentos coletivos e área útil variando de 90 a 120m². Essa metodologia foi aplicada em dois edifícios de cada cidade em 2014. Objetivando-se a validação da pesquisa, determinou-se como amostragem mínima 30% das unidades habitacionais.

METODOLOGIA Em virtude de sua amplitude, o projeto de pesquisa original foi dividido em dois subprojetos: (a) Identificação e análise de padrões projetuais em edifícios de apartamentos a partir de 2000 nas cidades estudadas (pesquisa bibliográfica e documental); e (b) Identificação dos modos de morar através da avaliação pós-ocupação funcional e ambiental

CARACTERIZAÇÃO DOS ESTUDOS DE CASO Localizada no interior de Minas Gerais, Uberlândia possui atualmente 646.673 habitantes, em uma área de 4.116 km², onde foram avaliados dois conjuntos habitacionais: Empreendimento A (EA) e Empreendimento B (EB). Já o município de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, possui 658.059 habitantes, distribuídos em 650.916 km² de área, em que se

Presbiteriana Mackenzie, p.1-18.

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situam os estudos de caso: Empreendimento C (EC) e Empreendimento D (ED). Esses edifícios foram selecionados em meio a uma gama catalogada durante a primeira etapa da pesquisa e estão localizados em bairros com grande investimento do capital imobiliário, próximos a equipamentos de atratividade – como universidades e centros comerciais. De modo geral, todos os empreendimentos reproduzem o modelo de habitação tripartida burguesa, mantendo a divisão dos cômodos entre zonas íntima, social e de serviços. EA e EC oferecem a opção de dormitório reversível, ou seja, permite-se a ampliação da sala nas suas duas tipologias. Já no ED, esse artifício pode ser executado em apenas uma das duas tipologias. Para melhor entendimento das características dos edifícios, organizou-se um quadro comparativo (fig. 1). RESULTADOS DA AVALIAÇÃO PÓS-OCUPACIONAL Quanto às “características dos usuários”, um primeiro aspecto que se destacou na pesquisa refere-se à existência de diferentes perfis familiares, embora tal diversidade não seja considerada na oferta das tipologias habitacionais. Apenas os empreendimentos EA e EC são caracterizados por serem constituídos majoritariamente de famílias nucleares, possivelmente por possuírem maior número de equipamentos coletivos. Já EB e ED dispõem de um maior equilíbrio de usuários, sendo mais presentes pessoas morando sozinhas, casais sem filhos e uma menor taxa de famílias nucleares. Essa situação demonstra a inadequabilidade dos modelos habitacionais propostos aos modos de vida dos usuários – indo de encontro à dimensão social do conceito de sustentabilidade. Na “análise dos conjuntos”, durante o mapeamento das estratégias de sustentabilidade presentes nas edificações das cidades analisadas, verificou-se que frequentemente as áreas livres eram tratadas, nos panfletos publicitários de divulgação, como elementos relacionados a uma maior qualidade ambiental dos empreendimentos. No entanto, aplicando-se walkthrough, entrevistas e questionários, percebeu-se que essas áreas não refletiam a qualidade idealizada nos projetos originais, sendo pouco são usadas pelos moradores. Assim, constatou-se que as mesmas, em conjunto com os equipamentos coletivos nelas instaladas, não acarretam em melhoria da qualidade de vida dos residentes. Os dados tabulados revelaram que, em Uberlândia, quase dois terços dos moradores de EA e EB raramente, ou até mesmo, nunca, utilizam tais espaços. Em Ribeirão Preto, apesar de EC possuir

uma quantidade significativamente maior de equipamentos que ED, percebeu-se, através de entrevistas com os síndicos e moradores, que os mesmos servem mais como atrativo para investidores, visto que muitos espaços permanecem trancados e sem uso. De maneira geral, as perguntas voltadas à “unidade habitacional”, como tamanho, divisão dos cômodos, qualidade dos materiais e facilidade de limpeza, obtiveram resultados medianos. Entretanto, o alto índice de reformas ocorridas nos empreendimentos, sobretudo EA e EC (fig. 2), acusa a real necessidade de adaptação do apartamento por parte dos moradores para conformar os espaços aos seus modos de vida. A maioria das alterações ocorre para colocação de armários, gesso, pintura e remoção de paredes, quando possível. Essas alterações também implicam em desperdícios/ geração de entulhos e retrabalho, indo contra o conceito de sustentabilidade – não só quanto ao aumento dos impactos ambientais, mas inclusive no que concerne à dimensão econômica, visto que oneram o orçamento das famílias. A inadequação também foi observada na “análise de usos”, quando se identificou uma excessiva sobreposição de atividades em ambientes não previstos para sua realização (fig. 3). Em geral, várias atividades que seriam designadas a um determinado cômodo são desenvolvidas em outro, como, por exemplo, no EC, em que a atividade “cuidar das roupas” é realizada na sala de jantar, pelo motivo da área de serviço não oferecer espaço físico minimamente suficiente. No que concerne efetivamente à identificação das “estratégias de sustentabilidade”, em Uberlândia, observou-se a não adoção de estratégias construtivas promotoras de maior eficiência energética e redução de impactos, enquanto em Ribeirão Preto somente o ED possui coleta seletiva de lixo. Os resultados obtidos corroboram o fato já observado de início de que os moradores possuem um baixo nível de consciência ambiental e os edifícios produzidos para a classe média, nessas cidades, não empregam práticas sustentáveis efetivas. Sobre a “coleta seletiva de lixo”, fazem a devida separação 55% dos moradores no EA, 15% no EB, 62% no EC e 79% no ED. OS resultados tão díspares em Uberlândia se devem ao fato de somente o bairro Santa Mônica, onde EA é situado, dispor de coleta seletiva. Já em Ribeirão Preto, acredita-se que os maiores índices de ED estão relacionados ao incentivo oferecido pelo próprio condomínio, dispondo de lixeiras específicas. Assim,

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8 Projeto de pesquisa financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) durante os anos de 2012 a 2014. 9 VILLA, S. B. Morar em Apartamentos: a produção dos espaços privados e semi-privados nos apartamentos ofertados pelo mercado imobiliário no século XXI - São Paulo e Ribeirão Preto. Critérios para Avaliação Pós-Ocupação. (2008) Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo, São Paulo. VILLA, S. B. A APO como elemento norteador de práticas de projeto de HIS: O caso do projeto [MORA]. (2010) In: CONGRESSO INTERNACIONAL HABITAÇÃO NO ESPAÇO LUSÓFONO, Anais..., Lisboa.

10 Pesquisa financiada pela FAPEMIG, que se intitula AVALIAÇÃO PÓS-OCUPAÇÃO EM APARTAMENTOS COM INTERFACES DIGITAIS, desenvolvida pelo mesmo grupo de pesquisa em outra linha de investigação.


percebe-se que ações públicas podem estimular a mudança de postura dos residentes, necessitando-se ampliar o serviço para todo o perímetro urbano. Sobre o destino desses resíduos, muitos residentes (fig.4) desconhecem o destino final do seu lixo, demonstrando um superficial conhecimento do problema. Quanto à presença de vegetação nas unidades habitacionais, os resultados (fig.5) apontam que: no EA, EC e ED, a maioria dos usuários possui algum tipo de planta em seu apartamento, predominantemente de uso decorativo. Já no EB, 61,29% dos moradores não possuem qualquer tipo de vegetação, sendo que, entre os que cultivam algum exemplar, o fim também é apenas decorativo. O consumo próprio e o uso medicinal foram citados por menos de 5% nos empreendimentos. Ressalta-se, portanto, o desconhecimento do papel da vegetação na melhoria da qualidade ambiental das unidades, bem como seu potencial emprego em edifícios de apartamentos na forma de hortas e jardins verticais, por exemplo. A economia de água (fig.6) acontece por meio de medidas corriqueiras, sendo que aproximadamente 80% dos residentes dos quatro condomínios fecham a torneira ao escovar os dentes e mais de 50% fecham a mesma para ensaboar as louças; aproximadamente 50% tomam banhos rápidos (exceto EC, 38,1%); mais de 45% no EA e EC e de 25% no EB e ED usam a capacidade máxima da máquina de lavar, porém menos de 10% reusam as águas servidas ou aparelhos redutores de consumo (exceto em ED, onde a água da máquina é reutilizada por 20,83% das pessoas). Vale ressaltar que nenhum dos condomínios conta com sistema de aquecimento solar de água. Desse modo, faz-se necessário o estímulo do reuso de águas servidas (para irrigação, lavagem de pisos, etc.) e de uma política municipal de incentivos financeiros à redução do consumo de água. Acredita-se que, com a implementação dessas práticas, a atual consciência da população sobre a economia de energia (fig.7) se estenda à água, uma vez que, quando se analisa o motivo dessa postura, vários moradores responderam que praticam tal ato para reduzir o preço das tarifas (87%). Além disso, mais de 84% dos moradores afirmam apagar as luzes ao sair do ambiente, enquanto a maioria também utiliza lâmpadas econômicas. Aproximadamente mais da metade deles compram eletrodomésticos com selo A de eficiência e ainda os desligam se não estão em uso.

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Por fim, quanto aos meios de transporte utilizados pelos moradores (fig.8), verifica-se novamente a baixa consciência ambiental dos mesmos. Nas duas cidades, distâncias de até 500m são percorridas a pé por metade dos condôminos, contudo, ampliando-se essa distância, a grande maioria desconsidera formas alternativas de locomoção e usam somente o transporte individual motorizado. As bicicletas e o transporte coletivo aparecem com porcentagens mínimas, o que indica a falta do estímulo de políticas de mobilidade urbana que incentivem uma cidade voltada aos ciclistas e pedestres. CONSIDERAÇÕES Os resultados da pesquisa confirmam as constatações da literatura de que as atuais habitações coletivas, ofertadas pelo mercado imobiliário às classes médias, não respondem de maneira satisfatória às necessidades de seus usuários, nem agregam mudanças relativas sobre o surgimento das novas tipologias familiares. Os empreendimentos seguem tendo seus espaços cada vez mais minimizados e o modelo da tripartição dos ambientes, em que a sobreposição de usos não é planejada. A carência na adoção de estratégias que visam à melhoria da qualidade ambiental e da sustentabilidade das habitações coletivas nos estudos de caso avaliados comprova a baixa consciência ambiental dos usuários. Os moradores pouco se envolvem com a qualidade do ambiente e, muitas vezes, nem sempre as ações simples relacionadas à separação de resíduos são realizadas, ao contrário de ações corriqueiras do cotidiano (como economizar água e energia) que apresentam resultados mais satisfatórios. Assim, esses resultados exprimem a urgência da ampliação dos padrões de qualidade espacial e ambiental das moradias verticais no intuito de atenderem amplamente às demandas de conforto dos moradores e às do meio em que estão inseridas. Por isso, diante da atual produção imobiliária da habitação coletiva, destaca-se a avaliação pós-ocupação enquanto ferramenta fundamental no processo de orientação de diretrizes projetuais, visto que a qualidade do projeto desses edifícios tende a ser aperfeiçoada por meio da organização e análise de bancos de dados.


Fig. 1 – Comparação das características dos empreendimentos avaliados

Fig. 2 – Realização de reformas pelos moradores Fig. 3 – Sobreposição de usos

Fig.4 – Conhecimento quanto ao destino do lixo

Fig.5 – Presença de vegetação nos apartamentos

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Fig.6 – Economia de água

Fig.7 – Economia de energia

Fig.8 – Meios de transporte utilizados

SIMONE BARBOSA VILLA simonevilla@yahoo.com Faculdade de Arquitetura Urbanismo e Design (FAUeD). Universidade Federal de Uberlândia (UFU). CAIO AUGUSTO ALVES SILVA caioaas@hotmail.com

RITA DE CÁSSIA PEREIRA SARAMAGO saramagorita@gmail.com

Faculdade de Arquitetura Urbanismo e Design (FAUeD). Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Faculdade de Arquitetura Urbanismo e Design (FAUeD). Universidade Federal de Uberlândia (UFU) .

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3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD

Renata Ocanha Góes | Maria Cristina da Silva Schicchi | Campinas, Brasil RECICLAGEM DE EDIFÍCIOS PARA HABITAÇÃO SOCIAL: Aproximação entre experiências europeias e brasileiras

1. INTRODUÇÃO Este texto é resultado de um trabalho de pesquisa realizado na Universidade Politécnica de Valencia cujo objetivo foi estudar a história da habitação social do Brasil em paralelo à história da habitação social na Europa, aproximando as duas experiências e evidenciando as diferenças e semelhanças. A abordagem se estendeu do reconhecimento da habitação como tema de urbanismo até os primeiros casos de reutilização de edifícios, na última década, para, ao final, analisar exemplos de intervenções de reciclagem de edifícios voltados para habitação. O estudo se mostrou oportuno na medida em que, ao serem analisados os casos de contextos distintos sob os mesmos aspectos, emergiram informações e indagações comuns. Além disso, há uma ampla literatura sobre habitação social no Brasil e na Europa, diferentemente do caso de reciclagem de habitações sociais. O trabalho teve como ponto de partida a análise da história da habitação social na Europa, antes e depois das duas guerras mundiais do século XX, com base em estudos como os de Klein2 e Aymonino3. Tais estudos proclamaram a decadência do conceito de “habitação mínima”, iniciado após a 1ª Guerra Mundial e a crise da habitação social e, assim, a solução se voltava para a recuperação e a reciclagem de edifícios na cidade consolidada. Na sequência, foi feita a seleção e análise desses projetos de reciclagem, destacando os padrões adotados para, em seguida, cotejá-los com os casos brasileiros. Igualmente, foi realizado o levantamento da bibliografia sobre história da habitação social no Brasil,

partindo dos estudos de Bonduki4. Segundo ele, o processo teve início no começo do século passado num contexto de adensamento populacional das cidades, principalmente depois da 2ª Guerra Mundial. Após 1940, se observou o início de uma crise habitacional o que resultou em um aumento de ocupação na periferia e o surgimento das primeiras moradias irregulares, como destacado por Vaz5. Após o início do período de Ditadura Militar, 1964, a produção de habitação social, por parte do governo, se deu principalmente como forma de urbanizar áreas periféricas. Paralelamente, ocorreu um esvaziamento do centro das cidades brasileiras, com enfoque na cidade de São Paulo, segundo os estudos de Villaça6. A partir dos anos 90, com o intuito de revalorização e uso do centro e, ao mesmo tempo, reverter o processo de ocupação periférica, foram desenvolvidos diversos programas para a cidade de São Paulo, que visavam a revitalização do centro da cidade através da produção de habitação social. A partir do levantamento destes programas é que foram selecionados os projetos para este estudo e, semelhante ao que se realizou para o caso europeu, foram evidenciados os padrões adotados nas intervenções de reciclagem. A análise da história da habitação social na Europa e no Brasil permitiu compreender que são dois casos completamente diferentes devido a suas histórias, cidades e sociedades. Porém, ao aproximá-los através da pesquisa, construindo um paralelo entre cada trajetória, ao final, possibilitou realizar um diálogo entre suas diferenças e semelhanças. Isto é, buscou-se uma construção de conhecimento sobre a reciclagem

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1 Dissertação de mestrado no Programa de Arquitetura e Habitat Sustentável da Universidade Politécnica de Valencia (Espanha) com co-orientação no Programa de Pósgraduação em Urbanismo da PUC-Campinas. 2 Klein, Alexander (1980). Vivienda mínima: 1906195. Barcelona: Gustavo Gili. 3 Aymonino, Carlo (1973). La vivienda racional: Ponencias de los congresos CIAM 1929/1930.Barcelona: Gustavo Gili. 4 Bonduki, Nabil (1999). Origens da Habitação Social no Brasil. Arquitetura Moderna, lei de inquilinato e difusão da casa própria. São Paulo: Estação Liberdade/FAPESP.


5 Vaz, Lilian Fessler (2002). Modernidade e Moradia – habitação coletiva no Rio de Janeiro, séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: FAPERJ/7LETRAS. 6 Villaça, Flavio (2004). Reflexões sobre o centro de São Paulo. In: Urbanismo: Dossiê São Paulo. Rio de Janeiro, Campinas: PUCCAMP/ PROURB. 7 Druot, Frédéric; Lacaton, Anne; Vassal, JeanPhilippe (2007). Plus: la vivienda colectiva: territorio de excepción. Barcelona: Gustavo Gili. 8 MONTANER, Josep María, MARTÍNEZ, Zaida Muxí. Habitar el presente - vivienda en España: sociedad, ciudad, tecnología y recursos. Madrid: Ministerio de Vivienda, 2006.

de construção através da aproximação entre esses dois continentes. Apesar da evidente diferença entre suas histórias e contextos, atualmente as cidades têm que responder a novas exigências impostas por vários fatores externos de ordem econômica e política, os quais, sob novo paradigma de desenvolvimento global, resultam em uma relação de interdependência mútua. 2. A RECICLAGEM COMO ALTERNATIVA A reciclagem é tida como um meio eficaz de frear a substituição das edificações existentes, pois, conforme afirmam Druot, Lacaton & Vassal7, todas as ferramentas já estão sobre o terreno, sendo necessário apenas reorganizar, modificar e completar, ao invés de demolir. Além disso, sustentam que, através de estudos específicos, o gasto para demolir construções, alojar temporariamente os habitantes e encontrar habitações, poderia ser utilizado na conservação e manutenção em longo prazo das habitações. Igualmente, é possível renovar os edifícios existentes, aumentar sua superfície e melhorar sua qualidade e durabilidade. A construção de habitações, na verdade, envolve questões mais amplas, pois não se trata de um espaço isolado, independentemente de seu entorno. Isto é, a partir da habitação e da satisfação das necessidades das pessoas é possível alcançar uma solução urbana favorável, conforme já apontava, nos seus primórdios, o movimento moderno. Também é importante destacar que o conceito de sustentabilidade está diretamente relacionado com o conceito de reciclagem já que é baseado na reutilização, na reciclagem, na economia e não na destruição, além de se fundamentar em critérios técnicos, que dizem respeito à qualidade de vida e dos espaços, à noção de conforto baseado em sensações, ambientes, usos, etc., ou seja, na qualidade do habitat. Nos últimos anos, o panorama mundial socioeconômico sofreu transformações e o consumo no âmbito doméstico aumentou e, como consequência, o impacto no meio ambiente. Com a expansão econômica e a hegemonia da forma de vida urbana, ampliou-se a necessidade de operar sobre o entorno. Assim, surgiu, em diversos países, diretrizes para a proteção dos recursos naturais, contra a poluição sonora e de gestão dos resíduos. Sob este conceito, as habitações são desenhadas para favorecer uma vida saudável com o menor impacto sobre seu entorno. Devem ser levados em consideração fatores como a ventilação cruzada, a orientação, o isolamento, a distância entre os edifícios e a geração mínima de resíduos (MONTANER; MARTÍNEZ, 2006)8.

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Em resumo, a sustentabilidade é imprescindível quando o uso é para habitação, ou seja, ter a preocupação com o interior para que se produza um exterior favorável. A arquitetura necessária para a habitação social não deve decorrer apenas da expressão formal no espaço construído, mas também de fatores que estão relacionados com a habitabilidade e a relação do homem com o espaço. A essência do habitar ainda está na satisfação de morar nos lugares ou arquiteturas adequadas às necessidades sociais, econômicas e culturais. 3. A HABITAÇÃO SOCIAL NA EUROPA O problema da habitação social na Europa tem sua origem nas mudanças demográficas ocorridas após a Revolução Industrial e a transformação das cidades europeias. Nesse período, a massiva migração do campo para a cidade gerou uma grande concentração populacional. Esses fatores levaram a graves problemas de alojamento, com o deslocamento da população mais pobre para os bairros periféricos. No período entre guerras, esta situação generalizada de déficit de habitações continuou se agravando. Com isso, os arquitetos modernos propuseram a construção da maior quantidade possível de alojamentos, que formariam complexos residenciais (onde só haveria espaço na periferia das cidades), reduzindo o custo econômico. Nesse contexto, ganhou força o conceito de “habitação para o mínimo nível de vida” (KLEIN, 1980): embora houvesse redução da superfície da habitação até o limite do “mínimo de vida”, a “qualidade da habitação” podia aumentar, na medida em que muitas de suas funções fossem pensadas no âmbito coletivo. Na 2ª Guerra Mundial, a falta de habitação e o aumento dos custos da construção levaram a tentativas de redução de gastos através de uma produção massiva e racionalizada. Nesse contexto de déficit generalizado e construção acelerada de habitações de urgência, ocorreu a expansão e o uso abusivo do conceito da habitação mínima. Por exemplo, na França, esse acontecimento ficou evidente com o surgimento de bairros em condições precárias na periferia, como os bidonvilles e grand ensembles. A culminação deste processo, nos anos 1970, pôde ser observada na construção de extensos bairros em toda a Europa que se tornaram obsoletos e sem uso. A falta de qualidade do espaço urbano e o empobrecimento da vida na cidade por causa da massificação da produção de habitação, foram as principais


razões da crítica deste modelo baseado nos postulados do Movimento Moderno. 4. A HABITAÇÃO SOCIAL NO BRASIL A história da habitação social no Brasil tem sua origem no período do Governo de Getúlio Vargas (1930-1954) quando o Estado brasileiro começa a intervir tanto no processo de produção como no mercado de aluguel habitacional. Nessa época, a produção de casas e a moradia em cortiços, do ponto de vista quantitativo, resolveu as necessidades da população, superando, assim, a aguda carência de moradias que marcou o início da República. Porém, do ponto de vista qualitativo, os cortiços apresentavam problemas de salubridade, com má insolação e ventilação dos cômodos, e superlotação das habitações. No período posterior à Revolução de 1930, a crise da habitação social se agravou. As cidades receberam intensa migração rural causada pelo crescimento industrial, resultando no desenvolvimento de novas “alternativas habitacionais”: a favela, por um lado e a casa própria autoconstruída em loteamentos periféricos, por outro, ambos carentes de infraestrutura urbana. Após o período militar, com a crise habitacional e financeira nacional, foi promulgada a nova Constituição de 1988, um marco para a questão da moradia no país, que viabilizou a criação de novos programas, além do aperfeiçoamento dos existentes. Um dos programas mais relevantes foi o PAR - Programa de Arrendamento Residencial: um programa que priorizava o atendimento às famílias com renda mais baixa. Centro de São Paulo: abandono e revalorização A cidade de São Paulo é um polo de atração econômica, social e cultural. Apresenta grandes fluxos, com alta concentração de empregos, comércio e serviços. É a cidade mais populosa do país, atualmente com cerca de 11,3 milhões de habitantes. O processo de metropolização de São Paulo, a partir dos anos 1940, gerou um crescimento populacional que passou de 64.934 para 239.820 entre 1890 e 1900 (IBGE9). Com essa expansão desordenada, surgiram grandes problemas, entre os quais, a questão principal aqui tratada: a falta de habitações. Além disso, esse processo também gerou altas taxas de vacância no centro da cidade. No último censo do IBGE, existiam 353.666 habitações vazias no ano 2010, de 3.935.645 das habitações existentes (IBGE).

São Paulo, no período pós-guerra, manteve um elevado crescimento, agravando suas disfunções urbanas e resultando em um significativo crescimento periférico. Em contrapartida, as áreas urbanas centrais não apresentavam o mesmo crescimento. Apesar de possuírem infraestruturas (como espaços públicos, metrô, cabeamento de fibras óticas, dentre outras), passaram a apresentar sinais de estancamento, esvaziamento residencial e diminuição de atividades econômicas. Porém, segundo afirma Villaça (2004)10, esse centro “em decadência” onde os indivíduos da classe popular estavam sendo excluídos, ainda centralizava os empregos. Isto constituiu um agravante à situação já que até hoje implica um maior deslocamento por parte dos trabalhadores. Paralelemente, os centros históricos brasileiros foram marcados pelo crescente número de edificações desocupadas. Diante disso, formularam-se programas e projetos em escala nacional, estadual e local com o propósito de requalificar o centro urbano, assim como restaurar, reabilitar e reciclar as edificações existentes. O investimento em programas habitacionais para brasileiros de baixa renda cresceu mais de 20 vezes, segundo pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada)11. O centro apresentava ainda outros problemas como a transformação do perfil econômico, a desvalorização das propriedades imobiliárias, a ocupação dos espaços públicos pelos vendedores ambulantes e os problemas de transporte. Muitos edifícios permaneceram desocupados ou foram ocupados pela população que permaneceu no centro. Para reverter esta situação, a solução proposta foi a recuperação da função residencial desta zona, a partir de diversos programas como, por exemplo, o PAR, citado anteriormente. Muitos edifícios foram reciclados na zona central através desse programa, dentre os quais, será apresentado, como exemplo, apenas o caso do edifício Senador Feijó, embora os critérios que serão apresentados tenham sido aplicados a três casos brasileiros de estudo, conforme tabela síntese (fig.1).

5. PROJETOS DE RECICLAGEM – ESTUDOS DE CASOS A análise das intervenções de reciclagem nos estudos de casos estudados no trabalho foi realizada segundo os seguintes aspectos: tipológicos, morfológicos, estéticos, urbanísticos e de sustentabilidade. Na tabela abaixo (fig. 1), apresenta-se uma síntese dessa análise desenvolvida em todos os casos estudados originalmente e as estratégias de intervenção que

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9 IBGE (Instituto Brasileiro De Geografia e Estatística). Disponível em: <www.ibge.gov.br> Acesso em: setembro de 2015. 10 Villaça, Flavio (2004). Reflexões sobre o centro de São Paulo. In: Urbanismo: Dossiê São Paulo. Rio de Janeiro, Campinas: PUCCAMP/ PROURB. 11 IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Disponível em: <www. ipea.gov.br> Acesso em: setembro de 2015.


definiram os âmbitos de reciclagem. Para este artigo, foram selecionados apenas um estudo de caso de cada região: na Europa, foi escolhido o Conjunto Habitacional Treehouses Bebelalle, projetado pelo escritório de arquitetura Blauraum, na Alemanha; e no Brasil, o edifício Senador Feijó realizado pelo escritório Bacco Arquitetos Associados. 5.1. Na Europa O Conjunto Habitacional Treehouses Bebelalle foi construído originalmente em 1959 e está organizado em 6 blocos enfileirados de modo a criar espaços livres e verdes entre eles, integrando os habitantes (fig. 2). Como a demanda de moradia nesta cidade era alta no período pós-guerra, a proposta de reciclagem foi duplicar o número de habitações, sem negar suas origens. Assim, foi proposto o aumento de pavimentos nesses blocos (fig. 3), observando, assim, pouca modificação quanto à sua tipologia. Em contrapartida, observou-se uma significativa alteração morfológica e estética, já que houve o acréscimo de pavimentos (fig. 3) e a intenção em mudar a característica da habitação típica do pós-guerra através de mudanças dos revestimentos da fachada e da cobertura dos blocos (fig. 4). Além disso, houve a preocupação com relação aos aspectos sustentáveis: isolamento acústico e térmico com novos revestimentos nas fachadas e a adição de novas janelas e o conceito implícito da sustentabilidade no reaproveitamento da construção antiga. Por fim, em relação ao aspecto urbanístico, a reciclagem resultou em uma melhoria da qualidade de vida do bairro e de sua população ao recuperar uma construção obsoleta, gerando também, consequentemente, um aumento de densidade da cidade. 5.2. No Brasil O edifício Senador Feijó foi construído em 1929, possuía 20 unidades residenciais, um térreo ocupado por 2 lojas (fig. 5) e foi reciclado através do programa PAR (Programa de Arrendamento Residencial) em 2009. O edifício localizado no centro é considerado patrimônio cultural e por isso não foi possível realizar mudanças na sua fachada, não ocorrendo alterações em sua morfologia, portanto (fig. 6). O projeto foi considerado viável para a habitação social pelas suas características arquitetônicas, que permitiram reorganizar apartamentos com plantas de qualidade e poucas intervenções na estrutura (fig. 7 e 8). Quanto à tipologia, as habitações existentes tiveram uma mudança total na distribuição e circulação interna e nas áreas úmidas, aumentando a quantidade de unidades habitacionais por pavimento.

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Houve a preocupação com a estética do edifício, já que permaneceu por muito tempo abandonado. Quanto ao aspecto urbanístico, a reciclagem melhorou a qualidade de vida do centro e de sua população já que, como abordado anteriormente, a busca de solução para a crise do centro de São Paulo se deu a partir do aumento da produção de habitação social. Por fim, a reciclagem de construções já existentes para habitação, com a permanência de seus habitantes originais é, por definição, um princípio de sustentabilidade. 6. CONCLUSÃO Atualmente, com a crise econômica centralizada no mercado da habitação, o exponencial crescimento demográfico das cidades e a consequente desigualdade social, a habitação torna-se protagonista do espaço coletivo do século XXI. É também um consenso que o problema da habitação está estritamente relacionado ao problema urbano e à forma das cidades. Assim, a retomada dos estudos morfológicos e das tipologias habitacionais, agora sob um novo conceito, o de reciclagem, torna-se fundamental. O estudo constatou que as intervenções feitas nos edifícios em São Paulo foram mínimas, apenas as de extrema necessidade para alcançar o objetivo da reciclagem, diferentemente dos casos analisados na Europa, onde se observou intervenções significativas na morfologia e tipologia de seus edifícios. No entanto, as experiências realizadas têm demonstrado que a prática da reciclagem pode ser uma alternativa para a transformação de áreas urbanas consolidadas desvalorizadas. No Brasil, isso foi experimentado nos centros urbanos, e na Europa nos bairros deteriorados projetados. No Brasil, a substituição generalizada e reiterada do arcabouço construído durante o período de expansão e crescimento das cidades, dificultou, no momento recente, a difusão de programas de reabilitação e de reciclagem como soluções para a questão habitacional. Para tal, contribuiu também a valorização fundiária das áreas centrais devido às vantagens locacionais, ao contrário do que ocorreu na Europa, em que a reabilitação habitacional se transformou numa política de recuperação do território. Além disso, apesar da existência de programas que visaram reciclar edifícios desocupados nas regiões centrais, como no caso de São Paulo, permanece o estigma de ser uma solução pontual, apenas para a habitação de baixa renda e ainda não incorporada às políticas habitacionais. E, paradoxalmente, para as classes de menor renda, de maneira geral, a aquisição da moradia nova é ainda um ideal, herança do período de promoção estatal.


Fig. 1. Síntese da análise de estudos de caso do trabalho de pesquisa. Projetos apresentados nesse artigo destacados. Fonte: Acervo próprio, 2012

Fig.2 – projeto original. Fonte: BLAURAUM, 2011 Fig.3 - Intervenção proposta. Análise projeto atual. 1 e 2: acréscimo de novo pavimento e volume na fachada. Fonte: BLAURAUM, 2011 Fig.4 – projeto atual. Fonte: BLAURAUM, 2011 Fig. 5 – edifício original. Fonte: Bacco Arquitetos Associados, 2004

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Fig. 6 – edifício atual. Fonte: Google, 2012

Fig. 7 – Projeto original. Fonte: Acervo próprio, 2012

Fig. 8 – Projeto atual. Fonte: Acervo próprio, 2012

RENATA OCANHA GÓES renata.ocg@gmail.com

MARIA CRISTINA DA SILVA SCHICCHI cristina.schicchi@puc-campinas.edu.br

Arquiteta e urbanista pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2008), mestre em arquitetura e habitat sustentável pela Universidad Politécnica de Valencia (Espanha - 2012). Docente na área de arquitetura e design no SENAC-CAMPINAS e proprietária do escritório de arquitetura. Bolsista TT3 da FAPESP no Convênio FAPESP/CONDEPHAAT pelo programa de pós-graduação em Urbanismo da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (2012-2013).

Arquiteta e urbanista, doutora pela USP (2002). Professora titular e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Urbanismo e da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Pós-doutora pelo Programa Oficial de Postgrado de la Universidad de Sevilla (jan/jul 2010) com apoio da FAPESP. Coord./Pesquisadora principal da FAPESP no Convênio FAPESP-Condephaat (2012-14). Coordenadora de projeto de Cooperação Internacional com a Universidad de Oriente (Projeto CAPES/MES/Cuba 210/13). Coordenadora de pesquisa junto ao CNPQ (Edital Universal 2014). É bolsista de Produtividade em Pesquisa CNPq Nível 2. Foi co-orientadora convidada de alunos do Mestrado em Arquitectura da Universidade do Porto (2010-11) e do Máster en Arquitectura Avanzada da Universidad Politécnica de Valencia (2011-12). Pesquisadora convidada do Máster en Arquitectura y Patrimonio Histórico da Universidad de Sevilla (apoio Fundación Carolina, 2013). Secretária Executiva ANPARQ (2015-16).

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3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD

Rúbia Carminatti Peterson | Jorge Luiz Vieira | Fernando Barth | Lisiane Ilha Librelotto | Criciúma, Brasil AVALIAÇÃO DE PARÂMETROS PROJETUAIS E CONSTRUTIVOS EM HABITAÇÕES DE INTERESSE SOCIAL EM CRICIÚMA/SC

INTRODUÇÃO O trabalho apresenta dois projetos de habitação social construídos na cidade de Criciúma-SC, com objetivo de avaliar os parâmetros projetuais e construtivos. Os problemas relacionados com a habitação social no Brasil tem sua origem há algumas décadas no êxodo rural e nas altas taxas de crescimento populacional, que aceleraram o processo de industrialização e urbanização nas grandes cidades. De acordo com Ribeiro e Pechman (1983)1, o aumento da demanda por habitação social ocorreu no início do século XX por causa do crescimento da população e a redução da taxa de mortalidade resultante de políticas de saneamento desenvolvidas pelo Estado. Questões relacionadas à habitação social no Brasil ainda têm muitas barreiras, apesar dos progressos significativos nos últimos anos. Durante as fases do projeto, o arquiteto deve trabalhar com diferentes tipos de construções, combinando as necessidades de espaço do usuário e evitando a repetição de alguns modelos. Apesar do estabelecimento de normas para a caracterização de materiais, desempenho, controle tecnológico, entre outros aspectos da evolução dos sistemas de construção para habitação social, muitos ainda não são considerados, tais como as necessidades individuais de cada família, regionalidade ou local de inserção. A cidade de Criciúma teve seu crescimento econômico baseado na extração de carvão, resultando em moradias em assentamentos irregulares e infraestrutura inadequada. De acordo com informações do Plano Local de Habitação de Interesse Social de

Criciúma (2010)2, o déficit habitacional é de cerca de 6.500 moradias, com 90% localizadas em áreas urbanas. Deste modo, uma pesquisa para avaliação de parâmetros projetuais das tipologias utilizadas no município de Criciúma, bem como a avaliação de parâmetros construtivos com análise dos sistemas construtivos e da reciclabilidade dos materiais utilizados na construção podem contribuir para a melhoria do espaço habitado e da materialidade, refletindo na elevação da qualidade de vida. METODOLOGIA Este artigo apresenta um método qualitativo, quantitativo e exploratório, que procura caracterizar a produção de habitação social em Criciúma pela coleta de dados. A elaboração deste foi iniciada pelo acervo bibliográfico relacionado aos temas com o objetivo de encontrar conceitos e métodos de análise mais apropriados. Para a base teórica, tornou-se necessário estudar a situação da habitação social no Brasil, seu desenvolvimento histórico, as políticas habitacionais e tipologias desenvolvidas ao longo das últimas décadas, bem como a situação na região de Criciúma. Análise da Reciclabilidade do Edifício A análise dos índices de reciclabilidade do edifício foi baseada nos conceitos desenvolvidos por Vefago (2012)3, que incluem a energia incorporada e a emissão de CO2 na produção de materiais de construção. Para esta análise, é necessário definir alguns conceitos sobre a reciclabilidade, considerando-se que um componente ou elemento pode ser reciclado no final do ciclo de vida do edifício. Nas

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1 RIBEIRO, Luiz Carlos De., PECHMAM Robert M. (1985), O que é questão da moradia. Coleção Primeiros Passos, n. 92. Ed. Brasiliense, São Paulo. 2 CRICIÚMA, Secretaria municipal de Desenvolvimento Social e Habitação (2012), Plano Local de Habitação de Interesse Social. Pontual. 3 VEFAGO. Luiz Henrique (2012), El concepto de reciclabilidade aplicado a los materiales de construcción y a los edifícios: Propuesta de Índices para evaluar la Reciclabilidad de los Sistemas Constructivos Tese de Doutorado. Escola Tècnica Superior D`Arquitectura de Barcelona, Universitat Politècnica de Catalunya - UPC.


edificações, não se deve considerar como reciclados todos os materiais que cumprem o seu ciclo de vida e voltam ao ciclo industrial, pois existem elementos que necessitam de uma grande quantidade de matéria prima virgem para sua nova conformação. Diante do exposto, é importante ressaltar algumas definições relativas a reciclabilidade de materiais e componentes, classificados em: reciclado, infraciclado, reutilizado e infrautilizado, sendo que as definições de Infraciclado e Infrautilizado foram estabelecidas por Vefago (2012)3, como:

“Reciclado”: é aquele material ou componente que sofre pelo menos uma transformação química em sua estrutura interior ou uma troca de estado físico, mas mantém as suas propriedades iniciais. “Infraciclado”: material que sofre pelo menos uma transformação química em sua estrutura interior ou uma troca de estado físico e sofre uma redução de suas características iniciais. “Reutilizado”: é aquele que não sofre nenhuma transformação química de sua estrutura interior e nenhuma troca de estado físico. “Infrautilizado”: Este material ou componente não sofre nenhuma transformação química em sua estrutura interior ou no seu estado físico e não mantém as suas propriedades iniciais. Nesta análise também considera-se o impacto ambiental dos edifícios residenciais construídos com materiais virgens e reciclados, realizando a análise da energia incorporada e do dióxido de carbono emitido para a produção destes materiais. Para o cálculo da energia incorporada e emissão de dióxido de carbono (CO2) para a produção dos materiais, o edifício foi dividido em sistemas. Vale ressaltar, que neste trabalho, além dos materiais virgens propostos nos estudos de Vefago (2012)3, foram efetuados os cálculos com materiais reciclados com intuito de verificar quanto poderia ser construído a mais, considerando a economia de energia incorporada e dióxido de carbono ao se utilizar estes materiais. Este método também pode ser aplicado para avaliar a desconstrução de um edifício, porém este trabalho está delimitado na análise dos índices na fase de projeto. O método estabelece uma pontuação de 0 a 100, com variações de 25 pontos, podendo-se chegar a 100 pontos somente com a reutilização e a 75 pontos com a reciclagem, conforme se pode observar (fig.1) a hierarquia para o projeto de um edifício.

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Para avaliar as massas dos elementos, as massas reutilizadas, recicladas, infracicladas, infrautilizadas e virgens devem ser estimadas. Com a soma total das massas, é possível encontrar os percentuais de cada categoria, obtendo-se um valor entre 0 e 100. Se todos os materiais forem virgens, o índice de reciclabilidade é igual a 0, já se todos os materiais forem reutilizados de outra construção, o índice equivale a 100. Neste trabalho são avaliados os índices de reciclabilidade estimados com base nos dados relacionados aos estudos de caso. Também são realizadas estimativas, substituindo alguns materiais que poderiam ser reciclados na obra e outros reutilizados de acordo com os sistemas que contemplam o estudo. APLICAÇÃO: ESTUDOS DE CASO Os estudos de caso selecionados estão localizados na cidade de Criciúma, no estado de Santa Catarina. O município possui uma área de 213 km², com 192.236 habitantes segundo o Censo de 2010. De acordo com o Plano Local de Habitação de Interesse Social de Criciúma (2010)2, o déficit habitacional no município é de aproximadamente 6.500 unidades. Este déficit representa a necessidade de construções de moradias, porém se considerado o déficit qualitativo, este aumenta para 8.476 unidades. Os projetos deste estudo são caracterizados por edifícios multifamiliares, subsidiados pelo Fundo Residencial “Minha Casa Minha Vida” para população com renda de até seis salários mínimos. Cabe ressaltar que os dois estudos de caso encontravam-se em fase de construção, delimitando assim, a análise no projeto e nas observações feitas na obra. O primeiro estudo de caso apresentado (fig.2-a) é o Condomínio Residencial Parque das Nações, cuja área total é de 8.068 m² com sistema estrutural convencional. O segundo estudo de caso (fig.2-b), é o Condomínio Residencial Sol di Toscana, com área total de 14.259,97m² e sistema construtivo em alvenaria estrutural. RESULTADOS E DISCUSSÕES As análises deste artigo foram baseadas nos estudos de caso mostrados (tab.1), que sintetizam as principais características das habitações selecionadas. Os estudos de caso apresentam dois conjuntos habitacionais denominados: Edifício Residencial 1 e Edifício Residencial 2.


Parâmetros Construtivos O consumo energético dos materiais utilizados bem como a emissão de CO2 na produção dos componentes poderiam ser minimizados com algumas substituições que pensadas na etapa de projeto, reduzindo consideravelmente seus índices. A tab.2 mostra a influência da energia incorporada dos metais reciclados, embora as suas massas sejam reduzidas em comparação com as massas totais dos edifícios. As massas de metal são 0,83% e 1,8% do total das massas para Residencial 1 e 2, respectivamente. No entanto, a energia incorporada total pode ser reduzido em 11% e 13%, respectivamente, para o Residencial 1 e 2. O índice de reciclabilidade original e modificado para o Residencial 1 e 2 são apresentados (tab.3). O índice de reciclabilidade para os dois estudos de caso é igual a zero (tab.3), uma vez que todos os materiais utilizados são virgens ou provenientes de recursos não renováveis. Estes resultados levam a substituir alguns materiais e componentes, a fim de aumentar este índice. Materiais reciclados e reutilizados foram utilizados em ambos os edifícios e os resultados aumentaram para 1,05 e 3,19 respectivamente para o residencial 1 e 2. Entretanto, pode-se notar que em uma magnitude de 0-100, estes resultados ainda são muito baixos. O índice de reciclabilidade pode ser usado para encontrar novas soluções e reduzir os resíduos gerados pelo setor de construção civil.

projeto. A caracterização dos sistemas construtivos permitiu avaliar a origem dos materiais utilizados, os impactos sobre o meio ambiente e o potencial de reciclabilidade do edifício. A substituição de materiais virgens por reciclados na etapa de projeto permite minimizar a energia incorporada e a emissão de CO2, reduzindo consideravelmente o impacto ambiental gerado na produção. A diferença de energia incorporada e de CO2 por m² construído com materiais virgens em relação aos materiais metálicos 100% reciclados é significativa, possibilitando um aumento na metragem construída somente com a economia de energia gerada pela substituição dos materiais metálicos por reciclados. Comparando o Residencial 1 (sistema convencional) e o Residencial 2 (alvenaria estrutural) ambos apresentam os índices de reciclabilidade baixos, mesmo com a estimativa de alguns materiais reciclados e reutilizados. O sistema com alvenaria estrutural apresentou um desempenho superior devido a maior quantidade de materiais metálicos que podem ser reciclados. Convém ressaltar que os dois edifícios apresentaram índices de reciclabilidade muito baixos, sinalizando que este parâmetro construtivo precisa ser incorporado durante a etapa de projeto com a definição de materiais adequados do ponto de vista da reciclabilidade. Pode-se dizer que o método de avaliação da reciclabilidade, ao permitir reutilizar e reciclar os materiais e outros componentes do edifício apresenta-se como uma boa estratégia para alcançar uma arquitetura mais sustentável.

CONCLUSÕES Este artigo apresentou de forma sucinta a composição de duas unidades de habitação social construídas em Criciúma. Também procurou caracterizar os sistemas construtivos e avaliar o índice de reciclabilidade dos materiais utilizados nessas unidades. A utilização deste método na fase de projeto permite que as soluções sejam antecipadas pelo projetista adequando os espaços ao seu uso, garantindo a satisfação do usuário e a redução de desperdícios com retrabalhos e reparos futuros, enfatizando que a adequação dos materiais e componentes podem aumentar a vida útil da construção e reduzir os impactos no meio ambiente. Os resultados obtidos pela aplicação do método dos Índices de Reciclabilidade mostrou pouca capacidade. Embora o desempenho destes dois edifícios não foi considerável, a utilização destes parâmetros de construção pode ser útil para seleção de materiais adequados na fase de

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Fig 1. Fator de reciclabilidade nos processos de projeto e desconstrução de uma edificação

Fig. 2. a- estudo de caso “Residencial Parque das Nações-1” e b- “Residencial Sol di Toscana-2”

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Tab. 1. Características dos estudos de caso.

Tab.2. Energia incorporada dos materiais.

Tab.3. Índices de reciclabilidade para os dois estudos de caso.

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FERNANDO BARTH fernando.barth@ufsc.br

LISIANE ILHA LIBRELOTTO

Professor titular do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Doutor em Construções Arquitetônicas pela Faculdade Superior de Arquitetura de Barcelona - Universidade de Catalunha (Espanha). Pós-doutorado em Cosntruções emergenciasi na Universidade de Florença (Itália). Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da UFSC.

Possui graduação em Engenharia Civil pela Universidade Federal de Santa Maria (1995), especialização em Gestão da Qualidade pela UFSM (1997), mestrado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (1999) e doutorado em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005). Foi professora da Universidade do Sul de Santa Catarina e Universidade do Vale do Itajaí nos cursos de engenharia civil, arquitetura e design. Hoje, é professora Adjunta da UFSC, no curso de Arquitetura e Urbanismo. Suas atividades englobam as áreas de Tecnologia, Sistemas Construtivos, Planejamento, Gestão, Projeto e Controle de Sistemas de Produção , atuando principalmente nos seguintes temas: sustentabilidade, construção civil, produtividade, planejamento, gerenciamento, processos, sistemas construtivos e inovações. Possui projetos de pesquisa e extensão com financiamento do CNPQ, FAPESC, CONFEA e MEC/SESU. Possui artigos e livros publicados. Participou de bancas de TCC, especialização, mestrado e doutorado. Orienta trabalhos de TCC, especialização, mestrado e doutorado. Foi organizadora e idealizadora do evento ENSUS - Encontro de Sustentabilidade em Projeto do Vale do Itajaí. Orienta mestrado e doutorado no PósARQ/UFSC. Orientou mestrado profissionalizante em Engenharia Ambiental UFSC/ICE/FIAT, PPGEA/ UFSC, como professora convidada, convênio UFSC/ ICE/FIAT.

RÚBIA CARMINATTI PETERSON carminattipeterson@gmail.com

JORGE LUIZ VIEIRA jov@unesc.net

Graduada em Tecnologia em Cerâmica (2000) e em Arquitetura e Urbanismo (2011) pela Universidade do Extremo Sul Catarinense - UNESC. Pós graduada em Gestão empresarial (2003) pela mesma instituição e mestre em Arquitetura e Urbanismo (2013) pelo Programa de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo-PósARQ da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Atualmente leciona no Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Extremo Sul Catarinense e faz parte do Grupo de Pesquisa Habitação, Espaço Público e Cidade.

Possui Graduação em Arquitetura e Urbanismo (1983) e mestrado em Geografia (2002) pela Universidade Federal de Santa Catarina. Admitido como aluno regular no curso de Pós-Graduação e Pesquisa em Arquitetura - PROPAR da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em 2013, nível doutorado, na linha de pesquisa Tipologias Arquitetônicas e Morfologia Urbana. Professor do Curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Extremo Sul Catarinense, desde 2003 até o presente, e coordenador do mesmo, de 2003 até 2012. Atualmente, coordena o Projeto de Extensão Habitat Saudável e Sustentável da Universidade do Extremo Sul Catarinense

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3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD

Lorenna Aleixo Lobo | Darja Kos Braga | Manaus, Brasil ESTUDO DE VIABILIDADE DE APLICAÇÃO DO SELO CASA AZUL EM HABITAÇÕES DE INTERESSE SOCIAL DO PROGRAMA PROSAMIM EM MANAUS

1. INTRODUÇÃO O Programa Social e Ambiental dos Igarapés de Manaus (PROSAMIM), financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento e Caixa Econômica Federal, foi desenvolvido pelo Governo do Estado do Amazonas em 2004. O programa visa requalificar ambientalmente as margens dos igarapés que sofreram degradações causadas por ocupações desordenadas, e suprir o déficit habitacional da cidade, promovendo acesso à moradia digna para a população de baixa renda que habitava a área degradada1. O PROSAMIM estrutura-se em três áreas: a) infraestrutura de saneamento; b) recuperação ambiental das nascentes e reassentamento das famílias que estão em áreas de risco, e; c) sustentabilidade social. Apesar de apresentar pontos sustentáveis por meio da requalificação ambiental dos igarapés, não há estudos sobre a possibilidade de tornar as habitações do programa adequadas ao clima local quente e úmido e menos impactantes ao ambiente. Uma forma de atestar a sustentabilidade de um empreendimento como este é a obtenção de selos de certificação ambiental, como é o caso do Selo Casa Azul desenvolvido pela Caixa Econômica Federal (CEF). Além de trazer vários benefícios para a comunidade, a certificação pode trazer maior atratividade para o financiamento do programa.

A cidade de Manaus apresenta muitas outras áreas de igarapés ocupadas irregularmente por moradias improvisadas, sem infraestrutura e condições básicas de saneamento. Deste modo, o presente trabalho visa contribuir com um estudo de viabilidade para aplicação do Selo Casa Azul em projetos futuros do programa PROSAMIM, identificando ações necessárias a serem tomadas durante as fases de projeto e implantação. Para atender os objetivos deste artigo, foi escolhido o conjunto habitacional Quadra Bairro São Raimundo, parte do PROSAMIM III. O método construtivo e o projeto arquitetônico aplicados neste empreendimento, entregue em 2014, pretendem ser mantidos em próximas etapas do programa. 2. ANÁLISE O Conjunto Quadra Bairro São Raimundo se localiza na zona oeste da cidade, na Bacia Hidrográfica do São Raimundo, abrangendo os Igarapés São Raimundo e Cacimbas. A figura 1 mostra a sua localização na área de intervenção do PROSAMIM III. O empreendimento possui 39 blocos com 6 apartamentos, totalizando 234 unidades habitacionais. Cada edificação é composta por térreo e dois pavimentos (fig. 2). Segue análise do Conjunto Habitacional a partir dos critérios do Selo Casa Azul2. São 53 critérios, agrupados em seis categorias, sendo 19 de atendimento obrigatório.

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1 Governo do Estado do Amazonas (2012). Plano Específico de Desapropriação, Reassentamento e Locação – VOLUME I. Manaus: PROSAMIM. Disponível em: <http:// prosamim.am.gov. br/wp-content/ uploads/2012/04/ plano-reassentamentoprosamim3.pdf>. Acesso em: 27 de Maio de 2015.

2 CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (2010). Selo Casa Azul: Boas Práticas para Habitação Mais Sustentável. São Paulo: Páginas & Letras. Disponível em: <http:// www.caixa.gov.br/ Downloads/selo_azul/ Selo_Casa_Azul.pdf>. Acesso em: 9 de Abril de 2015.


2.1. Categoria Qualidade Urbana A categoria Qualidade Urbana engloba critérios referentes às melhorias geradas pela implantação do empreendimento para a comunidade envolvida e os impactos externos ao local. O programa PROSAMIM instalou infraestrutura de água potável, pavimentação, energia elétrica, iluminação pública, esgotamento sanitário, drenagem, e transporte público, contando também com escolas públicas, comércios, serviços de saúde e lazer próximos (fig. 3). As fontes de ruído ou odores excessivos, tais como aeroporto e distrito industrial, foram identificadas além do raio de 2,5km, apresentando baixo impacto ao empreendimento. A área de intervenção era tomada por ocupações irregulares de palafitas, construídas por cima do Igarapé Cacimbas, bastante degradado e oferecendo risco de doenças. Com a implantação do programa, o corpo d’água foi regenerado e protegido em um canal, destacando-se a melhoria de salubridade, criação de passeios, equipamentos urbanos, e áreas de lazer (fig. 4). Não houve reabilitação de imóveis, pois no local não havia prédios de importância histórica. Desta forma, o empreendimento atende dois critérios obrigatórios, e dois de livre escolha, demonstrando ótimo desempenho neste quesito. 2.2. Categoria Projeto e Conforto Na categoria Projeto e Conforto são analisados o planejamento e a concepção do empreendimento, considerando-se a adaptação das edificações às características climáticas, físicas e geográficas locais, bem como a criação de espaços para atividades específicas. Quanto ao paisagismo, o empreendimento conta com áreas gramadas e mudas de árvores de espécies nativas e espécies adaptadas ao clima local. Com relação à flexibilidade do layout interno dos apartamentos, as vedações estruturais não permitem expansão e nem alterações internas. Sugere-se o estudo desta possibilidade pelos gerenciadores do programa. Foram comparados os impactos na vizinhança antes e depois da implantação do empreendimento, verificando-se que, devido ao grande afastamento

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em relação ao entorno, não houve impacto negativo às vistas panorâmicas, insolação e luminosidade recebidas pelo entorno (fig. 5). Considerando os ventos dominantes vindos do Leste, foi realizada uma comparação da ventilação na área de intervenção antes e depois do empreendimento (fig. 6). Na situação original, a ventilação era precária devido à proximidade das casas; já a situação atual propicia melhor ventilação devido a afastamentos significativos entre os blocos e entre o empreendimento e seu entorno. O incentivo aos transportes menos poluentes é evidenciado com a construção de uma ciclovia, que liga o empreendimento com o bairro Santo Antônio, local próximo com comércio e oportunidades de emprego. A construção da ciclovia é uma das etapas do programa PROSAMIM III. Já em relação à separação de resíduos recicláveis, o empreendimento não conta com local para coleta seletiva, mas apenas disposição de lixo comum. Recomenda-se o estudo por parte dos gerenciadores do programa para a implementação desta ação nas próximas etapas do programa. A área externa do empreendimento conta com áreas de recreação infantil e academias ao ar livre, estimulando atividades saudáveis e evitando problemas sociais, sendo essa uma das principais preocupações do programa. Os materiais de vedação externa (bloco cerâmico estrutural, 14x19x29cm) e de cobertura (laje pré-moldada de 12cm com poliestireno expandido e telha de fibrocimento de 8mm) atendem os parâmetros de transmitância térmica e de capacidade térmica exigidas para a Zona Bioclimática 8 (ZB8). Em relação ao tamanho das aberturas para ventilação natural, a sala conjugada com cozinha e o dormitório não atendem a porcentagem mínima de área de piso do selo para ZB8. Quanto à iluminação natural e sombreamento, o empreendimento também apresentou tamanho de aberturas abaixo da porcentagem recomendada pelo selo para ZB8, porém, as venezianas de alumínio atendem o critério de sombreamento. Apesar de atender os critérios de materiais e sombreamento, o empreendimento não atende os parâmetros de ventilação e iluminação.


Os edifícios possuem apartamentos vazados, usufruindo de ventilação cruzada (fig. 7). Quanto ao sombreamento externo, a proximidade entre os edifícios contribui para sombrear as fachadas internas. Além disso, os apartamentos do último pavimento aproveitam o sombreamento do beiral. No caso de fachadas externas, espera-se que a vegetação, composta por mudas de árvores em fase de crescimento, futuramente ofereça proteção solar. As áreas comuns, por serem abertas para o exterior, atendem o critério de iluminação natural. A abertura do banheiro dos apartamentos possui área de 18% da área de piso, acima do requisitado pelo selo (12,5%). Observou-se também que houve preocupação em minimizar a movimentação de terra, preservando a maior parte da topografia original do terreno, e reduzindo o impacto ambiental do programa. Assim, o empreendimento atende três critérios obrigatórios e cinco de livre escolha, denotando bom desempenho na categoria. 2.3. Categoria Eficiência Energética Na categoria Eficiência Energética foram analisadas as estratégias implantadas no empreendimento para redução de consumo de energia. O uso de lâmpadas fluorescentes compactas com selo Procel nos apartamentos e áreas comuns garantiu maior eficiência na iluminação e baixo consumo de energia, porém não foram utilizados sensores de presença ou minuterias. Devido a altas temperaturas na cidade de Manaus não é necessário o uso de coletores solares ou sistema de aquecimento a gás para o aquecimento de água.

Portanto, o empreendimento atende dois, dos três, critérios obrigatórios e nenhum dos cinco critérios de livro escolha. 2.4. Categoria Conservação de Recursos Materiais A categoria Conservação de Recursos Materiais abrange critérios referentes à otimização dos insumos utilizados na construção do empreendimento. O projeto das edificações segue a modulação de 30cm, utilizando-se da coordenação modular, e estimulando desta forma a produtividade e a redução de resíduos. No quesito Qualidade de Materiais e Componentes, não foi possível conseguir informação sobre os fornecedores, sugerindo-se que os gerenciadores do projeto especifiquem materiais e componentes produzidos por empresas classificadas como “qualificadas” no Programa Brasileiro de Qualidade e Produtividade no Habitat (PBQP-H). O critério Componentes Industrializados ou Pré-fabricados demanda que pelo menos 2 itens sejam industrializados ou pré-fabricados, entre fachadas, divisórias internas, estrutura de pisos e escadas, e pilares e vigas. No empreendimento apenas a laje é pré-moldada, não atendendo o critério. Foram, porém, utilizadas fôrmas de compensado e escoras metálicas reutilizáveis, reduzindo os desperdícios. A elaboração e implantação do Plano de Gerenciamento de Resíduos da Construção Civil, demonstra a preocupação com o desvio de resíduos para o aterro sanitário. Com o objetivo de garantir a produtividade do material na obra realizou-se também a dosagem otimizada de concreto.

Para o cozimento é previsto o uso de botijão de gás individual, configurando o atendimento ao crédito de medição individualizada de gás.

Foi utilizado cimento CP I e CP II, contudo, ressalta-se a dificuldade em encontrar cimentos CP III e CP IV em grande quantidade em Manaus.

Por se tratar de um empreendimento de interesse social não há elevadores. Os eletrodomésticos também não são entregues pela construtora. Além disso, o empreendimento não se utiliza de formas alternativas de captação de energia.

No empreendimento não foram utilizados agregados reciclados para pavimentação. Quanto ao uso de madeiras, as utilizadas na fabricação de portas internas foram extraídas em um plano de manejo.

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A manutenção da fachada, composta por alvenaria cerâmica estrutural aparente, demanda aplicação de resina acrílica a cada 2 anos, não atendendo o mínimo de 15 anos solicitado pelo selo. Diante do exposto, o programa atende apenas dois critérios obrigatórios e dois de livre escolha, recomendando-se mais estudos nesta área para futuros empreendimentos do programa. 2.5. Categoria Gestão da Água Na categoria Gestão da Água foram analisadas as estratégias implantadas para uso racional deste recurso natural. O empreendimento possui medição individualizada de água, garantindo gerenciamento do consumo de água por unidade habitacional. Não é utilizado sistema de descarga com duplo acionamento, mas sugere-se o investimento neste item. As torneiras do empreendimento não possuem arejadores e os apartamentos não possuem registros reguladores específicos para cada equipamento. Com relação a aproveitamento, retenção e infiltração de águas pluviais, o empreendimento atualmente não possui ações para melhorar estes itens, porém, a taxa de permeabilidade do terreno é de 60%, muito acima do coeficiente mínimo de 20% para áreas com inexistência de legislação local, contribuindo para boa infiltração de águas pluviais. Desta forma, o empreendimento atende apenas dois critérios obrigatórios, sugerindo-se estudos por parte dos gerenciadores do programa para investimento nestes itens. 2.6. Categoria Práticas Sociais Na categoria Práticas Sociais foram analisadas as ações implantadas no empreendimento visando contribuir para a redução das diferenças sociais, e estimular a ampliação da consciência ambiental. A construtora faz gestão dos resíduos de construção e demolição, e treinamentos semanais com funcionários, disseminando a importância do tratamento correto dos resíduos. São abordadas as questões de triagem, acondicionamento, transporte e destinação final, incluindo outras questões de sustenta-

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bilidade. Ademais, a construtora possui parcerias com escolas de alfabetização, informática, idiomas e SENAI, visando melhorar as condições de vida e os conhecimentos técnicos dos empregados, além de incentivar a contratação de moradores locais para trabalho na obra. A comunidade participou ativamente com sugestões ao longo do projeto, estimulando a permanência dos mesmos no local e criando o sentimento de pertencimento nos moradores. Ao término da obra, foi distribuído o “Manual do Proprietário”, oferecendo orientações sobre o uso e manutenção do imóvel, incluindo conceitos de sustentabilidade. Foi realizado acompanhamento por assistentes sociais, capacitando moradores da comunidade no gerenciamento do empreendimento, além de realizar ações socioeducativas, visando mitigação de riscos sociais, e cursos de capacitação e profissionalizantes para promover a geração de trabalho. Realizou-se também oficinas de assistência social ao longo da obra, orientando os moradores sobre o uso racional de água, recursos naturais e energia. Assim, o empreendimento atende todos os critérios obrigatórios e de livre escolha desta categoria, constatada a mais forte do programa. 3. RESULTADOS E CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise mostra que o empreendimento atende 15, dos 19, critérios obrigatórios do Selo Casa Azul. De 34 critérios não obrigatórios, 17 foram atendidos e 5 não se aplicam. (fig. 8) Os quatro critérios obrigatórios não atendidos podem ser implementados, contanto que haja planejamento desde a fase de projeto, conforme sugestões a seguir. O critério Local para Coleta Seletiva pode ser atendido com planejamento e implantação das áreas e dos equipamentos necessários para separação e armazenamento de recicláveis. Para o critério Desempenho Térmico – Vedações, as áreas de abertura para ventilação devem ser aumentadas ou trocado o tipo de abertura das janelas, visando atender a porcentagem mínima de área de abertura em relação à área do piso para cada ambiente.


Quanto ao critério Qualidade de Materiais e Componentes, é necessário especificar materiais e componentes de fornecedores locais, qualificados pelo PBQP-H, ou que possuam algum certificado de qualidade.

Fig. 1 – Área de intervenção do PROSAMIM III, com destaque para a área analisada. Fonte: Secretaria da Região

Com relação ao critério Dispositivos Economizadores – Bacia Sanitária, seria necessário adotar o modelo de descarga com acionamento duplo.

Metropolitana de Manaus.

Avaliando o empreendimento por categoria, observa-se ótimo desempenho em Qualidade Urbana e Práticas Sociais, e desempenho baixo nas categoriais Conservação de Recursos Materiais e Gestão da Água. Este último poderia ser melhorado atendendo, por exemplo, os critérios Dispositivos Economizadores – Arejadores e Registros Reguladores de Vazão, que com baixo investimento proporcionam redução significativa no consumo de água.

Fig. 2 – Quadra Bairro São Raimundo. Fonte: Acervo pessoal.

Apesar de o empreendimento não ter sido projetado com o objetivo de receber uma certificação ambiental, observa-se a preocupação com premissas de sustentabilidade, principalmente nos quesitos sociais e de qualidade urbana. Caso todos os critérios obrigatórios fossem atendidos, e considerando os critérios de livre escolha que o projeto já atende, seria possível certificar o empreendimento com o Selo Azul classificação Ouro. Isso demonstra que faltam poucos ajustes para atingir um nível de excelência em sustentabilidade nas construções do programa.

Fig. 3 – Entorno do empreendimento com identificação de serviços e equipamentos. Fonte: Adaptado de Google Earth.

A obtenção de uma certificação que atestasse a sustentabilidade do empreendimento daria maior credibilidade à proposta do PROSAMIM, comprovando que o programa não possui somente boas intenções, e sim realizações concretas nesse sentido.

Fig. 4 – Vista da área antes e depois do empreendimento. Fonte: Acervo pessoal.

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Fig. 5 – Análise de sombreamento antes e depois do empreendimento. Fonte: Google SketchUp.

Fig. 6 – Estudo de ventilação na área de intervenção antes e depois do empreendimento. Fonte: Google SketchUp.

Fig. 7 – Planta baixa do pavimento-tipo demonstrando a ventilação cruzada.

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Fig. 8 – Tabela resumo de resultados da análise.

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LORENNA ALEIXO LOBO aleixolobo@gmail.com

DARJA KOS BRAGA

Arquiteta pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília (2011). Cursando Especialização em Reabilitação Ambiental Sustentável Arquitetônica e Urbanística (Reabilita). Credenciada LEED AP (Accredited Professional). Atua principalmente em projetos governamentais e na área de construções sustentáveis.

Arquiteta pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo (1999). Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de Brasília, na área de conforto térmico e eficiência energética (2005). Professora do Curso de Especialização em Reabilitação Sustentável Arquitetônica e Urbanística (Reabilita) ministrado pela FAU/UnB. Credenciada LEED GA (Green Associate). Atua sobretudo nas áreas de sustentabilidade nas edificações.

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3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD

Ricardo Socas Wiese | Eduarda Beatriz Valandro da Silva | Erechim, Brasil HABITAÇÃO COLETIVA UNIVERSITÁRIA E SUSTENTABILIDADE: Reflexões acerca dos espaços da moradia estudantil, baseadas em critérios qualitativos de sustentabilidade.

INTRODUÇÃO A moradia estudantil, enquanto espaço de uso coletivo, pode ser vista como uma aliada no processo de construção de uma cidade mais sustentável, pois apresenta um grande potencial integrador e formador, contribuindo para o fortalecimento da vida universitária, assim como, oportuniza o estreitamento das relações entre cidade e universidade. Ao configurar os espaços universitários a moradia estudantil possibilita a configuração de zonas de transição e sobreposição ao tecido urbano, permitindo assim, a extensão do espaço público, abrigando funções que vão além da própria moradia, e que possam receber a comunidade, promovendo a troca de experiências e, ainda, colaborando com a função social dessa vivência em conjunto. Tal potencial pode ser evidenciado a partir da leitura de Josep Maria Montaner e Zaida Muxí (2013)1, sobre a moradia estudantil da Unicamp, de Juan Villá, onde destacam a estreita relação com o contexto urbano, seu caráter inovador, tendências à sustentabilidade e capacidade de entrelaçar a complexidade. Nesse sentido, este artigo discute uma nova concepção do conceito de campus universitário, como um meio urbano, onde acontecem e são partilhadas as relações entre todos os que ali convivem. Sendo assim, diferente do conceito de Cidade Universitária difundido desde o século passado, da cidade universitária moderna, com espaços delimitados geograficamente, no qual essas interações entre a universidade e a sociedade são deixadas de lado, e as relações com o meio são limitadas (Junior, 2013)2.

Além disso, pretende tecer algumas reflexões acerca do potencial da moradia estudantil, através da Arquitetura, na configuração dos espaços universitários, relações com a cidade e usuários, destacando sua contribuição para a formação de indivíduos mais conscientes e para a construção e um conceito de cidade mais sustentável, integradora e coletiva. Tais reflexões fazem parte de uma pesquisa em andamento, que aborda a construção de diretrizes para o projeto arquitetônico de moradias estudantis no sul do Brasil. DISCUSSÕES E REFLEXÕES A formação do indivíduo na coletividade A moradia estudantil surge, no contexto social, como um espaço para a construção do coletivo, para a reunião de culturas e formação cidadã, juntamente com o espaço universitário. Devlin at al. analisaram como o desenho arquitetônico das moradias estudantis pode influenciar no senso de coletividade dos moradores (como citado em Mercuri e Garrido, 2013)3. Dessa forma, muitas estratégias podem ser desenvolvidas na configuração dos espaços da habitação de forma coletiva, construindo uma arquitetura que contribui para a sustentabilidade, não apenas através de mecanismos e estratégias de conforto e eficiência energética, mas que também valorize e demonstre a dimensão social e educativa da sustentabilidade, a partir da moradia estudantil. Assim, incentivando desde relações do estudante com o próprio controle ambiental, até o seu envolvimento responsável com a convivência coletiva no uso racional dos recursos e nos impactos sociais,

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1 Montaner, J. M., &. Muxí, Z. (2013). Residência estudantil na Unicamp. Consultado em 15 de setembro de 2015. Vitruvius: http://www.vitruvius. com.br/revistas/read/ projetos/13.154/4895 2 Junior, A. J. V. (2013). Uma Visão sobre Alojamentos Universitários no Brasil. Consultado em 20 de março de 2015, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, UNB, Docomomo: http:// www.docomomo.org. br/seminario%205%20 pdfs/003R.pdf 3 Garrido, E. N., & Mercuri, E. N. G. S. (2013). A moradia estudantil universitária como tema na produção científica nacional. Scielo: http://dx.doi. org/10.1590/S141385572013000100009


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Silva, M.

L. d. & Landa, B. d. & Grassi, M. F. O. M. (2010). Repúblicas universitárias: produção de espaços e vivências. Consultado em 22 de setembro de 2015, Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, UEMS, Anais do Semex: http://anaisonline. uems.br/index. php/semex/article/ viewFile/374/366

culturais, econômicos e ambientais na cidade. Com isso, integrando e formando indivíduos mais conscientes, buscando criar uma rede de aprendizados e desenvolvendo a sustentabilidade como hábito, onde a moradia demonstra seu grande potencial educador. Desta forma, este artigo busca discutir a influência do projeto arquitetônico para um conceito mais amplo de sustentabilidade, destacando algumas oportunidades identificadas na moradia e que podem contribuir a este tipo de formação, que possibilita construir hábitos mais sustentáveis em sociedade: OFICINAS TEMÁTICAS Uma das oportunidades com grande potencial de implantação são as “oficinas temáticas”, conforme aborda o trabalho de Grassi et al. (2010)4. Desenvolvem a capacidade do indivíduo, a maioria jovens em sua primeira experiência fora da casa dos pais, a desempenhar tarefas do dia-a-dia, tornando-os mais autônomos e capazes de contribuir para uma vida na coletividade. Tais oficinas podem oferecer desde cursos de eletricidade, encanamento, pintura, reciclagem, até culinária, cultivo de horta, etc. Este espírito de autonomia e coletividade possui importante papel na construção de uma sociedade mais sustentável, desenvolvendo o aprendizado na resolução cotidiana de problemas, a experiência que pode auxiliar no mercado de trabalho, como também a troca de conhecimento em comunidade. Neste sentido, as oficinas temáticas podem contribuir nas relações entre a arquitetura e o usuário, em varias dimensões, contribuindo também, para estratégia de manutenção e gestão de edifícios coletivos, ao longo do seu ciclo de vida. OFICINAS COMUNITÁRIAS / SERVIÇO SOCIAL Assim como a moradia universitária pode contribuir para a formação individual dos moradores, também pode abrigar oficinas voltadas à comunidade externa, estreitando as relações entre comunidade e universidade e reforçando a responsabilidade social. Neste caso, podem ser oferecidas oficinas de artes visuais, de música, dança, informática, etc, também em modalidades de cursos de extensão, onde seria possível aos universitários organizar atividades direcionadas a diversos públicos, como crianças e idosos, por exemplo. Estes espaços arquitetônicos ainda podem configurar oportunidades de costuras e sobreposições no que tange as dimensões coletivo e individual, publico e privado possibilitando espaços mais ricos do ponto de vista de sua integração com o entorno e a comunidade.

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HORTA COMUNITÁRIA Para além do espaço dedicado a cursos, a formação do indivíduo também pode ser desenvolvida no cultivo de hortas comunitárias, sobretudo através de modelos de hortas urbanas. Proporciona a experiência de cultivo e contato com a natureza, a possibilidade de produzir seu próprio alimento associando às técnicas de compostagem, como também a participação e trocas com a comunidade externa, levando à economia e à geração de lucro, mas, sobretudo, à educação através da experiência e à continuidade da prática em outros espaços urbanos. Com isso, desenvolve a responsabilidade, além da troca de conhecimento interdisciplinar entre os cursos da universidade que podem participar desse processo. CONTROLE SOLAR INTERATIVO Nesse sentido, também podemos estender o conceito de educar através da experiência a outros elementos da edificação como, por exemplo, em estratégias de controle solar passivo utilizando vegetação. Tais estratégias tem grande importância e vasta aplicação na habitação universitária, onde equipamentos de condicionamento ativo são praticamente inexistentes e indesejados, sobretudo pelo seu alto custo de operação e manutenção. Entre as estratégias de controle solar, o uso de elementos externos às fachadas, como brises, podem ser soluções muito adequadas. Muitas vezes, o sistema de controle solar pode ser otimizado com o uso de vegetação, fazendo o proveito dos efeitos da evapotranspiração, assim como do fenômeno das plantas caducifóleas. O maior limitador destes sistemas é justamente a falta de manutenção, o que pode ser aprimorado com a interação do usuário no controle do conforto térmico individual a partir do cuidado com as plantas, estimulando o desenvolvimento da responsabilidade e contribuindo para ampliar a consciência do impacto de suas ações na construção de espaços mais sustentáveis. Além dessas diferentes formas de controle solar por meio de interações com o usuário, os telhados verdes também são importantes no conforto ambiental com o controle da temperatura interna dos ambientes, ao mesmo tempo em que podem servir como solários para uso dos estudantes, convidando ao uso coletivo ou individual, como um jardim suspenso.

AQUECIMENTO COMO CULTURA Soma-se ao aprendizado por meio do conforto, a cultura local. Há, na região sul do Brasil, uma forte tradição do fogão à lenha nas residências, unindo os


moradores, especialmente no inverno. Como forma de reforçar esse espírito de coletividade, o fogão também pode estar presente nas moradias universitárias para além do cozimento de alimentos, sendo útil também para aquecimento de pisos e de água encanada, por exemplo. Dessa forma, tanto a convivência quanto a formação para hábitos mais sustentáveis, podem ser estimulados. A INTEGRAÇÃO COM A CIDADE / POR UMA CIDADE MAIS SUSTENTÁVEL A moradia estudantil oportuniza a interação entre cidade e universidade. Através da configuração dos espaços, possibilita a formação de zonas de transição e sobreposição ao tecido urbano, permitindo assim, a extensão do espaço público, abrigando funções que vão além da própria moradia e que possam receber a comunidade, qualificando a cidade. Dessa forma, promove a troca de experiências e, ainda, colabora com a função social dessa vivência em conjunto, construindo uma cidade mais coletiva e que evidencia o caráter público. Nesse sentido, o recente concurso promovido pelo IAB-SP para moradia estudantil em dois campi da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), reforça a ideia da necessidade de relação com o entorno e a cidade, surgindo como uma retomada da discussão de implantação de residências universitárias nos campus, buscando novas propostas de projeto, condizentes com as demandas e o contexto atual. É possível observar nos projetos classificados, diferentes estratégias relacionadas à sustentabilidade da moradia em suas diversas dimensões, desde a ambiental, com anteparos, proteções e mecanismos em geral de eficiência energética, até a busca por elementos arquitetônicos que incentivem as relações coletivas no espaço da moradia, com a cidade e com o entorno. Da mesma forma, o projeto das moradias estudantis da UNICAMP, de Juan Villá, que proporciona espaços livres de edificações em escalas diferenciadas, para usos em pequenos grupos ou em comunidade, possibilitando realizar diversas atividades, integrando-se à cidade por meio de áreas de uso comum e bastante arborizadas. Assim como coloca o próprio arquiteto em seu artigo, destacando a “vontade de criar uma comunidade ao ar livre” (Montaner et al., 2013)¹. MOBILIDADE URBANA A habitação de uso coletivo e sua relação com a cidade de forma mais sustentável está estreitamente relacionada com as questões de mobilidade, pois condiciona a forma de locomoção que irá interagir ou

confrontar com a construção dos espaços, e assim demonstra a sua capacidade de construir um ambiente urbano mais sustentável. A inexistência de automóveis no complexo da habitação universitária, por exemplo, priorizando o transporte público e as bicicletas, são alternativas que colaboram com a produção de espaços mais ativos, mais vivos e que estimulam a convivência coletiva e o uso do espaço público. O projeto de moradias da UNICAMP se destaca neste quesito, priorizando as ruas de pedestres no interior do conjunto e limitando os veículos ao trânsito perimetral, permitindo assim um melhor aproveitamento de áreas livres com parques, espaços maiores comunitários, jardins individuais. Tais alternativas de projeto também permitem ampliar o convívio comunitário, as relações com a cidade, como também a sustentabilidade: “grandes parques, pequenos recintos arborizados para reunir-se a comer ou estudar, ruas para pedestres e pátios comunitários, terraços em cada unidade, além de muitos metros quadrados dedicados a usos comunitários da residência” (Montaner et al., 2013)¹. Assim, é possível explorar novos conceitos de transporte público, que, através da moradia estudantil, integra-se ao restante da cidade e à vida universitária, estimulando um uso mais consciente dos meios de locomoção. O potencial no uso de transportes alternativos é imenso, desde a implantação experimental de pontos de abastecimento de veículos elétricos, apoiados pela própria universidade, até mesmo, pela valorização de equipamentos de apoio e incentivo ao uso de bicicletas. Estes também podem estar associados a equipamentos como oficinas comunitárias de bicicletas, infraestrutura de vestiários, entre outros. Além destes, o espaço universitário também é propicio para alternativas de mobilidade com modelos mais coletivos como “pontos de carona” e sistemas integrados de veículos coletivos e comunitários. EQUIPAMENTOS PÚBLICOS E A INTERAÇÃO COM A CIDADE Além disso, os equipamentos de uso público, que geram núcleos de atividades para a comunidade acadêmica e externa, através de auditórios, espaços esportivos, as próprias oficinas e os locais de estar e de lazer, se mostram essenciais na integração com a cidade, evidenciando o caráter público do espaço, em um complexo multifuncional. Assim, diminui-se a necessidade de muitos equipamentos na cidade, e convida diferentes públicos a usufruirem de um espaço que é de todos.

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DESENVOLVIMENTO DE INOVAÇÃO E IRRADIAÇÃO DO CONHECIMENTO Os estudantes também podem relacionar a sua vivência com pesquisas aplicadas na universidade, interagindo, avaliando e refletindo sobre seus hábitos e formas de habitar. A qualidade da habitação coletiva se reflete na gestão de uma moradia mais eficiente, por meio do uso racional dos recursos, com práticas e aprendizado capazes de promover a consciência individual e construir o comprometimento comunitário, expandindo-se para além do Campus e contribuindo para uma cidade mais sustentável. Além disso, possibilita explorar a configuração dos espaços do habitar, de forma a reduzir os espaços individuais e priorizar os espaços coletivos. Por meio dessa e de outras ações propostas na convivência coletiva, novos hábitos podem ser desenvolvidos, levando ao aprendizado conjunto que oportuniza a inovação, seja através do envolvimento em pesquisas ou das experimentações proporcionadas pelos espaços da moradia, e que pode ser irradiado como conhecimento e/ou práticas aos moradores do entorno e expandido até a cidade, também podendo ser utilizado em futuros projetos de moradias estudantis. Dessa forma, diversas possibilidades de pesquisa podem ser exploradas em torno da residência universitária, como no campo da produção energética a partir de fontes renováveis, em alternativas para a redução do consumo de energia, em estratégias de educação ambiental, no uso racional dos recursos, etc. A EXTENSÃO DO ESPAÇO PÚBLICO URBANO / ESPAÇOS DE TRANSIÇÃO A moradia universitária apresenta um caráter fundamental na contribuição para e em sociedade, quando o acesso às atividades esportivas, artísticas, etc, não ficam restritas ao ambiente da habitação, mas se estendem aos moradores do entorno e da cidade, permitindo a construção de uma vida comunitária mais ativa e mais sustentável. Neste sentido algumas destas estratégias podem ser identificadas em projetos propostos para o concurso de moradia estudantil da UNIFESP, que distribuem as atividades no lote, de forma a deixar em evidência e dar espaço para o contexto urbano do lugar. Além disso, criam-se conexões entre as atividades, através de ruas, praças, etc, que percorrem o terreno como extensões da cidade, levando a interação social para dentro do Campus.

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CONCLUSÃO Através deste artigo procuramos, não apenas discutir a moradia universitária, mas refletir acerca do habitar contemporâneo e da educação do indivíduo na coletividade, em busca de uma sociedade mais sustentável. Desta forma, este artigo buscou trazer uma abordagem ampliada da moradia estudantil, evidenciando suas potencialidades enquanto habitação coletiva para a construção da educação e de hábitos mais sustentáveis, e construindo reflexões que venham a contribuir na formação de um novo olhar acerca dos espaços universitários, seu caráter público, assim como sua inserção no contexto urbano e integração com a cidade. O debate nos permite refletir sobre a própria condição da habitação contemporânea, onde observamos a proliferação de modelos que valorizam cada vez mais o individualismo e a segregação, além do contexto das universidades, que frequentemente voltam-se para si e desconsideram a relação com cidade, o que demonstra a necessidade de revisão desse conceito. Portanto, a moradia estudantil é aqui entendida, não somente como equipamento público, mas como uma oportunidade de evidenciar o espírito coletivo das pessoas, destacando o potencial de cada um para a construção de uma sociedade mais justa e consciente do seu papel na coletividade. Dessa forma, a habitação universitária demonstra seu potencial na contribuição para um novo modo de habitar contemporâneo, na busca por modelos mais sustentáveis, com cidadãos responsáveis e conscientes de sua condição e de seus atos quanto aos desperdícios, ao consumo, etc. Entendemos, a partir das estratégias apontadas, que a arquitetura da moradia estudantil coletiva, por suas especificidades e contexto, pode contribuir para a sustentabildiade de formas diversas, que vão além de mecanismos e estratégias de conforto e eficiência energética, mas valorizando e demonstrando também a dimensão social e educativa da sustentabilidade, onde se destaca o seu grande potencial educador. Diante disso, o espaço urbano precisa ser repensado, na expansão e integração dos espaços e equipamentos públicos, especialmente os que possuem um papel essencial na construção do caráter público e social, tal como a moradia estudantil coletiva, contribuindo no surgimento de novas propostas de inserção do indivíduo na convivência em comunidade, e construindo cidades mais vivas e sociedades com uma consciência coletiva para hábitos mais sustentáveis.


(fig. 00) Interações do usuário com estratégias de controle solar. Fonte: acervo do autor.

(fig. 01) Momento da conversa em torno do fogão a lenha, tomando chimarrão. Fonte: acervo do autor.

(fig. 02) Espaço externo de integração. Projeto participante do concurso público de Projeto de Moradia para o Campus São José dos Campos da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), de autoria do escritório Projeto Paulista de Arquitetura SS LTDA.

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(fig. 03) Espaço externo de integração, em diferentes níveis. Projeto participante do concurso público de Projeto de Moradia para o Campus São José dos Campos da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), de autoria do escritório Arquitetos Associados. (fig. 04) Espaço externo de transição, como extensão do espaço público urbano. Projeto participante do concurso público de Projeto de Moradia para o Campus Osasco da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), de autoria de Denis Joelsons e equipe.

EDUARDA BEATRIZ VALANDRO DA SILVA eduardavs_@hotmail.com

RICARDO SOCAS WIESE ricardo.wiese@uffs.edu.br

Graduanda desde 2012 em Arquitetura e Urbanismo. Universidade Federal da Fronteira Sul, Brasil; (2013) Bolsista do projeto de extensão Arquitetura Discutida e Vivida: Experimentações entre o teórico e o real - Grupo Viver AU; (2014-2015) Bolsista do Laboratório de Ensino, Investigação e Projeto em Arquitetura e Urbanismo- Lab Croki, da Universidade Federal da Fronteira Sul. Apresentações de trabalho e participação em eventos: SEPE - Seminário de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFFS, 2013. Título: Cidade, Arquitetura e Arte: Atividades realizadas pelo grupo Viver AU em 2013. SEURS Seminário de Extensão Universitária da Região Sul, 2013. Título: A Arte Pública como possibilidade de Extensão: Grupo Viver AU. SEPE - Seminário de Ensino, Pesquisa e Extensão da UFFS, 2014. Título: Grupo Viver AU: Atividades Realizadas em 2013. VII MOSTRA DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA E EXTENSÃO COMUNITÁRIA. IMED, 2013. Título: Cidade, Arquitetura e Arte: Atividades realizadas pelo grupo Viver AU em 2013.

Professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS) desde 2013. Possui graduação em Arquitetura e Urbanismo pela UFSC (2003) e Doutorado em Progettazione Ambientale pela Università di Roma - La Sapienza (2010). No campo acadêmico, atua no Ensino de Projeto de Arquitetura, sempre buscando associar, de formo crítica, ao projeto arquitetônico as questões relacionadas à sustentabilidade, as relações com a cidade e a paisagem, assim como, com a tecnologia da edificação. Atuou na área docente do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFSC entre 2011 e 2013. Entre 2004 e 2009, atuou como arquiteto em importantes escritórios de arquitetura da Itália, como o Studio Insula e o LCA architettura.

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3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD

Poliana Figueira Cardoso | Javier Mazariegos Pablos | São Carlos, Brasil CERTIFICAÇÃO AMBIENTAL DE HABITAÇÕES NO BRASIL E AS FASES DE CICLO DE VIDA

Palavras-chave: fases do ciclo de vida, certificação ambiental de habitações, selo casa azul. 1. INTRODUÇÃO Os impactos das ações da construção civil no mundo são inúmeros. No Brasil tem-se no mínimo uma quarta parte de parcela de emissão de CO2, destacando-se a parcela relativa às queimadas. Os níveis de CO2 na fabricação de materiais de construção, os efeitos causados pela extração de matéria-prima e beneficiamento são significativos [ 2 ]. Neste sentido, é relevante considerar o desempenho e o impacto no ciclo de vida útil das edificações, principalmente da massiva construção de habitações que vem acontecendo no Brasil. As tecnologias relacionadas a minimização deste impacto estão diretamente ligadas as pesquisas de soluções arquitetônicas [ 5 ]. Dentro desta tendência, tem-se no setor da construção civil sistemas que estão ao alcance do mercado, os quais tem o objetivo de avaliar o desempenho ambiental de habitações. Estes sistemas podem abordar de duas maneiras suas avaliações em relação as edificações: a pesquisa e influência no meio ambiente (passivo ambiental) e a investigação da construção [ 6 ]. No Brasil existem diversos sistemas para a avaliação de desempenho ambiental, tais como, LEED, AQUA, Casa Azul. Entre os sistemas existentes, o selo Casa Azul é o único criado no Brasil e direcionado exclusivamente para a habitação. Considerando esta característica do sistema e crescente preocupação com os impactos gerados na construção das habi-

tações em quantidades desenfreadas, esta pesquisa objetiva investigar as fases de ciclo de vida utilizadas no processo de certificação ambiental de habitações do selo Casa Azul. Casa Azul O Selo Casa Azul foi criado o Conselho Brasileiro de Construção Sustentável (CBCS), em 2007, a fim de induzir a utilização das práticas sustentáveis nos empreendimentos. Um dos resultados de suas pesquisas, elaborado por especialistas de várias instituições (USP, UFSC e UNICAMP), foi a elaboração de um sistema de classificação socioambiental de edificações habitacionais [ 3 ]. Em 2010, esse trabalho resultou no Guia de Sustentabilidade Ambiental Selo Casa Azul, promovido pela Caixa Econômica Federal [ 3 ]. Este sistema tem como objetivo o reconhecimento e incentivo de novos projetos que demonstrem suas contribuições para a redução de impactos ambientais, tais como o uso racional de recursos naturais, reduzir o custo de manutenção dos edifícios e as despesas mensais dos usuários, além da conscientização das vantagens das construções sustentáveis [ 1 ]. O sistema Casa Azul possui 6 categorias para avaliar o desempenho ambiental dos empreendimentos, estejam estes nas fases de construção, uso, ocupação e manutenção. As categorias de impacto atribuídas a sua avaliação são: Qualidade Urbana, Projeto e Conforto, Eficiência Energética, Conservação de recursos materiais, Gestão da água e Práticas Sociais. As categorias de avaliação são verificadas por meio de 53 subcategorias estabelecidas pelo sistema [3

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]. Estas subcategorias possuem objetivos individuais, indicadores de sucesso, documentação a ser apresentada, indicação se possui critério obrigatório ou de livre escolha, benefícios da ação e as recomendações técnicas [ 4 ]. 2. METODOLOGIA O procedimento metodológico é composto de revisão bibliográfica e documental, por meio de verificação da existência dos processos informativo e físico em relação a avaliação de materiais e sistemas construtivos na certificação ambiental de edificações Casa Azul. Os processos informativo e físico formam o ciclo de vida de uma edificação. Sendo o processo informativo as fases de (i) planejamento e projeto, e, o processo físico constituído pelas fases relacionadas a construção: (ii) extração, (iii) transporte, (iv) fabricação dos materiais, (v) construção, (vi) uso e operação, (vii) manutenção e (viii) desativação, (fig. 1.) Na Figura 1, os recursos representam as entradas e os resíduos representam as saídas em todas as fases do processo. Os recursos considerados para a edificação estão: matérias-primas para fabricação dos materiais, componentes e sistemas construtivos (metais, minerais ou madeira) energia, solo, água [ 1 ]. Os resíduos considerados para a edificação estão os sólidos, líquidos e gasosos. 3 RESULTADOS Categorias de avaliação do Casa Azul Dentre as seis categorias de avaliação utilizadas no sistema Casa Azul verificaram-se algumas com abordagem de ciclo de vida em relação aos materiais e sistemas construtivos (Quadro 1) O sistema Casa Azul tem a preocupação em reduzir o consumo de recursos naturais e aumentar a vida útil das edificações. Esta vida útil é definida por meio do resultado da influência dos materiais, microclima do ambiente natural e sobre os detalhes de construção da edificação. Um material pode ter durabilidade em determinada situação e ser menos durável em outra, no então, todos os materiais são degradáveis. A degradação pode ser retardada se o uso dos diversos materiais for adequado e o processo de degradação destes seja levado em consideração [ 3 ]. Na categoria “conservação de recursos materiais”, o selo Casa Azul faz menção a técnica ACV (Avaliação do Ciclo de Vida), como sendo para uso futuro

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no Brasil, onde cada fabricante deverá informar, além das características técnicas associadas a cada material, os fluxos de matéria e energia típicos, sendo estes dados a serem utilizados pela plataforma BIM (Building Information Modelling). Desta maneira o projetista no futuro, ao selecionar um produto terá as informações de dados ambientais quantitativas e qualitativas [ 3 ]. Atualmente, inseridos nesta categoria “conservação de recursos materiais”, relacionados ao ciclo de vida dos materiais e componentes estão as subcategorias “qualidade dos materiais e componentes”, “fôrmas e escoras reutilizáveis” e a “madeira plantada ou certificada”. Sendo os dois primeiros quesitos obrigatórios para certificação mínima (Bronze) e a terceira pontua nos níveis “Prata” e “Ouro”. A categoria “qualidade dos materiais e componentes” ocorre na concepção do projeto por meio da seleção dos materiais e fornecedores, na etapa da construção, pela educação dos usuários e operadores. Desta maneira, os resultados positivos são obtidos por empresas que adotem sistema de gestão de qualidade na fabricação de seus produtos, a correta especificação técnica dos mesmos e que estes produtos possuam certificados de qualidade emitidos por entidades certificadoras com notória reputação ou por processo de seleção de fornecedores que inclua a análise da qualidade dos produtos. A “fôrmas e escoras reutilizáveis” incentivam a redução de impacto ambiental relacionados ao consumo de madeira serrada amazônica. O emprego de fôrmas bem projetadas e executadas com materiais duráveis aumenta a produtividade da obra e a montagem e desmontagem rápida com um mínimo de serviços de reparo e com a construção de qualidade, tais como a prevenção de vazamentos de concreto e variações de recobrimento de armaduras, que podem levar a corrosão de armaduras e falhas na estrutura [ 3 ]. Por último a questão da “madeira plantada ou certificada” pelo FSC e Cerflor, extraída de acordo com um plano de manejo de longo prazo, prevê e planeja a extração de forma a minimizar o impacto na floresta remanescente possibilitando a renovação. Desta maneira, evita-se a redução de estoques de carbono nas florestas e preservam-se biomas e reduzem-se as emissões de gases do efeito estufa (GEE). A plantação destas madeiras de rápido crescimento, se empregadas em aplicações de grande vida útil, retira-se carbono da atmosfera por longos períodos, colaborando para atenuar o efeito estufa [ 7 ].


Fases de ciclo de vida no sistema Casa Azul Identificou-se as seguintes propostas para as fases de ciclo de vida do Casa Azul (Quadro 2) Algumas ênfases podem ser feitas em relação as identificações de fases de ciclo de vida no sistema: Fase de Projeto Nesta fase de projeto a certificação informa que os projetos devem ter todos os detalhamentos, memoriais descritivos, especificações técnicas, cronograma físico-financeiro, planilhas orçamentárias, minuta da convenção de condomínio (se necessário). Os projetos aprovados devem ser mostrados, como da prefeitura, concessionárias, licenças ambientais e alvará de construção. Todas as categorias de avaliação do Casa Azul devem estar abordadas no projeto conforme o requisitado em cada uma. Fase de transporte O transporte está relacionado a categoria de “qualidade urbana”, referente a conectividade dos moradores com outros pontos da malha urbana, devendo o empreendimento estar inserido ou proponha linha de transporte público regular que se mantenha disponíveis no entorno. Na categoria de “projeto e conforto” o transporte é tratado como solução alternativa não poluente, tais como, o uso de bicicleta, ciclovia ou espaço dentro das edificações para o uso de transportes alternativos e até mesmo transporte coletivo privado. Outra questão relacionada ao transporte está na categoria de “conservação de recursos materiais”, na qual mostra a relevância na seleção dos fornecedores de materiais, os quais devem apresentar graus de compromisso com questões de sustentabilidade, como as distâncias de transporte até o local da obra. Este fator pode apresentar significativo impacto nos fluxos ambientais finais. Fase de fabricação A fabricação está relacionada a “qualidade de materiais e componentes”, “dispositivos economizadores de uso da água” e “equipamentos geradores de energia”. A certificação exige que estes elementos sejam fabricados por empresas classificadas como “qualificadas” pelo “Ministério das Cidades” e PBQP-H e em conformidade com a legislação vigente a cada um.

O sistema Casa Azul não interferi no empreendimento na fase de construção. O monitoramento das fases é realizado por checklist, avaliando as questões proposta em projeto, por meio de profissional com atribuições a esta responsabilidade. As fases mais intensificadas são as de planejamento e projeto que direcionam o andamento da obra e todos os agentes envolvidos. As ações referentes a fase de construção estão relacionados as publicações documentais ou relatórios sobre as alterações feitas durante a construção diferentes das que foram projetadas. Fase de uso e operação O uso e operação estão relacionados às orientações sobre o uso dos dispositivos e equipamentos por meio de Manual do proprietário, o qual deve conter informações detalhadas sobre os equipamentos instalados no empreendimento e itens condominiais, assim como sobre os benefícios socioambientais de cada item previsto no projeto. São exemplos, as orientações para o uso do sistema de aquecimento solar, transporte alternativo, uso racional dos recursos naturais (água) e energéticos, coleta seletiva e outros. 3.1 discussão O desenvolvimento integrado da edificação tem o papel fundamental para reduzir os problemas em suas diversas fases de vida. A correta utilização dos condicionantes físicos, climáticos e legais, do terreno em questão, pode propiciar a preservação do perfil do terreno e de vegetação nativa o máximo possível, propiciar a criação de áreas permeáveis maiores, a redução de consumos e de resíduos, além de evitar problemas patológicos com os edifícios. Outra questão vinculada as fases de ciclo de vida é a especificação de tecnologias e materiais adequados, inclusive nos projetos complementares. Materiais como telhas de fibrocimento, piso vinílico e tintas à base de solvente podem comprometer a qualidade do ar interior de uma edificação. É necessário pensar em tecnologias, materiais e técnicas construtivas que permitem a redução de consumos e de resíduos, a fácil manutenção, a desativação e além, o aumento da vida útil da edificação. A seleção de uma tecnologia inadequada ou superdimensionada pode causar desperdícios ou a necessidade de retrabalho. A normatização de técnicas também está vinculada a estas fases para obter os produtos de qualidade. Como exemplo, o uso de tecnologia de concreto armado, a norma para estruturas de concreto, esta-

Fase de construção

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belece que as estruturas devam ser projetadas e construídas de modo que, sob as condições ambientais previstas na época do projeto, e quando utilizadas conforme preconizado em projeto, conservem sua segurança, estabilidade e aptidão em serviço durante um período mínimo de 50 anos, sem exigir medidas extras de manutenção e reparo. O selo Casa Azul tem processos iniciais para as fases de ciclo de vida de uma edificação, verificando-se a necessidade de direcionar as categorias de avaliação para cada uma das fases de vida no sistema, visando o aprimoramento da aplicação do sistema de certificação e o alcance do objetivo do mesmo em reduzir os impactos ambientais e classificar edificações habitacionais com base em seu desempenho ambiental. 4. CONCLUSÕES Cada fase do ciclo de vida deve estar relacionada com as categorias de avaliação do sistema de certificação, tendo em vista a preocupação com o meio ambiente e os impactos gerados, principalmente pelo setor da construção civil, em desafino com a capacidade de regeneração da natureza. Os resultados mostram que existem procedimentos e recomendações para quase todas as fases do ciclo de vida em relação a materiais e equipamentos utilizados na habitação, inexistindo para a fase de manutenção. Em relação aos sistemas construtivos existem providências em partes, como o uso de fôrmas industrializadas que possam ser reutilizadas. O sistema faz menção ao uso da tecnologia BIM para realizar avaliações de ciclo de vida, o sistema Casa Azul faz menção para no futuro a integração nas fases de projeto. Ressalta-se que se faz emergencial para uso no processo de projeto atual, os quais já poderiam iniciar as simulações de projetos utilizando recursos do BIM.

5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS [ 1 ] COUNCIL OF THE EUROPEAN UNION. Review of the EU Sustainable Development Strategy (EU SDS). Bruxelas: [s.n.], 2006. Disponível em: <http:// register.consilium.europa.eu/doc/srv?l=EN&f=ST%20 10117%202006%20INIT> Acesso em 18 out. 2015. [ 2 ] GRUNBERG, P. R. M.; MEDEIROS, M. H. F.; TAVARES, S. F. (2013). Certificação ambiental de habitações: Comparação entre LEED for Homes, Processo AQUA e selo Casa Azul. São Paulo: Ambiente & Sociedade.

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[ 3 ] JOHN, V.M.; PRADO, R.T.A. (Coord.). (2010). Boas práticas para habitação mais sustentável – selo CASA AZUL. São Paulo: Páginas e Letras. [ 4 ] MAGNANI, J. M. (2011). Análise comparativa do selo Casa Azul e do sistema de certificação LEED for homes. 2011. 77 f. Belo Horizonte: Monografia (Especialização em Construção Civil), Escola de Engenharia, Universidade Federal de Minas Gerais. [5] PEREIRA, M. C. Mutabilidade e habitação de interesse social: Precedentes e certificação. (Dissertação). (2012). Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012. [ 6 ] SEVERO, E. M. F.; CARVALHO FILHO, A. C.; SOUSA, H. J. C. (2012). Comparativo das principais ferramentas para avaliação do ciclo de vida de edificações. In: CONGRESSO BRASILEIRO EM GESTÃO DO CICLO DE VIDA DE PRODUTOS E SERVIÇOS, 3., 2012, Maringá. Anais... Maringá: [s.n.], 2012. [ 7 ] ZENID, G. J. (Coord.). (2009). Madeira: uso sustentável na construção. São Paulo: Instituto de Pesquisas Tecnológicas/SVMA. Publicação IPT n. 3.010. Disponível em: <http://www.sindusconsp.com.br/ downloads/prodserv/publicacoes/manual_madeira. pdf>. Acesso em: 18 out. 2015.


Figura 1 – Fases do ciclo de vida de uma edificação genérica

Quadro 1 – Categoria de avaliação relacionada ao ciclo de vida no sistema Casa Azul

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Quadro 2 - Fases de ciclo de vida utilizadas no sistema Casa Azul. * A fase de beneficiamento não será levada em consideração neste estudo, por ser uma aplicação direta da técnica de ACV e é utilizada em estudos aprofundados da técnica, tendo em vista que as certificações estão em fase inicial de uso da mesma.

JAVIER MAZARIEGOS PABLOS POLIANA FIGUEIRA CARDOSO polistm@gmail.com Sua área de atuação é a de tecnologia da arquitetura para edifícios, certificações ambientais de edificações e avaliação do ciclo de vida de construções (2009 a atualmente). Professora nas disciplinas de mídias digitais para o ensino de arquitetura e planejamento urbanos (atualmente). Mestre pelo programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo no Instituto de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo campus de São Carlos-SP (2015). Bacharel em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Luterana do Brasil, campus de Canoas-RS (2010). Técnica em Transações de Imóveis pelo Colégio da Sociedade de de Ensino Regional Ltda., campus de Araçatuba-SP (2012).

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3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD

Rosa Maria Locatelli Kalil | Adriana Gelpi | Passo Fundo, Brasil HABITAÇÃO SOCIAL E NOVAS TECNOLOGIAS: Desafios de inovação e sustentabilidade

RESUMO O trabalho aborda a questão da habitação de interesse social (HIS) como política pública frente à descentralização das decisões e à disponibilidade de recursos federais para investimento em programas habitacionais no Norte do Rio Grande do Sul, no Sul do Brasil, região em franca expansão econômica. O objetivo principal é identificar elementos de inovação e de sustentabilidade em projetos de habitação de interesse social em municípios polo. Com base em levantamentos documentais e de campo, analisa-se a especificidade de inovação tecnológica e sustentabilidade urbana. Como resultado, observam-se a precariedade da infraestrutura urbana, a distância das centralidades e a dificuldade de acesso aos equipamentos comunitários. Contudo verifica-se que alguns dos núcleos habitacionais de interesse social implantados avançaram em inovação, em tecnologia construtiva e no uso de elementos de eficiência energética. Os resultados indicam que os empreendimentos apenas atendem aos critérios mínimos legais e de requisitos para obtenção das licenças e dos financiamentos públicos, com insuficientes políticas públicas municipais de inserção urbana e incentivo à inovação e sustentabilidade. Palavras-chave: núcleos habitacionais, inovação na habitação social, políticas habitacionais. INTRODUÇÃO As políticas habitacionais em nível federal, estadual e municipal no início do século XXI tiveram grande impulso para a construção de moradias em todo o Brasil. Esta situação também é observada na

região norte do Rio grande do Sul, especialmente em municípios polo, que tiveram maior investimento em número de unidades e em recursos. Novas propostas foram desenvolvidas, em termos de tecnologias construtivas quanto nas tipologias habitacionais. O presente trabalho busca analisar elementos de inovação e sustentabilidade, com foco na qualidade urbana de núcleos e condomínios habitacionais em Passo Fundo, Carazinho e Marau, municípios polo da região da Produção. Apresenta-se o contexto dos municípios para, em seguida, baseada bos procedimentos metodológicos e a descrição dos diversos núcleos habitacionais nas três cidades. Com base em planilha adaptada do Selo Azul, avaliam-se as características diferenciais de inovação e sustentabilidade, com foco na qualidade urbana. CONTEXTO DA REGIÃO DA PRODUÇÃO A região do Conselho Regional de Desenvolvimento da Produção – Corede Produção é composta por 23 municípios com área territorial total de 6.780,9 km². Em decorrência da expulsão das populações da área rural pela mecanização agrícola e reestruturação fundiária, a região sofre reestruturação produtiva, deslocando o foco da produção agropecuária para comércio, indústria e serviços, interferindo no desenvolvimento econômico-social da região e de seus municípios e provocando intenso processo de urbanização na região1, sendo pesquisados os municípios polos mais dinâmicos desta região (fig. 1).

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1 Fundação de Economia e Estatística (FEE) (2013). Corede Produção. Porto Alegre.; KALIL, R. M. L; et al. (2012). Habitação de interesse social, desenvolvimento municipal e sustentabilidade urbana no sul do Brasil. Anais do 14. Encontro Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído, Juiz de Fora, Brasil. 2 Bonduki, N.; Rosseto, R.; Ghilardi, F. H. (2012). Política e Sistema Nacional de Habitação, Plano Nacional de Habitação. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro de Administração Municipal: Agência Goiana de Habitação. Obtida em 20 maio 2012 de http://www. agehab.go.gov.br/pehis/ download/texto%20 _1.pdf.


3 Associação Brasileira de Normas Técnicas [ABNT] (2010). NBR 15575: edifícios habitacionais de até cinco pavimentos: desempenho. Rio de Janeiro. 4 Caixa Econômica Federal. (2010). Selo Casa Azul: boas práticas para habitação mais sustentável. São Paulo: : Páginas & Letras. 5 Silva, A. T. da; Moro, P. R. P.; Kern, A. P.; González, M. A. S.; Koch, D. B. (2010). Parâmetros de sustentabilidade e empreendimentos de habitação de interesse social. Anais do Congresso Internacional Sustentabilidade e Habitação de Interesse Social. Porto Alegre, Brasil. 6 Carazinho. Prefeitura Municipal. (2013). Lei Municipal N.º 7.689, de 27 de agosto de 2013. Obtida em 15 out. 2013 de http: //www.pmpf. rs.gov.br. 7 Marau. Prefeitura Municipal. (2013). Loteamento Dona Angelina Rodegheri receberá unidades habitacionais. Obtido em 15 de outubro de 2013 de http://www. pmmarau.com.br/index. php?page= noticia&codig o=832.

Passo Fundo apresentava em 2010 uma população de 184.826 habitantes (Fee, 2012), com 780 km² de área territorial e 50 km² de área urbana. Apresenta taxa de urbanização de 97,45 %, é cidade pólo de mais de 100 municípios. Carazinho, conta com uma população de 58.000 habitante, com área de 909,9 km² e 17,9 km² de área urbana, sendo uma das cidades micro-pólo da região. Marau com população de 36.634 habitantes, apresenta elevada taxa de urbanização, reflexo da migração campo-cidade, crescimento demográfico no período de 1996-2000 com taxas de 2,66% ao ano, enquanto a da região da Produção foi de 1,01% e a do estado de 1,39%. PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Embora estudos desenvolvidos sobre habitação social desde a década de 1970 2, ainda não se dispunham de critérios padronizados de avaliação de desempenho, do ponto de vista funcional e ambiental. Apenas no século 21, houve definição de alternativas de avaliação. Com grande número de unidades em construção a partir de 2005, e pela necessidade de incluir critérios de sustentabilidade e desempenho houve avanços na elaboração de normas de desempenho de habitação3 e definição de critérios para implantação de conjuntos habitacionais4. Além disso, inúmeros programas de certificação passaram a ser aplicados às edificações, alguns como BREEAM, desenvolvido na Inglaterra e LEED, norte-americano, e AQUA, brasileiro, focando avaliação de edifícios, mas sem aplicação direta em habitações sociais5. Realizaram-se levantamentos das políticas habitacionais e dos programas habitacionais nos órgãos públicos municipais e empresas construtoras e administradoras. A avaliação técnica constou de análise documental dos projetos e memoriais e de levantamentos in loco. A seguir, aplicaram-se planilhas baseadas na matriz do Selo Azul da Caixa selecionados dentre núcleos construídos a partir de 2006, resultados de cada conjunto para a categoria Qualidade Urbana descritos na sequência. ANÁLISE DE CONJUNTOS HABITACIONAIS EM CARAZINHO Condomínio habitacional Oriental O Condomínio Habitacional Oriental localiza-se no bairro Oriental, na parte leste da área urbana. O condomínio habitacional está situado na rua Pernambuco, 38, esquina com a Rua Minas Gerais,

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distando 2,7 km do centro. O bairro Oriental tem uso predominante residencial de padrão médio a baixo, estabelecimentos de comércio e serviços de pequeno porte, infraestrutura regular, rede viária com vias pavimentadas e não pavimentadas, passeios desnivelados e não pavimentados, arborização urbana esparsa, drenagem urbana precária, energia elétrica, iluminação pública, abastecimento de água, transporte público. No entorno encontram-se algumas escolas. O condomínio é fechado, composto de 8 blocos residenciais com 4 pavimentos de 230,72 m² cada, com 4 apartamentos por andar, com 16 apartamentos por bloco com área de projeto de 923 m², totaliza 128 apartamentos de dois dormitórios com área de 45,28 m² por unidade, e 77 vagas de estacionamento, área social e de lazer, 4 quiosques com churrasqueira, playground, sendo o primeiro vertical multifamiliar em Carazinho. O conjunto apresenta acessibilidade universal para 32 apartamentos térreos. (fig. 2). O condomínio atende aos critérios Selo Azul nos aspectos de qualidade de entorno e infraestrutura, com sistema de esgotamento sanitário próprio. Pelo fato de ser condomínio fechado, apresenta boa qualidade interna, com espaços de lazer e convivência. Apresenta boa inserção no bairro, com qualidade regular dos equipamentos comunitários no entorno e acessibilidade à área central por transporte coletivo . Loteamento Popular Residencial Fey O Condomínio Residencial Fey localiza-se no bairro Fey, na parte sul da área urbana, sendo o bairro residencial em consolidação. Está situado na rua Porto Alegre, 50, nas proximidades do Centro de Tradições Gaúchas Alfredo D’ Amore e de escolas. O empreendimento realizado em parceria entre a Prefeitura Municipal, doadora do terreno, a Caixa Econômica Federal, responsável pelo financiamento Minha Casa Minha Vida e empresa construtora. As unidades habitacionais são do tipo geminado lado a lado, com dois dormitórios, sala e cozinha, banheiro, tanque externo e vaga para estacionamento.6 Apresenta inovação tecnológica por ser construída com concreto leve polimerizado, técnica construtiva aprovada com laudos técnicos favoráveis pelo IPT e pela Universidade de Minas Gerais, que qualificam a habitação com bons índices de resistência, permeabilidade, conforto acústico e térmico, financiado pela Caixa Econômica Federal pelo Programa Minha Casa Minha Vida. O processo


tem características de linha de montagem, deslocando-se pelo canteiro de maneira organizada, combinando rapidez e simplicidade de execução, com a utilização de kits pré-montados e embutimento de esquadrias, gerando mínimo desperdício de materiais e de re-serviços. Possui coletores solares para aquecimento da água em reservatórios individuais. O condomínio atende aos critérios Selo Azul nos aspectos de qualidade de entorno e infraestrutura, com sistema de esgotamento sanitário próprio. Apresenta regular inserção urbana no bairro, com qualidade regular dos equipamentos comunitários no entorno, havendo maior distância de equipamento de saúde e boa acessibilidade à área central por transporte público. Por atender população que se encontrava em área de risco ambiental próxima, a recolação dos moradores propiciou recuperação da área degradada de borda de córrego e mata ciliar, atendendo a sustentabilidade social e ambiental. ANÁLISE DE CONJUNTOS HABITACIONAIS EM PASSO FUNDO Condomínios PAR Jardins do Boqueirão I e II Os Condomínios PAR Jardins do Boqueirão I e II localizam-se no bairro Boqueirão. Os condomínios concluídos em 2008 pelo programa PAR, localizam-se na Rua Pulador, 285 esquina rua Luiz Lângaro, distam cerca de 200 m da Avenida Brasil, principal via da cidade, que dispõe de transporte coletivo urbano e ponto do ônibus e equipamentos comunitários. O conjunto é formado de dois condomínios, com oito blocos de edifícios em cada, quatro pavimentos, com 16 apartamentos de dois dormitórios de 40 m², num total de 180 unidades. O conjunto é cercado por muros e cerca elétrica, guarita, monitoramento eletrônico e central de lixo. Conta com área aberta para estacionamento, área de lazer, quiosques com churrasqueiras, salão de festa e playground (fig. 4). O condomínio atende aos critérios Selo Azul nos aspectos de qualidade de entorno e infraestrutura, com sistema de esgotamento sanitário próprio. Apresenta ótima inserção no bairro, com qualidade regular dos equipamentos comunitários no entorno, especialmente por vizinhança de bairro consoidado e boa acessibilidade à área central por transporte público. Pelo fato de ser condomínio duplo e fechado, apresenta boa qualidade interna, com espaços de lazer e convivência..

Núcleo Habitacional Parque do Sol O Parque do Sol, construído em 2009, com 100 moradias individuais com área de 49,76 m², com infraestrutura básica, para população de até três salários mínimos de renda, foi implantado próximo à rodovia RS-324, no Bairro Schisler, zona oeste. Com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC e do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, Produção de Habitação Popular, o entorno apresenta comércio de abastecimento de pequeno porte, poucos equipamentos comunitários. O núcleo possui tratamento de esgoto coletivo através do sistema de bio-reator e bio-filtro. Observou-se que não houve preocupação com implantação de paisagismo nem de áreas de lazer no local. A unidade habitacional foi construída com concreto leve polimerizado, técnica construtiva aprovada com laudos técnicos favoráveis pelo IPT e pela Universidade de Minas Gerais, que qualificam a habitação com bons índices de resistência, permeabilidade, conforto acústico e térmico, financiado pela Caixa Econômica Federal pelo Programa de Aceleração do Crescimento. O processo tem características de linha de montagem, deslocando-se pelo canteiro de maneira organizada, combinando rapidez e simplicidade de execução, com a utilização de kits pré-montados e embutimento de esquadrias, gerando mínimo desperdício de materiais e de re-serviços. (fig. 5). Esta inovação tecnológica contriubui para a sustentabilidade construtiva e maior durabilidade das habitações. Por se tratar de núcleo aberto em área periférica, apresenta carência de equipamentos comunitários atendendo parcialmente aos critérios do Selo Azul. Embora tenha sido construído com tecnologia racionalizada de concretagem, apresenta sistema próprio de esgotamento sanitário coletivo deficiente e com muitas alterações de acréscimos nas unidades habitacionais e nos lotes. Apresenta inserção urbana parcial, equipamentos comunitários distantes, mas transporte coletivo no local. ANÁLISE DE CONJUNTOS HABITACIONAIS EM MARAU Residencial Frei Adelar (CCFGTS Apoio a produção) (2011) O núcleo habitacional Frei Adelar localiza-se no bairro São José Operário, noroeste da área urbana, próximo ao distrito industrial, no qual houve inúmeros programas habitacionais desde o início da década de 2000, promovidos pelo poder municipal e empresas industriais e execução pelas construtoras. Está localizado na Rua Alfredo Calonego, no lo-

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teamento Frei Adelar, considerado modelo de organização para a região, tendo recebido premiações em função de suas características - infraestrutura planejada de saneamento básico, telefonia, energia elétrica e pavimentação, coleta seletiva de lixo, transporte público e equipamentos comunitários. O empreendimento de 7 blocos com 4 pavimentos cada, totalizando 112 apartamentos, sendo 3 blocos com apartamentos de 2 dormitórios e 4 blocos mistos com apartamentos de 2 e 3 dormitórios, com área construída total de 6.643, 74 m². Na área externa o condomínio apresenta acesso para pedestres e veículos com portão, circulação de pedestres e veículos pavimentada, e guarita de controle com sanitário, além de quiosque e equipamentos de recreação infantil, estacionamento com 112 vagas; estação de tratamento de esgotos composta por fossa séptica e filtro anaeróbio e central de gás. (fig. 6). Embora construído com tecnologia convencional de alvernaria, o condomínio fechado apresenta boa qualidade construtiva e nos espaços internos com áreas de convivência e lazer, atendendo aos critérios do Selo Casa Azul, Apresenta entorno urbanizado com equipamentos comunitários disponíveis e transporte coletivo Loteamento Dona Angelina Rodighero (2012-2013) O Loteamento Dona Angelina Rodighero está localizado na rua São Francisco, bairro Vila Fátima, na zona nordeste da área urbana, com urbanização ainda precária, próximo à área de proteção ambiental. Trata-se de promoção municipal, iniciada em 2012 com recursos estaduais do PSH, em terreno da prefeitura e construção em andamento. As habitações têm aquecimento solar, terreno cercado, passeio público, infraestrutura (água, esgoto pluvial, pavimentação e passeio) 7. O entorno dispõe de equipamentos comunitários que atendem o Loteamento Casulo: escolas, associação beneficiente e igrejas e unidade básica de saúde, escola de ensino fundamental e infantil próximos. As vinte e cinco unidades habitacionais são do tipo casa isolada, com dois dormitórios, sala e banheiro. Sistema construtivo convencional em alvenaria cerâmica rebocada, com cobertura em fibro cimento sobre estrutura em madeira, forro em madeira, esquadrias externas em alumínio e ferro. (fig. 7).

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Este núcleo encontra-se nas franjas da malha urbana, apesar de dispor de equipamentos comunitários próximos, apresenta transporte coletivo deficiente. Embora sendo vizinho à área de preservação ambiental, não apresenta nenhuma ação de preservação ambiental. Atende parcialmente aos critérios do Selo Casa Azul. CONSIDERAÇÕES FINAIS Aplicando-se os requisitos do Selo Casa Azul na categoria Qualidade Urbana nos núcleos habitacionais analisados (Apêndice A), observou-se que houve atendimento parcial tanto em Passo Fundo, quanto em Carazinho e Marau. Em Carazinho, com relação à inserção urbana, há utilização de áreas livres, geralmente periféricas, em zonas de urbanização incompleta. Observa-se que há proximidade com áreas mais consolidadas e com equipamentos comunitários de educação, saúde e com estabelecimentos comerciais de pequeno porte. O Loteamento Fey, embora distante da área central, apresenta urbanização mais completa, vias internas e externas pavimentadas, drenagem urbana, passeios, paisagismo, que qualificam o núcleo habitacional. No conjunto Oriental, localizado mais próximo ao centro e de bairros de melhor infraestrutura, os apartamentos são complementados por áreas livres, estacionamentos e equipamentos comunitários de lazer no condomínio. Em Passo Fundo, em relação à análise de sustentabilidade, na aplicação de quadro sintético da metodologia do Selo Azul da Caixa em alguns conjuntos, observou-se que o Condomínio Boqueirão apresenta melhor inserção urbana, infraestrutura própria e disponibilidade de equipamentos comunitários do que o Núcleo Parque do Sol, mais periférico e isolado, com tecnologia construtiva mais sustentável. Em Marau, em relação à inserção urbana, há utilização de áreas livres, geralmente periféricas, em zonas de urbanização local incompleta. Contudo, observa-se nos mais recentes o cumprimento da exigência de proximidade com áreas mais consolidadas e com equipamentos comunitários e estabelecimentos comerciais de pequeno porte. Há preocupação com o entorno imediato do edifício habitacional e com a estética do prédio. Os empreendimentos localizados nos bairros Frei Adelar estão usufruindo urbanização mais completa e equipamentos comunitários. O núcleo Dona Angelina, ainda está precário, em fase de conclusão, mas apresenta equipamentos comunitários próximos qualificados e disponíveis.


Em relação à análise de sustentabilidade, na aplicação de quadro sintético da metodologia do Selo Casa Azul da Caixa, observou-se que se trata de ferramenta adequada, contudo houve dificuldade em preenchimento e avaliação mais completa, devido à falta de informações. As empresas construtoras não estão motivadas para seguimento dos critérios, cumprindo apenas itens de exigência mínima para a aprovação dos financiamentos, sem prática ou metodologia continuada, nem nos projetos mais antigos nem no programa Minha Casa Minha Vida.

Figura 1- Localização dos municípios de Carazinho, Passo Fundo e Marau na região da Produção

Figura 2 - Vistas do condomínio habitacional Oriental em Carazinho.

Embora o quadro síntese demonstre o atendimento da maioria dos itens da categoria Qualidade Urbana, consideramos que no caso de cidades de pequeno ou médio porte, as distâncias dos equipamentos comunitários são excessivas, pois não dispõem de transporte público eficiente, nem passeios. Ao mesmo tempo, pelo fato de a maioria dos conjuntos se localizarem em bairros de expansão urbana, as facilidades ficam no centro das cidades ou em subcentros de bairros mais distanciados, dificultando a inserção social.

Fonte: Levantamento de campo

AGRADECIMENTOS Agradecimentos à Universidade de Passo Fundo, à Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado do Rio Grande do Sul, aos técnicos e gestores habitacionais dos municípios de Carazinho, Passo Fundo e Marau e aos moradores dos conjuntos habitacionais.

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Figura 3 - Vistas do condomínio residencial Fey em Carazinho. Fonte: Levantamento de campo, 2013.

Figura 4- Vias no entorno dos condomínios Jardins do Boqueirão I e II Fonte: Levantamento de campo.

Figura 6 - Vista externa do Residencial Frei Adelar. Fonte: Levantamento de campo

Figura 7 - Unidades habitacionais do Loteamento Dona Angelina Rodighero. Fonte: Levantamento de campo, 2013.

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APÊNDICE A - QUADRO QUALITATIVO SELO AZUL QUALIDADE URBANA EM CONJUNTOS HABITACIONAIS EM CARAZINHO, PASSO FUNDO E MARAU 2011-2012 Legenda: Verde: Atende, Vermelho: Não atende, Amarelo: Atende parcialmente. Fonte: Levantamento de campo (2011 e 2013) em planilha adaptada Selo Azul da Caixa.

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ROSA MARIA LOCATELLI KALIL kalil@upf.br

ADRIANA GELPI agelpi@upf.br

Arquiteta urbanista. Mestre em Engenharia. Doutora em Arquitetura. Professora e pesquisadora na Faculdade de Engenharia e Arquitetura da Universidade de Passo Fundo.

Arquiteta urbanista. Mestre em Planejamento Urbano. Doutora em Arquitetura. Professora e pesquisadora na Faculdade de Engenharia e Arquitetura da Universidade de Passo Fundo.

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3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD

Carla Campos1 | Lucas Nunes Oliveira2 | Marielle Rodrigues Pereira | Palmas, Brasil MAPEAMENTO DA ARQUITETURA DE TERRA NA ROTA DAS CACHOEIRAS: Taquaruçu e um olhar atento à sua arquitetura popular

RESUMO: Neste estudo, analisou-se a contextualização técnica das construções de terra na rota das cachoeiras em Taquaruçu, distrito de Palmas, cenário importante na paisagem e no ecoturismo do estado do Tocantins. Como objetivos, aponta-se os primeiros resultados acerca do projeto de mapeamento da arquitetura de terra no distrito Taquaruçu, identificando os exemplares localizados na rota das cachoeiras. Para a realização deste estudo, foram executados mapeamentos para a localização das construções de terra e também coleta de dados em pesquisa de campo. Com base nestes, foi possível detectar uma grande incidência de residências contemporâneas em adobe, resistentes aos processos de intervenções à paisagem do distrito. Esta pesquisa discute a importância e relevância dessas construções de terra como conjunto paisagístico. Palavras-chave: Adobe, Terra, Rota das cachoeiras, Ecoturismo, Taquaruçu. INTRODUÇÃO: Este artigo é parte do projeto “Arquitetura na Rota das Cachoeiras: casas de terra em Taquaruçu”, coordenado pela professora Marielle Rodrigues Pereira. O mesmo procura analisar a contextualização técnica das construções de terra em Taquaruçu, distrito de Palmas - TO. Esse lugar é um dos cenários turísticos do estado do Tocantins, sobretudo em virtude de várias cachoeiras que se estendem por um perímetro de clima mais ameno em relação ao município.

Conforme dados históricos disponibilizados pela Fundação Cultural de Palmas, o distrito de Taquaruçu4, inicialmente, era uma região ocupada por povos indígenas. Foi fundado no século XX, com a formação da fazenda Palmeira. As terras pertenciam ao Estado, mas tinham responsáveis locais5 que as gerenciavam. Os fazendeiros tinham o poder de decidir se essas terras poderiam ou não ser ocupadas por pequenos produtores. Para a contextualização urbana do distrito, vale afirmar que, desde o surgimento, existiram casas e arruamentos6 que foram se diferenciando com o tempo no que tange a utilização de materiais, mas mantendo a unidade do conjunto arquitetônico. Anteriormente, as construções eram de palha e madeira e, aos poucos, foram substituídas pelo adobe e telha cerâmica. Hoje é perceptível a predominância de construções com alvenaria convencional, apesar de que há ainda algumas resistências da arquitetura vernacular7à força da mudança por essa nova tecnologia. Esse processo de contaminação industrial da construção civil culminou na perda de parte da especificidade local urbana, ambiental e arquitetônica de Taquaruçu, devido à influência tecnológica de Palmas - TO e a especulação imobiliária. Assim, este projeto visa realçar a existência dessa técnica milenar em meio ao século XXI nesse distrito, e certificá-la como ícone de uma arquitetura sustentável para a localidade.

1 Acadêmica de Arquitetura e Urbanismo do Centro Universitário Luterano de Palmas - CEULP/ULBRA. carla_campos1994@ hotmail.com 2 Acadêmico de Engenharia Civil da Universidade Federal do Tocantins - UFT. diordoliveira@gmail.com 3 Mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN/UNESCO, coordenadora do projeto de pesquisa, professora do curso de Engenharia Civil na Universidade Federal do TocantinsUFT e em Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário Luterano de Palmas CEULP/ULBRA. mariellerodriguez@yahoo. com.br

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4 Taquarussu/Taquaruçu, que na língua indígena significa taboca grande. 5 Os primeiros a chegar foram às pessoas das famílias Barros e Moura. Com a permissão do senhor Joaquim Maia, que já habitava o vale do Taquaruçu, os recém-chegados foram se instalando. Cada família acabava trazendo mais pessoas e amigos de outros estados com a promessa de um bom lugar para morar. 6 Disposição, distribuição das ruas de um loteamento ou bairro. 7 Arquitetura que utiliza materiais da própria região. 8 Areia grossa em cuja composição entra grânulos maiores de pedra e que, como agregado, se situa entre a areia e o cascalho.

OBJETIVOS: Apontar os primeiros resultados e reflexões acerca do projeto de mapeamento da arquitetura de terra no distrito Taquaruçu, situado a 32 km de Palmas TO por meio da utilização de um recorte específico. Identificar os exemplares localizados na rota das cachoeiras, com intuito de subsidiar a produção de um álbum digital e impresso do material gerado. MATERIAIS E MÉTODOS: Para a realização deste trabalho, primeiramente foram feitas pesquisas bibliográficas para fundamentação teórica da pesquisa, destacando-se os autores Santiago (2001), Galvão Jr. e Oliveira (2011), dentre outros pesquisadores que fazem uma análise sobre o adobe e as construções de terra. Para a segunda etapa, foram conseguidos dados documentais, tais como, mapas cartográficos e fotografias, disponibilizados pela Prefeitura Municipal de Palmas e pela Fundação Cultural de Palmas sobre o distrito de Taquaruçu. Para a terceira etapa, foram feitos os levantamentos in loco, os quais se basearam em levantamento técnico através de “croquis” de localização urbanística das edificações, e os de levantamento arquitetônico, além de coleta de amostras de adobes, questionários semiabertos por meio de fichas pré-estabelecidas e por fotografias. Nessa etapa, contou-se com o auxílio de oito acadêmicos vinculados ao curso de Arquitetura e Urbanismo do CEULP e ao curso de Engenharia Civil da UFT, entre eles, colaboradores, voluntários e bolsistas. Após a composição do arranjo das etapas acima (levantamento bibliográfico, documental e de campo), finalizamos com a quarta etapa, que consistiu na elaboração de mapas temáticos de localização das principais rotas das cachoeiras e das casas de adobe identificadas, e tais mapas facilitam a visualização das informações descritas no decorrer da pesquisa. RESULTADO E DISCUSSÃO: Rota das Cachoeiras: A rota das cachoeiras baseia-se na via principal TO-030, sentido que começa em Taquaralto (bairro da cidade de Palmas) e vai até alguns quilômetros além do distrito Taquaruçu. A rota principal passa pelo centro do distrito, o que promove uma pequena movimentação comercial ao longo dessa via.

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Nesta trilha, conforme a “fig. 01”, podemos destacar as áreas onde são mais visitadas pelos turistas devido ao fácil acesso. Destacam-se as cachoeiras do Roncador, do Macaco, do Evilson, do Taquaruçu e do Vai-Quem-Quer, além de outros locais mais reservados como as Fazendas Ecológica e a Encantada. Outros fatores determinantes que movimentam Taquaruçu são os festivais gastronômicos realizados, uma vez por ano, como a festa da padroeira, Nossa Senhora do Rosário, tradição mais religiosa do distrito realizada, no mês de outubro; e muitos outros eventos realizados pela prefeitura de Palmas e pela comunidade. Também temos os artesanatos e as comidas típicas que fazem parte dessa categoria turística. Casas de Adobe: Taquaruçu dispõe de uma pequena riqueza cultural, na sua paisagem, quando se trata de arquitetura vernacular. As casas de adobe estão presentes nas classes baixas, médias e altas, considerando que as construções são destinadas a pousadas, pontos turísticos, comércio e em oficinas para a fabricação de bonecos e alegorias para o carnaval local. Por mais que a casa de barro seja discriminada, atualmente, no meio da construção civil e até mesmo na própria academia, Taquaruçu vem demonstrando que esta arquitetura é viável, economicamente, por utilizar recursos e materiais locais, sem a necessidade de utilização de energia e deslocamento do material (sendo ele de outra origem a não ser daquela região onde está sendo feita a construção). Sem contar com o baixo impacto ambiental e na herança cultural, o que torna consideravelmente sustentável. Podemos notar que em algumas das casas de adobe, que foram levantadas para o estudo são contemporâneas, surgindo a partir dos anos de 1990 até nos dias de hoje. Essa arquitetura busca mesclar o vernacular com o conforto ambiental, com a economia e a contemporaneidade da atualidade. Tomaremos, como exemplo, a residência do senhor João Luiz Neiva Brito, onde o proprietário faz um bom aproveitamento dessa técnica milenar com mais racionalismo. O domicilio dele “fig. 02”, é composta por alvenarias de tijolos de adobe feitos de areia, saibro8e esterco bovino. Conforme os dados concedidos pelo proprietário, a casa foi feita, em 1995, e levou


cerca de dois anos para ficar pronta, dispõe de um pé direito9 alto (cerca de 3,2m de altura), o que favorece para o conforto térmico em todos os oito cômodos da residência. Essas são algumas das táticas para valorizar o ambiente utilizando o adobe, de forma positiva, sem desvalorizá-lo e sem descaracterizar o meio urbanístico do distrito. E ainda preserva as culturas e costumes de um povo que começou a povoar Taquaruçu através da sua pequena arquitetura de terra. Esse meio urbanístico é composto por muitas outras casas de alvenarias convencionais, que podem ofuscar a arquitetura vernacular existente em Taquaruçu. Assim, de acordo com a “fig. 03”, percebemos que algumas localizações das casas de adobe, no distrito Taquaruçu (em vermelho), estão próximas e margeiam as rotas principais das cachoeiras (em amarelo), como também existem outras que estão afastadas do percurso principal dos turistas. A realidade atual dessas casas de adobe não é percebida pelos turistas, que transitam pelo distrito com destino às cachoeiras, isso acontece porque não existe nenhum incentivo ou política pública relacionada à conservação dessa arquitetura. Podemos ainda constatar, que poucos sabem da existência dessas residências, a não ser, quando se trata dos próprios moradores ou agentes públicos que fazem serviços prestados à comunidade. Fora do perímetro urbano, mas dentro do percurso para a cachoeira, foram identificadas duas casas de adobes, uma, do ano de 1999, pertencente ao senhor Judson Terêncio de Souza e outra de 2006, a qual ainda está em fase de acabamento, pertencente ao senhor Adelson dos Reis Terêncio.

melhores condições e acabamentos, possui também maiores aberturas de janelas e o espaço se encontra mais limpo. O local não oferece nenhum tipo de infraestrutura preparada para atender a demanda do turismo local, tanto nos acessos à fazenda, como no próprio espaço de convivência do atrativo turístico situado na cachoeira. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Com base nos exemplares pesquisados e mapeados, foi possível detectar uma grande incidência de residências contemporâneas em adobe, algumas bem conservadas, bem como a sua relevância em questão a rota das cachoeiras. Essa arquitetura popular sustentável, no contexto de Taquaruçu, resiste paralelamente aos processos de intervenções arquitetônicas e urbanas desconexas, motivados pela especulação imobiliária e pelo apelo turístico, que desconsidera os aspectos históricos, ambientais e culturais do lugar, com um olhar direcionado estritamente às cachoeiras e ao clima mais ameno. Percebeu-se, também, durante as pesquisas, que algumas dessas casas de adobe que estão inseridas, no entorno das cachoeiras, recebendo vários turistas, não possuem infraestrutura adequada, e nem mesmo intervenções arquitetônicas e urbanísticas que possam realçar essa essencialidade de Taquaruçu, que é despercebida pelos turistas e abraçada pelos moradores. Essa pesquisa poderá despertar a importância e relevância dessas construções de terra como conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico, podendo ser assim, um dos recursos integrados ao ecoturismo da região.

A relação dos dois é de pai e filho, e ambos vivem da agricultura de subsistência e dos pequenos atrativos que há na fazenda familiar, como a cachoeira VaiQuemQuer e o Ribeirão São João. As casas da fazenda foram por eles com a ajuda dos outros filhos do proprietário, retirando, próximo dali os materiais necessários para a fabricação dos tijolos de adobe. Podemos ressaltar que as casas são simples, principalmente, a casa do senhor Judson Terêncio, o piso é de chão batido e tanto as instalações elétricas quanto as hidráulicas, são expostas e precárias. Já a residência do senhor Adelson Terêncio está em

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9 Altura entre o piso e o forro de um compartimento ou pavimento.


REFERÊNCIAS BILBIOGRÁFICAS: SANTIAGO, Cybèle Celestino (2001). O solo como material de construção - Parte 01. 2 ed., rev. Salvador: EDUFBA, 2001. GALVÃO JR, José Leme. O adobe e as arquiteturas. IPHAN OLIVEIRA, Mário Mendonça de (2011). Tecnologia da conservação e da restauração - materiais e estruturas: um roteiro de estudos – Parte 1: Materiais – I. Terra: Adobes, Taipas e Cerâmicas. 4. ed. rev. e ampl. - Salvador : EDUFBA: PPGAU. Palmas, anexo I ao decreto nº 700, de 15 de Janeiro de 2014 (2014). Plano Municipal de Saneamento Básico de Palmas – TO. Volume I: Considerações Iniciais. SIGPALMAS: Mapas E Imagens Aéreas do Município De Palmas. Disponível em: <http://srvsefin.palmas. to.gov.br/portalprefeitura/servicos/seduh/>. Aceso em: 24 de Maio de 2015. Prefeitura de Palmas: Conheça Palmas, Conheça Taquaruçu. Disponível em:<http://www.palmas.to.gov. br/conheca_palmas/conheca-taquarucu/>. Acesso em: 05 de Junho de 2015. Fundação Cultural de Palmas, Gerência de Patrimônio Cultural (2012). Histórico do Distrito de Taquaruçu. Palmas. Fundação Cultural de Palmas, Gerência de Patrimônio Cultural (2001). Aspectos Físicos e Culturais de Taquaruçu. Palmas.

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(fig. 01 - Rota das Cachoeiras. Fonte: Sigpalmas. Edição: Carla Campos, Junho de 2015). (fig. 02 – Residência João Luiz, de adobe e pedra canga. Fonte: Próprios autores, Maio de 2015).

(fig. 03 - Vista área do Distrito Taquaruçu com a localização de cada residência. Distrito de Taquaruçu. Fonte: Sigpalmas. Edição: Carla Campos, Junho de 2015).

(fig. 04 - Vista área da sede da Fazenda Vaiquemquer, em marrom a casa de adobe do Judson Terêncio e em vermelho a casa do Adelson Terêncio. Distrito de Taquaruçu. Fonte: Sigpalmas. Edição: Carla Campos, Junho de 2015).

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(fig. 05 – Residência Judson Terêncio, de adobe e piso de chão batido. Fonte: Próprios autores, Junho de 2015). (fig. 06 – Residência Adelson Terêncio, de adobe e piso queimado. Fonte: Próprios autores, Junho de 2015).

LUCAS NUNES OLIVEIRA diordoliveira@gmail.com

CARLA CAMPOS carla_campos1994@hotmail.com

Acadêmico de Engenharia Civil da Universidade Federal do Tocantins - UFT.

Atualmente, cursando o 7 º período de Graduação em Arquitetura e Urbanismo, na Universidade Luterana de Palmas – CEULP/ULBRA

MARIELLE RODRIGUES PEREIRA mariellerodriguez@yahoo.com.br Mestre em Preservação do Patrimônio Cultural pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN/UNESCO, coordenadora do projeto de pesquisa, professora do curso de Engenharia Civil na Universidade Federal do Tocantins- UFT e em Arquitetura e Urbanismo no Centro Universitário Luterano de Palmas CEULP/ULBRA.

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3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD

Jadiane Beilfuss | Rosa Karina Carvalho Cavalcante | São Cristóvão, Brasil CASA HIDELMAR SANTOS ARAÚJO: Iniciativa de sustentabilidade e problemas de conservação

RESUMO Este artigo possui como objeto de estudo da residência do engenheiro civil Hidelmar Santos Araújo, projetada pelo arquiteto mineiro Antônio Luiz na cidade de Teresina, estado do Piauí, sendo concluída sua construção no ano de 1978. O objetivo é divulgar o resultado de pesquisas realizadas sobre a produção arquitetônica moderna piauiense no período de 1965 a 1980, desenvolvidas pelo Grupo NEAPI, enquadrando-se no eixo temático deste evento “Avaliação dos critérios de qualidade e sustentabilidade: Alternativas tecnológicas adequadas”, que tem por finalidade a análise da eficiência na utilização da cobertura verde e de espelhos d’água na residência projetada e construída pelo arquiteto. Como justificativa para se trazer à tona o tema em pauta, considera-se a necessidade da utilização de alternativas tecnológicas adequadas e viáveis para amenizar as adversidades climáticas locais, bem como, apresentar o projeto arquitetônico e as alternativas utilizadas pelo arquiteto na época através do estilo moderno. Quanto à metodologia de pesquisa adotada, trabalha-se no grupo de pesquisas NEAPI, cadastrado na UNINOVAFAPI e no CNPQ, desde 2014, com a base teórica empregada por Piñon (2006), Gastón e Rovira (2007) e Serra (2006), relacionando os critérios de qualidade e sustentabilidade das alternativas tecnológicas utilizadas, buscando relacionar as variantes da pesquisa que são arquitetura moderna na cidade de Teresina, projetos arquitetônicos, e memória. Quanto às fontes, teve-se acesso ao arquivo pessoal do arquiteto, que concedeu entrevista em Teresina, e exibiu material de seu acervo pessoal e profissional, fornecendo informações valiosas para o desenvolvimento da pesquisa.

Um questionário sobre a casa foi respondido pela filha dos proprietários da residência, sendo uma fonte importante de informações sobre o projeto concebido. Como discussão foram levantadas algumas questões sobre a utilização e manutenção das alternativas tecnológicas utilizadas. Constatou-se assim, que devido à falta de cuidados, com o telhado verde e os espelhos d’água, a laje da casa encontra-se fissurada, causando goteiras durante as chuvas, além disso, a temperatura interna da residência encontrar-se elevada devido à incidência direta de radiação sobre a laje. Concluindo, constatando-se que apesar do uso adequado dessas alternativas tecnológicas para a qualidade e sustentabilidade da residência, a falta de conservação dos mesmos impede que a eficiência do telhado verde e dos espelhos d’água sejam alcançadas com eficiência. Palavras-chave: Arquitetura moderna, residências, sustentabilidade. INTRODUÇÃO O artigo trata-se da análise da Residência do engenheiro civil Hidelmar Santos Araújo, projetada pelo arquiteto mineiro Antônio Luiz no ano de 1978, na cidade de Teresina, Estado do Piauí. A arquitetura privada de Teresina pouco tem sido estudada, principalmente pelas dificuldades relacionadas ao acesso a estas residências, a organização de arquivos e as documentações dos trabalhos já executados. Alguns escritórios de arquitetura, porém possuem acervos bastante organizados a respeito como do Escritório Maloca Arquitetura e Estrutura Ltda., de propriedade do arquiteto mineiro

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Antônio Luiz Dutra de Araújo, natural de Juiz de Fora, MG, radicado definitivamente em Teresina a partir de 1968, cujas obras serão objeto de análise. Os projetos arquitetônicos residenciais revelam o estilo de vida de seus moradores, a dinâmica econômica de uma cidade e o momento histórico no qual está inserido. A pesquisa realizada pelo Grupo NEAPI (Núcleo de Estudo da Arquitetura Piauiense), analisou a casa como elemento transformador da sociedade com a inserção de novas tecnologias, materiais e detalhes construtivos e materiais arquitetônicos ainda inéditos na década de 70 e 80 na cidade de Teresina. A arquitetura de Antônio Luiz possui uma complexidade temática relacionada ao Modernismo e muito próxima às questões abordadas pelo Movimento Brutalista principalmente pelo uso de materiais aplicados na sua forma natural e a predileção da verdade estrutural das edificações, de forma a nunca esconder os elementos estruturais. Aqui entendemos o modernismo como o estilo arquitetônico iniciado no início do Século XX cujos ideais são a funcionalidade e a simplicidade das formas, e que, de modo geral, segue os cinco pontos da nova arquitetura, de Le Corbusier: os pilotis, os tetos-jardim, a planta livre, janela horizontal e fachada livre; que passaram a compor o estilo da arquitetura modernista por volta de 1930. O termo brutalismo não possui um conceito unânime e é alvo de várias interpretações: “Termo de cunhagem relativamente recente, entretanto não é fácil definir-se o brutalismo de maneira acurada e isenta. Tão usado quanto esnobado pela literatura arquitetônica da segunda metade do século XX, está longe de configurar um conceito unânime, as diferentes acepções que lhe são atribuídas superpondo-se de maneira pouco clara, parecendo ser uma só quando são muitas, e para deslindá-las é necessária certa paciência de detetive. ” (Zein, 2007, para.1)

O sentido utilizado aqui, porém, faz referência às obras em concreto aparente, projetadas por Le Corbusier no pós-II Guerra, a partir da Unité d’Habitation de Marselha, prolongando-se até 1965. O objetivo é divulgar o resultado de pesquisas realizadas sobre a produção arquitetônica moderna piauiense na década de 70 e 80, desenvolvidas pelo Grupo Núcleo de Estudo da Arquitetura Piauiense (NEAPI), cadastrado na UNINOVAFAPI e no CNPQ, desde 2014, enquadrando-se no eixo temático deste

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evento “Avaliação dos critérios de qualidade e sustentabilidade: Alternativas tecnológicas adequadas”, que tem por finalidade a análise da eficiência na utilização da cobertura verde e de espelhos d’água na residência projetada e construída pelo arquiteto. A análise é feita a partir do método do redesenho, colocando-se no ponto de vista do projetista, esforçando-se para experimentar o projeto através da solução dos seus problemas, cálculos e ajustes, evitando vê-lo como resultado de uma inspiração ou ideia, e buscando identificar o problema projetual que foi relevante para o autor, com o objetivo de destacar as principais contribuições arquitetônicas. Está focada na arquitetura, no edifício como documento, nas questões projetuais e construtivas, como a estrutura, materiais, modulações, e as relações entre elas, evitando ver o projeto como simples resultado da inspiração, acreditando-se na consciência do ato de projetar, como fruto de critérios. Primeiramente o arquiteto disponibilizou grande variedade de projetos arquitetônicos, todos do seu acervo pessoal, com o desenho nítido e legível. Colocou-se à disposição, também, para sanar quaisquer dúvidas em relação aos arquivos. Foram então escolhidos os projetos de maior importância para realizarmos o redesenho (digitalização) dos mesmos. O redesenho foi eficiente e executado com fidelidade ao trabalho original com duração de aproximadamente trinta dias cada residência. Depois de concluída a etapa de redesenho, passou-se para a segunda fase do processo: Coleta de informações sobre a obra. O arquiteto novamente disponibilizou todos os dados necessários para contato com o proprietário do imóvel. A visita e o consequente registro fotográfico da residência Hidelmar Santos Araújo não foi possível. Por outro lado, Keula Santos, a filha do proprietário respondeu algumas perguntas enviadas por meio eletrônico, coletando-se assim, importantes informações que foram reunidas em uma ficha cadastral padronizada fornecida pela Prefeitura de Teresina. METODOLOGIA A metodologia do livro de Gastón e Rovira (2007), El Proyecto Moderno. Pautas de Investigación inclui primeiramente a escolha do tema cujo valor arquitetônico justifique o seu estudo, nesse caso um projeto de uma residência unifamiliar, e logo a seguir o processo de procura da documentação referente ao tema, que deve ter dados suficientes para a docu-


mentação e que permita visualizar o edifício o melhor possível, de preferência as plantas originais buscadas nos arquivos dos próprios autores; além dos livros e revistas, artigos ou outro material de procedência comprovada que contenham o assunto/projeto. Assim como memoriais descritivos ou textos escritos pelo autor. Com o pensamento de que cada projeto apresenta suas próprias perguntas, devem-se encontrar os aspectos relevantes a serem pesquisados, e assim fazer um guia da pesquisa, esclarecendo o objetivo e os valores a serem comprovados. A pesquisa deve reconhecer e destacar as diretrizes do projeto, os critérios arquitetônicos que foram seguidos, os elementos básicos da sua concepção, a hierarquia e o âmbito das decisões. As imagens do projeto original foram do arquivo do acervo do pessoal do arquiteto, cedidas gentilmente por este para nos possibilitar o estudo. Os planos originais, em nanquim sobre papel vegetal, foram primeiramente digitalizados e, posteriormente, redesenhados por uma das autoras. São 5 planos, e contêm o projeto executivo, plantas (situação e locação, coberta, planta baixa), três cortes e duas fachadas. Uma preocupação importante é a de digitalizar esse material com a melhor qualidade possível, permitindo sua posterior manipulação, edição e publicação. Ao se redesenhar, por exemplo, deve-se guardar a fidelidade ao original, mas também seguir todas as normas do desenho técnico, como a diferenciação de espessura de linhas, as tramas, as cotas adequadas, ou seja, procurar destacar e valorizar os aspectos importantes do projeto. O valor do método, porém, não reside apenas na perícia de reunir a documentação, mas principalmente na capacidade de ordenar e reordenar esse material com critérios extraídos da própria arquitetura. É nesse momento que se deve situar-se no início do projeto e começar a percorrê-lo buscando seguir o autor em suas decisões arquitetônicas. Piñón (2005) descreve essa tarefa como “a inversão do processo habitual ou, dito de outra maneira, dado o edifício procura-se a arquitetura”. O final desse processo se dá com a análise da casa, onde se comprovam os valores arquitetônicos do projeto, a paisagem que norteia sua implantação, a sua modulação, a distribuição do programa em diferentes volumes articulados entre si, a qualidade dos espaços interiores, a resolução da estrutura e sua adequação ao terreno. Para essa análise, se

pode seguir o guia do livro (localização e programa; configuração do edifício e componentes básicos do projeto), ou criar um caminho que esteja mais apropriado ao seu objetivo. CASA HIDELMAR SANTOS ARAÚJO 3.1. TERRENO E PROGRAMA O terreno da residência Hidelmar Santos, em forma de trapézio e com superfície total de 2.193m², é plano e está localizado na Rua Osvaldo Costa e Silva. Não há referências sobre vegetação importante existente no local. Na época do projeto essa região era predominantemente residencial. A casa está implantada na área central do terreno, com grandes recuos em relação às vias de acesso e as laterais do terreno, que chega a ser de 10 m. A entrada de veículos e a entrada principal da casa estão na parte frontal, pela Rua Osvaldo Costa e Silva. Em relação à orientação solar o terreno é considerado adequado ás condições climáticas da região, com o oeste ao fundo e ao lado direito. Os ventos dominantes vêm do sudeste e leste. O programa trata de uma residência unifamiliar de um pavimento, construída para servir de moradia para um casal com seis filhos. Desde então, já abrigou, além da família, alguns parentes que vieram morar em Teresina para estudar. Atualmente, dois dos seis filhos ainda moram na casa com sua família, somando 7 adultos e três crianças. Como a casa é muito ampla, continua servindo bem ao uso atual. 3.2. SOLUÇÃO ARQUITETÔNICA A residência possui área total de 452 m² com setorização bem definida entre espaços de serviço, social e íntimo. O programa se distribui da seguinte forma: garagem para dois carros, hall de entrada e da escada, salas de leitura e som, estar e refeições, copa, cozinha com despensa, área de serviço e lavanderia, dois depósitos, quarto de empregada com um banheiro de serviço, duas varandas nos fundos, piscina, banheiro social, lavabo, dois vestiários, quarto do casal com banheiro e vestiário, quarto com banheiro e três quartos. O programa da residência tem seus espaços domésticos nitidamente divididos em setores de atividades, perfeitamente setorizado em espaços de serviço, social e íntimo. O conforto ambiental e a funcionalidade entre os espaços foram fatores importantes ao distribuir o programa da residência.

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O setor de serviço, localizado na fachada oeste, possui acesso externo através de uma entrada entre a cozinha e a copa. A garagem com vaga para dois carros, também está para o oeste, sendo restrito o acesso da mesma através de portões. Uma característica clara ao analisar a planta apresenta alguns cômodos possuem acessos externos como o vestiário, depósitos e a lavanderia. O setor social, que faz a ligação entre o setor de serviço e o setor social, está localizado na parte central da casa, no lado nordeste. Os acessos do meio externo a esse setor são realizados através do hall de entrada na parte frontal da casa. As varandas além de serem extensões do setor social, promovem a integração interior e exterior, ajudando a proteger esse setor do sol. O setor íntimo possui uma sala intima para o qual se abre o banheiro social e os cinco quartos, sendo um deles uma suíte e outro uma suíte máster. Esse setor não possui acesso direto com o exterior. ALTERNATIVAS TECNOLÓGICAS UTILIZADAS Na residência foi projetada e construída uma escada que dá acesso à laje, onde foi implantado um espelho d’água e teto verde como solução para evitar que a radiação solar incidisse na edificação, melhorando assim o conforto térmico dos cômodos. Um questionário enviado por meio eletrônico referente a utilização e manutenção das alternativas tecnológicas foi respondido por Keula Santos, a filha do proprietário. Constatando-se que devido à falta de cuidados, com o telhado verde e os espelhos d’água, atualmente a laje da casa encontra-se fissurada, causando goteiras durante as chuvas, além disso, a temperatura interna da residência encontrar-se elevada devido à incidência direta de radiação sobre a laje. A solução adotada pelo arquiteto Antônio Luiz é adequada pelas características climáticas da região, porém a manutenção de tais alternativas tecnológicas é de suma importância para que o resultado desejado seja alcançado com eficiência. ESTRUTURA E DIVISÕES Para auxilio da proteção, todas as paredes externas são de 20 cm de espessura e o beiral é de 80cm. As paredes interiores, com função de divisão de espaços, têm espessura de 15 cm. A casa é toda circundada por uma galeria que servia para esconder as caixas para os condicionadores de ar.

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Do ponto de vista do sistema estrutural utilizado, não há uma indicação clara nos planos do projeto sobre o tipo de estrutura da casa. Porém, através dos desenhos das plantas e cortes, além da tradição construtiva da época, supõe-se tratar de estrutura de concreto tradicional com alvenaria de tijolos. Os pilares certamente estão embutidos nas paredes, sem tamanho ou forma definida, ficando expostos com tamanho e forma definida, apenas os pilares da varanda voltada para a área da piscina. ESPECIFICAÇÕES DOS MATERIAIS DE ACABAMENTOS De acordo com o projeto arquitetônico e visita realizada a resistência, pode-se fazer o levantamento de algumas especificações dos materiais de acabamentos utilizados pelo arquiteto: pisos das salas, banheiros e dependência de serviço em cerâmica e dos quartos em assoalho ipê; paredes da dependência de serviço em azulejo, da parte social em alvenaria pintada e as paredes externas revestidas com pedra de piracuruca marrom e pedra de castelo Joazeiro; tetos em concreto aparente liso; iluminação zenital no telhado em uma das salas, uma cascata em pedra de rio sob uma pérgola de concreto; esquadrias de pau d’arco envernizada; louças sanitárias da deca, celite ou ideal standard; ferragens La Fonte para as esquadrias; mobiliário (armários embutidos) nos quartos no estilo modernista, de aglomerado de madeira vindos de São Paulo. REFORMA E MODIFICAÇÕES REALIZADAS Modificações foram realizadas após a construção da residência como o afastamento de uma das paredes da rouparia para a criação um pequeno nicho em uma das suítes, com o intuito da colocação de um armário embutido. Através da orientação do arquiteto e autor do projeto Antônio Luís, foi construído um anexo para ser a cozinha. A troca do piso das salas de pedra polida por cerâmicas foi necessária, pois devido à falta de manutenção encontravam-se desgastadas. O carpete dos quartos, devido o excesso de acúmulo de poeira foi substituído pela cerâmica. Além disso, foram necessárias alterações em relação às medidas de segurança na residência, assim foi necessário aumentar a altura do gradeado, colocar portão eletrônico e cerca elétrica ao redor da casa. CONSIDERAÇÕES FINAIS A arquitetura de Antônio Luiz, possui intenções projetuais conforme o estilo moderno, como a ideia de pilotis na varanda, a forma da casa e o telhado verde, sendo assim, a residência de Hidelmar Araújo


é um dos primeiros exemplos da arquitetura moderna na cidade de Teresina. Além disso, características como a forte preocupação com a adequação ao clima e à cultura local confirmam a qualidade arquitetônica do projeto. Após realização da análise constatou-se que apesar do uso adequado alternativas tecnológicas para a qualidade e sustentabilidade da residência, a falta de conservação impede que o telhado verde e os espelhos d’água sejam eficazes.

Imagem 1: Planta de implantação e coberta Fonte: Redesenho de Jadiane Beilfuss, modificado pelas autoras.

BIBLIOGRAFIA AFONSO, Alcília (org.). Antônio Luiz: arquiteto. Teresina: Halley, 2012. Imagem 2: Planta

AFONSO, Alcília. VELOSO, Samara. Habitação de Interesse Social em Teresina: algumas reflexões. Teresina: EDUFPI, 2012.

redesenhada da casa Fonte: Redesenho de Jadiane Beilfuss,

ARAÚJO, Antônio Luiz Dutra. Arquitetura como a vejo. Teresina: Ed. Nova Aliança, 2015.

modificado pelas autoras.

GASTÓN, Cristina; ROVIRA, Teresa. El Proyecto Moderno: Pautas de Investigación. Barcelona: Ediciones UPC, 2007. MINDLIN, Henrique E. Arquitetura Moderna no Brasil. Rio de Janeiro: Aeroplano Editora, 1999. PIÑON, Helio. Reflexión Histórica de la Arquitectura Moderna. Barcelona: Ediciones Península, 1981; PIÑON, Helio. El sentido de la Forma Moderna. Barcelona: Ediciones UPC, 1998; PIÑON, Helio. El formalismo esencial de la Arquitectura Moderna. Barcelona: Ediciones UPC, 2008. PIÑÓN, Helio. El Proyecto Como (Re) Construcción. Barcelona: Ediciones UPC, 2005. ROVIRA, Teresa (org). Documentos de Arquitectura Moderna en América Latina. 1950-1965. Primera recopilación. Barcelona: ICCI/ UPC. 2004. SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil 1900-1990. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2002. ZEIN, Ruth Verde. Brutalismo, sobre sua definição (ou, de como um rótulo superficial é, por isso mesmo, adequado). (2007) Arquitextos n. 084.00. São Paulo, Portal Vitruvius, maio 2007. Recuperado em 11 de fevereiro, 2016, de http://www.vitruvius.com.br/ revistas/read/arquitextos/07.084/243.

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Imagem 3: Cortes redesenhados da casa Fonte: Redesenho de Jadiane Beilfuss, modificado pelas autoras.

Imagem 4: Fachadas redesenhadas da casa Fonte: Redesenho de Jadiane Beilfuss, modificado pelas autoras.

JADIANE BEILFUSS jadi.beilfuss@outlook.com

ROSA KARINA CARVALHO CAVALCANTE rkarinacc@gmail.com

Graduanda do 7° período de Engenharia Civil e do 5° período de Arquitetura e Urbanismo, ambos no Centro Universitário UNINOVAFAPI. Foi monitora das disciplinas: Desenho Técnico, Isostática e Resistência dos Materiais. Possui experiencia com os programas AutoCAD, Revit e Sketchup.

Graduanda do 7° período de Engenharia Civil e do 5° período de Arquitetura e Urbanismo, ambos no Centro Universitário UNINOVAFAPI.

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3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD

Mariana Porto Viana | Ana Raquel Avelino Diniz Gonzaga | Vaneli Santos Neves | Cinthia Mayara Silva | Campina Grande, Brasil A UTILIZAÇÃO E REUSO DE ÁGUA NAS ÁREAS COMUNS DE CONDOMÍNIOS RESIDÊNCIAS HORIZONTAIS NA CIDADE DE CAMPINA GRANDE, PARAÍBA

RESUMO A questão ambiental vem sendo extremamente debatida em todo o mundo e os sinais do crescente aquecimento global estão cada vez mais perceptíveis. As cidades e seu metabolismo são os grandes responsáveis pelo consumo de materiais, água e energia, causando crescentes impactos negativos ao meio natural. O crescimento acelerado dos grandes centros urbanos, as dificuldades de obtenção de financiamentos, o aumento dos investimentos necessários para a realização de projetos e obras de saneamento que atendam às demandas das cidades por meio de mananciais cada vez mais distantes, somados ao crescimento geométrico de áreas irrigadas e aos conflitos de uso que poderão ocorrer, são fatores que têm motivado a adoção de medidas que objetivam disciplinar o uso da água nas cidades. A avaliação do impacto ambiental em construção de condomínios, por exemplo, permite à administração do mesmo ter uma visão aproximada do que o empreendimento pode evitar, ou seja, colaborar com o meio ambiente, ao contrário do que normalmente acontece nas empresas, onde a avaliação desse impacto mostra à comunidade as agressões que tal empreendimento pode causar ao meio ambiente. Assim, este tem como objetivo avaliar a utilização de água nas áreas comuns de condomínios residências horizontais na cidade de Campina Grande, analisando as possibilidades de reuso da mesma.

ABSTRACT The environmental issue has been highly debated worldwide and signs of increasing global warming are becoming more noticeable. Cities and their metabolism are largely responsible for the use of materials, water and energy, causing increasing negative impacts to the natural environment. The development of large urban centers, the difficulties in getting financing, the increased investment needed to carry out projects and sanitation works that meet the demands of the cities through increasingly distant sources, plus to the geometric areas of growth irrigated and use conflicts that may occur, are factors that have motivated the use of measures aimed to discipline the use of water in cities. The environmental impact assessment for construction of condominiums, for example, allows the administration have a rough view of what the enterprise can avoid, or collaborate with the environment, in oposite to what normally happens in companies where the assessment this impact shows the community the aggression that such an undertaking might cause to the environment. So this is to evaluate the use of water in public areas of horizontal residential condominiums in the city of Campina Grande, analyzing the possibilities for reuse of the same. Keywords: Condominium horizontal; water management; sustainability.

Palavras-chave: Condomínio horizontal; gestão de águas; sustentabilidade.

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1 INTRODUÇÃO Na região Nordeste, na cidade de Campina Grande-Paraíba, conviver com o racionamento de água durante o fim de semana é um desafio para muitas famílias que há quase dois meses enfrentam essa nova realidade, não existente anteriormente. Desde o último dia 6 de dezembro, na cidade de Campina Grande e nos mais de 18 municípios abastecidos pelo manancial, o volume de água continua diminuindo, gradativamente, devido à falta de chuvas na região, principalmente na Bacia do Rio Paraíba.

estudadas foram: Atmosphera Green Residence, Atmosphera Eco Residence, Sierra, Alphaville, Nações Residence Privê e Serraville Residence Privê.

Sendo assim, este projeto tem como objetivo principal identificar a situação atual com relação a utilização de água nas áreas comuns de condomínios residências horizontais na cidade de Campina Grande, avaliando as possibilidades de reuso da mesma, além de mostrar, posteriormente, a importância do planejamento e da especificação de materiais ecologicamente corretos nos projetos arquitetônicos, salientando que o mais importante para se atingir um resultado sustentável em todas as áreas, é o comprometimento e a consciência ecológica estabelecida entre o consumidor, o profissional e os fornecedores, disponibilizando, em estudos futuros, diretrizes para desenvolvimento de projeto de correção, que promova desenvolvimento sustentável por parte dos condomínios estudados, levando-se em consideração que a busca pela sustentabilidade deixou de ser apenas uma preocupação ambiental, mas também uma preocupação econômica, proporcionando o desenvolvimento de novas tecnologias e soluções para evitar a degradação do ambiente, e ao mesmo tempo, obter economia financeira.

Terá um caráter investigativo, buscando as melhores soluções e melhores aplicações relacionadas ao tema “Utilização e reuso de água nas áreas comuns de condomínios horizontais na cidade de Campina Grande - PB”, pensando não apenas na situação presente, mas sim no futuro.

Dentro dessa concepção, é apresentado um projeto de Construção Sustentável que engloba a adequação aos fatores citados, buscando um funcionamento ambientalmente correto e economicamente viável, que propicie um maior bem estar ao usuário em suas necessidades. 2 METODOLOGIA Os métodos adotados pela pesquisa contemplam a busca de informações específicas e atuais. Por se tratar de um trabalho que visa uma solução econômica para o uso de água, as informações quantitativas e qualitativas serão de extrema importância para tornar esse trabalho mais legitimista. Foram listados os principais condomínios horizontais residências da cidade de Campina Grande-PB, para que se investigassem os vetores sustentáveis dos mesmos. Será realizado um levantamento de dados nas áreas citadas, visando focar na gestão de água em áreas comuns desses condomínios. As áreas

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As pesquisas quantitativas são realizadas através de instrumentos padronizados (questionários), adequadas para apurar opiniões e atitudes explícitas e conscientes dos entrevistados. Já as pesquisas qualitativas têm caráter exploratório, elas fazem emergir aspectos subjetivos, atingem motivações não explícitas, de forma espontânea.

Livros técnicos foram consultados para definir quais assuntos se tornam pertinentes ao reuso desse bem econômico e vital. Revistas, reportagens, entrevistas servirão para enriquecer e ajudar na resolução dos problemas apontados no decorrer do projeto, sendo bases de pesquisa. Com os dados encontrados de uso e desperdício de água, os utilizaremos de forma que possam contribuir com soluções para a redução e a reutilização da água em áreas comuns. Esta questão irá ser abordada dentro do âmbito da construção, arquitetura de interiores e design, mostrando técnicas, soluções e opções para amenizar estes impactos e, ao mesmo tempo, otimizar a qualidade da vivência do espaço por seus ocupantes. 3 RESULTADOS E DISCUSSÃO Como dito anteriormente, por Campina Grande estar inserida em uma região localizada em uma área em que as chuvas ocorrem poucas vezes durante o ano, recebe pouca influência de massas de ar úmidas e frias vindas do sul, logo, permanece durante muito tempo, no sertão nordestino, uma massa de ar quente e seca, não gerando precipitações pluviométricas. A seca, além de ser um problema climático, é uma situação que gera dificuldades sociais para as pessoas que habitam a região. Com a falta de água, torna-se difícil o desenvolvimento da agricultura e a criação de animais, além da realização de atividades básicas de saúde. Logo, criar condições que priorizem a reutilização das águas servidas e aproveitamento da água de chuva apresenta-se


como uma interessante solução a estes problemas, como pode ser visto ao longo da pesquisa realizada nas áreas de estudo. O abastecimento de bacias sanitárias através das águas recicladas aponta para uma economia significativa de água potável e ainda contribui para redução do volume de esgoto gerado na edificação. Por outro lado, a aplicação da água de chuva para usos externos da edificação, ou seja, a irrigação, limpeza de calçadas, pátios e veículos, além de garantir economia de água potável, oferece um caráter sustentável a essas edificações e, consequentemente, melhora o estilo de vida dos habitantes destes. Abaixo estão os condomínios estudados e posteriormente uma tabela comparativa, com dados coletados nestes. 3.1 Atmosphera Green Ano de inauguração: Setembro de 2012 Área: 210.000m²; Localização: rodovia BR 104, km 40; Número de lotes: 197. Como visto, em visitas técnicas ao local, este condomínio possui um registro geral que capta água da rede pública localizado na rodovia BR 104, o qual possui ramais que distribuem individualmente para os terrenos. O hidrômetro mestre distribui essa água para os demais usos deste local, bem como para a utilização desta em cada lote. Sendo assim, é cobrado um valor individual de consumo de água por lote, gerando com isso, benefícios como a redução e economia do consumo de água e energia, possibilitando fácil manutenção, evitando níveis de ruído inadequados à ocupação do ambiente, como também proporciona conforto aos usuários, prevendo peças de utilização adequadamente localizadas, de fácil operação, com vazões satisfatórias e atendendo as demais exigências do usuário, garantindo o fornecimento de água de forma contínua, em quantidade adequada e com pressões e velocidades compatíveis com o perfeito funcionamento dos aparelhos sanitários, peças de utilização e demais componentes. Foi possível verificar que, para manutenção das áreas verdes a água é reutilizada, sendo retirada do lago, reduzindo assim o consumo de água potável. Este condomínio possui um sistema de tratamento de água, no qual 95% saem tratadas sendo despejada

em um rio próximo ao condomínio. Pôde-se observar que esta água tratada ainda não é reutilizada, porém existem projetos que visam futuramente possibilitar o reuso desta. 3.2 Atmosphera Eco Ano de inauguração: 2008; Área: 160.000m²; Localização: rodovia BR 104, km 40; Número de lotes: 244, que variam de 470 a 997 m². O Atmosphera Eco é um condomínio, considerado inteligente, pois devolve ao meio ambiente aquilo que utiliza. Na constituição desse condomínio são promovidas diversas ações sustentáveis para cuidar da natureza, resgatando a liberdade, a harmonia e o contato com os elementos naturais. Diferentemente dos demais condomínios residenciais horizontais estudados, este possui uma urbanização orgânica com respeito à natureza, coleta seletiva de lixo, estação de tratamento de esgotos, reaproveitamento de água para irrigação dos jardins, drenagem das águas pluviais para o lago, pavimentação permeável das ruas, além de ser um condomínio totalmente integrado à área verde. Esses aspectos foram comprovados em visitas técnicas ao mesmo, confirmando assim o compromisso do condomínio em adotar tais práticas. 3.3 Nações Residence Privê Ano de inauguração: 1999; Área: 230.000m²; Localização: rodovia BR 104, km 119; Número de lotes: 233. Após serem realizadas algumas visitas ao condomínio, observou-se diversos aspectos. Pôde-se perceber que o mesmo, apresenta poucos artifícios que visam a preservação e sustentabilidade. O condomínio possui um lago que é abastecido através da água da chuva, onde a mesma é utilizada para a irrigação de todas as áreas verdes e a lavagem do calçamento. O condomínio em si, não possui sistema de reutilização de água potável, sendo a água proveniente diretamente da Companhia de Água e Esgotos da Paraíba, CAGEPA. Apesar de ser um condomínio de grande porte, apresenta diversos pontos nos quais poderiam ser mais trabalhados,

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para gerar uma melhor utilização de água, além de ações que ajudem de alguma forma o meio ambiente. 3.4 Serraville Residence Privê Ano de inauguração: 2013; Área: 84.000m²; Localização: Avenida Marechal Floriano Peixoto, bairro do Serrotão; Número de lotes: 470. Através de visitas técnicas, observaram-se os aspectos e particularidades presentes no local. Apesar de ter sido construído recentemente, apresenta uma dada importância á economia de água, tendo conhecimento que esta é o recurso natural mais valioso para a vida e que está cada vez mais escassa. 3.5 Alphaville Ano de inauguração: 2012; Área: 230.000m²; Localização: Rua Fernandes Vieira, bairro do Mirante; Número de lotes: 549. O condominio está a poucos minutos do centro da cidade e possui uma área verde bem representativa, aproximadamente 110.000 m². Segundo os seus gestores, o respeito ao meio ambiente, a preocupação com a sustentabilidade e a preservação orienta as obras de todo o condomínio. Este possui rede de água e rede esgoto. Também possui três estações de tratamento de água, mas não possui a de tratamento de esgoto, pois este é direcionado à CAGEPA. Utiliza energia solar para aquecimento das piscinas e em breve será utilizada energia eólica. Em questão de reutilizar a água, só fazem isto para a piscina, pois usam a água da piscina para regar os jardins. 3.6 Sierra Ano de inauguração: 2013; Área: 180.000m²; Localização: Av. Alvaro de Araujo Pereira, 295, Jardim Tavares Número de lotes: 197.

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Neste condomínio, não há nenhum tipo de reuso de água e poucos indícios de ações sustentáveis. O abastecimento de água deriva de um açude próximo e quando não há água no mesmo o condomínio fica sem abastecimento. Sendo assim, alguns proprietários constroem suas próprias cisternas. Os resultados do trabalho são direcionados principalmente a uma linha de pesquisa: o reuso das águas pluviais, avaliando ainda o uso de um sistema alternativo de energia. Sobre o reuso das águas pluviais, é muito importante citar a autosustentabilidade de uma residência quanto ao uso não potável das águas, ou seja, devido a grande área de captação de uma residência unifamiliar em relação ao consumo per capta, é possível que seja captada uma quantidade muito maior de água das chuvas do que é consumido na residência. É claro que essa afirmação depende do local em que está situada a habitação, assim como sua intensidade pluviométrica e seu projeto de captação. Sendo assim, os critérios de conservação da água se apresentam como um caminho para a almejada sustentabilidade dos recursos hídricos. Neste contexto, o uso racional da água nas edificações e as fontes alternativas, aparecem como mecanismos de preservação e conservação deste recurso natural. Logo, a implantação de sistemas de reuso da água e uso da água de chuva, variou de condomínio para condomínio, mostrando-se mais evidente em alguns, como se pode ser visto no gráfico abaixo. Estes, demonstram os parâmetros adotados para avaliação e comparação dos condomínios em estudo sendo perceptíveis as disparidades existentes entre estes. Um dos condomínios mais antigos da cidade, devido à época em que foi construído, encontra-se com padrões de sustentabilidade inferior aos demais, possuindo apenas integração com a área verde excluindo-se dos demais parâmetros avaliadores. Segundo a revista Téchne (2003), a implantação de sistemas de reaproveitamento de água pluvial terá sua funcionalidade e relação custo/benefício relativo ao tipo de edificação, ou seja, em condomínios horizontais o custo de implantação pode menor se o sistema for planejado antes da construção. A economia de água pode ser grande, já que a área de telhado tem dimensão considerável, em relação ao número de habitantes. Assim, é possível aproveitar uma maior porcentagem de chuva disponível.


4 CONCLUSÃO A mudança de hábitos antigos relacionados a parâmetros de consumo poluidores não acontece da noite para o dia, mas decorre de um esforço paulatino para substituir ações impensadas por ações sustentáveis. Assim, no intuito de colaborar com a preservação desse meio, o presente trabalho buscou definir quais condomínios privados de habitação coletiva, na cidade de Campina Grande, precisam de atenção maior na substituição de práticas poluidoras por práticas ambientalmente saudáveis. Mesmo percebendo que gestão de águas merece atenção urgente na cidade, é lamentável ainda ver que condomínios de médio e alto padrão da cidade não demonstram ações significativas voltadas ao tema. Percebe-se que não é o padrão social do condomínio que define suas diretrizes de preocupação e visão sustentável, pois foram detectados condomínios mais populares melhor preparados do que alguns de alto padrão. Já algumas áreas de estudo mostram não apenas preocuparem-se com a água utilizada, mas trabalham outros parâmetros que os colocam a frente de outros, com relação à sustentabilidade. Assim, fica registrado o quantitativo de 50% de condomínios a serem propostas intervenções. Nosso propósito é transformar a vida sustentável em algo comum, e para isto, desenvolveremos novas práticas para melhorar esses condomínios e beneficiar os habitantes e transeuntes dessas edificações, preservando o meio natural para essa e futuras gerações, servindo este estudo, ainda, de motivação para a reflexão sobre o tema e impulso à mudança.

5 REFERÊNCIAS Projeto Lei. Gestão Municipal dos Recursos Hídricos. 58 Art. 16 p. Disponível em: <http:// www.braganca.sp.gov.br/contents.asp?pg=1&idm=20&ids=15&idc=1738>.Acesso em: 24 de fevereiro de 2015. MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE. Resolução CONAMA nº 357 de 7/03/2005. Disponível em:<www.mma.gov.br/port/conama>. Acesso em: 24 de fevereiro de 2015. EPUSP – ESCOLA POLITÉCNICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO. Programa de Uso Racional da Água da Universidade de São Paulo – PURA-USP. São Paulo: LSP/PCC/EPUSP, 1998/2003. Acesso em: 20 de agosto de 2015. OKAMURA, E. K. Economia de água em bacia sanitária. Ciências do Ambiente, v. 2, n. 1, p. 1-9, Acesso em: 19 de setembro de 2015. SILA, Gleison Henrique. Construção sustentável: reuso da água e fontes alternativas de energia como opções para a sustentabilidade habitacional. Disponível em: http:// www.bvsde.paho.org/bvsacd/abes23/XII-019.pdf. Acesso 10 de outubro de 2015. TEIXEIRA, J. M. C. Sustentabilidade da Construção Urbana. [S.n.t.]. Disponível em: <http://www.iep.uminho.pt/iep/trab_alunos_tec_ educacional/grupo11/P%C3%A1ginas/mais_eng__ civil.htm>.

Ressalta-se que quanto mais controlados, simples e rápidos forem os processos, mais eficientes e ecológicos serão esses condomínios. Por outro lado, soluções criativas nesse sentido tem a vantagem de demandarem menos recursos a serem implementados e isso é um fator decisivo para o sucesso, uma vez que os recursos para a implantação de algumas medidas complexas nem sempre estão disponíveis na realidade orçamentária dos mesmos.

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Tabela 01: Relação de ações sustentáveis dos condomínios avaliados. Fonte: acervo pessoal.

Gráfico 01: Comparativo entre resultados. Fonte: acervo pessoal.

MARIANA PORTO VIANA Arquiteta E Urbanista, Doutoranda em Engenharia de Processos, orientadora pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas (FACISA); ANA RAQUEL AVELINO DINIZ GONZAGA; VANELI SANTOS NEVES; CINTHIA MAYARA SILVA Graduandas em Arquitetura e Urbanismo pela Faculdade de Ciências Sociais Aplicadas (FACISA).

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3. AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS DE SUSTENTABILIDADE | EVALUACIÓN DE CALIDAD Y SOSTENIBILIDAD

Liena Nieves Pelegrín Breffe | Dayra Gelabert Abreu | Havana, Cuba ESPACIOS DE USO COMÚN EN EDIFICIOS DE APARTAMENTOS EN ZONAS COMPACTAS DE LA HABANA. UNA PROPUESTA SUSTENTABLE PARA LA CIUDAD

INTRODUCCIÓN “Divorciar al hombre de la tierra es un atentado monstruoso (…) A las aves, alas; a los peces, aletas; a los hombres que viven en la naturaleza, el conocimiento de la Naturaleza, esas son tus alas.” José Martí

Según Arana, M, 1999, el desarrollo sustentable es un proceso de cambio a diferentes niveles, basado en una cultura y una racionalidad diferente, determinada por valores de compromiso, responsabilidad, creatividad, solidaridad, etc. que permitan el desarrollo económico con equidad, sustentabilidad ambiental y participación democrática en las soluciones, mediante el uso racional de los recursos naturales, financieros y humanos en aras de un desarrollo económico, científico- técnico, además de humano.” El desarrollo sustentable ya no es una utopía ni un sueño irrealizable. El mundo de hoy ha tomado conciencia sobre el tema y se han comenzado a crear iniciativas que contribuyan al cuidado de la naturaleza y al hombre. La vivienda no está exenta de estos cambios. El hábitat cotidiano debería ser el primero en aplicar políticas para el mejoramiento del entorno urbano y así contribuir a crear una ciudad mejor para todos. Crear nuevas alternativas para evitar la segregación social, incentivar a las micro economías, trasladar la naturaleza a la ciudad e incitar a la colectividad desde los edificios de apartamentos son nuevos inicios para mejorar los problemas que presentan las zonas compactas de las grandes urbes.

El presente trabajo tiene como objetivo mostrar una nueva variante de espacios para los edificios de apartamentos en zonas compactas de la ciudad. Los espacios de uso común constituyen una nueva alternativa para el desarrollo sustentable. DESARROLLO SOSTENIBLE Y UNA CIUDAD HABITABLE. La dimensión sostenible del desarrollo aparece enunciado por primera vez en el año 1987 en el Informe de la Comisión Mundial para el Medio Ambiente, también denominado Informe Brundtland Nuestro futuro común. De este informe surge la siguiente definición: “Desarrollo sustentable es aquel que atiende a las necesidades de las generaciones presentes sin comprometer las necesidades de las futuras generaciones”. Esto significa mejorar la calidad de vida humana sin rebasar la capacidad de carga de los ecosistemas que lo sustentan. Desde el punto de vista semántico, sostenibilidad es una característica de un proceso o un estado que es posible mantener de manera indefinida. El término inglés sustainable development, surgió con un enfoque ecológico, como respuesta sin alternativa a los graves problemas del poblamiento, el medio ambiente y el desarrollo que han hecho crisis en el mundo de hoy.1 A partir de la década de 1970, los científicos empezaron a darse cuenta de que muchas de sus acciones producían un gran impacto sobre la naturaleza, por lo que algunos especialistas señalaron la evidente pérdida de la biodiversidad. La preocupación por la sostenibilidad ecológica se centraba

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1 Arquitectura y Urbanismo, Vol. XXIV, No. 2/2003 pag-35 2 Arquitectura y Urbanismo, Vol. XXIV, No. 2/2003 pag-35 3 Oñate, J. J., Pereira, D., Suárez, F., Rodríguez. J., & Cachón, J. (2002). Evaluación Ambiental Estratégica: la evaluación ambiental de Políticas, Planes y Programas. Madrid: Ediciones MundiPrensa 4 González Couret, Dania: “Tema 1: Desarrollo sustentable y medio ambiente construido”, Diseño bioclimático y construcción sostenible. Curso de posgrado impartido por internet, Centro de Salud en la Vivienda, La Habana, 2001.

principalmente en lo natural pero esto ha ido evolucionando hacia una concepción más amplia y compleja hacia el medio ambiente.

la ciudad y cómo avanzar a la construcción de un ideal colectivo y que debe cumplir con las siguientes condiciones:

El ámbito del desarrollo sostenible puede dividirse conceptualmente en tres partes: ecológico, económico y social. Se considera el aspecto social por la relación entre el bienestar social con el medio ambiente y la economía. Otros autores han enunciado una cuarta y una quinta dimensión como la cultural y política, que bien podría considerarse en la social.2

• En lo habitable: que todos los habitantes tengan un lugar para vivir dignamente, transitar y recrearse. Lograr el acceso al suelo urbano dotado de servicios y para la repoblación de los centros de las ciudades como eje fundamental en los proyectos habitacionales que nos planteemos. El desarrollo de las ciudades y de las zonas rurales debe concebirse de forma integrada.

El objetivo del desarrollo sostenible es definir proyectos viables y reconciliar los aspectos económico, social, y ambiental de las actividades humanas; los cuales se deben tenerse en cuenta por las comunidades, empresas y las personas: Sustentabilidad económica: se efectúa cuando la actividad basada en la sostenibilidad ambiental y social es financieramente posible y rentable. Sustentabilidad social: basada en el mantenimiento de la unión social y de su habilidad para trabajar en el seguimiento de objetivos comunes. Sustentabilidad ambiental: relación entre la actividad y la preservación de la biodiversidad y de los ecosistemas, evitando la degradación. Incluye un análisis de los impactos derivados de la actividad considerada en términos de flujos, consumo de recursos difícil o lentamente renovables, así como en términos de generación de residuos y emisiones. Este último pilar es necesario para que los otros dos sean estables.3 González, Dania expresa que el concepto de desarrollo sostenible debe tener un enfoque más integral, en lugar de absolutizar la importancia de algunas de sus dimensiones: “El desarrollo sustentable debe ser, económicamente viable, socialmente justo y ambientalmente sano”. Incorpora que “El desarrollo sostenible ha sido ya reconocido como una condición sin alternativa para la supervivencia del planeta por lo que hay que lograr una “vivienda adecuada para todos” y “asentamientos sustentables en un mundo en urbanización” es decir se necesita construir una ciudad habitable para todos.4 Según la ASAMBLEA MUNDIAL DE POBLADORES,” Hagamos escuchar nuestra voz repensando la ciudad desde la gente”, dada en la Ciudad de México, 2 al 6 de octubre de 2000, acordó que para lograr una ciudad habitable se debe encontrar las interrelaciones de los aspectos que conforman

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• En lo sustentable: equilibrio en la relación entre desarrollo humano y aprovechamiento de los recursos naturales. Articular las experiencias obtenidas con técnicos serios y especialistas en la materia en base a una relación de trabajo efectiva que posibilite tener ciudades sustentables. Promover la agricultura urbana que permite el re-uso de desechos, el reciclaje de agua, etc., dando condiciones de sustentabilidad ambiental a la vivienda. Responsabilizar a los gobiernos de atender la sustentabilidad de los asentamientos humanos. • En lo saludable: correlación entre alimentación-preservación de la salud y la mejora de las condiciones de vida. Integrar la lucha por una vida sana con la lucha por vivienda, salud y trabajo. • En lo productivo: armonía entre productividad-creatividad individual y colectiva. Luchar por la generación de empleo a partir de propuestas alternativas y generar nuevas propuestas productivas en nuestras ciudades. Generar proyectos socio-productivos de abasto y vivienda, partiendo de micro experiencias. Buscar para las actividades de la economía informal una nueva legalidad que considere los intereses populares. Crear una economía de inclusión. • En lo seguro: relaciones de respeto y protección social, así como la prevención que garantice un equilibrio entre el espacio físico y el espacio natural. Las nuevas tendencias del urbanismo establecen conceptos donde el hombre va adquiriendo la primacía actoral dentro de las urbes. El desarrollo inusitado de las ciudades, fundamentalmente en los países en vías de desarrollo donde la tendencia es la concentración de población en las zonas urbanas y específicamente en las ciudades capitales, lleva a la necesidad de reanalizar muchos de los indicadores urbanos establecidos en la centuria pasada.


La tasa de urbanización de la población mundial era en 1800 de un 3.4%, un siglo después era de 13.6%, alcanzando en la actualidad un 50%, esta tendencia crece a un ritmo vertiginoso estimando que para el 2025, más de las tres quintas partes de la población vivirá en zonas urbanas. 5

comendado como debe ser el diseño apropiado de su solución volumétrica, espacial y de cierres, según las especificidades del emplazamiento. Sin embargo, el diseño de los “espacios de uso común” asociados a estos no ha sido estudiado con igual profundidad, quedando relegados a un segundo plano.

Este crecimiento se ha producido sin mantener una adecuada proporción entre las áreas libres y las zonas edificadas, constituyendo una de las necesidades fundamentales de sus habitantes. El siglo XXI trae al urbanismo nuevos desafíos en medio de riesgos económicos, climáticos y ambientales y una alta densidad poblacional. 6

En las zonas compactas de la ciudad de La Habana, estos espacios se hacen aún más necesarios por la poca superficie no construida existente, siendo la calle el principal espacio de intercambio social al no existir o ser mínimos los espacios de uso común al interior de la manzana y de los edificios y siendo la vivienda, centro de una cantidad significativa de labores de naturaleza productiva.

“Hoy se busca instaurar un desarrollo sustentable donde es fundamental entender que la ciudad debe ser concebida para propiciar las interrelaciones humanas en medio de un hábitat saludable, confortable y capaz de satisfacer los requerimientos de la vida humana y de la interacción social del medio urbano.” 7 Dentro de las múltiples conformaciones de las ciudades aparecen con un peso nada despreciable las denominadas zonas urbanas compactas, que se identifican por las altas densidades de población, altos índices de superficie construida con predominio de la medianería, uso de patios y patinejos, calles relativamente angostas bien delimitadas, escasas áreas verdes e insuficientes espacios públicos. Con respecto a la construcción de nuevos edificios de vivienda en la trama urbana de las zonas compactas, impone estrategias de diseño diferentes de las que rigen para edificios “de bloque” en zonas periféricas y Cuba no está exenta de esta problemática. Debido a la especulación y la alta densidad poblacional, las edificaciones han tenido que crecer en altura e insertarse en este contexto en la modalidad de edificio de apartamentos aprovechando el suelo urbano. Con esto, no solo se consigue reducir el consumo de ese recurso prácticamente no renovable, sino que también se disminuye el crecimiento de las ciudades, con los correspondientes beneficios que esto significa en términos de redes técnicas, viales, así como recursos y tiempo a invertir en transportación.8 El edificio de apartamentos ha sido objeto de estudio de numerosas investigaciones dirigidas por el Grupo de Investigación de la Vivienda de la Facultad de arquitectura de la CUJAE en La Habana, que han re-

Históricamente, a lo largo de las más de cuatro décadas transcurridas desde el triunfo de la Revolución en 1959, la búsqueda de nuevos edificios de apartamentos se ha concentrado en la tecnología. Sin embargo, la tecnología no puede ser un fin en sí misma, sino que por el contrario, ésta es un medio para llegar al fin, que es la producción de viviendas apropiadas para la población cubana actual y futura. En lugar de continuar buscando la solución tecnológica única y mágica que por sí sola resolverá el problema, resulta imprescindible precisar los tipos de viviendas necesarios y posibles (no solo en cuanto a su solución física final, sino en cuanto a su proceso de producción y gestión) para luego seleccionar las tecnologías apropiadas para cada caso y desarrollar proyectos específicos, preferiblemente de forma participativa, que se adecuen al contexto, al clima, a la tecnología, a los materiales de construcción, y a las necesidades de las familias que las habitarán.9 Solo así la casa no será más una máquina para habitar, sino que la vivienda y su entorno constituirán espacios habitables que enriquezcán la calidad de vida y el medio ambiente construido para las presentes y futuras generaciones.10 LOS ESPACIOS DE USO COMÚN EN EDIFICIOS DE APARTAMENTOS EN ZONAS COMPACTAS UNA ALTERNATIVA PARA EL DESARROLLO SUSTENTABLE. Un buen proyecto siempre ha estado orientado a cambiar positivamente lo existente. “Hoy se precisa de una arquitectura y de un urbanismo que dialoguen con el entorno, pero que a su vez sean capaces de modificar la ciudad, reconectándola” Jorge Mario Jáuregui

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5 Inserción de calles parques en Centro Habana: una modalidad para mejorar la calidad ambiental en zonas degradadas y compactas. Arq. Alina Castro, Arq. Clara Susana Fernández Febrero de 2012 6 Ídem. 7 idem 8 Artículo: Vivienda y sustentabilidad. Dania González Couret. Arquitectura y Urbanismo, Vol. XXIV, No. 2/2003 9 Arquitectura y Urbanismo, Vol. XXVIII, No. 1/2007 pág. 57 10 ídem 11 Segre, Roberto. Bosquejo histórico de la Ciudad de La Habana. Introducción histórica a las estructuras territoriales y urbanas de cuba (1519-1959)- La Habana facultad de arquitectura ISPJAE, pág. 187.). 12 (www.revistaambienta.es consultada en 2014)


La creación de espacios de uso común en una agrupación de viviendas (edificios de apartamentos) es un proceso muy complejo donde se ponen en juego las emociones humanas, por lo que debe ser concebido a través de un proyecto comunitario bien fundamentado, que permita favorecer la construcción de un entorno variado e inclusivo, denso y heterogéneo, donde la diversidad se convierta en un valor de uso expresado a través de “una arquitectura que aludiría a nuevos modos de vida pero, también, a nuevos formatos habitados” 11 Según la clasificación del concepto de espacios de uso común, todos los edificios incorporan necesariamente en su diseño zonas comunes, que son básicas para garantizar su uso y funcionamiento. Estas áreas son indisolubles del diseño de los edificios de apartamentos porque garantizan el acceso a los diferentes niveles de la edificación y el tránsito por áreas de circulación (escaleras, pasillos, ascensores) diseñadas con el fin de conectar en sentido horizontal y vertical los espacios privados. En la práctica habitual no sucede igual con la inclusión de espacios de uso comunitario en el edificio de apartamentos, limitando el diseño a la incorporación de estas zonas comunes, sin prever otras, cuya función integradora permita mejorar la calidad de la solución de diseño y aprovechar los beneficios sociales que se pudieran derivar en función de los intereses de los habitantes del inmueble. El diseño integral de los edificios de apartamentos que incorpore la ubicación de espacios de uso común, apoyaría los resultados de investigaciones que han demostrado que el diseño de las viviendas que componen el inmueble debe ser flexible, modificable y transformable, con el objetivo de satisfacer la demanda existente en la actualidad en respuesta a la variabilidad de las dinámicas de la familia y de las necesidades cambiantes de sus miembros, entre otros factores. (Gelabert, 2013). Sin embargo, el diseño de edificios flexibles aún no es habitual. En la producción con fines sociales, por lo general, prevalece el factor económico para la toma de decisiones, que muchas veces resulta en la reducción de las áreas útiles de los apartamentos donde es difícil la realización de actividades del quehacer diario que forman parte del quehacer cotidiano y de las rutinas de la familia (Gelabert, 2013). En ellas, además de las actividades como cocinar, comer, dormir, fregar, bañarse, asearse, ver televisión, lavar y tender, entre las más comunes, también se realizan otras como estudiar, coser,

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planchar, sembrar plantas, almacenar, bailar y actividades de ocio como recibir visitas y jugar. Para la realización de las mismas se requiere de un espacio que, por lo general, no está correctamente previsto. La vivienda también es centro de una cantidad significativa de labores de naturaleza productiva. Entre ellas: costura, venta de alimentos, reparaciones, trabajos artesanales, práctica de instrumentos musicales, realización de ejercicios físicos y, ocasionalmente, actividades como cumpleaños, bautizos, bodas, entre otras, que constituyen ritos de la familia y que requieren de áreas y superficies mayores para su realización, debido a que participan en ellas no sólo los miembros del hogar, sino también parientes y amigos. La ejecución de nuevos edificios de apartamentos en zonas compactas de las ciudades, en muchas ocasiones excluye espacios de uso comunitario para el desarrollo de diversas actividades como la siembra de plantas, áreas de juego para niños, entre otras, priorizando el logro de soluciones con un mayor número de apartamentos. La escasez de espacios con áreas verdes y áreas de juego para niños se hace mucho más evidente en estas zonas compactas de La Habana. La incorporación del verde en los espacios de uso común puede contribuir a atenuar la compacidad en las zonas centrales de la ciudad, induciendo al desarrollo de valores compartidos, a una mayor conciencia ambiental y ecológica, a la construcción de identidades socioculturales, sentimientos de seguridad, mejoría de la salud mental y física de los ciudadanos, y al enraizamiento de los individuos en sus comunidades de residencia. 12 Lo anterior justifica la necesidad de investigar y materializar, para estas zonas, de nuevas formas arquitectónicas de organización físico-espacial y de participación popular, que respondan a las demandas actuales, al ofrecer ámbitos favorables a la vida y nuevas relaciones del hombre con el medio. El objetivo final debe consistir en la conjugación de la densidad con la calidad, la articulación de lo macro con lo micro y de lo individual con lo colectivo. El diseño e inserción de espacios de uso común en edificios de apartamento en zonas compactas podría ser una alternativa viable para acortar la distancia entre la naturaleza y la arquitectura. Estas propuestas pretenden crear nuevas formas de vida que, sin irrespetar las regulaciones específicas de cada territorio, contribuyan a que el edificio “respire”.


No obstante, al concebir estos espacios hay que tener en cuenta que las actividades más cotidianas de los habitantes pueden transformarse en eventuales motivos de conflictos, por lo que los mismos deben ser cuidadosamente planificados o adecuados, para que no conlleven al debilitamiento de las relaciones sociales entre los vecinos, y a la falta de integración de los individuos con el lugar donde reside.

el desarrollo de diversas actividades (áreas verdes, áreas de juego para niños, entre otras), priorizando el logro de soluciones con un mayor número de apartamentos.

Por todos estos motivos lograr un edificio de apartamento sustentable requiere de cambios radicales en la mentalidad y modos de actuar de los que las habitan; pequeños cambios, en el ámbito local, pueden constituir pasos de avance en la dirección deseada.

El diseño integral de los edificios de apartamentos que incorpore la ubicación de espacios de uso común, apoyaría los resultados de investigaciones precedentes que han demostrado que el diseño de las viviendas que componen el inmueble debe ser flexible, modificable y transformable pero todavía no es habitual porque por lo general, prevalece el factor económico para la toma de decisiones, que muchas veces resulta en la reducción de las áreas útiles de los apartamentos haciendo más engorroso la realización de actividades del quehacer diario que forman parte del quehacer cotidiano y de las rutinas de la familia.

CONCLUSIONES El desarrollo sustentable no solo debe medir en aspecto económico, social y ambiental. Desarrollo sostenible debe tener un enfoque más integral, en lugar de absolutizar la importancia de algunas de sus dimensiones. El desarrollo sostenible es indispensable para la supervivencia del planeta. Es necesario lograr una “vivienda adecuada para todos” y “asentamientos sustentables en un mundo en urbanización” Para lograr una ciudad habitable se debe encontrar las interrelaciones de los aspectos que conforman la ciudad y cómo avanzar a la construcción de un ideal colectivo. Debe ser una ciudad habitable, sustentable, saludable, productiva y segura. El desarrollo inusitado de las ciudades lleva a la necesidad de reanalizar muchos de los indicadores urbanos establecidos en la centuria pasada y con respecto a la construcción de nuevos edificios de apartamentos en la trama urbana de las zonas compactas, impone estrategias de diseño diferentes de las que rigen para edificios “de bloque” en zonas periféricas y Cuba no está exenta de esta problemática. En las zonas compactas de la ciudad estos espacios se hacen aún más necesarios por la poca superficie no construida existente, siendo la calle el principal espacio de intercambio social al no existir o ser mínimos los espacios de uso común al interior de la manzana y de los edificios existentes y siendo la vivienda, centro de una cantidad significativa de labores de naturaleza productiva. La ejecución de nuevos edificios de apartamentos en zonas compactas de las ciudades, en muchas ocasiones excluye espacios de uso comunitario para

La creación de espacios de uso común en los edificios de apartamentos es un proceso muy complejo donde se ponen en juego las emociones humanas.

El apartamento hoy, es centro de una cantidad significativa de labores de naturaleza productiva que requieren de áreas y superficies mayores para su realización, debido a que participan en ellas no sólo los miembros del hogar, sino también parientes y amigos. La inserción y diseño de espacios de uso común pudiera ser una solución eficaz a esta situación. La escasez de espacios con áreas verdes y áreas de juego para niños se hace mucho más evidente en las zonas compactas. La incorporación del verde en los espacios de uso común puede contribuir a atenuar la compacidad en las zonas centrales, induciendo al desarrollo de valores compartidos, a una mayor conciencia ambiental y ecológica, a la construcción de identidades socioculturales, sentimientos de seguridad, mejoría de la salud mental y física de los ciudadanos, y al enraizamiento de los individuos en sus comunidades de residencia El diseño e inserción de espacios de uso común en edificios de apartamento en zonas compactas podría ser una alternativa viable para acortar la distancia entre la naturaleza y la arquitectura. Lograr un edificio de apartamento sustentable requiere de cambios sustanciales en el modo de pensar de las personas y los modos de actuar. Es necesario de nuevos enfoques en las políticas que rigen la construcción de este tipo de inmuebles.

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BIBLIOGRAFÍA Asensio Cerver, Francisco, Libro ATLAS DE ARQUITECTURA ACTUAL, Editorial Konemann, ISBN: 3-8331-1769-9. 2005 Broto, Carles; Apartment buildings. New concepts; editorial links books, Barcelona ,2005, ISBN: 8489861595 | 2005 Colectivo de autores, Nuevos edificios de apartamentos. Innovaciones en diseño de residencias; Editorial: LINKS; ISBN: 9788489861596; 2000 Coca, Obdulio: “La ciudadela. Transformación y Desarrollo”, Arquitectura y Urbanismo, No 2, 2003., pp.23-25 Colectivo de autores: “Vivienda apropiada para Ciudad de la Habana”. Grupo de Investigación de vivienda, Informe de Investigación, Facultad de Arquitectura, IPSJAE, La Habana, octubre 2004. SALDARRIAGA, Alberto y CARRASCAL, Rodrigo (2006). Vivienda social en Colombia. Premio Corona Pro Hábitat. Convocatoria estudiantil 2006. Bogotá: Editorial Bochica. Documento pdf. Disponible en: <http://www.premiocorona.org.co/pdf/ pub2006.pdf> [Consulta: 09 de agosto de 2007]. Segre, Roberto. Bosquejo histórico de la Ciudad de La Habana. Introducción histórica a las estructuras territoriales y urbanas de cuba (1519-1959)- ISPJAE, Facultad de Arquitectura, 1978, pág. 187 GELABERT Abreu, Dayra. Vivienda progresiva como solución alternativa para la Ciudad de La Habana. Tesis de doctorado. Tutor: Dra. Cs. Arq. Dania González Couret, Facultad de Arquitectura, ISPJAE,2013

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Fig 1; Diversidad de espacios de uso común en un mismo edificio. Riken Yamamoto, 2012. Fuente: www. plataformaarquitectura. com Fig 2:Presencia de las circulaciones. Fuente: www.architecturalart.com

Fig3:Edificio Vivela. Argentina. Fuente: www. plataformaarquitectura. com Fig 4: Intercambio del jardín en la azotea en Hong Kong ayudando a atenuar la compacidad de la zona. Fuente: www. nakayans.com

Fig 5:Pasillos estrechos y poco iluminados. Fuente: Autoras Fig 6: Patio Interior con cisterna. Fuente: Autoras

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Fig 7: Uso de la cubierta para abastecimiento de agua, tendido de ropa y antenas. Fuente: Autoras Fig 8: Espacios verdes en los apartamentos no diseñados. Fuente: Autoras

DAYRA GELABERT ABREU

LIENA NIEVES PELEGRÍN BREFFE. liena@isdi.co.cu

Graduada de Arquitecta en 2007. Máster en Vivienda Social en 2011. Doctora en Ciencias Técnicas en 2013. Profesora Auxiliar, Departamento de Diseño de la Facultad de Arquitectura de La Habana. Profesora de la Maestría en Vivienda Social, acreditada de excelencia. Miembro del Grupo de Investigación en Vivienda Social, Facultad de Arquitectura del ISPJAE. Jefa del Departamento de Diseño, septiembre 2014 - actualidad. Miembro de DOCOMOMO_ Cuba y del Consejo Editorial de su publicación periódica: Boletín DOCOMOMO_ Cuba. Secretaria Ejecutiva del Comité Organizador del Congreso Internacional Medio Ambiente Construido Desarrollo Sustentable, desde el año 2011 (3 ediciones, cada dos años). 2014-2015_ Integrante de la Comisión de Trabajo Temporal para la elaboración de la Política y la Ley de la Vivienda en Cuba, así como la subcomisión encargada de los aspectos constructivos.

Graduada de Arquitectura en julio 2011. Facultad de Arquitectura. Instituto Superior Politécnico José Antonio Echevarria. Habana, Cuba, 2011. Master en Vivienda Social en 2015. Facultad de Arquitectura. Instituto Superior Politécnico José Antonio Echevarria. Habana, Cuba

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ORGANIZAÇÃO Coordenação Geral Prof. Paulo Bruna (FAUUSP / FAAP), Prof. Leandro Medrano (FAUUSP), Prof. Josep Maria Montaner (MLVSSXXI / Ayuntamiento de Barcelona), Profa. Zaida Muxí Martínes (MLVSSXXI / ETSAB-UPC) , Profa. Renata Coradin (MLVSSXXI/ FIAM-FAAM) Supervisão Científica Prof. Renato Anelli (IAU-USP), Profa. Doris Kowaltowski (FEC-Unicamp), Profa. Gilda C. Bruna (FAU-Mack), Profa. Maria Lucia Gitahy (FAUUSP), Profa. Ruth Verde Zein (FAU-Mack), Prof. Nabil Bonduki (FAUUSP) Comissão Organizadora Daniela Arias (MLVSSXXI), Roser Casanovas (MLVSSXXI), David H. Falagán (MLVSSXXI), Cássia Bartsch Nagle (doutoranda FAUUSP), Alessandra Bedolini (FIAM-FAAM / doutoranda FAUUSP). COMITÊ CIENTÍFICO Prof. Dr. Alberto Peñín (ETSAB-UPC) Profa. Dra. Ana Falú (FADU-UNC) Profa. Dra. Angela Maria Gordilho Souza (UFBA) Profa. Dra. Ana Gabriela Godinho Lima (FAU-Mack) Profa. Dra. Carmen Espegel (ETSAM-UPM) Profa. Dra. Clara Irazábal (GSAPP-Columbia University) Profa. Dra. Cláudia Cabral (UFRGS) Profa. Dra. Cristiane Rose S. Duarte (UFRJ) Prof. Daniel Escotto (FA-UNAM) Prof. Dr. Fernando Agrasar (ETSA-Coruña) Profa. Dra. Flávia Brito do Nascimento (FAUUSP) Profa. Dra. Joana Mello (FAUUSP) Prof. Dr. Jordi Honey-Rosés (SCRP-UBC) Profa. Dra. Lizete Rubano (FAU-Mack) Prof. Dr. Luiz Recamán (FAUUSP) Profa. Dra. María de Lourdes García V. (FA-UNAM) Profa. Margarita Jover Biboum (SA-UV) Profa. Dra. Maria Cristina Schicchi (PUCCAMP) Prof. Dr. Manel Bailo Esteve (SA-UV) Profa. Dra. Nilce Botas (FAUUSP) Profa. Dra. Patrizia Montini (IUAV) Profa. Dra. Paula Santoro (FAUUSP) Profa. Dra. Pilar García Almirall (ETSAB-UPC) Prof. Dr. Renato Cymbalista (FAUUSP) Prof. Dr. Ricardo Devesa (ETSAB-UPC) Researcher Sara Ortiz Escalante (SCRP-UBC) Prof. Dr. Sharif Kahatt (FAU-PUCP) Profa. Dra. Vanessa Gomes (FEC-Unicamp) Prof. Dr. Wilson Ribeiro dos Santos (PUCCAMP) Design gráfico - livro Leandro Leão

Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo __________________________________________ II Congresso Internacional de Habitação Coletiva Sustentável (2016, São Paulo.) Atas / coordenação Paulo J. V. Bruna; Leandro Medrano; Josep Maria Montaner; Zaida Muxí Martínez ; Renata Coradin . Catalunya: Master Laboratório de la Vivienda Sostenible del Siglo XXI - Universidade Politécnica da Catalunya; São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2016. 828p. (versão digital) ISBN 1.Habitação (Aspectos sociais). 2.Sustentabilidade. 3.Habitação (Políticas públicas). 4.Habitação (História). I.Bruna, Paulo J.V. II.Medrano, Leandro. III.Montaner, Josep Maria. IV.Muxí Martinez, Zaida. V.Coradin, Renata. CDD 711.13 _____________________________________________

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congresoviviendabarcelona@gmail.com

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