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PERCURSOS PELA ALTA

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REGENERAÇÃO

REGENERAÇÃO

Ao percorrer a Alta, não nos deixamos de deparar com a imensidão de cultura e espírito universitário que nela existe, que ficou gravado em memórias, trovas e belas histórias, através de muitas gerações de estudantes. E que Alta era esta se não fosse a aldeia dos estudantes? Nessa aldeia, as Repúblicas tem um papel fundamental e, - apesar de infelizmente os repúblicos serem cada vez menos - o espírito em nada mudou. Por elas passaram a maioria dos estudantes desta bela cidade, tendo sido palco de grandes debates, jantares, risos e amores.

As Repúblicas em Coimbra surgem no século XIV, quando el-rei D Dinis manda edificar alojamentos na zona de Almedina de forma a albergar estudantes, mediante pagamento. O passar do tempo trouxe às Repúblicas fama e tradições próprias, sendo que, em 1957, aquando o primeiro Código de Praxe, estas ganharam um estatuto jurídico e uma regulamentação ao seu funcionamento. Nos anos sessenta, no fervilhar das lutas estudantis - que se traduziram na posterior crise académica de '69 - as Repúblicas assumiram um papel preponderante na política nacional, defendendo a democracia e a liberdade. Nesta imensidão de história académica, ressalvo três casas de estudantes que me são próximas: a República dos Galifões, a República do BotaAbaixo e a Real República dos Corsários das Ilhas.

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A República dos Galifões, recebe o seu nome por força de uma antiga tradição dos seus repúblicos: pelas fazendas da Alta, tomavam como seu um galo, cozinhando-o e convidando o dono de dito galo para se sentar à mesa para comer a sua ave.

Direita: República dos Galifões

Este belo poço de histórias e amigos tem porta aberta a todos a que a queiram conhecer, na Couraça dos Apóstolos nº 124.

De entre diversas histórias a mim passadas pelos residentes desta casa, destaco a que mais enaltece a força dos seus antigos residentes: perante um “estranho” incêndio na sua casa, viram-se forçados a deambular por outros lados, mas a sua resiliência levou-os a conseguir reunir o capital suficiente para adquirir a propriedade, e reconstrui-la ao esplendor do dia de hoje.

Uma curiosidade por poucos conhecida é que os belos gatos que vagueiam pela zona do Colégio de Jesus e o Chimico, são eles também residentes desta casa - e dos mais antigos, por sinal.

Por sua vez, a República do Bota-Abaixo, situada na Rua de S. Salvador nº6, já não é ponto de olhares constantes por estudantes ou turistas que decidam tomar o seu caminho pela PAV (ponto de referência de qualquer estudante de Coimbra).

Esta toma o nome devido à sua anterior localização, onde atualmente se encontrar o edifício do Departamento de Física e Química, tendo sido destruída pela que é conhecida como a Reforma do Meio do Século, levada a cabo pelo Governo Salazarista (a partir daqui, a razão de ser do nome torna-se, no final de contas, autoexplicativa).

Cima: dentro das paredes desta República, na janela mais alta - pintada com o mesmo amarelo até aos dias de hoje - o jovem José Afonso (mais conhecido por Zeca Afonso) tirou a fotografia do seu primeiro álbum, usando como pano de fundo a intemporal e única vista para a bela Cabra.

Mas é dentro da Real República dos Corsários das Ilhas que se encontra um belo tesouro arquitetónico: um teto em madeira do século XVI em estilo mourisco. A existência deste deve-se ao facto de a casa ter sido, em tempos, um convento de freiras Esta casa foi igualmente fundamental para as crises académicas que se opuseram ao regime salazarista, como escreveram os seus antigos nos diários de bordo, entre muitos um deles pertencente a Carlos Candal (antigo eurodeputado socialista, e também presidente da Associação Académica de Coimbra) no ano de 1962: nos inícios da Crise Académica.

Esta República é também responsável pelas bandas que se ouvem quando se pas- sa pela Couraça dos Apóstolos - não tivesse ela uma sala dedicada somente a música

Cima: o teto da Real República dos Corsários das Ilhas.

A Alta de Coimbra não seria a mesma sem a existência de Repúblicas, todas estas casas de estudantes que estão sempre de porta aberta, prontos a receber e a conhecer por quem lá passa. Estas, que são pontos de encontro, lugares de jantares, de convívios e de boas memórias.

Em jeito de conclusão, aproveito agora para agradecer a todos os repúblicos, não só destas casas, atuais e antigos, por todos os bons momentos que me proporcionaram durante os meus anos de estudante, e por serem um bastião da verdadeira cultura da academia e dos seus estudantes.

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