5 minute read

Missões e evangelização - há algo a mais que precisamos saber?

Já escrevi diversos artigos aqui nesta coluna de OJB procurando demonstrar que se torna necessário ampliar e aprofundar nossa compreensão do significado da salvação a partir de uma visão mais ampla da leitura da Bíblia. Tenho procurado falar que, em geral, temos pregado uma salvação que focaliza apenas alguns dos seus muitos e importantes aspectos. E todos eles são necessários, mas se conseguirmos ampliar ao máximo a sua abrangência a pregação das Boas Novas será mais completa e transformadora.

Por exemplo, enfatizamos o aspecto jurídico quando falamos que a salvação ocorre porque Jesus morreu por nós. Sua morte substitutiva nos justifica e não temos mais a condenação. Plenamente correto, nada a mudar nessa ênfase.

Advertisement

Outra ênfase de nossa mensagem sobre a salvação é o seu caráter escatológico, isto é, quando somos salvos e perdoados de nossos pecados, temos direito a uma nova vida, a uma nova esperança e devemos aguardar a vinda de Jesus para nos buscar para vivermos na Nova Jerusalém ao final destes tempos. Muito bem, nada a corrigir. Há pregadores que até buscam mencionar que esta vida futura proporcionada pela salvação já começa aqui, mas na prática eclesiástica será que isso ocorre? Ou será que, depois de salvo, temos focalizado que a vida do crente passa a ser principalmente na dedicação ao trabalho na Igreja e na pregação? Será que está sendo incluído mais um ingrediente na ênfase que é o ocupacionismo, o pragmatismo e acabamos correndo o risco de reduzir Cristianismo a atividade, programas, estratégias, estruturas na Igreja e o domingo, que deveria ser dia de descanso e celebração, pode estar sendo transformado em dia do cansaço? Tentamos consolar as pessoas afirmando que o descanso será apenas lá no céu!? Mas nosso corpo que é o templo do Espírito Santo tem “reclamado”!

Há um outro foco em nossa pregação da salvação, que tem fundamento bíblico, que é a individualidade da salvação. Cada pessoa deverá decidir escolher ou não aceitar o Evangelho. O que se tem notado é que essa visão bíblica da salvação individual acabou recebendo influências do movimento da Modernidade chamado Iluminismo e transformou o conceito bíblico em individualismo. Isso me chamou a atenção para o fato de que há púlpitos em que a ênfase passa a ser a oferta de benefícios apenas para a vida individual sem a devida conexão do indivíduo salvo com a realidade da vida ao seu entorno. Assim, estando salvo acaba não se incomodando como devia com seu ambiente de vida, trabalho, social, deixando de se engajar a ser sal e luz nesse mesmo ambiente. Sermões de autoajuda, de distribuição de bênçãos para o crente, busca de bem-estar, transformando Deus em garçom etc., já se multiplicam. Outra versão do individualismo que tem crescido é a transformação de adoração em entretenimento, em que o “adorador” vai em busca, não necessariamente de adorar o Criador, mas de “receber energias” da aeróbica gospel para carregar suas baterias para enfrentar o dia a dia. Tenho chamado esse movimento de “adoracionismo”, que tem sido intensificado pelo estilo TikTok frágil e superficial das redes sociais, que tem trocado o discipulado pelos “likes” aos influencers da Internet. É o individualismo tomando conta da individualidade.

Mas precisamos ir mais longe em busca da compreensão mais profunda e integral do Evangelho; aliás Paulo afirmava que “nunca deixava de anunciar toda vontade de Deus” (Atos 20.27). Assim, ao ler a Bíblia tem sido possível ir mais além ampliando nossa visão do que representa a salvação em nossa história de vida, especialmente ao descobrir que um motivo que vai mais além de todos estes e, para mim, se torna o mais importante - nos dar condições de sermos recolocados no plano original de Deus na criação, que foi interrompido pela rebelião de Adão e Eva contra Deus no Éden (Gênesis 3). No plano original de Deus, não fomos criados para sermos salvos, mas para vivermos para a Sua glória (Isaías 43.7; Efésios 1.12) possuindo vida transformada e transformadora. Nascemos para isso em primeiro lugar e não para sermos salvos.

Com a queda no Éden, perdemos essa condição; tudo estava perdido e Deus poderia até mesmo ter destruído tudo. Mas Ele, ao nos amar, promete ao primeiro casal, ali mesmo após aquela terrível rebelião, que do descendente da mulher viria a resposta (Gênesis 3.15) e, assim, Ele enviou o Seu Filho para morrer por nós (morte substitutiva) eliminando-nos a culpa (justificação) e, aí, que temos perdido a mensagem; fomos recolocados novamente na posição original da criação. Em outras palavras, a salvação se tornou necessária para nos trazer de volta à condição original de vida - vivermos para a glória de Deus. Após a salvação, nosso posicionamento histórico e cosmológico é revelado por Paulo ao nos ensinar que ao estarmos em Cristo somos nova criação (em II Coríntios 5.17, no grego, a palavra é κτίσις, com a melhor tradução como criação).

Em resumo, quando uma pessoa aceita Jesus como seu Salvador e Senhor, ela não apenas é justificada de seu pecado, tendo direito futuro ao céu, ela é recolocada, diante de Deus, no plano original da criação (chamo isso de visão cosmológica da salvação) para viver para Ele ao estilo do que Paulo disse: “vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim, e a vida que agora vivo na carne, vivo na fé em Cristo Jesus... “(Gálatas 2.20). É por isso que Jesus disse: “Se alguém quer vir após mim, NEGUE-SE a si mesmo, tome cada dia (isto é, um estilo de vida) a sua cruz e SIGA-ME” (Lucas 9.23).

Você já pensou que cada centavo que você doa para missões é para levar esta mensagem completa de salvação.

Cada centavo é mais do que proporcionar apólices de seguro contra o incêndio do inferno aos ouvintes. Cada centavo é investido na pregação de uma nova vida que será proporcionada àqueles que aceitarem a mensagem, uma vida abundante (João 10.10) desde já.

Quando estiver no emprego ou entre os amigos e vizinhos dê uma olhada ao seu lado e veja quantos estão vivendo uma vida sem sentido, sem razão, quantos estão deixando de viver para a alegria e glória de Deus e que poderiam encontrar razão em sua existência tomando decisões diárias conforme a Palavra de Deus. Isso já é suficiente para desafiá-lo a também ser sal da terra e luz do mundo, exercendo influência por meio de vida transformada e transformadora com seu trabalho, com suas decisões neste mundo caótico, por meio da prática dos valores e ideais do Evangelho. Isso tudo é mais do que apenas dar a oferta para o sustento de missionários, mesmo porque cada um de nós somos missionários, enviados por Deus para representá-lo onde estivermos, não apenas com a pregação verbal, mas, muito mais, com vidas transformadas e que demonstrem a prática da salvação que obtivemos em Cristo. No livro de Tiago temos o ensino de conectar a fé com obras. Talvez estejamos andando apenas parte do caminho ao nos ocuparmos com o anúncio verbal, sem vida concreta e modelo e ao anunciarmos apenas parte do todo do que é de fato a salvação.

Missões e pregação do Evangelho é isso, é mais do que dar uma garantia apenas para o céu, é dar à pessoa, por meio de Jesus Cristo, sentido e razão de viver desde hoje. É dar oportunidade para a pessoa ser reintegrada no Plano da Criação como que “rebobinando” a vida e reescrevendo a sua história. Um abraço a todos e até a próxima.

Contatos E-mail: rega@batistas.org

Instagram: @lourencosteliorega