Revista Brasileira de Literatura de Cordel

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e concisa o poeta expressa o significado da palavra ‘filosofia’(amigo da sabedoria), e sintetiza todo seu conteúdo e ainda traduz uma concepção de racionalidade oriunda da divindade que o conduz ao conhecimento de sua mais elevada aspiração. Além disso, o poeta trata dos conceitos mais fundamentais da filosofia, tais como liberdade, amor, sabedoria, verdade, interpõe o conceito de deus cristão (Pai) e aristotélico (o primeiro motor) e relaciona o criador (poietes, em grego) e a criação (poema) com a produção poética (poesia). Pode-se encontrar maior profundidade em tão poucos versos? Podemos dizer ainda que se faz necessário e é importante a produção de cordéis biográficos sobre os grandes filósofos, tarefa a qual tem se dedicado Gonçalo Ferreira, mas isto não é a regra para que se possa filosofar com cordéis, ao contrário do que têm feito alguns cordelistas que escrevem cordéis sobre gramática, matemática, geografia, etc, pois para isto basta que se escrevam cordéis, os quais devem ser ‘investigados’ e neles se encontre todas estas disciplinas incluídas em seu conteúdo, seja num cordel de gracejo, seja biográfico, seja romance.

Como filosofar com Cordéis? Diante disso tudo e sabendo que a poesia tem uma ligação com a filosofia e pode expressar ideias e reflexões filosóficas, podemos nos perguntar: Já que a filosofia agora se tornou obrigatória em todas as escolas do país, seria possível ensinar filosofia com cordéis? Uma vez dispondo de uma biblioteca de cordéis na escola poderia o professor de filosofia utilizar-se dos cordéis e levar os alunos à reflexão por meio deles? Nada melhor que citar alguns trechos de cordéis que levantem questões filosóArtigo | 22

ficas (morais, éticas, políticas, epistemológicas, metafísicas, etc.) e permitam entrever não só ao admirador, mas ao pesquisador, ao professor em geral, e ao filósofo em particular, toda a riqueza filosófica que pode se encontrar nesses modestos folhetos de literatura popular, muitas vezes subestimados pela grande maioria das pessoas. Vejamos este trecho do cordel Viagem a São Saruê de Manuel Camilo, o qual relata uma viagem fantástica a um lugar onde há tudo em fartura:

O povo em São Saruê Tudo tem felicidade Passa bem anda decente Não há contrariedade Não precisa trabalhar E tem dinheiro à vontade Lá os tijolos das casas São de cristal e marfim As portas barras de prata Fechaduras de ‘rubim’ As telhas folhas de ouro E o piso de sitim (...) Tudo lá é bom e fácil Não precisa se comprar Não há fome nem doença O povo vive a gozar Tem tudo e não falta nada Sem precisar trabalhar O que pensar diante de um cordel que trata de uma sociedade plena de fartura se contrapormos a realidade do povo nordestino que nos períodos mais agudos da seca sofrem a privação das coisas mais básicas?

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