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CAPA | THIAGO SOARES

THIAGO SOARES: LEVEZA E FELICIDADE QUE VEM DA DANÇA

Bailarino conta detalhes da trajetória ao mais alto posto da companhia Royal Ballet e a despedida para investir em projetos independentes

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_ POR NATÁLIA CARVALHO

O bailarino Thiago Soares em um solo, durante um espetáculo do Royal Ballet

“APENAS EU, MEUS pés e minha vontade de voar”. É com esse desejo que Thiago Soares, 38 anos, ocupa o cargo de primeiro bailarino convidado do aclamado Royal Ballet, em Londres. Nascido em Vila Isabel, subúrbio carioca, ele cruzou fronteiras para brilhar nos palcos do Brasil e do mundo. “A dança apareceu na minha vida meio que me chamando”, lembra.

Ao executar com maestria os elaborados passos de balé, Soares faz parecer que o estilo sempre esteve presente em sua vida. O primeiro contato com a dança aconteceu pelo street dance, ritmo de origem estadunidense que se desenvolveu durante a crise econômica, onde dançarinos e artistas desempregados passaram a se apresentar nas ruas. “Eu fazia dança meio de brincadeira quando, na época, estavam procurando pessoas que queriam estudar balé no Centro de Dança Rio, no Méier”, lembra.

Ao se apresentar, Soares despertou os olhares dos professores, que viram no garoto a possibilidade de um futuro brilhante nos palcos de grandes companhias de dança. Então, ele foi apresentado ao balé clássico, onde ingressou com “um ligeiro preconceito”, uma vez que a realidade em que vivia e o estilo de dança que adotava eram bem diferentes daquele para o qual seu talento havia sido descoberto. “Cresci em um bairro de samba, numa família heteronormativa. A gente tinha aqueles pensamentos latinos, de macho, de jogar bola. Então o balé não era normal”.

Após passar por uma fase difícil com a separação dos pais, Soares aproveitou a oportunidade e enxergou na dança clássica uma chance de vida. Apaixonou-se por cuidar do corpo, por dedicar-se a fazer os passos e, então, as motivações e a possibilidade de viver da dança viraram realidade.

Em 2001, o baliarino participou de um concurso que o permitiu ingressar no Royal Ballet. Com 20 anos, assinou o primeiro contrato com a companhia caminhou em direção a uma carreira que prometia ser admirável. Dedicado, o bailarino viu a profissionalização na dança decolar de maneira rápida. No corpo de um dos balés mais aclamados

“Cresci em um bairro de samba, numa família heteronormativa. A gente tinha aqueles pensamentos latinos, de macho. O balé não era normal”

de todos os tempos, ele dividia os aplausos com os parceiros, mas em pouco tempo teve talento para chegar aos tão sonhados solos. De solista, tornou-se o primeiro bailarino, o primeiro brasileiro a ocupar este posto, que é o mais alto a ser ocupado dentro de uma companhia, e passou a executar os principais papéis nos repertórios.

Conhecido em palcos por todo o mundo, aos 34 anos, Soares sofreu uma grave lesão no joelho e que colocou a carreira em risco. Chegou a pensar em parar de dançar, uma vez que, na idade em que estava, no mundo do balé, talvez fosse o momento de “começar a pensar na vida”. Mas não desistiu. Foram meses de exercícios e cuidados, um ano de reabilitação, e ele pôde seguir a trajetória na dança em segurança.

Raízes

Nessa entrevista para a Cultcom, passeando pelo passado, Soares relembra com leveza um episódio curioso. “Já atuava no Royal Ballet, mas estava meio travado, não estava indo para o lugar que eu queria que fosse”.

Foi quando o bailarino recebeu o conselho de uma antiga mentora, sugerindo que fizesse uma cirurgia plástica no nariz por uma questão de estética, pois com o “nariz africano” não seria possível que ele interpretasse os principais papéis nos repertórios clássicos, como os de aristocratas e reis. O bailarino chegou a visitar um médico cirurgião e, há cinco dias do procedimento, teve um despertar: após uma conversa com sua mãe, entendeu que não era isso que o levaria a outros patamares na dança. “Não sou contra cirurgia plástica, mas nenhum tipo de nariz, raça, cor ou orientação sexual vai limitar o talento de uma pessoa”.

E veja como a vida é: passados dois anos da tal sugestão, Soares era o príncipe de todos os balés, e chegou a enviar um DVD para a mentora. “Em nenhum momento interpretei a sugestão como algo grosseiro, pois compreendi que esse posicionamento vem de padrões impostos há muito tempo. Graças a Deus, o mundo está mudando”, comenta Soares.

Após 18 anos no Royal Ballet, ele assumiu o posto de primeiro bailarino convidado há dois anos e já prepara a despedida da companhia para se envolver em projetos independentes. “É bom deixar a festa enquanto ela ainda está boa. Isso quer dizer que eu não estou parado num lugar só. Eu não fico com o corpo de balé de uma companhia determinada. É o famoso freelancer”, explica ele, que “pendura as sapatilhas”, mas não descansará.

Soares pretende explorar novos estilos de dança, ainda atuará em papéis clássicos, mas se dedicará também a coreografias mais modernas. “O balé é doloroso, minucioso, específico e difícil. Mas é incrível, mágico, realiza seus sonhos e muda a vida das pessoas que fazem e que o assistem”, complementa.

Atualmente, devido à pandemia de coronavírus (Covid-19), o inquieto artista leva a arte da dança para o ambiente online, onde interage com o público. “Quando a gente se deparou de estarmos presos em casa, eu comecei a trocar com o público e fiz uma aula live, comecei a dividir mais o meu conteúdo”, comenta. “As artes, desde filmes a espetáculos de dança, estão dominando a atenção de todos nesse momento. E eu acho fundamental pra todo mundo se dedicar as artes: ser espectador, interagir, fazer alguma aula, se nutrir de modo balanceado do que vai assistir”, complementa o bailarino.

Balé nas telas

Além de poder contemplar Soares nos palcos, em breve ele estará nas telas. O filme “Coreografia da Vida” está em produção e contará a jornada trilhada pelo bailarino desde a saída do subúrbio do Rio de Janeiro, o contato com o balé, até os grandes palcos da Europa. Para o bailarino, o andamento da produção do filme virou um processo terapêutico. “É profundo, começo a viajar na minha própria história, volto no passado, visito coisas tristes e incríveis, e descubro coisas sobre mim, coisas que gosto ou não”, comenta. O bailarino teve que abrir a intimidade para que os produtores e o ator Matheus Braga pudessem captar e absorver de forma sensível e respeitosa a essência do bailarino. “Tenho deixado muito pro time criativo essa adaptação pro cinema. Eu não impus ‘tem que ter tal coisa’. Tem algumas que eu não imaginava que estariam no filme, porque eu não contei pra eles. Acho que tem que ser autêntico”, conta. c

“O balé é doloroso, minucioso, específico e difícil. Mas é incrível, mágico, realiza seus sonhos e muda a vida das pessoas que fazem e que o assistem ”

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