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Testamento do (des)Amor

Escrito Por Quem Dele Padeceu

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“Eu, Amor de nome, – e órfão de qualquer tipo de apelido agradável – encontrando-me longe de qualquer resquício de sanidade mental, extremamente perplexo com a violência que pauta os meus últimos suspiros e induzido em erro pelas minhas próprias expectativas, apresento como último desejo um pedido: que sejam cumpridas as minhas últimas vontades” .

“Primeiramente, gostaria de ser enterrado num lugar com vista para a alma. Não quero buracos negros como o breu que me conduzam a uma sádica e maléfica decomposição. Quero que o que de mim resta repouse num lugar privilegiado – não peço que seja no coração… depois de toda a mágoa que lhe causei, tal seria egoísta da minha parte. Mas que seja perto: assim, terei de igual modo vista para o apartamento que um dia habitei, e que tantas saudades me deixa –não que o senhorio tenha a mesma opinião, mas não posso discordar que nem sempre fui bom inquilino.” Sensato.

Continua… – pedi-lhe.

“Aos olhos, que um dia me viram como salvação, deixo-vos a minha eterna gratidão. Vocês, que foram o mais límpido espelho da essência de quem um dia amei, deixaram-me contemplar as perfeições e imperfeições no seu espetro mais nítido e inteligível.”

O que me veio à mente no segundo seguinte não fora dito em voz alta, mas pensado enquanto as linhas do rosto dela se definiam com a luz que entrava pelas vidraças: “obrigada pela oportunidade que me deram: de olhar nos olhos de alguém por quem morro de amores uma última vez, e matar as saudades que por aqui se acumulavam indecentemente”.

O rosto dela entristeceu-se, mas a mão calejada não parou de escrever. Aí tive a confirmação da minha verdade.

"Aos que em mim depositaram todas as suas fichas: deixo-vos resiliência, para que enfrentem a minha inconstância. Posso muito bem ter sido uma desilusão dia-sim, dia-não. Sei que fui de chegar. Outras vezes, fui de partir. Espero que, em parte dessas vezes, para todos vocês, possa ter sido de ficar. Por tudo o que vos dei, e por tudo o que recebi, desejo que guardem em cada vinco que no vosso rosto surja — a lembrança do que fomos, somos e seremos. Talvez um dia nos voltemos a encontrar.”

“Por último, a ti” .

O olhar dela repousou, indecifrável, sobre o meu rosto Continuei, mesmo sem saber se ela escreveria as minhas palavras:

“Por viveres com tanta pressa, e ainda assim me fazeres tua prioridade. Por sentires tudo intensamente, como se tudo o que sentes fosse uma despedida – porque é certo que, mais cedo ou mais tarde, será. Fui complicado ao ponto de te deixar acreditar que eras novamente tu a complicar. E caí no erro de não te desmentir. Como tal, a ti, deixo-te páginas em branco. Usa-as para que, depois de eu partir, escrevas a tua história sem mim. Se ainda há algum sentimento pelos meus restos imortais no teu ser, não comeces a escrevê-la à minha frente… porque sei que se o fizeres, já não me amarás no final. E eu não pretendo estar aqui para ver tal desgraça acontecer. Será inevitável. Serás tu Amor quando eu já não o for, e vais sê-lo melhor do que um dia eu fui”.

Muito contribui para a invalidade deste documento. Talvez a minha insanidade, por certo a minha insatisfação. Creio mesmo que há detalhes jurídicos que me ultrapassaram. Ainda bem que ela, um dia, saberá o que fazer quando se tratar de um testamento verdadeiro. Por agora, apraz-me que redija este esboço enquanto eu contemplo cada segundo na sua presença, já carregado de saudade.

Amei-a tanto. E não consegui sarar-lhe as feridas.

Até a flor, que repousa ao meu lado – como andorinha cansada de uma tremenda jornada – vai murchando enquanto escuta a nossa despedida

Algo mais a acrescentar?

É tudo, meu amor.

Morri hoje. Não fiquem tristes. Fui muito feliz.

O Coordenador

PELOURO JURISTA E LÚDICO

Guilherme Dos Prazeres, 3º Ano Jurídico

Os Colaboradores

Manuel Couto, 4º Ano Jurídico

Leonardo Pedro, 4º Ano Jurídico

Jeni Fidalgo, 3º Ano Jurídico

Edi O De Imagem

Leonardo Pedro, 4º Ano Jurídico

Jeni Fidalgo, 3º Ano Jurídico

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