NORMATIVA, GESTIÓN E INDICADORES
Camila Moreno de Camargo, Mariana Cicuto Barros I São Paulo, Brasil
ASSESSORIAS TÉCNICAS NO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA ENTIDADES: NOVOS CONTEÚDOS E ARRANJOS PARA A AUTOGESTÃO HABITACIONAL NO BRASIL
Apesar de se tratar de uma produção ínfima em termos quantitativos1, se comparada a toda produção do programa habitacional brasileiro Minha Casa Minha Vida (PMCMV)2, a presença e permanência da modalidade Entidades3 (PMCMV-E) tem uma dimensão política paradigmática, apoiando-se na tradição de políticas habitacionais autogestionárias, envolvendo os mais representativos movimentos de luta por moradia e reforma urbana do Brasil. Inscreve-se, por este ângulo, em um percurso histórico em torno de um programa federal que disponibilizasse recursos, e fosse estruturado a partir das práticas de autogestão, com um conjunto de questões formuladas em dois momentos de debates que envolveram sua prática: o primeiro, nas décadas 1970/80, em que várias pesquisas construíam novas formas de representação da cidade periférica, concomitante à emergência dos movimentos sociais que se consolidavam a partir das influências de uma vertente libertária da igreja católica e de um conjunto de experiências em curso em outros países da América Latina, que envolviam práticas de mutirão e ajuda-mútua, vinculadas à produção de moradia; o segundo, de avaliação das experiências emblemáticas de produção habitacional através de procedimentos autogestionários desenvolvidas, sobretudo, entre as décadas 1980/90, em São Paulo. Neste percurso dos movimentos sociais, é possível apresentar concomitantemente a trajetória de determinados grupos técnicos formados, principalmente, por arquitetos, engenheiros e
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Até 2015, o PMCMV-E participou com 1,30% dos recursos totais do Programa e 1,15% das unidades habitacionais contratadas (UH). Nas Fases 1 e 2, as metas físicas estabelecidas eram, para o PMCMV-E, de produção de 30.000 UH e 60.000 UH, respectivamente, o que representou somente 3% do total previsto para as demais modalidades de atendimento à Faixa 1. A primeira fase do programa foi instituída pela Medida Provisória nº 459, de 25 de março de 2009, posteriormente convertida na Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, e demais normas infra legais. A segunda foi regulamentada pela Lei nº 12.424, de 16 de junho de 2011, e a terceira, pela Lei nº 698, de 30 de março de 2015 e sofreu uma série de alterações através de Medidas Provisórias subsequentes, no contexto do governo de Michel Temer. O PMCMV conta com um conjunto de modalidades, diferentes fontes de recursos, linhas de financiamento, tipologias habitacionais, agentes operadores e faixas de renda. Para a faixa 1, com rendas médias mensais mais baixas, apresenta-se o Programa Nacional de Habitação Urbana – PNHU, com as modalidades reconhecidas como MCMV Construtoras, Oferta Pública de Recursos (para municípios com até 50 mil habitantes) e o Entidades.
técnicos sociais - que gestaram o que viria ser denominado assessoria técnica à moradia, a partir de novos paradigmas que se colocavam à habitação social, conformando um tipo de intervenção que prezava pela participação no processo de projeto, gestão e construção da moradia. Estes grupos, que desde então se apresentam como figuras jurídicas sem fins lucrativos, colocavam-se “lado a lado” com os movimentos sociais na luta pela democratização, transformação do Estado, implementação de políticas participativas e, na habitação, pela viabilização de acesso a terra e programas em regime de mutirão com autogestão. Será a partir deste acúmulo de experiências, formulações e possibilidades de continuidade na elaboração de projetos participativos com os movimentos sociais, que o PMCMV-E será reivindicado no contexto de ascensão de Lula ao governo federal, com os quais todos os movimentos nacionais, de alguma forma, estabelecem relações de proximidade política. Na faixa de atendimento em que se insere este programa, a moradia é quase integralmente subsidiada e a parcela mensal paga pela família é determinada pela sua capacidade de pagamento. O PMCMV-E também se diferencia pela possibilidade de se estabelecer um contrato preliminar na compra do terreno e pagamento antecipado dos projetos. Essa foi uma “vantagem competitiva” dada às entidades nas disputas por terra, em um mercado aquecido pelo próprio PMCMV, permitindo que os proprietários recebam os valores do terreno tão logo se comprove a viabilidade técnica e financeira do empreendimento. Durante a obra, após a apresentação dos projetos, orçamentos e aprovações necessárias, as dimensões de administração adquirem outra especificidade – a antecipação de parcelas do financiamento - que leva em conta a natureza sem fins lucrativos das associações e a consequente inexistência do capital de giro. O estudo específico da modalidade em questão é relevante por colocar a autogestão habitacional em outro patamar, onde as entidades se posicionam como atores da produção: selecionando e organizando as famílias, contratando os projetos e discutindo-os com os futuros “beneficiários”, assumindo a responsabilidade pela gestão da obra, seja por meio da con-
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