Unidade Didática 1: A literatura de Quarto de Despejo: diário de uma favelada

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Afetar-se pelo afeto Da necessidade de empatia

Cada ser humano pode ser afetado de diferentes maneiras. Algo que afeta uma pessoa pode ser pouco ou nada relevante para outra. Essa diferença, no entanto, não justifica a preocupação apenas com aquilo que é pessoal, subjetivo, íntimo.

(Com)vivemos em sociedade e conviver implica o respeito ao outro, inclusive com relação àquilo que o afeta, mesmo que a ele seja indiferente. Posicionar-se no lugar do outro e respeitar suas emoções e seus sentimentos é fundamental para que cada um seja respeitado em suas particularidades. Essa habilidade de colocar-se na posição do outro para entendê-lo é o que se chama de empatia. Desenvolver essa habilidade é uma atitude política de luta por uma sociedade mais justa e respeitosa.

do outro

Filmes, romances, contos, novelas etc. contam histórias de personagens que passaram por grandes adversidades. Essas histórias podem afetar as pessoas de maneiras diferentes, mas de uma forma específica: pelo afeto do outro, por empatia com suas dores, emoções e sentimen-

tos com os quais cada leitor ou espectador se identifica ao colocar-se no lugar do outro..

1. Quais narrativas afetaram você? Faça uma lista.

2. Que tipo de afeto essas narrativas produziram em você?

3. A habilidade de empatia que lhe permitiu ser afetado pelos afetos do outro pode gerar algum tipo de mudança de olhar sobre a realidade? Explique.

Você vai ler a seguir alguns registros do diário da escritora Carolina de Jesus. Esse diário foi escrito enquanto ela era catadora de papel nas ruas de São Paulo (SP) e morava na favela do Canindé, às margens do Rio Tietê, em condições muito precárias. Os registros selecionados referem-se quase todos ao ano de 1958 e foram publicados no livro Quarto de despejo: diário de uma favelada.

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SEQUÊNCIA 1

Leitura

Quarto de despejo

» Carolina de Jesus e a filha Vera Eunice na década de 1960. Ao fundo, a antiga favela do Canindé, às margens do rio Tietê.

1. O termo quarto de despejo designa o cômodo de uma moradia onde são recolhidos os trastes, objetos velhos e de pouco valor. Por que Carolina de Jesus teria escolhido esse nome para o seu livro, que relataavidanumafavela?Formuleumahipótese.

2. O diário é um gênero textual cuja função é registrar a intimidade de seu autor e suas experiências cotidianas para uma leitura futura. Em geral, o leitor esperado desse tipo de texto é o próprio autor, tempos depois de escrito. O diário de Carolina de Jesus, no entanto, rompe com essa lógica e é disponibilizado para o público em geral. Podemos considerar esse diário pessoal como um texto literário? Formule uma hipótese.

3. O texto reproduz desvios em relação à norma-padrão, sobretudo de grafia. Por que o editor teria preferido mantê-los a corrigi-los?

4. A potência do diário de Carolina de Jesus vem do registro detalhado do cotidiano adverso da vida na favela do Canindé

a) De acordo com os registros da autora, qual o maior problema da vida na favela?

b)Que outros conflitos e problemas da favela o diário registra? Para sobreviver nas condições adversas que descreve, Carolina de Jesus busca maneiras de sustentar sua família

a) Comoaautoraconsegueessesustento?

b)Essas formas de sustento garantem uma vida com dignidade paraafamíliadeCarolina?Explique.

a. A maior parte do sustento da escritora advinha do trabalho como catadora de papel. Considerando o contexto social da época, quais seriam as possibilidades de ela melhorar sua condiçãodevida?Explique

Carolina de Jesus

» Carolina de Jesus na São Paulo, em 1960. (MG), Carolina Maria de sidades e só conseguiu

para São Paulo (SP) e trabalhou como empregada doméstica na casa

nos momentos de folga, e ampliava seu conhecidepois, instalou-se na favela do Canindé. Saía catar papel e ferro-velho

Duranteotempoem que

Quarto de despejo, um fenômeno de vendas que lhe possibilitou sair da digna a seus três filhos: Eunice.

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02 ARQUIVO/ESTADÃO CONTEÚDO

» Carolina de Jesus à porta de sua casa, ao lado da filha Vera, autografando o recém-publicado Quarto de despejo para o jornalista Audálio Dantas. Fotografia de 1960. Pensar

6.Os registros presentes no diário de Carolina de Jesus referem-se ao período entre 1955 e 1960. Nessa época, o Brasil e a cidade de São Paulo (SP) passavam por grandes transformações.

a) Em 1954, São Paulo comemorava o seu quarto centenário exaltando o progresso e os fundadores da cidade, os bandeirantes, com o slogan “São Paulo: a cidade que mais cresce no mundo”. Como parte das comemorações, foi inaugurado o Parque do Ibirapuera, construído onde antes era uma favela, cujos barracos foram transferidos para a favela do Canindé, na qual morava Carolina de Jesus. Considerando isso, explique como o progresso de São Paulo produzia reflexos na vida de moradores das favelas da cidade.

b)Em 1957, o presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976) criou o Plano de Metas, que tinha como objetivo a expansão e a consolidação da industrialização no país, além do desenvolvimento de outros quatro setores: energia, transporte, alimentação e educação. Esse plano, embora benéfico para o país, exigiu muito das finanças públicas, levando a uma aceleração da inflação. O Índice Geral de Preços (IGP) dessa época registra que, em 1957, o aumento anual de preços era de 13,74% e, nos anos seguintes, subiu para 22,60% (1958) e 42,70% (1959). Como os moradores da favela doCanindéseriambeneficiadosdeformadiretaporessePlanodeMetas?

7.O jornalista Audálio Dantas (1929-2018), quando realizava uma reportagem na favela do Canindé, no final da década de 1950, tomou conhecimento do diário que Carolina Maria de Jesus mantinha e foi o respon- sável por sua edição e publicação, o que rendeu um grande sucesso para a autora. Em 1960, ano de lançamento do livro, foram vendidos 100 mil exemplares.

a) Considerando a biografia da autora, que aspecto do livrojustificariaessesucessodevendas?

b)Em 1961, um ano depois da publicação e do sucesso editorial de Quarto de despejo, surgiu o Movimento Universitário de Desfavelamento (MDU), formado por estudantes de universidades da cidade de São Paulo, que prestava assistência a moradores de favelas por meiodeprogramaseducativos,orientaçãojurídicae implantação de saneamento básico. Considerando isso, explique qual seria a relevância social da publicação do livro de Carolina de Jesus para os moradores dasfavelas.

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e compartilhar 03

8. O diário é um gênero textual cuja função é registrar a intimidade de seu autor e suas experiências cotidianas para uma leitura futura. Em geral, o leitor esperado desse tipo de texto é o próprio autor, tempos depois de escrito. O diário de Carolina de Jesus, no entanto, rompe com essa lógica e é disponibilizado para o público em geral. Podemos considerar esse diário pessoal como um texto literário? Formule uma hipótese.

A fronteira entre literatura, jornalismo e relatos pessoais nem sempre é clara e objetiva. Muitos relatos, depoimentos e reportagens contam com recursos de linguagem que dão acabamento literário ao texto.

Alguns exemplos que se destacam no Brasil são os livros Estação Carandiru (publicado em 1999), em que o médico Dráuzio Varella (1943-) fala sobre seu cotidiano de trabalho no antigo Complexo Penitenciário do Carandiru; e Rota 66 (lançado em 1992), do repórter investigativo Caco Barcellos (1950-), sobre assassinatos então inexplicados em São Paulo (SP). Ambos os livros têm características literárias de estrutura e linguagem que vão além da mera informação de fatos e acontecimentos. Vale a pena lê-los.

BARCELLOS, C. Rota 66: a história da polícia que mata. Rio de Janeiro: Record, 2003.

VARELLA, D. Estação Carandiru. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.

se incluem romances, novelas, contos, entre outras formas narrativas), o lírico (as variadas

podem ter grande valor literário, assim como

9. O texto reproduz desvios em relação à norma-padrão, sobretudo de grafia. Por que o editor teria preferido mantê-los a corrigi-los?

10. A potência do diário de Carolina de Jesus vem do registro detalhado do cotidiano adverso da vida na favela do Canindé.

a) De acordo com os registros da autora, qual o maior problemada vida na favela?

b)Que outros conflitos e problemas da favela o diário registra?

11. Para sobreviver nas condições adversas que des- creve, Carolina de Jesus busca maneiras de sustentar sua família.

a) Comoaautoraconsegueessesustento?

b)Essas formas de sustento garantem uma vida com dignidadeparaafamíliadeCarolina?Explique.

c) A maior parte do sustento da escritora advinha do trabalho como catadora de papel. Considerando o contexto social da época, apresentado na atividade 1, quais seriam as possibilidades de ela melhorarsuacondiçãodevida?Explique.

#ficaadica
COMPANHIA DAS LETRAS EDITORA RECORD

12.

a) Com base nesses quadros, inspirados em depoimentos e escritos de Carolina de Jesus, é possível identificar o que ela considerava literatura. Qual o conceito que ela tem do ato de escrever poemas?

b)Qual outra concepção de literatura aparece na fala da vizinha de Carolina?

13. Nesse trecho da HQ e no diário de Carolina há indicações da importância que a escrita tem para sua autora. Além disso, em sua entrevista, no apêndice de seu livro, questionada sobre o motivo de começar a escrever, ela responde: “Quando eu não tinha nada o que comer, em vez de xingar eu escrevia. Tem pessoas que, quando estão nervosas, xingam ou pensam na morte como solução. Eu escrevia o meu diário.”

a) Por que a escrita do diário torna-se necessária para Carolina de Jesus?

b)Para seu autor, qual a importância da leitura de um diário que escreveu em tempos passados?

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Leia a seguir alguns quadros da biografia em HQ de Carolina de Jesus. PINHEIRO, J.; BARBOSA, S. Carolina São Paulo: Veneta, 2018. p. 33.
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JOÃO
PINHEIRO E SIRLENE BARBOSA/EDITORA VENETA

» Em depoimento à Ponte Jornalismo, a jornalista JulianaDantas,filhade Audálio,numamistura deafeto,empatia e identificação, declara sobre ojornalista:“Do meupai herdei as ranhuras das unhas, o brilho no olhar por umacachoeira gelada,o apreçopelaautenticidade das coisas e os direitos humanoscomoreligião”. Segundoela,essecartum de Eduardo Baptistão ilustrasuasbatalhaspelos direitos humanos, travadas compapel,caneta, indignação ecoragem.

14. Um dos registros com maior destaque no diário de Carolina é a referência que ela faz ao 13 de Maio, dia da abolição da escravidão.

a) Seria possível afirmar que o contexto de Carolina é similar ao da escravidão? Porquê?

b)O que havia, de fato, a se comemorar no dia 13 de Maio para Carolina de Jesus? Explique.

c) Carolina pede “Que Deus ilumine os brancos para que os pretos sejam feliz[es]”. Que sentido é produzido por esse pedido? Por que ela pede iluminação para os brancos em vez de pedi-la para os negros?

15. Nesse contexto de contínua privacidade e adversidade, o diário de Carolina mostra como ela e os seus são afetados por essa situação.

a) Como a fome afeta Carolina e sua família?

b)Nessecontexto,quesituaçõesproduzemafetospositivosemCarolina?

acesso aos universos e afetos que ela cria que o leitor pode perceber a sobre a natureza, a sociedade e as outras pessoas.

16.O jornalista Audálio Dantas destacou-se na luta pelos direitos humanos em geral e pelo de liberdade de expressão em particular. Foi presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo, primeiro presidente eleito por voto direto da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), diretor executivo da revista Negócios da Comunicação e deputado federal entre 1979 e 1983. Recebeu um prêmio da Organização das NaçõesUnidas(ONU)porsualutaemfavordosdireitoshumanos.

a) Considereosdados sobreo jornalista e responda:oqueo teriaafetadopara queseempenhasseparaapublicaçãodosdiáriosdeCarolina?

b)Considere o sucesso do livro e responda: o que teria afetado o público leitor que ofezapreciarodiáriodeCarolina?

c) Aempatiapodelevaraumamudançasocial?Como?

» Grandes nomes da literatura elogiaram a obra de Carolina de Jesus, como Clarice Lispector (1920-1977), a quem Carolina se referiu como “uma escritora de verdade”, ao que Clarice contrapôs: “Escritora de verdade é Carolina, que conta a realidade”. Foto da década de 1960.

EDUARDO BAPTISTÃO ACERVO DE DIVULGAÇÃO/EDITORA ROCCO 05

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