Comunicare 312

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Novidade a favor da vida

Robôs são aliados da medicina em procedimentos cirúrgicos Página 03

Cuidar é preciso

Projetos voluntários levam esperança às crianças Página 05

Doce e saudável consumo

Paraná se destaca na produção nacional de mel Página 10 e 11

Curitiba, 18 de Junho de 2018 - Ano 21 - Número 312 - Curso de Jornalismo da PUCPR

O jornalismo da PUCPR no papel da notícia

Barril de pólvora

Gunpowder barrel Greve dos caminhoneiros escancara a divisão do país Strike of the truckers flank the division of the country Páginas 06 e 07


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Curitiba, 18 de Junho de 2018

Crônica

A menina e a boneca sem perna Stefany Mello 3º período

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o bairro onde eu moro, existe uma praça bem movimentada, o local é centralizado e fácil para as pessoas poderem sair de suas casas e partirem para uma tarde agradável. O bairro é bem pequeno, diga-se de passagem. Todos os dias eu passo pela praça, o ônibus que me leva até minha rua têm sua parada exatamente na frente do lugar. O local é florido, têm uma ponte que atravessa um pequeno lago no meio da praça. As crianças estão sempre brincando com suas famílias.

disse com lágrimas nos olhos.

Em algumas semanas, fiz o mesmo trajeto, mas algo diferente me chamou atenção. Uma garotinha, loira, com olhos verdes, trajes um pouco velhos, estava suja em algumas partes do corpo, como por exemplo seu rosto delicado de pele branca, e seus pés, estava sentada em um dos bancos na praça. Seu olhar era triste, suas pequenas mãos estavam envolvidas em uma boneca feita de pano. Assim que cheguei perto um fato me chamou atenção, a boneca não tinha uma perna, perguntei para a garota o que havia acontecido.

– Em algum lugar, mas e a minha boneca? Não pode ficar sem sua perninha - Ela disse ainda me encarando.

– Por que você está triste? – Minha boneca, perdi a perninha dela, ela deve estar sentindo dor, não deve? - Ela

Comunitiras

Eu fiquei espantada. Afinal, de que maneira um objeto sem vida nenhuma pode sentir dor? Eu encarei a criança sem saber o que dizer. – Não acho que ela está sentindo dor, minha querida, onde estão seus pais? - Eu disse fazendo um carinho em suas mãos. A garotinha me encarou por alguns segundos e voltou a falar.

– Você quer que eu ajude a procurar? - Perguntei já sem saber o que dizer. – Quero - Ela sorriu. Ficamos praticamente meia hora procurando a perna de uma boneca de uma garota que eu nem sabia o nome e nada da vida dela, só que eu estava tentando encontrar a perna de uma boneca de pano de uma desconhecida. Não encontramos nada. A mãe da menina chegou e chamou a filha para ir embora, sorriu de forma singela para mim e foram embora. No dia seguinte, fiz o mesmo trajeto, desci em

frente à praça novamente e lá estava aquela criança, mas diferente do dia anterior, a menina sorria, brincava com sua boneca, estava totalmente alegre. Cheguei mais uma vez perto da menina e perguntei. – Olá, como você está? Encontrou a perninha de sua boneca? - Eu disse com entusiasmo, eu havia pensado que a alegria da menina era por ter achado o que procurava. Mas não, a garota me encarou e voltou a falar. – Não, moça. Minha boneca está feliz porque ela perdeu sua perninha, e então, eu cuidei muito bem dela, dei carinho para que ela não sentisse dor, brinquei mais com ela, e a enchi de beijos, e por isso, ela está muito mais feliz sem a perninha do que quando ela tinha as duas. É isso que importa, moça. Depois daquele dia, eu nunca mais encontrei aquela criança, ela nunca mais apareceu pela praça, às vezes acho isso um pouco assustador, porque ela e sua boneca me ensinaram uma lição muito bonita, não é porque não tenho algo importante que não posso ser feliz, e isso, eu nunca vou esquecer. Graças ao dia que conheci uma menina e sua boneca sem perna.

Expediente Edição 312 - 2018 O Comunicare é o jornal laboratório do Curso de Jornalismo PUCPR jornalcomunicare.pucpr@gmail.com http://www.portalcomunicare.com.br Pontifícia Universidade Católica do Paraná R. Imaculada Conceição, 1115 - Prado Velho - Curitiba - PR

REITOR Waldemiro Gremski DECANA DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES Eliane C. Francisco Maffezzolli COORDENADORA DO CURSO DE JORNALISMO Suyanne Tolentino de Souza

COORDENADORES DE REDAÇÃO /JORNALISTAS RESPONSÁVEIS Miguel Manasses (DRT-PR 5855) Renan Colombo (DRT-PR 5818) MONITORIA Caroline Deina

COORDENADORA EDITORIAL

FOTO DA CAPA

Suyanne Tolentino de Souza

Barbara Schiontek

COORDENADOR DE PROJETO GRÁFICO

CHARGE Isabella Beatriz Fernandes

Rafael Andrade

EDITORES

PAUTEIROS

Gabriela Savaris

Evelyn Rodrigues

6º Período

3º Período

Mariane Pereira

Fernanda Xavier

3º Período

3º Período

Paula Araujo

Guilherme Levorato

3º Período

3º Período

Ruan Felipe

Helen Sbrissia

7º Período

3º Período

Thais Porsch

Rita Vidal

3º Período

3º Período

Thamany Oliveira

Mariane Pereira

3º Período

3º Período

Thiliane Leitoles

Yuri Bascopé

3º Período

6º Período

Wesley Fernando 6º Período

ERRATA: A Foto de Capa da edição 311 do Comunicare foi realizada pela estudante Barbara Schiontek e não por Paula Araujo, como indicava o expediente do jornal.


Curitiba, 18 de Junho de 2018

Inovação

Avanço da tecnologia em cirurgias Evento em Curitiba realiza transmissão ao vivo de cirurgia com auxílio de robô Natalie Bollis 6º período

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ntre os dias 16 a 19 de maio, ocorreu no Expo Unimed Curitiba, no Campo Comprido, o 14° Congresso Brasileiro de Videocirurgia, junto com o 3° Congresso Brasileiro e Latino-Americano de Cirurgia Robótica. O evento apresentou um procedimento cirúrgico transmitido ao vivo do Hospital Erasto Gaertener para o congresso, com auxílio da tecnologia robótica que facilita a cirurgia. O evento acontece a cada dois anos e é caracterizado por discutir assuntos da cirurgia de forma geral e nas diversas especialidades como: cirurgião geral, bariátrica, ginecologica e torácica. Cerca de 223 palestrantes de diversos países estiveram presentes no evento. De acordo o Dr. Armando Melani, presidente do congresso e da Sociedade Brasileira de Cirurgia Minimamente Invasiva e Robótica (Sobracil), os participantes do evento tiveram a oportunidade de aprimorar seus conhecimentos sobre a cirurgia liminarmente invasiva, com cirurgias transmitidas ao vivo, cirurgias pré-gravadas, além de discutir o aprimoramento da técnica, como evitar as complicações,

melhorar a forma de executar o procedimento e falar sobre a ferramenta robótica, que é um equipamento que auxilia o médico nas cirurgias. Para Melani, essa tecnologia mostra para o cirurgião qual caminho ele deve percorrer para remover um órgão. “A ferramenta robótica oferece para o cirurgião uma melhor qualidade de execução dos procedimentos. O cirurgião manipula o robô, que amplia e melhora os movimentos da mão do médico; o software aumenta a capacidade visual, um aumento de imagem de até 10 vezes e com visualização em 3D. Assim dando a segurança de fazer um procedimento mais preciso”. Segundo Melani, a cirurgia com auxílio do robô proporciona um pós-operatório com menos sangramento, menor taxa de complicação, menor tempo de internação hospitalar, menos dor no pós-operatório e menor risco de uma infecção. Para realização da cirurgia com auxílio do robô, é preciso uma equipe no centro cirúrgico que fica responsável por cuidar dos equipamentos. “Existe um treinamento total da equipe Natalie Bollis

Evento privado para médicos e estudantes de medicina

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que manipula e dá toda a manutenção que precisa para o robô”, conclui Melani. O cirurgião Cristiano Klaus, presidente....(SBH), reforça que o foco principal do congresso é passar para os cirurgiões as técnicas cirúrgicas, as novas tecnologias, e diferentes abordagens para o tratamento dos pacientes, e cita como exemplo a cirurgia laparoscópica, como sendo um procedimentos minimamente invasivo que visa proporcionar ao paciente um processo menos agressivo e uma melhor recuperação. “Não são todos os médicos que têm conhecimento a respeito da cirurgia laparoscópica. A importância desse evento é complementar o conhecimento de muitos cirurgiões com uma técnica que hoje não é tão nova, mas pode ser considerada recente”. Klaus enfatiza que os cirurgiões têm a possibilidade de assistir às cirurgias transmitidas ao vivo, e videoaulas que são casos do dia a dia que o médico pode acompanhar colegas mais experientes e como eles lidam em determinadas situações. Quando ocorre alguma complicação cirúrgica ou algo inesperado, as cirurgias podem ser gravadas, e depois ser revisadas para utilizá-las como aprendizado para outros casos. As cirurgias que são realizadas por via laparoscópica são feitas através do robô com mais eficácia e segurança. A respeito do desenvolvimento dos robôs, Silvana Mali Kamura, coordenadora de serviços tecnológicos e inovação no Instituto Senai

de Tecnologia da informação e comunicação, em Londrina, a primeira etapa do processo de criação de um robô é fazer o levantamento de requisito, uma pesquisa para garantir a viabilidade de mercado. Após realizar o levantamento se inicia os projetos técnicos envolvendo hardware, software e firmware, desenvolvimento de um protótipo MVP, testes, ajustes e variação. No Senai PR, os alunos dos cursos de automação industrial, fabricação mecânica, manutenção mecânica, engenharia de software, entre outros, são capacitados para realização desses projetos. “Não há curso específicos para cirurgias robóticas, mas têm muitos cursos para desenvolver as competências de projetar software e hardware”, conta Silvana. O Hospital Erasto Gaertner, centro de excelência em diagnóstico e tratamento de câncer, em Curitiba, usa esse equipamento que tem mais facilidade e ajuda a inserir instrumentos nas cavidades abdominal, torácica ou oral. O Hospital Gaertner é o segundo do país a possuir a tecnologia, mas o primeiro a usá-la em pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS). O robô opera em cirurgias oncológicas que são tratamentos de câncer, e nas especialidades de urologia, ginecologia, cabeça e pescoço. A nova tecnologia foi viabilizada pelo Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica (Pronon), que tem a finalidade de captar e canalizar recursos para a prevenção e o combate ao câncer.


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Cidades

Estudantes devem apresentar novo documento para meia entrada Representantes estudantis visam tornar lei mais eficaz em instituições culturais e esportivas Vanessa Bononi 8º período

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ntidades estudantis, como o Club do Estudante e a União Paranaense dos Estudantes (UPE) têm pressionado os estabelecimentos culturais e esportivos a utilizarem apenas o Documento do Estudante como garantia do benefício de 50% de desconto em cinemas, teatros e competições esportivas. Embora não seja o que consta na legislação, é possível pagar a meia entrada utilizando a carteirinha da escola ou universidade em que se estuda. Contudo, essa realidade, na visão das lideranças estudantis, facilita a falsificação. Conforme Rodolfo Costa dos Reis, diretor de universidades privadas da UPE, o Documento do Estudante é a única forma legal de comprovar vínculo com qualquer instituição de ensino. “As carteirinhas não deveriam oferecer o benefício, uma vez que são apenas identidades internas de escolas, colégios e universidades”, declara o diretor. “Hoje a lei de meia entrada para estudantes não existe na prática”, declara José Le Senechal Neto, representante do Club do Estudante, uma associação que busca oferecer aos discentes diversos convênios, acesso a eventos culturais, esportivos, bolsas de estudos, além de outros benefícios. Para Neto, carteirinhas diferentes são facilmente adulteradas, o que faz com que mais de 90% dos ingressos vendidos hoje sejam da política de meia entrada. “Os estabelecimentos deixaram de competir devido ao excesso de ingressos com o benefício, então, acharam uma solução: do-

braram o valor das entradas, o que faz com que a meia seja atualmente o valor da inteira”, conclui Neto. Ele explica que o valor da meia entrada é, na verdade, o valor da entrada cheia. Neto destaca que, se a meia fosse realmente cobrada, os estudantes poderiam economizar bastante dinheiro, o que só seria possível se o uso do documento do estudante fosse exigido. Reis compartilha dessa opinião. Para ele, o Documento do Estudante, que é uma conquista dos movimentos estudantis, deveria ser cobrado com mais rigor, mas o que acontece é o contrário. Ele explica que o documento ajuda a financiar e a garantir o funcionamento das entidades estudantis. O valor da confecção de R$ 35,00 é repassado para pagar o custo da produção, a União Nacional dos Estudantes (UNE), a UPE e a entidade estudantil representativa local, como o Diretório Central dos Estudantes (DCE).

União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), pelas entidades estaduais e municipais filiadas àquelas, pelos Diretórios Centrais dos Estudantes (DCEs) e pelos Centros e Diretórios Acadêmicos, com prazo de validade renovável a cada ano. São necessários uma foto 3x4 recente e já digitalizada (uma cópia escaneada ou uma foto feita pelo celular), documento de identificação como o Registro Geral (RG), a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), o Registro Nacional de Estrangeiros (RNE), o passaporte, ou o comprovante de matrícula.

Embora a prática de muitas empresas não demonstre essa realidade, algumas instituições já passaram a adotar o Documento do Estudante como única forma de validar a meia entrada para os alunos. O site ingresso rápido, que comercializa diversos espetáculos em todo o país, também é claro em relação à exigência do Documento do Estudante. De acordo com o site, os estabelecimentos poderão recusar qualquer outro documento que não seja o referido documento discente padronizado, sem direito a reembolso.

Vanessa Bononi

Ele ainda explica que se algum estabelecimento negar o benefício da meia entrada a quem apresenta o Documento do Estudante, essa pessoa deve levar o comprovante ao Procon. “É possível também chamar a polícia ao negarem o documento oficial, então, o órgão que recusou a cumprir a lei da meia entrada será notificado, porém isso só seria possível com o Documento do Estudante”, finaliza. O documento pode ser emitido pela Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), pela União Nacional dos Estudantes (UNE), pela

Desde março os cinemas já exigem o Documento do Estudante


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Cidades

Projetos sociais transformam as vidas de crianças Pesquisa do IBGE aponta aumento no número de pessoas que se dedicam a atividades voluntárias Matheus Zilio 3 º período

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e acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), publicada em abril desse ano pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é considerado trabalho voluntário toda a atividade realizada por qualquer indivíduo ou empresa, por pelo menos uma hora na semana, por vontade própria e sem receber remuneração. E que o objetivo seja realizar serviços a pessoas que não moram no local e não sejam parentes do voluntário. “Trabalho voluntário faz as crianças se sentirem mais incluídas. Mostra que ainda tem alguém por elas, alguém que vai se importar’’, expõe a estudante e voluntária do projeto Deus, Amor e Compreensão (Deaco), Ana Júlia Viganó. A voluntária explica que quando entrou na instituição se apaixonou por tudo que o projeto faz, desde brincadeiras com as crianças, até mobilizações que intervêm comunidades muito maiores. Ana explica que as crianças que vão ao projeto são encaminhadas para a casa lar, onde passam uma tarde com os voluntários. A estudante conta que essas crianças passaram por muita coisa que as pessoas nem imaginam. ‘’São crianças que foram retiradas dos pais pela justiça, ou pelo conselho tutelar. Seja porque foram abusadas, negligenciadas, ou qualquer coisa assim’’. Ela conta que existem casos raros de crianças que simplesmente não falam ou têm um comportamento violento.

Matheus Zilio

O Deaco é dividido em seis comissões, cada uma com um tipo de atendimento, localizadas em diversas regiões de Curitiba e São José dos Pinhais, explica a coordenadora da Comissão Inovação, Marinice Costa. A organização realiza encontros que são feitos pelos jovens, que se reúnem para fazer atividades voluntárias. Para Marinice, as crianças que participam do Deaco geralmente são carentes de uma rotina, pois no dia a dia delas o destino é incerto. O grupo busca oferecer carinho, atenção, brincadeiras, sorrisos e um abraço apertado. ‘’Quando você faz alguém sorrir, você preenche seu coração e começa a valorizar pequenos detalhes’’. O número de pessoas que participaram de trabalhos voluntário aumentou 13% em 2017, comparado a 2016, o equivalente a 7,4 milhões de indivíduos, com o perfil preferencialmente de mulheres, segundo a PNAD Contínua.

Fonte: Outras formas de trabalho. PNAD Contínua 2017 Algumas são carentes de amor e outras de dinheiro’’, afirma a diretora do projeto Amigos para Sempre realizado pela ONG, Heloisa Geha. Ela também conta que nos encontros algum valor é passado para as crianças carentes sempre que possível, como bem comum, esperança e caridade.

De acordo com a mesma pesquisa, ano passado 78,9% das pessoas que fizeram trabalho voluntário participaram de alguma congregação religiosa, sindicato, condomínio, partido político, escola, hospital ou asilo e 13% participaram em associações de moradores, associações esportivas, ONG’s, grupos de apoio ou outro tipo de organização.

Professor e consultor da área da Infância, Educação e Defesa dos Direitos Humanos da Prefeitura de Curitiba, Jean Michel da Silva explica que as organizações de terceiro setor e as da sociedade civil se sustentam por meio de mobilização de recursos: ‘’muitas possuem estratégias e planejamentos, plataformas de crowdfunding, campanhas de captação de fundos para pessoa física e jurídica, e também via editais privados ou públicos’’.

É o caso da ONG Sonhar Acordado Curitiba, que realiza projetos com crianças carentes: ‘’são aquelas crianças que precisam passar o menor tempo possível em casa.

O consultor diz que os benefícios do trabalho voluntário para a sociedade são bem amplos: ‘’as pessoas por meio do programa conseguem se auto desenvolver, aprendem

liderança, senso de trabalho em equipe e podem fomentar a instituição que estão’’. Silva alerta para a importância de ficar atento em relação às políticas públicas, porque como essas organizações da sociedade trabalham com pessoas em situações de vulnerabilidade é necessário vigiar para que os direitos delas prevaleçam. “O trabalho voluntário é importante, mas precisamos ter uma concepção de mudança social a partir das políticas sociais’’. Para o professor, o trabalho voluntário atualmente é de extrema importância tanto para a instituição, quanto para a pessoa que participa, porque muitas vezes o voluntário atua prestando consultorias, ou trabalhos na área de formação, e assim auxilia no desenvolvimento da organização. O voluntário desenvolve valores e virtudes ao se colocar no lugar do próximo, buscando construir um mundo melhor, a partir daquele conhecimento que ele já possui.


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Política

Greve dos caminhoneiros cria palco para intolerância política Pedido por intervenção militar de manifestantes geram ataques e discussões entre a população Barbara Schiontek Rita Vidal Thiliane Leitoles 3º período

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m meio ao cenário político atual, a intolerância, que já se mostrava preocupante, entrou em processo de combustão no Brasil. A greve dos caminhoneiros, que se iniciou como uma luta da categoria contra a alta no preço do diesel, expôs ainda mais a ferida aberta em uma sociedade que está dividida. Entre filas nos postos de combustíveis feitas por motoristas que temiam ter de deixar seus veículos parados, e cidadãos que correram aos supermercados atrás de produtos alimentícios, com receio de um desabastecimento, o que se viu foram as mais diversas reações com pedidos como a redução de impostos, passando pelo fim dos pedágios nas estradas, até a queda do presidente Michel Temer e a consequente intervenção militar no governo.

O diretor e vice-presidente do Sindicato dos Transportadores Rodoviários Autônomos de Bens do Estado do Paraná (Sindicam-PR), Josemar Francisco Cunha Bueno, conta que o movimento dos caminhoneiros não teve um caráter político. “A intervenção militar não é parte da demanda da classe dos caminhoneiros. Manifestações de interesses diferentes da pauta oficial da categoria, ainda que vindas de caminhoneiros, não representam nosso protesto”. Para o diretor, tanto antes quanto depois do movimento dos caminhoneiros autônomos, o governo federal se mostrou indiferente às reivindicações da categoria. Segundo o vice-presidente, a negligência do governo se agravou muito durante a

paralisação, pois para Bueno, o Executivo federal não levou em conta a importância do caminhoneiro e a dependência do país com o sistema de transporte rodoviário. “O governo demorou para dar atenção à classe e, até que isso acontecesse, a população uniu sua voz ao movimento, pedindo não apenas pelas reivindicações dos caminhoneiros autônomos, mas expressando outras demandas”. O caminhoneiro autônomo Wagner Ângelo conta que a paralisação não tinha partido, nem sindicato envolvido, quem aderiu foram os próprios autônomos. Ângelo diz que gostaria que as pessoas tivessem apoiado um pouco mais a greve. “A população não foi atrás, depois as pessoas ficam com raiva porque sobe a gasolina e Barbara Schiontek

Além da alta no preço do diesel, caminhoneiros estão descontentes com o governo atual

baixa o diesel. A hora de agir era no momento em que os caminhoneiros pararam”. Ele ainda explica que o frete oscila muito e que isso é prejudicial no trabalho, e, são por essas razões, que os caminhoneiros se encontram inconformados. “Para a gente, o governo é um bando de canalhas. Eles só olham o lado deles, aprovam somente o que eles querem”. Também caminhoneiro autônomo Paulo Dirinzo acredita que a população estava apoiando o ato, porém, faltou um pouco mais de patriotismo. “É ver que o nosso país está nas mãos de corruptos. Não podemos nos submeter ao comando deles. Não há possibilidade desse governo melhorar, todos os partidos são podres”. Ele defende que a única forma de mudar positivamente a política é trocando todo o sistema, pois, segundo Dirinzo, não há nenhum candidato decente. “Eu tenho 53 anos e me lembro da época do regime militar, mas não me lembro de nenhuma ditadura. Não estamos pedindo a ditadura, pois é um regime que não se cria mais, não funcionaria no Brasil. Nós queremos que as Forças Armadas derrubem as pessoas que estão no poder, para que eles sejam varridos e se estabeleça uma novo governo”. O consultor de obras Vitor Portela esteve presente na greve dos caminhoneiros exclusivamente para pedir que a intervenção militar fosse feita. O jovem acredita que


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Política com o atual cenário brasileiro a disciplina deve ser aplicada já que, segundo ele, conversas e leis não ajudam e o respeito não existe. Portela não considera que o brasileiro seja intolerante politicamente já que, segundo ele, a Constituição brasileira é bastante ampla e dá o direito a quem quer que seja de se manifestar. Para as eleições de 2018, o consultor de obras espera que seja eleito um presidente disciplinado e que implante uma vida digna de valorização familiar. “Espero que seja eleito um presidente que pare de covardia em pagar essas esmolas de bolsa família. O presidente precisa criar um futuro de coloniais industriais e rurais”. Para a professora de ciências políticas Amélia Rossi, o pedido por intervenção militar dos caminhoneiros está relacionado ao direito à memória e à verdade. Além disso, explica que o Brasil foi o único país da América Latina que não fez a sua justiça de transição com a Lei da Anistia. “Não foi feita a investigação e punição dos crimes cometidos na Ditadura Militar. Diante do milagre econômico do Governo Militar, o país progredia, mas progredia ao custo da dignidade das pessoas. A população, por des-

Barbara Schiontek

mostrando cada vez mais forte desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. “De certa forma houve uma polarização da sociedade, as pessoas não estão mais dispostas a discutir sobre o seu ponto de vista saudavelmente. Segundo a Constituição, temos direito à liberdade de expressão, mas isso não permite a propagação de discursos de ódio”. O professor de economia Luciano Castro afirma que devido ao clima de políticas de separação que vem acontecendo nos últimos anos, a sociedade está se transformando em um barril de pólvora. “Mulheres versus homens, negros versus brancos, homos versus héteros. Todos devem ser iguais perante a lei, não diferentes”. Para o economista, a intervenção militar é impossível de acontecer já que precisa de apoio da sociedade internacional, de toda a classe política e do próprio Exército. O economista ainda afirma que a paralisação somente expôs algo que é latente na sociedade. Castro explica que essa insatisfação da população com a classe política acontece devido à confiança e ao senso comum dos cidadãos sobre os tempos melhores na época militar. “A paralisação

Como forma de progresso, alguns manifestantes pedem por intervenção militar caminhoneiros, mas também com o pedido de muitos pela intervenção militar. O sociólogo afirma que todo movimento de cunho político sempre estará sujeito a contradições. “A distorção de ideais esteve presente na greve dos caminhoneiros. É daí que surge a intolerância”. Além disso, Miranda diz que as notícias falsas tomaram conta da internet e o perigo está quando as pessoas acabam tomando todas as informações como verdade. “Essa discussão e intolerância acabam por se tornar uma batata quente, em que as pessoas e o poder público não conseguem traçar uma solu-

“Talvez essas pessoas não tenham a menor ideia do que é um regime de exceção ou de que nele se é perdido o direito à greve”

conhecimento e ignorância, acha que um governo militar seria melhor”. A cientista política ainda comenta que “inoperância do governo Temer é reflexo da ilegitimidade com a qual o mesmo assumiu o cargo”. Para Amélia, a intolerância política é algo que vêm se

jogou lenha na fogueira. Pessoas depositam a confiança nos tempos em que a corrupção era controlada e a violência infinitamente menor”. O professor de sociologia Gilberto Miranda diz que ficou surpreso não só com a quantidade de pessoas que apoiaram o movimento dos

ção para seus problemas. O caminho mais fácil é sempre culpar alguém”. O sociólogo ainda sugere que a melhor resolução para intolerância é a educação, pois tornar os indivíduos bons interpretadores seria um caminho para o respeito e a tolerância.

Deputados opinam A respeito dos pedidos de parte da população para que ocorra uma intervenção militar e sobre o descontentamento com a classe política de um modo geral, o deputado Edson Praczyk (PRB) diz que não aprovou a mudança de foco, que colocou a intervenção militar como uma das pautas da manifestação. “Algumas pessoas aproveitaram-se da greve para reivindicar a intervenção militar, que é desejo de um grupo em particular e não dos caminhoneiros. É direito deles, mas isso eu não aprovo”. O deputado acredita que a greve foi um gatilho para a intolerância, visto que levou muitas pessoas a se revoltarem contra qualquer figura política. “Eu vi um político que tentou oferecer barracas durante a greve e os caminhoneiros repudiaram a atitude dele. Ou seja, era bem-vinda a ajuda de todo mundo, menos do político. Eu não teria o menor problema em ir protestar junto aos caminhoneiros, mas provavelmente minha atitude não seria encarada com bons olhos. Isso é intolerância”. Praczyk critica a mídia, pois acredita que a imprensa contribui para que as pessoas

sintam repúdio dos políticos, já que, segundo ele, os meios de comunicação apresentam a classe política como a mais perversa. “Em todos os segmentos organizados, existem bons e maus indivíduos. Na política, não é diferente, existem pessoas boníssimas e outras perversas”. Por sua vez, o deputado Tercílio Turini (PPS) acredita que a manifestação dos caminhoneiros foi válida, mas o pedido de alguns pela intervenção militar foi um retrocesso. “Talvez essas pessoas não tenham a menor ideia do que é um regime de exceção ou de que nele se é perdido o direito à greve”. Para ele, a paralisação mostrou a insatisfação do povo com o governo brasileiro e deu espaço para manifestações intolerantes referentes à opinião política. Em relação à diminuição da intolerância no país, Turini imagina que são duas medidas possíveis para que as coisas melhorem: a primeira é por meio de uma revolução, a qual o deputado não acredita que aconteça por não ser do perfil brasileiro; a segunda, a qual o parlamentar acredita ser a mais correta e democrática, se dá por uma maior participação da população na política.


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Politics

Truck drivers’ strike makes room for political intolerance Request for military intervention from protesters generates attacks and arguments among the population Barbara Schiontek Rita Vidal Thiliane Leitoles 3rd period

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n the current political scenario, intolerance, which was already worrying, blew up in Brazil. The truck drivers’ strike, which began as the drivers’ category fight against rising diesel prices, further exposed the open wound of a divided society. From lines at the gas stations made by drivers who feared they had to leave their vehicles stopped, to citizens who ran to supermarkets after food products, fearing a shortage, what was seen were the most diverse reactions and requests, such as the reduction of taxes, the end of toll roads, and even the impediment of President Michel Temer and the consequent military intervention. The director and vice-president of the Sindicato dos Transportadores Rodoviá-

rios Autônomos de Bens do Estado do Paraná (Sindicam – PR), Josemar Cunha Bueno, says that the truck drivers’ strike did not have a political character. “Military intervention is not part of the truckers’ class demand. Manifestations of different interests from the official guidelines of the category’s strike, even if they come from truck drivers, do not represent our protest.” For the director, both before and after the self-employed trucker’s movement, the federal government was indifferent to the claims of the category. According to the vice president, the government’s negligence worsened a lot during the protest. According to Bueno, the federal executive power

did not consider the importance of the truck drivers and the country’s dependence on road transportation.

would fall. The time to act was when the truck drivers stopped working. “

“The government took a long time to pay attention to the category and, until that happened, the population joined the movement, asking not only for the demands of the self-employed truck drivers, but expressing other demands.”

He further explains that freight prices fluctuate a lot and that it is harmful to work, and it is for these reasons that truckers are unhappy. “For us, the government is composed by a bunch of bastards. They just look at their interests, they only approve what they want for them. “

The self-employed truck driver Wagner Ângelo says that the protest had no party, nor syndicate involved, who joined it were the self-employed. Ângelo says that he would like to have more support from people. “The population did not take action, afterwards, the people would get angry because gas prices would rise and the diesel price

The self-employed truck driver, Paulo Dirinzo, believes that the population was supporting the act, but lacked a little on patriotism. “It is to see that our country is in the hands of corrupt people. We cannot be submitted to their command. There is no possibility for this government improvement, all parties are rotten. “

In addition to the high price of diesel, truck drivers are unsatisfied with the current government

Barbara Schiontek

He argues that the only way to positively change politics is to change the whole system, because, according to Dirinzo, there is no decent candidate. “I am already 53 years old and I remember the time of the military regime, but I do not remember any dictatorship. We are not asking for the dictatorship, because it is a regime that is not possible anymore, it would not work in Brazil. We just want the Armed Forces to overthrow the government, so they can be swept away and a new government established”. Construction consultant Vitor Portela was present at the truckers’ strike exclusively to request that military intervention be made. The young man


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Politics believes that with the current Brazilian scenario the discipline must be applied since, according to him, conversations and laws do not help and respect does not exist. Portela does not consider that the Brazilian people is politically intolerant since, according to him, the Constitution is quite broad and gives the right to whoever wants to manifest. For the 2018 elections, the construction consultant hopes that a disciplined president will be elected and that he will lead a decent life focused on the family valorization. “I hope that the next president to be elected will stop paying these bolsa família that seems like charity.”

Barbara Schiontek

ment is a reflection of the illegitimacy with which he took office”. For Amelia, political intolerance has been proving itself increasingly strong since the impeachment of former President Dilma Rousseff. “In a way, society has been split, people are no longer willing to argue about their point of view reasonably. We have the right to freedom of expression under the Constitution, but this does not allow hate speech.” Economics professor Luciano Castro says that because of the mood set by the separation policies that have been taking place in recent years, society is turning into a time bomb.

For political science teacher Amélia Rossi, the request for military intervention from the truck drivers is related to the right to memory and truth. In addition, she explains that Brazil was the only country in Latin America that did not make its transitional justice with the Amnesty Law.

“Women versus men, black versus white, homosexuals versus heterosexuals. Everyone must be equal before the law, not different.” For the economist, military intervention is impossible because it needs the support of international society, the entire political class and the Army itself.

“The investigations and punishments for the crimes committed by Brazil’s Military Dictatorship weren’t carried out. In the face of the economic miracle of the Military Government, the country was

The economist still says that the strike only exposed something that in society. Castro further explains that this dissatisfaction of the population with the political class is due to the trust and common sen-

Strikers ask for Military Intervention in hopes of progress people who supported the truck drivers’ movement, but also by the request of many people for military intervention. The sociologist affirms that any movement of a political nature will always be subject to contradictions. “The distortion of ideals was present in the truckers’ strike. That’s where intolerance comes from.” In addition, Miranda says that fake news has taken over the Internet and that the danger lies in people who end up taking all the information as truth. “This discussion and intolerance turn out to be a hot potato, where people and government cannot figure out

“These people may not have the slightest idea

of what a military regime is or that the right to start a strike is lost” progressing, but it was progressing at the cost of people’s dignity, so the population, suffering from lack of information and ignorance, believes that a military government would be better.”

se of average citizens about better times in the military era. “The strike made things worse. Citizens are trusting in times when corruption was more controlled and violence was infinitely less.”

The political scientist still comments that the “inoperability of the Temer govern-

Sociology professor Gilberto Miranda says he was surprised not only by the number of

a solution to their problems. The easy way is to always blame someone else”. The sociologist still suggests that the best solution to intolerance is education, because making individuals good interpreters would be a path that leads to respect and tolerance.

Deputies show opinions Regarding the requests from the population for military intervention and discontent with the political class in general, state deputy Edson Praczyk (PRB) says he did not approve of the shift in focus, which made military intervention part of the arguments manifestation. “Some people took advantage of the strike to claim military intervention, which is the desire of a particular group set apart from the truck drivers. It’s their right, but I do not approve.” The deputy believes that the strike was a trigger for intolerance, as it has led many people to revolt against any political figure. “I saw a politician who tried to offer tents during the strike and the truckers went against his attitude. That is, everyone’s help was welcome, except for the politician. I would not have the slightest problem going to the protest with the truck drivers, but my attitude would probably not be well seen. This is intolerance. “ Praczyk criticizes the media because he believes that the press contributes to people’s repudiation of politicians,

since, according to him, the media presents the political class as the most perverse. “In every organized segment there are good and bad individuals. In politics, it’s no different, there are very good people and some very bad people. “ Deputy Tercílio Turini (PPS) believes that the demonstration of the truck drivers was valid, but the request of some for the military intervention was a setback. “These people may not have the slightest idea of what a military regime is or that the right to start a strike is lost”. For him, the strike showed the people’s dissatisfaction with the Brazilian government and gave way to intolerant manifestations regarding political opinion. Regarding the shrinking of intolerance in the country, Turini imagines that there are two possible actions for things to improve: the first is through a revolution, which the deputy does not believe will happen because it is not a characteristic from the Brazilian people; the second, which the parliamentarian believes to be the most correct and democratic, people’s participation in political issues.


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Economia

Produção de mel é vista como oportunidade de melhorar a renda Anelise Wickert

A expectativa é que o mercado cresça quase 7% durante 2018 Anelise Wickert 3º período

Placa de comercialização do mel

D

ia 22 de maio é o dia do apicultor. A profissão é relacionada com todos os produtos de origem apícula: mel, cera, geleia, própolis, vinho e cosméticos derivados desses itens. A procura por tais mercadorias consolida principalmente o mercado da produção de mel. Visando uma melhora financeira, muitas pessoas estão cultivando e comercializado o produto no Paraná. Em nível nacional o mel representa atualmente apenas 0,01% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. Isso equivale a aproximadamente R$ 500 milhões que movimentaram o mercado em 2017. Porém, o setor voltado para o produto tem expectativas de crescimento beirando 7% durante o ano de 2018, de acordo com o site do Ministério da Fazenda. Em esfera estadual, o Paraná é o segundo maior produtor nacional de mel com uma média de 5.213 toneladas por ano. Esse número equivale a aproximadamente R$ 156

milhões na economia do Estado, conforme o secretário da Associação Paranaense Apicultores (APA), César Ronconi. De acordo com ele o mel está sendo valorizado nestes últimos anos, o que está motivando muitas pessoas ao cultivo do produto. “Em 2012, tínhamos 50 associados, ano passado batemos o recorde de 700”. Segundo Ronconi, o principal objetivo da APA é instruir apicultores por meio de cursos: “nós realizamos cursos e treinamentos de apicultura em parceria com o Senai. Enfocamos nas partes de biologia, instalação de apiários e manejo de colmeias. São aulas teóricas e práticas com uma carga horária de 38 horas e que ao serem concluídas, permitem uma certificação”. Para o economista Daniel Poit, a pouca representatividade do produto no PIB não é algo preocupante. “Devemos sempre lembrar que toda grande construção é feita de milhares de pequenos

tijolos e o mel certamente é um destes tijolos importantes na construção de uma economia brasileira sólida e diversificada”. Em relação à economia local, o economista afirma que o mel é muito importante: “é um produto que pode empregar muitas pessoas o que contribui para a melhoria da renda de pequenas propriedades agrícolas. Até mesmo pessoas na cidade estão buscando complementar sua renda com esta nova tendência”. Quanto ao crescimento previsto para este ano, o especialista afirma que essa estimativa se dá pelos benefícios do mel à saúde. Para o apicultor Valdecil Vendrametto, que produz mel em sua casa e por conta própria, a comercialização do produto está além das expectativas “Está dando certo. Muito mais do que eu esperava. Quem come o mel é a geração saúde. Então minhas plaquinhas ficam em ciclovias. Quando o mel é direto do produ-

tor, ele tem mais qualidade e passa confiança para o consumidor”. Os dados comprovam a boa experiência do apicultor: “eu tenho 150 caixas de abelhas com ferrão e mais 50 caixas de abelhas sem ferrão. A média é 20 kg por colmeia. O mel comum provindo das abelhas com ferrão custa R$ 30,00 o quilo. Já o mel especial que é feito pelas abelhas sem ferrão é vendido por R$ 150,00 o quilo. Esse é um resultado muito bom”, diz Vendrametto. De acordo com Sandra Vieira, consumidora de mel há 10 anos, o produto só trouxe benefícios. “Eu gosto de mel porque ajuda a prevenir doenças como gripe e resfriados. É importante comer esse produto para se manter saudável. Sem contar que o sabor é muito bom”. Sandra não se importa em pagar o preço, porque para ela, as benfeitorias do alimento são maiores: “Eu estou investindo em saúde a longo prazo.


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Economia Um quilo de mel dura quase um mês na minha casa, então não acho tão caro. É um dinheiro gasto de forma consciente e que não fez falta até agora”.

Propriedades nutricionais A principal motivação para a compra e o consumo do mel são os benefícios para a saúde. Segundo a nutricionista Thais Stavitzki, para cada 100 gramas do alimento, a quantidade de calorias é de 304. A mesma quantidade de mel não contém gorduras totais (saturada, poli-insaturada e monoinsaturada), nem colesterol. Entre suas principais propriedades nutricionais estão as vitaminas A, C e D, além de cálcio, ferro e magnésio. O mel é considerado um super-alimento. Quando se come uma maça, está se ingerindo somente as qualidades da maça. Quando se consome o mel, está se ingerindo as qualidades de várias plantas, além das propriedades da saliva das abelhas, que também são benéficas para o sistema imunológico do ser humano, diz Thais.

O trabalho das abelhas Segundo Vilson de Lara, formado em apicultura pela APA, a colheita do mel acontece entre novembro e fevereiro. Durante esses meses, é possível fazer até três safras de mel. A quantidade de quilos produzidos por uma colmeia varia conforme a genética da abelha, a idade do enxame e do clima da região. A cor, o aroma e o sabor do produto podem variar de acordo com a florada daquele ano, ou seja, esses fatores são definidos pelas espécies de flores que as abelhas utilizam para fazer o mel.

Conforme Lara, não é recomendado fazer a colheita durante o inverno: “no frio, as abelhas precisam de mais mel para a sua própria sobrevivência. Por isso, se fizer a colheita nos meses da invernia o enxame pode morrer de fome”. Com temperaturas abaixo de 10 °C, os insetos não saem das caixas por causa da temperatura baixa. Neste período, elas consomem o mel que produziram em épocas mais quentes, diz o apicultor. O mel tem como matéria-prima o néctar que existe dentro da maioria das flores. A abelha, atraída pela flora, engole esse néctar e depois o transporta para a colmeia. Lá, ela passa para outras abelhas, de boca em boca. É dessa mistura de salivas que provêm os benefícios do mel. Após todo esse processo, a última abelha, deposita esse néctar dentro do favo. Quando o mesmo está cheio, elas o tampam com mais cera. Esse néctar vira mel com o passar do tempo e de condições especiais da colmeia como a oxigenação e a falta de luz, relata Lara.

O trabalho dos homens Segundo Gilberto Macedo, apicultor formado pela APA, a colheita é composta de algumas partes: “antes de tudo, é necessário ter uma roupa especial e o fumacê quando se está lidando com abelhas com ferrão. Depois levamos esse mel para a casa de mel”. É necessário o uso de luvas e toucas para a entrada nesse local. Este lugar é uma sala, toda azulejada e fechada, evitando a entrada de abelhas. Dentro da casa de mel, o produto é colocado em uma máquina que tem como função abrir os favos, o que se chama desopercular”. Depois que desoperculamos os favos,

colocamos os caixilhos na centrífuga para separar o mel e a cera”, explica Macedo. Assim, pela força de rotação gera-se uma espuma, que contém todas as impurezas. Então peneira-se o líquido algumas vezes, até adquirir a limpeza e a liquidez desejada, diz o apicultor.

Vinho de mel

70,00 o quilo. Uma garrafa de um litro de hidromel custa R$ 25,00. Para ele, é uma alternativa para manter a renda por meio do mel mesmo nos meses de inverno. “Como durante o frio não fazemos a colheita e o vinho esquenta, tem vendido bastante. Estou produzindo 300 litros”. O teor alcoólico da bebida é entre 13 e 14%.

Vinho de mel é o nome popular para hidromel e é uma forma bem fácil de compreensão do que é a bebida. Segundo o apicultor Valdecil Vendrametto, que também fabrica o hidromel, a vantagem da bebida é o lucro. “Fazendo o vinho eu consigo ter uma agregação de 200% em cima do mel. Às vezes se colhe um mel mais azedo, ou muito escuro. Então esse produto que tem menos qualidade e aceitação é separado para fazer o vinho. Assim não se perde nada”. Para Vendrametto, esse aproveitamento é bom para o fabricante e para o consumidor. “Quando se faz essa separação, o mel que é vendido para o consumidor é o mel bom, porque o ruim é transformado em hidromel. O comprador adquire um produto de qualidade e o produtor não tem tantos prejuízos. Todos ganham”. O processo de produção do hidromel é muito parecido com o do vinho de uva. “É purificado o mel e reservado. E depois colocado levedura. O mel já tem o açúcar próprio, então ele é mais saudável que o vinho de uva, porque no vinho de uva é acrescentado açúcar industrial”, conta o apicultor. A partir do mel já peneirado, toda a receita leva seis meses para ficar pronta. De acordo com Vendrametto, o mel quando transformado em vinho, valoriza para R$

Vinho de mel

Conforme o apicultor, a expressão “lua de mel” é associada ao hidromel. Vendrametto explica que a bebida é mais antiga que o vinho de uva. Antes de Cristo, tinha-se a crença que se os noivos tomassem vinho de mel durante a primeira lua cheia depois de casados, o primeiro filho nasceria saudável e seria do sexo masculino, o que para época era sinal de continuação da família.

Anelise Wickert


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Economia

Minimalismo e consumo consciente Estilo de vida que se opõe ao gasto excessivo tem se popularizado Mariane Pereira Thamany Oliveira 3º período

É

possível que dentre os males sociais do século XXI, o consumismo desenfreado seja um dos mais crescentes e mais preocupantes com o qual as pessoas têm convivido. Mas mesmo em meio a um cenário de gastos excessivos, um grupo de pessoas vem ganhando força conforme espalham seu estilo de vida de desapego material, aparentemente ainda pouco divulgado no Brasil. Os autointitulados “minimalistas” defendem que uma vida com menos bens é mais satisfatória e mais economicamente consciente, e a ideia básica é viver com menos, se mantendo apenas com o necessário, deixando de lado o que se pode considerar supérfluo. De acordo com o sociólogo André Mussak, atualmente os jovens estão percebendo que o simples é mais gratificante que o consumismo desenfreado, e percebem que esse gasto não terá satisfação desejada. “O foco da indústria está cada vez mais em produtos individuais em que se perde o contato humano, e aos poucos as novas gerações percebem que estão consumindo e não

vivendo, e isso pode se observar no aumento de casos de depressão no século XX, que é o século do distanciamento”. Para Mussak, o estilo de vida minimalista pode vir a se tornar a nova moda do futuro e assim diminuir a cultura consumista. “Creio que depende de vários fatores, a educação do não consumismo desenfreado, incentivos nos quais se pode ver que menos é mais, mas nao acho que seja em um futuro tão próximo, pois, ainda estamos dando passos muito lentos”. Nos estudos visuais, o movimento surgiu nas artes plásticas no começo da década de 1960 nos Estados Unidos, consistindo em reduzir ao máximo possível a quantidade de elementos e informações presentes em algo. Saindo do mundo artístico e tomando rumos filosóficos, culturais, e econômicos, pode-se observar que hoje a palavra minimalismo designa uma forma de viver com nada mais que o essencial. Em Curitiba, a empresa minimalista de casas móveis Tiny Life tem ganhado popularidade desde sua inauguração em

O movimento idealiza a simplicidade e a minimização de informações

2017. As casas possuem um espaço reduzido, sendo mais econômicas do que uma casa comum. “Se você tem menos coisas, pode morar em um lugar menor, o que consequentemente pode ser um fator enorme de economia”, conta Marcelo Rego de Bittencourt, idealizador do projeto. Para a bibliotecária Márcia Feijão, a experiência com o movimento mudou radicalmente sua forma de consumo “Quando conheci o termo e sua filosofia, encontrei algumas respostas para minha forma de viver, se realmente preciso adquirir algo, não pagar por status e ter consciência das minhas escolhas. Isso faz bem economicamente porque não acumular ajuda a conquistar outras metas”. Márcia conta que para introduzir o minimalismo em sua vida, é preciso passar por uma reflexão pessoal. “É necessário nos questionarmos se precisamos de tudo o que temos, e do que podemos abrir mão para vivermos melhor”. O minimalismo não consiste em gastar menos em roupas e utensílios, mas em investir seu dinheiro em peças de qualidade que durem por muito Thamany Oliveira

mais tempo. Dessa forma, optar por produtos que sejam mais caros devido à sua qualidade superior se torna um investimento, à medida que os gastos futuros e a reposição dos mesmos serão raramente necessários, de acordo com defensores do movimento. A professora Talita Soares conta que encontrou no minimalismo a melhor forma de desacumular objetos inúteis em sua casa, começando pelos armários da cozinha. Ela também conta que a experiência que o estilo de vida alternativo a trouxe foi de libertação econômica. “O minimalismo é um estilo de vida que questiona sobre a real necessidade de comprar coisas inúteis, permitindo assim investir em momentos felizes e deixar a vida mais leve”. A economista Angela Broch explica que o minimalismo ajuda economicamente, pois, esse estilo de vida é baseado em consumir de forma consciente. “Economicamente você tem um direcionamento mais específico dos seus recursos para o consumo, e a ideia de escolher melhor e de não ter excessos é vinculada a esse estilo de vida” Para a economista, as pessoas que adotam o estilo de vida minimalista passam a consomir itens mais duráveis, e preferem viajar a ter consumos supérfluos. Angela ainda comenta que a filosofia minimalista relaciona de forma direta a economia e a sustentabilidade, procurando preservar ao máximo os recursos naturais com a preferência por produtos reutilizáveis e recicláveis.


Curitiba, 18 de Junho de 2018

Esportes

Muito além da medalha Projeto de xadrez em São José dos Pinhais contribui para conquistas pessoais dos alunos Gabriel Domingos 3° período

Gabriel Domingos

U

ma campeã da Olimpíada Brasileira de Matemática, uma aluna do Instituto Federal do Paraná (IFPR) que também é professora e um garoto que melhorou seu círculo de amizades são alguns exemplos do projeto do Clube de Xadrez de São José dos Pinhais, região metropolitana de Curitiba, que tem ajudado os estudantes a melhorarem seus resultados acadêmicos. No começo de suas atividades no xadrez Clara Machado Juliatto, 14 anos, estudante do IFPR, participava das competições e dos eventos nas escolas por se tratar de uma atividade extracurricular e diferente das demais práticas encontradas nas escolas. No entanto, após iniciar os treinamentos no Clube de Xadrez, Clara conta que mudou sua visão sobre o jogo. “Antes eu não via como uma grande paixão, mas quando passei a jogar competições, a conquistar medalhas e a participar de viagens com a equipe aquilo foi me estimulando cada vez mais a jogar xadrez”. A atividade que antes era considerada lazer, virou coisa séria e isso fez com que Clara tivesse um salto no seu desempenho escolar. “O xadrez me ajudou muito em relação à matemática, era uma matéria que eu não tinha bom desempenho e depois que eu passei a praticar o jogo me tornei uma das melhores alunas”. E também trouxe outros benefícios que a ajudaram na conquista de uma vaga no IFPR. A professora Angela Machado, mãe de Clara, acompanhou o desenvolvimento e a ajuda

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Clube de Xadrez tira crianças das ruas de São José dos Pinhais do xadrez no processo que a filha enfrentou para conquistar a vaga no IFPR. “Acredito que o xadrez a estimulou na vontade de vencer, no autocontrole, a controlar o tempo e principalmente a organizar melhor a rotina de estudos, o que foi fundamental na prova do IFPR”. Outro projeto de Clara no xadrez está sendo realizado no próprio IFPR, após participar como aluna, ela agora é professora e tem ajudado os alunos do Instituto com dicas e trabalhos com situações de jogo para ajudar na evolução das principais dificuldades. Quem também trilha um caminho de sucesso com o auxílio do xadrez é Sophia Cadamuro de Moura, aluna e atleta do Clube de Xadrez de São José dos Pinhais, que conquistou o primeiro lugar na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas

(OBMEP). “Proporcionou uma experiência muito bacana ir até o Rio de Janeiro receber a medalha, além de ter sido de grande ajuda no meu desenvolvimento na escola”. Mãe de Sophia, a advogada Isabel Cadamuro, relembra que para ela foi uma grande surpresa o interesse da filha por xadrez. “Quando ela veio me falar eu tomei um susto! Caramba, de xadrez que você gosta? Ela disse claro que eu gosto mãe”. Esse episódio foi logo no primeiro ano de escola, desde então, o xadrez auxilia no desenvolvimento de Sophia como aluna exemplar e atleta de destaque, conquistando inclusive, título paranaense em sua categoria de competição.

O projeto e os títulos Em São José dos Pinhais, o projeto de xadrez teve início em 2011, com o objetivo de

levar para as escolas do município uma atividade lúdica e diferenciada das demais práticas pedagógicas, estimulando o aprendizado do aluno, é o que afirma Paulo Virgílio, coordenador do clube e do projeto de xadrez da Prefeitura de São José dos Pinhais.. Posteriormente são realizadas algumas competições que visam a captação de talentos para formar a equipe do Clube de Xadrez de São José dos Pinhais que representa a cidade nas competições. Desde 2012, segundo ano do projeto, os atletas do Clube de Xadrez acumulam títulos importantes a nível estadual, nacional e internacional. Virgílio finaliza afirmando que a direção do projeto tem aproveitado o bom momento para ampliar o investimento feito nos equipamentos, em livros e também nas viagens.


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Gonzo

À Mostra Quem diria que uma pessoa coberta iria chamar tanto a atenção Caroline Deina 7º período

N

ão posso deixar de expressar meu pânico ao ver para onde o jornalismo gonzo estava a me levar. Tenho um histórico um pouco infeliz com agências de modelo. Nunca fui do estilo alta e magra, mas nos meus 10 anos tentei iniciar uma carreira nas passarelas e nos comerciais de televisão. No ínicio deu muito certo! Várias oportunidades, inúmeros cachês. Fiz até uma propaganda para a Prefeitura de Curitiba e alguns desfiles para marcas infantis. Tudo ia bem até os meus 12 anos. Idade que, segundo eles, é complicada para as modelos. Lembro até hoje de um agente falar que “você não tem corpo de criança mais e também não

Levando em conta que cada agência chega a gerenciar em média 150 artistas – entre crianças, jovens, adultos e idosos –, é como se cerca de seis mil curitibanos dedicassem seu tempo à vida de modelo, que pode dar muito certo, muito errado ou então acabar antes mesmo de começar. Deixando os preconceitos de lado, achei que a melhor maneira de imergir nessa realidade seria tentando fazer parte dos seis mil. Escolhi a agência que se apresenta como uma escola e agência para modelos e atores, com o objetivo de “ensinar boas maneiras e desenvolvimento pessoal”, de acordo com o próprio site. Como ter bons modos não é o

co (hijab) que cobriu todos os meus fios, deixando apenas o rosto à mostra. No primeiro momento, ainda olhando no espelho, senti o peso enorme que aquele véu trazia. Apesar de não ser da religião islâmica, tenho muito respeito pela cultura e de forma alguma quis usar a reportagem para “brincar” com a realidade das mulheres que usam o hijab todos os dias. Mas queria ser uma pessoa de fora que pudesse viver ao menos 1% das dificuldades e preconceitos que elas encontram nas ruas brasileiras. O desconforto começou no ponto de ônibus, com os carros que chegavam a diminuir a velocidade para me olhar. Essa sensação piorou quando

“Eu quero ser uma modelo mulçumana que usa o véu”

se passa por adulta. Emagreça um pouco e tome alguns hormônios para se devenvolver mais, porque aqui você não se encaixa mais”. Meus pais se revoltaram. Eu fiquei arrasada. Mas nenhuma pessoa, muito menos nos seus 12 anos, deve colocar a aparência acima de tudo.

meu forte, cliquei na aba “Seja nosso modelo” – que por sinal estava em uma seção bem destacada na página inicial – e preenchi minhas informações pessoais, como nome, endereço e data de nascimento, sem citar medidas, estilo, cabelo e cor de pele.

É por isso que ouvir “agência de modelo” soa tão incômodo para mim. Mas desafio é desafio, então vamos lá!

No dia seguinte, uma surpresa: me chamaram para uma avaliação! Agendei com a recepcionista e a partir daí é que o desafio de fato começou.

Para começar, em uma rápida pesquisa o Google mostrou nada mais, nada menos, do que 44 agências de modelo espalhadas por Curitiba.

Vesti uma roupa básica. Calça preta, sapatilha vermelha, camiseta jeans. Para finalizar, coloquei um véu no cabelo. Um véu? Sim, um véu islâmi-

o transporte público chegou. O motorista, o cobrador, o casal sentado no banco da frente, a senhora na poltrona preferencial, a mulher com a filha e o menino do fundão. Simplesmente todos me olharam, como se eu fosse a pessoa mais famosa do mundo ou como se eu fosse a mais odiada. Não era nem um, nem o outro. Simplesmente uma jovem com um véu cobrindo os cabelos. Por sorte, o trajeto não era muito longo. Mas o ônibus encheu. Ninguém quis sentar ao meu lado. A interpretação disso, deixo por sua conta. Nesse momento estava quase

desistindo de fazer a reportagem com essa abordagem, porque, sem dúvidas, aqueles foram um dos minutos mais incômodos de toda a minha vida. E, então, finalmente cheguei ao destino: agência Casablanca. Nesse momento, havia uma pequena fila para o lado de fora, de jovens – na casa dos 20 – realmente muito bonitas, que provavelmente também seriam avaliadas. Mas, no meio de tantos decotes, saltos, cílios e unhas postiças, o véu foi a grande estrela. Podia até me iludir e pensar que elas me olhavam por achar que eu era a próxima Gisele Bündchen, mas algo me diz que não era bem esse o motivo. Tenho a leve impressão de que uma das meninas da fila chegou até a me fotografar. Respirei fundo e segui em frente. A fila diminuia e eu finalmente consegui entrar na agência, branca por dentro e por fora, decorada com milhares de fotos dos artistas que começaram sua carreira ali e depois ganharam o mundo. Agora, além das aspirantes a modelo, as mães que estavam sentadas nas poltronas de couro marrom e os funcionários e avaliadores da agência também começaram a me encarar. Alguns pareciam estar com medo, outros com vontade de rir e havia aqueles que simplesmente me olhavam com desprezo. Pensei: “Calma, são só mais alguns minutos”. Triste engano. Mesmo com horário marcado, que, por sinal,


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Curitiba, 18 de Junho de 2018

Gonzo não serviu de nada, demorei duas horas para chegar à tal avaliação. Enquanto isso, ouvi conversas absurdas sobre planos de carreira, os sonhos das mães de ver as filhas virando famosas, discussões sobre namorados, alimentação, moda, viagens, médico e estética (inclusive sobre uma menina que colocou silicone com 16 anos, autorizada pelos pais). Obviamente, por mais que eu tentasse me entrosar, nenhuma das frases se dirigiu a mim. Por sorte, havia um bendito fruto entre as modeletis, chamada Amanda. Com 22 anos, cabelos curtos e dourados, olhos castanhos e singelos 1,87m de altura, ela ficou curiosa e quis conhecer mais sobre “a minha cultura”. Nesse momento, agradeci profundamente por ter estudado sobre alguns aspectos do islamismo, não o suficiente para realmente conhecer a cultura, mas o bastante para destacar que: existem brasileiros islâmicos, que nem todo islâmico é árabe, nem todo árabe é islâmico e, principalmente, que o fato de ser mulçumano, islâmico ou árabe não significa que você é terrorista. Complementei o discurso com algumas informações sobre o hijab, sobre qual era a importância dele para a cultura islâmica e como eu queria ser modelo sem ter que abrir mão dos costumes. Amanda interagiu bastante, com muito respeito e demonstrou conhecimento sobre o assunto. Para o meu alivio, não tive que ouvir nenhum discurso parvo relacionado ao islamismo. Minutos depois, Amanda foi chamada e eu fui avisada de que era a próxima da fila. Por um lado, o alívio de não ter mais que esperar. Por outro, caiu a ficha de que eu entraria naquela sala, com uma pessoa desconhecida e nem sabia ao certo o que ela iria me perguntar, muito menos o que eu iria responder.

O momento não tão esperado chegou. Sirley, a avaliadora, chamou meu nome e sumiu em uma das salas. Tentei seguir a voz dela e cheguei a um escritório predominantemente preto, mais uma vez com fotos dos “famosinhos” da agência e também alguns retratos que pareciam ser da família de Sirley. No primeiro momento, ela nem olhou na minha cara. Mas aí, sabe quando a pessoa passa os olhos por você, sem atenção, só depois repara em um detalhe importante e aí não para de te encarar? Essa foi a expressão de Sirley e foi nessa hora que eu senti que a experiência renderia bons frutos. Sirley aparentava estar na casa dos 50. As rugas começavam a aparecer, mas de forma alguma reduziam a beleza da combinação entre maças do rosto saltadas, cílios longos, lábios carnudos e um belo par de olhos azuis. A pele era bem bronzeada, com os cabelos loiros, que davam um ar de “havaiana surfista”. Antes de eu tomar fôlego, ela já disparou a pergunta: – Você é árabe? – Não, sou brasileira.

– Conheço artistas mulçumanas, a diferença é que elas não usam o véu. – Tudo bem, então eu quero ser uma modelo mulçumana que usa véu. Pela primeira vez desde que entrei na sala, Sirley sorriu. Foi um sorriso de compreensão, de apoio, como se ela quisesse me dar toda a força para realizar esse projeto. Em seguida, ela sentou em sua cadeira dourada, e me contou a história de sua carreira. Sirley faz trabalhos como modelo desde os dois anos, em comerciais de televisão. Só virou profissão mesmo aos 16, quando ela saiu sozinha de Porto Alegre (RS) e foi para São Paulo, para participar de campanhas de lingerie (sim, com 16 anos Sirley tirava fotos apenas de calcinha e sutiã). Na época, a modelo não entendia qual era o problema, já que os cachês permitiam que ela se sustentasse sozinha. Com 20, ela estava no Japão. Trabalhava feliz, quase dez horas por dia, com uma dieta controlada de água e paçoca, que ela comia escondido para não desmaiar. Aos 25, ela

engravidou, de Daniela e Fernanda. A pele não suportou bem a pressão de dois bebês e os agentes não aceitaram uma modelo com um pouco de estrias. A partir daquele momento, a vida nas passarelas acabou. Aos 30, Sirley era mãe solteira, com duas crianças, depressiva e tentando estudar para começar uma carreira antes que fosse tarde demais. Aos 40, ela percebeu que as atitudes que a gente toma na infância são capazes de transformar completamente a pessoa que somos hoje. Ela voltou para o mundo das passarelas, agora nos bastidores, gerenciando a carreira de meninas que tiveram o mesmo sonho que ela. Por causa da posição da agência e pela exigência do mercado, ela recruta jovens no estilo magra, alta, bonita e sensual. Mas são as foras do padrão que fazem Sirley brilhar os olhos. – Você não precisa mudar seu corpo, mudar o que você acredita e o que você é para entrar na carreira de modelo. Você vai encontrar mais desafios que o normal, mas as pessoas precisam te engolir e

aceitar que os antigos padrões precisam ser mudados – declarou Sirley. Depois de quase meia hora de conversa, saiu o resultado. Tinha sido aprovada na seleção! A próxima etapa era pagar um valor de R$ 750,00, que incluía o book e o curso de modelo. Agradeci e disse que iria pensar. Mas todos sabem que isso é uma desculpa para esconder a resposta: “Ta maluca? Não tenho dinheiro para isso, não”. Pela segunda e última vez, a carreira de modelo não deu certo. Apesar da proposta inicial da reportagem ser abordar a dificuldade de uma modelo mulçumana no mercado da moda, gostei do modo como as pessoas entraram no meu caminho, me surpreenderam e deram um lado ainda mais positivo para a matéria. Cheguei em casa e tirei o véu, anestesiada com a experiência. Mas o que mais me emociona e me alivia é saber que existem pessoas como a Sirley, que não só acreditam na mudança de padrões, como também estão no ramo para mudar essa visão e fazer a diferença. Angela Deina

– Então porque você usa o véu? – Porque sou mulçumana – respondi. Em seguida, ela começou a tirar as minhas medidas. Braços, pernas, quadril, busto, altura, peso. Me senti como um boi próximo do abate. – E por que você quer ser modelo? – Perguntou Sirley. – Porque era um sonho de criança e porque eu quase não vejo modelos e artistas mulçumanas. O véu traz consigo uma religião, um costume, uma história e também muito preconceito


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Ensaio

Curitiba passa sede Greve dos caminhoneiros deixa postos sem combustível Henrique Zanforlin 3º período

No final da semana, nenhum posto de Curitiba possuía combustível A greve bloqueou o abastecimento dos postos de combustível

O frentista Heitor Silva conta que a procura começou às 10h do dia 23 de maio Protesto de caminhoneiros bloqueou a Linha Verde


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