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Sobre as curiosas relações de vizinhança.

Tenho um vizinho, pianista, que mora por cima de mim. Sou privilegiado pois, em tempos, já tive um vizinho ex presidiário, situação essa a qual, apesar de não me fazer sentir desconfortável, não abonava muito a respeito da minha vizinhança.

Seja como for, invejo a sua paciência (a do vizinho pianista, não do presidiário, entenda-se) pois o mesmo inicia-se, de quando em quando, numa nova música e começa lentamente, a pouco e pouco, passo a passo, durante horas, que se transformam em dias, dias que se transformam em semanas e por vezes, em meses, até conseguir tocar a música sem quaisquer falhas.

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Já pensei em colocar-lhe um bilhete debaixo da porta, de modo gentil, a agradecer-lhe o bem que faz ao meu prédio e a perguntar-lhe, de modo ainda mais gentil, sobre se não se importava de terminar os seus ensaios com uma qualquer música dos Supertramp pois, apesar de apreciar a sua existência, confesso que ao final do dia me saberia bem relaxar de Rachmaninoff. Talvez um dia o faça. Vamos ver. Ou quem sabe ele leia este artigo … nunca se sabe.

Também tenho um vizinho com uma idade provecta, mas que religiosamente almoça numa tasca onde eu também vou. Cumprimenta-me sempre e comenta o estado das iscas de cebolada ou, eventualmente, da caldeirada de safio e eu, naturalmente, sigo o seu conselho pois já não tenho idade para aventuras. Aliás, encontrei-o um destes dias numa peixaria onde comprou doze douradas tendo o cuidado de me dizer que ia receber família na sua casa e como tal, iria grelhar as mesmas (as douradas, não a família, entendase) para o efeito. Pode parecer ingenuidade minha, mas, no meu entender, quem grelha doze douradas está habilitado a recomendar caldeiradas de safio ou outra coisa qualquer.

Tenho uma senhora encantadora que mora ao meu lado e com a qual eu cumpro a tradição de ir votar cada vez que há eleições. Temos sempre o cuidado de não dizer um ao outro em quem é que vamos votar pois isso não ficaria bem na nossa cultura democrática, mas seja como for,

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