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ESPECIAL | LUIZ PÄETOW
from Cultcom #8
LUIZ PÄETOW
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Ator e diretor produzirá única peça escrita por Antunes Filho e reflete sobre as mudanças na arte pós-pandemia
_ POR ISABELA DE PAULA
O ator Luiz Päetow na peça “Prêt-A-Porter” (1998)
Foto Arquivo Pessoal UM PERÍODO DE luto, uma caixa de papelão. Lembranças de uma época que ficou marcada. O ator e diretor de teatro Luiz Päetow, até o ano 2000, fazia parte do grupo Centro de Pesquisas Teatrais (CPT), criado pelo diretor Antunes Filho (1929-2019). Desde a saída, o artista guardou os roteiros de peças e o material dos cursos de dramaturgia que lecionou no espaço e não mexeu mais.
Após a morte de Filho, em maio de 2019, Päetow passou dois meses vivendo o luto. Um dia, ao acordar de um sonho, teve uma sensação de nostalgia e dever, uma voz lhe dizia para abrir a caixa de papelão em que estavam as memórias da época do teatro. Foi então que o artista resolveu tirá-la do armário.
Entre todos os roteiros e anotações de cena, Päetow encontrou em um caderno um texto escrito por Antunes, modo que se refere ao diretor. A obra encontrada tinha como base uma das cenas escritas pelo ator nos anos que ainda fazia parte da CPT: a história de um filho que mata o próprio pai. Depois de ter criado a cena, ele entregou o que escreveu ao diretor. “Duas semanas depois, ele falou: ‘estou escrevendo uma peça em cima disso’. Ele me confidenciou, pediu sigilo”, lembra.
O texto encontrado é “$odoma & Gomorra”, única peça escrita por Antunes Filho, que aborda relações hu- >
Foto Arquivo Pessoal
Dedicatória de Antunes Filho deixa texto inédito como herança para Luiz Päetow

manas e o contexto bíblico de um castigo divino, a confusão e o desentendimento. Päetow cria um paralelo entre a obra e a realidade. “Hoje vivemos com uma sensação de fim do mundo, a arte e a sociedade estão se desestruturando. Voltamos todos ao ponto zero. Ninguém sabe mais de nada hoje em dia. Em quem acreditar? No seu pai e mãe ou no jornal ou na notícia que saiu na internet?”, comenta o ator.
Mesmo fazendo a releitura da obra, o artista ainda sentia que faltava algo, que os diálogos poderiam ser melhorados a ponto de se tornarem mais naturais e era preciso fazer adaptações. Com a dedicatória “Päetow, só você consegue encenar essa peça”, escrita por Filho, o ator sabia que aquela obra era para ele, não só por ter base em sua cena, mas entendia que só ele poderia encenar e dar vida ao texto. “O espírito dele [Filho] está por trás, mas os diálogos não estão prontos. Ele sabe que eu sou rigoroso, sou muito sério. A minha vida é o teatro, sou obcecado por isso desde criança. Ele me deu essa responsabilidade, e eu fiz esse trabalho da adaptação”, conta.
Ainda sobre a raridade da peça, o ator se vê pressionado para que a única obra teatral escrita por Filho ganhe os palcos. “Ele nunca conseguiu isso [apresentar uma peça de autoria própria], ele mesmo falava. A cada peça que estreava, ele falava ‘agora que estou conseguindo’, mas nunca chegou a concretizar o ideal que ele tinha. Tem esse combustível a mais, essa responsabilidade a mais nessa encenação”, confessa o ator.
Com as adaptações necessárias, Päetow afirma que mantém a essência do que é a obra de Filho e prioriza trabalhar ressaltando algo legitimo, de pura essência da obra.

O ator e diretor Luiz Päetow em cena no teatro
Na visão do ator, para usufruir do teatro a pessoa tem que estar fora do tempo-espaço: se você está na rua, está ao ar livre vendo se está de noite; se está chovendo, você está dentro do tempo e do espaço. “Quando você vai ao teatro, vai a um lugar fora de tudo, que não tem a iluminação solar, vai para um mundo que só acontece ali, e quando acaba [o espetáculo], volta ao mundo real. Que outra arte tem isso?”, analisa.
Segundo o ator e diretor, a crise causada pela pandemia de coronavírus (Covid-19) fará com que o ser humano comece a olhar para o valor de cada coisa que faz parte da nossa sociedade e, assim, ter uma nova maneira de enxergar o que é o teatro. “[O teatro] será revalorizado nessa potência ancestral, e não vai mais aceitar ser usado como uma ferramenta de fazer ficção. Hoje só pensam em como fazer essa indústria continuar”, comenta Päetow.
Diferente das ações feitas por atores nas formas de live em plataformas digitais, o ator acredita que dessa forma o teatro deixe de ser teatro, se tornando apenas uma performance. “O imprescindível no teatro é o ao vivo, é estar ‘cara a cara’. Ninguém sabe o que pode acontecer. O teatro possui por excelência esse risco do ao vivo, e é isso que o torna tão poderoso”, afirma.
Para esse espetáculo, que será dirigido por Päetow, foram escalados cerca de dezessete atores, entre eles Matheus Natchtergaele, Grace Passô, Cacá Carvalho, Fabiana Gugli, Christian Malheiros e Marcella Maia. O ator e diretor ressalta que os atores aceitaram o convite para compor o elenco não apenas por serem próximos dele, mas por saberem e acreditarem na seriedade do trabalho e da peça. c