CDM 51 - Impressa

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ano 16 - edição 51 | maio de 2019

revista corpo da matéria CURSO DE JORNALISMO PUCPR

Refugiados

Venezuelanos abrigados em Curitiba contam suas histórias seus sonhos para o futuro

Refugees Venezuelans housed in Curitiba tell their stories and their dreams for the future



O mundo mudou. Fato. O jornalismo mudou. Fato. A formação dos jornalistas também precisa mudar. Fato.

O curso de Jornalismo da PUCPR se adapta às mudanças que ocorrem no mercado. Assim surgiu a FATOS Narrativas Midiáticas, um projeto de contraturno que conta com estrutura pioneira. Aqui desenvolvemos conteúdos jornalísticos convergentes em plataformas impressas, digitais, sonoras e audiovisuais – inclusive, a revista que você tem em mãos foi produzida por nós. Escolha o moderno, escolha fazer jornalismo na PUCPR.


Corpo da matéria Ano 17 - Edição 51 - maio de 2019 Revista Laboratório do Curso de Jornalismo PUCPR Pontifícia Universidade Católica do Paraná R. Imaculada Conceição, 1115 Prado Velho, Curitiba PR REITOR

Waldemiro Gremski DECANA DA ESCOLA DE COMUNICAÇÃO E ARTES

Eliane C. Francisco Maffezzolli

COORDENADOR DO CURSO DE JORNALISMO

Suyanne Tolentino De Souza COORDENADOR EDITORIAL

Suyanne Tolentino De Souza COORDENADOR DE REDAÇÃO/JORNALISTA RESPONSÁVEL

Paulo Camargo (DRT-PR 2569)

COORDENADOR DE PROJETO GRÁFICO

Rafael Andrade

Alunos - 6º Período Jornalismo PUCPR Heloisa Negrão, Amanda Sant’anna Mann, Ana Clara Maia Braga, Bruna Carolina Kopeski, Camilla Aparecida Farias Ginko, Bruna Toti de Freitas, Daniel Marin de Moura, Eluiza Spath Brunnquell, Gabrielly Victória Duarte Zem, Guilherme Coutinho da Rocha, Isadora Look Azevedo, João Francisco de Oliveira Cepeda, Larissa Bartoski de Sena, Luca Matheus da Rocha de Goes, Luiza Romani Fogaça de Souza, Marçal Dequêch de Oliveira, Marcus Vinicius Vitolo de Campos, Mariana Prince Gomes Cardoso, Marina Darié Adorno Kotzias, Rafael Augusto de Oliveira Sábio, Raphaella Hayssa Lacerda Piovezan, Ruan Felipe da Silva, Rute Cavalcanti Miranda, Talita dos Santos de Souza, Victoria Faria Bittencourt, Vinícius Rodrigues Neumann de Freitas, Patricia Souza Guaselle de Jesus, Isabella Beatriz Fernandes Rocha, Gabriel Lopes Witiuk.

Imagem de capa: Talita Souza 6ºP Jornalismo

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MUNDO

Casa do exílio

House of exile

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SOCIEDADE Corrida memética

Além da solidão

Feminismo grisalho

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COMPORTAMENTO

Caso de emergência

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CIDADES Procura-se

DIREITOS HUMANOS Qual a cor da solidão

MEIO AMBIENTE Uma escolha inteligente

POLÍTICA A era da mentira

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40

44

Brasil império, sec.XXI

46 50

ESPORTES Por trás das 4 linhas

Dentro d’água somos todos iguais

Registros de uma despedida

Ossos da vida

Fobias: medo excessivo

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SAÚDE

60 66 70

EDUCAÇÃO A verdadeira distância

CULTURA Compassos da vida

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MODA

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Estilo é para todos

GASTRONOMIA Semente do Brasil

TECNOLOGIA Redrex: games e livros

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Casa do exílio

Imigrantes venezuelanos fogem da crise e enfrentam desafios com a expectativa de uma uma nova vida em Curitiba Eluiza Brunnquell, Guilherme Coutinho e Talita Souza

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em uma casa no bairro Rebouças, em Curitiba, dividida entre uma grande cozinha, uma lavanderia coletiva, dezenas de dormitórios e outros espaços de convivência, que aproximadamente 130 venezuelanos unem forças para recomeçar a vida em um novo país e uma nova cidade. Parte do grupo, cerca de 90 pessoas, está aqui desde o dia 25 de setembro. Os outros 40 chegaram mais recentemente, em 31 de outubro.

O lugar que os acolheu na capital paranaense foi a casa de acolhimento Cáritas, um órgão de ação social da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O local oferece a estrutura necessária para que todos tenham o suporte e as condições mínimas para, enfim, se estabelecer. Enquanto procuram por emprego, os Talita Souza

Eles vêm de meses dormindo em abrigos improvisados pelo governo do estado de Roraima. Na capital, Boa Vista, conseguiram se refugiar da vio-

lência presente em Pacaraima, cidade que faz fronteira com a Venezuela. Lá, conseguiram se manter até que, com sorte, foram selecionados para o processo de interiorização, iniciado em abril deste ano, e partiram para Curitiba em um dos aviões da FAB - Força Aérea Brasileira.

Jose Gregorio Gutiérrez trabalha na casa enquanto não encontra um emprego formal.

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imigrantes se dividem nas tarefas da casa e têm acesso a aulas de português, cursos e treinamentos.

ceira para ajudar os familiares que ficaram na Venezuela. Assim, talvez um dia consiga trazer seus filhos para

“Os planos para o futuro são muitos, porque é um país de muitas oportunidades para nós.” Talita Souza

Ivette Karina Safas, psicopedagoga Quem apresenta esse novo lar que está sendo criado na capital paranaense é Jose Gregorio Gutiérrez, responsável pela recepção. Microempreendedor na Venezuela, Jose, de 45 anos, veio ao Brasil com apenas um de seus três filhos. Deixou os dois mais novos junto com sua ex-mulher e um neto. “Minha filha me fez ser avô rápido”, brinca. Na casa, não há quem não o conheça. Ao andar pelos corredores, Jose nos apresenta a todos os que cruzam o caminho. Sempre com muita disposição, ele nos apresenta cada espaço da casa, começando pelo “Livro de visitas e doações”, em que todos os que passam por lá devem se registrar. Depositamos um auditório destinado a palestras e atividades recreativas, passamos por salas de reuniões e almoxarifados, até chegarmos aos primeiros quartos. Essa parte baixa da casa é a dos cavalheiros, homens solteiros. As mulheres, crianças e famílias ficam no andar de cima”, explica. Ao chegarmos à capela, espaço mais imponente da casa, decorado com vitrais coloridos, Jose demonstra gratidão pelas doações, que, em grande quantidade, foram colocadas ali provisoriamente. Evangélico, ele conta que seu local de orações é uma outra igreja, próxima à Cáritas, que visita pelo menos duas vezes por semana, junto com outros moradores. “Vamos muitas pessoas daqui, um grupo de 30. Assistimos ao culto. Sempre vamos às 20 horas e voltamos às 22, antes do fechamento do portão.” O ex-empresário continua a conversa compartilhando seus anseios. Quer ter uma casa e estabilidade finan-

Ivette Karina Safas conseguiu um emprego em um shopping de Curitiba.

cá. Sonha em abrir a sua empresa de reflorestamento no Brasil. Apesar de toda dificuldade que já enfrentou, não deixa de brincar e de imaginar. Jose diz que quer achar uma nova companheira brasileira para melhorar seus dias. Em um lugar um pouco mais barulhento, encontramos Ivette Karina Safas. Com maquiagem feita, lábios e sobrancelhas marcados, brincos e saltos altos, ela não aparenta os 43 anos que tem. Até há alguns meses professora de Espanhol e psicóloga infantil, ela agora é quem cuida da lavanderia da casa e garante que todos os moradores tenham roupas prontas para usar. Depois de passar três meses em Roraima, Ivette chegou à capital do Paraná com seu filho, de 22 anos. Na espera da documentação para atuar no setor da educação, ela se anima com o início de um novo trabalho na área de limpeza do Shopping Mueller. “Será um vida completamente nova para mim e para o meu filho. Nós desejamos ficar aqui em Curitiba.

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Talita Souza Yessika Bello espera vagas na escola para suas três filhas.

“Um brasileiro me disse que devíamos tomar tudo de último porque nós somos pessoas que só estão tomando todas as suas coisas, somos intrusos.” Yessika Bello, professora de Geografia e História Os planos para o futuro são muitos, porque é um país de muitas oportunidades para nós, afirma. Em seu país natal, ficou sua mãe, de 80 anos, que não pode vir por conta da idade avançada e pelo seu “amor à Venezuela”. Enquanto não é vendida, a casa de Ivette está sendo cuidada por uma conhecida para evitar invasões, prática que se tornou comum com a onda de emigração. A possibilidade de voltar ficou para trás já que, segundo ela, “quem sai de lá é mal visto quando tenta voltar”. No andar de cima, Yessika Bello, de 38 anos, divide um cômodo com seu marido, seu pai e suas três filhas, de 16, 12 e 3 anos. Professora de História e Geografia na Venezuela, ela diz

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que vida estava ficando cada vez mais precária e cara no país, especialmente quanto ao acesso à saúde e remédios. Além disso, os sapatos eram sempre remendados, e as roupas costuradas mais de uma vez, na tentativa de que durassem mais. Mesmo assim, ele se emociona ao relatar sua mudança para o Brasil: “As pessoas têm que se desprender não só da parte material, mas também dos laços familiares. É difícil deixar os seus pais e irmãos em busca de uma melhor qualidade de vida.” Aqui, ela e a família passaram nove meses instalados em Roraima, em um abrigo precário e inseguro. “O refúgio era horrível, muito feio. Parecia um cárcere, havia muito descontrole, muita droga.”


Yessika também enfrentou um episódio de xenofobia.“Em uma ocasião,um brasileiro me disse que devíamos tomar tudo de último porque nós somos pessoas que só estão tomando todas as suas coisas, somos intrusos.” Mesmo assim, a professora, que fez questão de estudar sobre a cultura e economia brasileiras antes de partir, não esconde sua felicidade em chegar a Curitiba. “Quando estávamos no avião e vimos a vista de cima foi bonito, porque sentimos que alguém nos esperava, como ‘vocês são importantes para algumas pessoas’. Chegando aqui, foi bonito todo o sentimento, o calor. Quando vimos o quarto, ‘Meu Deus! Um quarto! Uma cama!” O pai, carpinteiro, e o marido, mecânico, ainda não encontraram emprego. No entanto, as duas filhas mais velhas, Samantha e Stephanny, já estão com vagas agendadas em uma escola. As vagas foram conseguidas pela mãe no dia seguinte à chegada ao novo lar. O desejo de voltar à Venezuela é comum a todos os integrantes da família. Ao mesmo tempo, todos conhecem as dificuldades desse retorno. “Está muito longe e muito dificil de entrar. Se eles verem que eu tenho documentação do Brasil, eu sou traidora. É muito ruim”, completa Yessica. Já na saída da casa, Jesus Enrique Bagum parece não conter a simpatia estampada em seu rosto por conseguir um emprego. Formado em Administração e engenheiro químico, o jovem de 24 anos comenta que não é de ficar “de braços cruzados” esperando a oportunidade. “No meu quinto dia, andei pela cidade, e entrei em uma filial da loja Havan. Então perguntei para uma moça se precisavam de alguém para trabalhar, e ela pediu que eu deixasse o currículo. Depois de 30 minutos ela me ligou. Fui o último de uns 60 candidatos a ser entrevistado, e depois de uma segunda etapa, consegui o emprego”, conta. Ele afirma que o ensino superior na Venezuela é uma necessidade para os profissionais que estão no mercado. “Todo mundo na família é formado, porque lá na Venezuela você tem que

Entenda a crise A crise socioeconômica e política que a Venezuela está enfrentando começou quando Nicolás Maduro assumiu o poder, em 2013. A instabilidade se agravou também com a queda do produto interno bruto (PIB), fazendo a inflação chegar em até 68,5% em 2014, maior taxa registrada no mundo até então. Dados divulgados pelo IBGE em agosto, com base em dados da Coordenação Geral de Polícia de Imigração da Polícia Federal, apontam que mais de 30 mil venezuelanos vivem no Brasil. Um crescimento de aproximadamente 3.000% em três anos. Cerca de 10 mil venezuelanos cruzaram a fronteira no primeiro semestre deste ano. Segundo dados da Organização Internacional para Migrações (OIM), O número foi bem maior em outros países, como Peru (354 mil) Argentina (95 mil) e Chile (105 mil). Aproximadamente 52% das pessoas que cruzam a fronteira com o Brasil enxergam o país como uma opção momentânea. A socióloga Valquíria Elita Renk diz que os principais motivos para ondas de emigrações são fatores econômicos, políticos e religiosos. “Quem está em boa situação sócioeconômica, dificilmente emigra. ”Para quem está emigrando, a possibilidades de ‘fugir‘ das condições precárias de vida no país de origem, representa a esperança de uma vida melhor”. Entre as dificuldades enfrentadas por eles, a professora destaca as diversas situações de vulnerabilidade social desde a saída do seu país de origem até a adaptação em uma nova cultura, idioma e ambiente. “Também é necessário um planejamento para dirigir estes migrantes para as cidades onde eles possam viver em condições dignas, não serem discriminados, receberem atendimento de saúde e que eles fossem incluídos na vida social da comunidade”, conclui.

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ter uma formação para fazer qualquer tipo de trabalho”, complementa. Aqui, Jesus conquistou uma vaga na área comercial da loja.

Talita Souza

Entre uma brincadeira e outra, o trabalhador revela que sofre de câncer de intestino e há um ano e dois meses não realiza o tratamento por causa da crise na Venezuela. Seu suporte foi sua mãe, que é médica e conseguiu com uma amiga do Canadá os medicamentos necessários para seguir com o procedimento, que, segundo a expectativa, deve ser regularizado até fevereiro.

Jesus não resiste em dizer que acha o curitibano um pouco fechado e diferente do que está acostumado, mas acredita que são solidários e gentis. Sobre os problemas sociais e políticos do seu país, ele afirma, com otimismo: “Evito falar, pois é um tema complicado. Mas sempre digo que a diferença começa por nós. Se não fizermos a diferença a partir da gente, de cada um, será difícil enxergar qualquer a diferença no fim das contas”, diz.

Jesus Enrique Bagum vai começar o tratamento em fevereiro de 2019.

‘’O mínimo que se espera é ser respeitado como ser humano’’ O professor e Doutor em Filosofia Rodrigo Alvarenga fala sobre as dificuldades enfrentadas pelos imigrantes venezuelanos que chegam no Brasil, especialmente quanto aos transtornos mentais desenvolvidos no processo de mudança de país. Segundo ele, a diferença cultural e de língua dificulta a adaptação. ‘’Não tem dificuldade maior do que não ser aceito, de ser atacado e de sofrer preconceito. Já é difícil conseguir naturalmente encontrar um lugar pra viver. Imagine não se comunicar direito em um país por que não existem políticas públicas voltadas a esse tipo de fator. Um fator acrescido a isso é a rejeição’’, completa. População, ONGS e instituições religiosas têm ajudado essas pessoas. No entanto, ainda existe a necessidade de efetivação de políticas públicas e de um Estado organiza-

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do que tenha planejamento. ‘’Tivemos um aperfeiçoamento da lei, mas para elas serem colocadas em prática existe muita necessidade de reivindicação por parte da sociedade civil como um todo’’. Alvarenga também comenta sobre os preconceitos vividos por essas pessoas e aponta a educação como ferramenta de combate à discriminação ’’O mínimo que se espera é ser respeitado como ser humano, então falta esse tipo de educação para o combate à xenofobia e para lidar com as diferenças’’, afirma. Ele esclarece que ‘’sem um olhar sensível a determinadas situações, é difícil uma política pública ser colocada em prática, por que vamos estar sempre nessa falta de vontade política, que tem a ver com uma ausência de sensibilidade com o outro’’.


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House of exile

Venezuelan immigrants flee from the crisis and face challenges with hopes of a new life in Curitiba. Eluiza Brunnquell, Guilherme Coutinho e Talita Souza Tradução de: Amanda Nogarotto, Bruno Henrique Nicoleli Nunes, Gustavo de Oliveira Santos, Leonardo de Souza Barczak

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t is in a house in Rebouças neighborhood, in Curitiba, in which we can find a big kitchen, a shared laundry room, dozens of bedrooms and other living spaces, where around 130 Venezuelans join forces to start a new life in a new country and a new city. Part of the group, roughly 90 people, has been here since September 25th. The remaining 40 arrived more recently, on October 31st.

They were housed in Cáritas foster home, a social entity that is run by the National Bishop Conference of Brazil (CNBB). The home offers the appropriate structure and conditions for them to settle down. While job searching, the immigrants all have their own assigned housework and have access to Portuguese classes, courses and training. This new home that is being built in Curitiba is presented to us by José Gregório Gutiérrez, who is responsible for welcoming the Venezuelans. Micro-entrepreneur Talita Souza

They came after months of living in shelters improvised by the government of the state of Roraima. In its capital, Boa Vista, they were able to take shelter from the violence that takes place in Pacaraima, a city that borders Venezuela. There they were able to make ends meet for a while,

until, luckily, they were chosen for the internalization process which began in April, and travelled to Curitiba on a FAB (Brazilian Air Force) plane.

Jose Gregorio Gutiérrez works in the house while he doesn’t find a formal job.

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“We have many plans for the future because this is a country filled with opportunities for us.” Ivette Karina Safas, psychopedagogue

In the house he is known by everyone. While we make our way through the corridors, José introduces us to everybody whom we walk by. Always with a lot of energy, he shows every spot in the house, starting with the “Book of visitors and donations”, in which every visitor must register their names. After visiting a hall where people give seminars and do leisure activities, we passed by meeting rooms and warehouses until we reached the first bedrooms. The lower floor belongs to the single gentlemen, while women, children and families stay in the upper floor. When we reach the chapel, the most impressive place in the house, decorated with stained glass, Jose shows gratitude for the donations which were stored there temporarily due to their high quantity. Being an evangelical Christian, he tells us that he prays in a different church, near Cáritas, which he visits at least twice a week with other residents. “Many of us go there, a group of 30. We attend the service. We always go at 8 PM and return at 10 PM, before the gate closes.” The former entrepreneur continues by sharing his expectations. He wishes for a house and financial stability so he can support the part of his family that stayed in Venezuela. Maybe, then, he will be able to bring his remaining children to Brazil. He dreams of starting his own reforestation company in Brazil. Despite all the challenges he had to face, he can still make jokes and use his imagination. José claims he is looking for a Brazilian partner to make his days better. In a noisier place, we meet Ivette Karina Safas. With her makeup on, lips and eyebrows highlighted, earrings and high heels,

we can’t tell that she’s 43 years old. Working as an English teacher and child psychologist until a few months ago, she Talita Souza

in Venezuela, José, 45, came to Brazil accompanied only by his oldest son. His two remaining children stayed with his ex-wife and a grandson. “My daughter made me a grandfather pretty fast”, he states, jokingly.

Ivette Karina Safas found a job at a shopping mall in Curitiba.

is now the one in charge of the household laundry and makes sure that everyone in the house will have clean clothes to wear. After three months living in Roraima, Ivette arrived in Curitiba with her 22 year-old son. Waiting for the documentation that will allow her to work on the educational field, she gets excited about starting her new job in the cleaning department. “It’s gonna be a completely new life for me and my son. We intend to stay in Curitiba. There are so many plans for the future because it’s a country of many opportunities for us”, she says. Her 80 year-old mother stayed in Venezuela, due to her age and her “love for Venezuela”. Ivette’s house is on sale, so an acquaintance is taking care of it so that it is not used or burglarized by anybody, which has become quite common with the increase of emigration. Returning is not an option, “those who leave are not welcome back”, she says. On the upper floor, Yessika Bello, 38, shares a room with her husband, her father and her three daughters who are 16, 12 and 3 years old. Teacher of History and Geography in Venezuela, she says that

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Yessika Bello is waiting for openings at the school for her three daughters.

her life there was hard and was getting more expensive, especially the access to health treatment and medicines. Besides, the shoes were always patched and the clothes were mended more than once to last longer. However, she gets emotional when she describes her departure to Brazil. “People need to disconnect not only from material goods, but also from family bonds. It’s hard to leave your parents and siblings behind for a better life”. In Brazil, she and her family have spent nine months living in Roraima, in a precarious and unsafe shelter. “The shelter was horrible, very ugly. It looked like a prison, a lot of confusion, a lot of drugs.” Yessika also suffered from xenophobia. “Once a Brazilian told me that we should take only crumbs because we are taking things that should belong to them, we are intruders.” Anyway, the teacher, who studied about the Brazilian culture and economy before leaving Venezuela, could not hide her happiness as she arrived in Curitiba. “When we were on the plane and saw the view from above it was beautiful, because we felt that someone was waiting for us, like ‘someone thinks or feels you are important’. When we arrived here, the feelings and the warmth were so beautiful. When we saw the room, ‘My God!’ A room! A bed!’” Her father, a carpenter, and her husband, a mechanic, haven’t found a job yet. However, her two older daughters, Samantha and Stephanny, are already scheduled to attend school. Vacancies were obtained by the mother the day after arriving at the new home. The desire to go back to Venezuela is

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common to all members of the family. At the same time, everyone knows the difficulties of returning home. “It’s very far and very difficult to go back. If they learn I have documentation from Brazil, I will be considered a traitor. It’s very bad”, completes Yessica.

Yessika Bello, geography and history teacher

As he is about to leave his house to go to work, Jesus Enrique Bagum cannot hide his excitement for having gotten a job. Graduated in Business Administration and a chemical engineer, the young man of 24 says that he does not just stand by and wait for the opportunity. He says: “On my fifth day, I walked around the city, and I entered an Havan store branch. Then, I asked a girl if they were hiring anybody at that moment, and she asked me to leave my resumé there. After 30 minutes she called me. I was the last one out of 60 candidates to be interviewed, and after a process of evaluation, I got the job”. He claims that higher education in Venezuela is a necessity for the professionals in the labor market. “Everyone in the family is graduated, because in Venezuela you have to have academic education to do any kind of job”. Here, Jesus has started working in the commercial department of Havan. Despite his jokes, the worker reveals that he suffers from bowel cancer and it has been one year and two months since he last underwent treatment because of the crisis in Venezuela. Support came from his mother, who is a doctor and got from a friend in Canada the necessary medicine for him to continue the procedure that, according to expectations, must be regularized until February.

Talita Souza

“Once a Brazilian told me that we should take only crumbs because we are taking things that should belong to them, we are intruders.”


Talita Souza Jesus Enrique Bagum will start his treatment on February 2019.

Jesus does not resist saying that he finds the people from Curitiba a little distant and different from what he is used to, but believes that they are supportive and kind. Concerning the social and political problems of his country, he optimistically states: “I avoid talking about it because it is a complicated subject. But I always say that the difference starts with us. If we do not make the difference, it will be difficult to see any difference in the end”.

UNDERSTANDING THE CRISIS The socioeconomic and political crisis that Venezuela is facing began when Nicolás Maduro took power in 2013. The instability increased due to the fall of the Gross Domestic Product (GDP) causing inflation to reach up to 68.5% in 2014, the highest rate ever recorded in the world. Data released by IBGE in August 2018, based on the data from the Federal Police Immigration Department, indicate that more than 30000 Venezuelans live in Brazil. That’s a growth of approximately 3000% in three years. About 10000 Venezuelans crossed the border in the first half of this year.

According to data from the International Organization of Migration (IOM), the number was much higher in other countries, such as Peru (354000), Argentina (95000) and Chile (105000). Approximately 52% of people crossing the Brazilian border see the country as a temporary option. Sociologist Valquíria Elita Renk says that the main reasons for the waves of emigration are the economic, political and religious factors. “Those who are in a good socioeconomic situation are unlikely to emigrate. “For those who emigrate, the possibility to ‘run’ from the precarious living conditions in their home country represents the hope of a better life. Concerning the difficulties faced by them, the professor points out several situations of social vulnerability related to leaving the home country and adapting to a new culture, language and environment. “It is also necessary to have a plan to lead these migrants to the cities where they can live in dignified conditions, without being discriminated, receiving health care and being included in the social life of the community”, says Valquíria Renk.

‘’The least you can expect is to be respected as a human being’’ Rodrigo Alvarenga, PhD. Professor, talks about the difficulties faced by Venezuelan immigrants that arrive in Brazil, especially in relation to mental disorders developed in the process of moving to another country. According to him, the culture and language differences make the adaptation more difficult. Prof. Alvarenga states that “There’s no greater difficulty than not being accepted, than being attacked and suffering prejudice. It is already hard to find a place to live, so imagine not being able to communicate in a country because there are no public policies to provide some support. Another factor that hinders adaptation is rejection”. Ordinary people, NGOs and religious institutions have been helping these immigrants. However, there’s still need for establishing public policies and an organized

State that has a plan. “Laws have been improved, but to put them into practice, it is necessary that the whole society require that it take place”. Prof. Alvarenga also comments about the prejudice experienced by those immigrants and indicates education is the tool to fight against discrimination. He says that “The least you can expect is to be respected as a human being, so we lack this kind of education to fight against xenophobia and to deal with differences”. He clarifies that “without a sensitive look at specific situations, it is hard to put into practice a public policy. We are always going to be in this state of lack of political will, which is related to insensitivity towards the other.”

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CORRIDA

MEMÉ TICA

Quando memes deixaram de ser apenas imagens engraçadas para influenciar no cenário político brasileiro Crédito Eluiza Brunnquell Guilherme Coutinho Talita Souza

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No meio do expediente de trabalho, na fila do super-mercado ou no trânsito. A qualquer instante, uma piada pode surgir na cabeça de Rodrigo. Com a ideia pronta, ao chegar em casa, ele escolhe uma imagem, escreve a frase que imaginou em letras garrafais e monta mais um novo meme que será curtido, comentado e compartilhado por milhares de pessoas. Rodrigo Halatki, de 39 anos, é um analista de sistemas que lida diariamente com mapeamentos de processos e análise de dados. Ele, assim como os mais de um milhão de seguidores da página “Capinaremos” – plataforma em que divulga suas obras no Facebook – vê o mundo na perspectiva dos memes. O que surgiu como um interesse em 2008 nos blogs de humor se tornou um hobby. Diariamente, até seis imagens são criadas e postadas por ele no grupo Capina Meme Factory. Assim que avaliadas por seus mais de 20 mil integrantes,

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elas seguem para publicação e podem cumprir seu papel de informar e divertir. Além da criatividade, temas e acontecimentos em pauta na imprensa geram inspiração para a produção de conteúdo. “Grandes acontecimentos, grandes polêmicas sempre atraem a atenção dos produtores de memes, tipo a prisão do Lula, o impeachment da Dilma, a eleição do Trump. Com a campanha eleitoral deste ano, obviamente a frequência dos memes falando de política aumentou bastante”, exemplifica. Entre piadas sobre situações cotidianas, personalidades públicas e últimos lançamentos do cinema, a política chama mais a atenção. Para o mememaker – termo usado para identificar produtores de memes – o próprio cenário político do Brasil leva à preferência pelo tema. Resultado? Os memes eclodem na rede. Halatki explica: “a política brasileira já é uma grande


piada. Tem notícias que a gente lê e fica na dúvida se aquilo pode ou não ser verdade. Depois descobre que é e fica estarrecido. Tem coisas que acontecem que são memes prontos e a gente faz piada em cima da piada, tenta rir da nossa própria desgraça”, diz. Como geralmente se pautam em um candidato específico, o conteúdo divide opiniões entre seus apoiadores e adversários. Rodrigo chama de “mimimi” o comportamento de alguns integrantes do grupo que se ofendem quando seu “político de estimação é zoado”, mas ainda assim defende os memes: “Eu acho válido fazer, sim. Quanto mais a gente instigar o povo – mesmo que alguns não consigam manter um debate racional a respeito. Eu acho que a gente deve incentivar os memes, e de uma forma ou outra,

“O meme é um tipo de informação rápida, simples, que você leva segundos para ler e passar adiante.” Renato Frigo, pesquisador da Unicamp

eles acabam fazendo isso, incitando a galera a entrar na discussão”, finaliza. Estereotipar políticos, modificar bordões e aumentar motes são práticas comuns no Brasil. A primeira charge política registrada em nossa história data de 1822, quando o sistema ainda era colonial. O jornal O Maribondo (variação linguística popular de marimbondo) publicou uma ilustração com um cidadão português sendo atacado pelos insetos que deram nome ao periódico. À época, com a massiva parte da população do país analfabeta, imagens eram uma estratégia acessível para realizar críticas aos assuntos mais relevantes.

Hoje, no contexto da cibercultura, essa prática ganhou o nome de meme. Um conceito estabelecido pelo pesquisador Richard Dawkins que parte da biologia, remetendo aos genes transmitidos de geração em geração. Os memes são, assim como os eles, ideias repercutidas construídas coletivamente. “Essa versão dos memes que vemos todos os dias no Facebook é a última variação do conceito do Dawkins”, afirma o pesquisador Renato Georgette Frigo, da Universidade de Campinas (Unicamp). O publicitário, autor da dissertação de mestrado “Política, Memes e o Facebook no Brasil: em busca da ciberdemocracia”, defende

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Considerado o primeiro meme disseminado na internet, O jogo consiste em uma brincadeira em que se perde quando se lembra do jogo, sendo obrigatório anunciar em voz alta. Depois dele, derivaram várias imagens e até representações offline.

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20 18 Foram selecionados também os memes relacionados a política a fim de demonstrar o poder informativo do meme. Ao longo de 22 anos, os memes que mais se destacaram no Brail são ligadosapersonalidades e/ou se relacionam a acontecimentosfactuais, principalmenteescândalos políticos. 2013

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esses elementos como ferramentas de democratização da discussão política no país, principalmente por conta da facilidade que oferecem em entender um conteúdo, bem como as charges do século XIX. “É um tipo de informação rápida, simples, que você leva segundos para ler e passar adiante. É justamente nesse fato de ser compartilhado tão rápido que eles ajudam também na política. Nesse aspecto, ele funciona como a publicidade, porém com uma velocidade maior”, explica. Frigo traz para essa discussão a relação com a publicidade: anúncios também se utilizam de imagens e textos para tentar levar uma ideia adiante

de representatividade. O palhaço é o que representa a principalmente nossa condição política. Quando a gente olha pro meme, a gente reconhece isso”. Ele comenta que o meme casou com o brasileiro ao exercer a função de representatividade e revela sérias questões da nossa condição social. Essa discussão é central em um dos grupos de pesquisa da Universidade Federal Fluminense (UFF). Formado por um conjunto de pesquisadores em diversas áreas da comunicação, o Museu de Memes, do qual Ramos faz parte, não só é palco de discussões sobre o tema como também abriga um acervo virtual de memes que retratam os assuntos históricos mais recentes da história do país em forma da sátira (leia mais no box). O pesquisador enxerga o meme como um fenômeno social, não necessariamente uma forma de arte, mas uma linguagem em si. “Existe a internet e as pessoas usam o meme para se comunicar ali dentro como uma linguagem. E aí ele tem várias funções, uma delas é fazer uma provocação política. Há memes também que não são necessariamente on-line, exemplo das lendas urbanas”, completa.

FÁBRICA DE MEMES

através de compartilhamentos, cutidas e visualizações. O meme se diferencia, no entanto, pela sua origem na coletividade. “Às vezes, a mídia de massa fala o que viraliza, mas não se vê ela construindo meme. Até porque o meme é uma construção coletiva, e só se constitui se fizer sentido para o outro, se o riso for coletivo. Caso contrário, ele é só mais uma imagem lançada na rede.” Para Rangel Ramos, pesquisador em comunicação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), a força do humor é perceptível em um país que elege políticos como Tiririca: “Na arte circense, o palhaço é a condição humana. Ele é aquele que provoca o riso nos outros, um riso democrático

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Mesmo sendo um conteúdo espontâneo e sem compromisso com a veracidade, se engana quem pensa que a produção de memes não exige organização. No Facebook, rede social mais utilizada no Brasil (76% da população do país acessa pelo menos uma vez ao dia, de acordo com a última Pesquisa Brasileira de Mídia, de 2016) cada uma das páginas virais têm um grupo destinado exclusivamente à criação e deliberação sobre novos memes. Sandro Sanfelice, administrador da “Capinaremos”, que conta com mais de 1,5 milhão de curtidas, relata a dinâmica de produção de conteúdo na plataforma. Qualquer pessoa pode entrar nesse grupo, criar o seu meme e publicá-lo na timeline e os demais membros vão “promovê-lo” por meio de comentários e curtidas, numa espécie de curadoria interna.”


Sobre o site, ele comenta que começou de forma despretensiosa, com textos, notícias comentadas e curiosidades. Logo, acabaram esbarrando nos memes, entre 2008 e 2009, o que acabou gerando uma visibilidade significativa. Somando todas as publicações, a página tem atualmente um alcance estimado de 8 milhões de pessoas, mas o número varia de acordo com a visualização das publicações. Entre as mais populares do último mês, com mais de 27 mil compartilhamentos, está uma imagem que relaciona oito candidatos à Presidência a heróis e vilões do Universo Marvel. Para Ramos, o meme pode ser entendido como uma forma das pessoas começarem a entender e se interessarem por política. Segundo o mestrando, assim como a ironia, esse fenômeno tem o poder de expressar um posicionamento político e deslegitimar o outro. “Essa linguagem, como discussão pública, carregada de ironia e sátira, vem com esse teor de ‘o seu discurso, duro e enrijecido não serve para mim’. Então, o indivíduo tira sarro, faz a piada, coloca a Marina Silva com a cara do ET, o Temer com a cara do vampiro”, exemplifica. Apesar de serem de consumo rápido e apresentarem informações superficiais ou apenas um lado do fato, essa expressão também serve como mobilização política: “Para chamar as pessoas à votação, aumentar a percepção de um dado jornalístico, como uma pesquisa de opinião ou uma citação famosa de um político. O termo meme vem de memória. Então, nesse sentido, eles nos ajudam a não esquecer de fatos que podem ser decisivos na hora de votar”, finaliza. De quantas propagandas eleitorais da eleição passada você consegue se lembrar? E quantas são as piadas sobre as mesmas campanhas que vem à sua memória? Independentemente da sua opinião em relação ao mundo memético, o fato é que os brasileiros com acesso à internet têm mais tempo de exposição aos memes do que aos minutos destinados à campanha eleitoral obrigatória na televisão. Mas, diferentemente dela, a piada contida no meme pode nos levar a outros caminhos além do riso.

Meme marketeiro

Há mais de 10 anos trabalhando com marketing político, Sulamita Mendes defende os memes por conta da característica despojada dos brasileiros. “Com as redes sociais, tudo fica mais transparente. Por isso como gestora de crise de imagem e de marketing político, oriento que se tenha uma plataforma de propostas de governo muito clara porque, a qualquer momento, alguém pode ressaltar algumas de suas ações. Sem ter deslize, os memes já aparecem. Imagina se der ‘pano pra manga’, será um prato cheio.” Sulamita revela, ainda, que usaria o meme para promover um candidato, principalmente se ele não for conhecido. “Hoje as pessoas discutem sobre as propagandas que conhecem e isso faz com que sejam mais críticas. Por isso, se os memes forem muito amadores, vão chamar muito a atenção para o negativo e não positivo”, finaliza. Museu de memes

Idealizado pelo professor Viktor Chaves, em 2011, o Museu de Memes é um grupo de pesquisa mantido pelo curso de Estudos de Mídia e pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense (UFF). Enquanto os alunos da graduação são responsáveis pela produção de conteúdo e organização dos ciclos de debates “#memeclubes”; os discentes e docentes da pós-graduação realizam trabalhos de pesquisa e produção científica relacionados ao tema. Rangel Ramos, integrante do grupo, comenta sobre sua dinâmica “Funciona como uma extensão de um campo de pesquisa da UFF. Lá, tentamos dar um caráter mais acadêmico para a pesquisa de memes, além de montar um acervo para que outros pesquisadores possam ter acesso e entender o meme como essa nova linguagem da cibercultura, conclui.

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Ruan Felipe

Além da solidão N Idosos no meio rural padecem por falta de sáude, apoio e autonomia Camilla Ginko e Ruan Felipe

a tranquila zona rural de Almirante Tamandaré, mesmo a poucos quilômetros da região urbana de Curitiba, Matilde Poncheke vive uma realidade totalmente diferente dos dias movimentados da capital. Sua casa de 150 anos traz consigo a simplicidade da vida do campo, e que mesmo após anos difíceis trabalhando na lavoura, a mulher de vida sofrida encontrou forças para se profissionalizar e virar professora, ofício que exerceu por 30 anos. O pai de Matilde manteve as tradições de sua família. Vivendo na região do bairro Tanguá, passou seus ensinamentos da vida rural a seus filhos.

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Matilde relata que desde pequena seu pai lhe ensinou a trabalhar na lavoura, tendo como rotina diária a retirada do leite de suas três ou quatro vacas ao nascer do sol para o café da manhã antes de ir à escola. Após as horas de estudo, o dia se encerrava em meio à lavoura com os filhos ajudando no sustento da família.

mento causa ainda mais desgastes no corpo idoso de Matilde durante cada solitária viagem do campo à capital. Agravando a situação, Matilde frequentemente se lesiona devido à quedas. A última lhe deixou um olho roxo. Ela ainda brinca: “Vão pensar que eu levei um soco no rosto”. Na ocasião, não recebeu ajuda de nenhuma pessoa, nenhum filho, nem vizinho. Ninguém pode ajudá-la, pois a região onde mora é afastada e seus filhos moram longe.

“Antigamente, apesar de tudo, a gente vivia mais dignamente.” Matilde Poncheke, aposentada Ao chegar o período de se aposentar, a saúde de Matilde estava longe de ser aquela que a motivava quando lutava por uma vida melhor. Sofrendo de transtornos bipolares, a professora realiza o tratamento da doença com certa dificuldade devido ao alto valor das consultas e à distância do médico, que atende em Curitiba. O desloca-

“Antigamente, apesar de tudo, a gente vivia mais dignamente”, destaca Matilde, que agora se sente abandonada pelo Estado, tendo gastos mensais de um total de R$ 600 em remédios. A professora explica que, devido ao alto custo do remédio, o governo não é capaz de disponibilizá-lo de graça. Tal valor, juntamente às consultas realizadas a cada três meses, acaba sobrecarregando a mínima renda que a mantém viva, é mais um relato de abandono de idosos que ninguém vê. Camilla Ginko

Aposentada, Matilde vive solitária na zona rural de Almirante Tamandaré.

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Casos semelhantes ocorrem também em outras localidades. Na cidade de Contenda, município próximo a Curitiba, a história de seu Zé, único nome pelo qual se identifica, se assemelha ao abandono de Matilde. Morando numa chácara e recebendo raras visitas de sua filha, seu Zé se encaixa no frequente desamparo de pessoas idosas. O agricultor, que não teve estudo e se mantém com a ajudas do governo e de uma cooperativa regional, relata o sentimento de tristeza pela falta de companhia e desprezo dos filhos. “É triste, sabe? Eles mal aparecem por aqui, e quando vêm, a gente percebe que é na má vontade. Eu já nem lembro qual foi a última vez que minha filha veio aqui e não brigou comigo. Fico acabado.”

por falar demais. O segundo caso se deve à solidão, que quando encontra um ombro amigo para desabafar, tropeça nas palavras devido a tanta informação acumulada que deixou de se expressar. A alegria por ter quem o ouça, faz com que o agricultor não consiga decidir o que falar por primeiro. Acaba misturando diversos assuntos em um só.

“É triste, sabe? Eles mal aparecem por aqui, e quando vêm, a gente percebe que é na má vontade. Eu já nem lembro qual foi a última vez que minha filha veio aqui e não brigou comigo. Fico acabado.” seu Zé, agricultor

Os vizinhos, que fazem de tudo para serem a companhia de seu Zé e manterem viva a esperança de felicidade do tal homem, relatam que a situação é complicada, e que mesmo com os esforços, a solidão deixada pela família pesa bastante no dia a dia do agricultor. José Venâncio da Silva, mestre de obra e agora aposentado, sempre que possível dedica seu tempo para dar atenção a seu Zé, conversando, criando proximidade, e até levando o almoço de domingo a chácara do pobre homem para que ele se sinta com uma nova família. Na região, seu Zé é conhecido por sempre ajudar os outros e também

Em relação à saúde, a cooperativa dos produtores de batata faz um trabalho importante não só para seu Zé, mas para todos que ali desenvolveram suas vidas. Passando de chácara em chácara, um motoboy vai recolhendo os pedidos de consulta, nada muito avançado. Oftalmologia e clínica geral são os atendimentos. Como os procedimentos de saúde não têm vínculo com o governo estadual, Ruan Felipe

Fiéis companheiros de seu Zé, que abandonado, encontrou sua família nos animais.

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as consultas são realizadas na sede da própria cooperativa, necessitando de uma contribuição de R$ 10 por avaliação, além de ser requisitada a carteirinha da cooperativa. A ação serve como suporte aos idosos da região, que futuramente serão grande maioria no país. Atualmente, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) O número de idosos cresceu 18% em cinco anos, ultrapassando os 30 milhões em 2017 no país. Inúmeros destes casos dependem da ajuda de outras pessoas de fora do seu círculo familiar após serem abandonados. Lucia Helena Linheira-Bisetto, professora doutora do curso de Enfermagem da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) destaca o envelhecimento como um processo comum e que, aos poucos, o idoso acaba perdendo sua autonomia e se tornando mais dependente. A enfermeira ressalta que um dos maiores problemas na idade avançada acaba sendo o risco de queda, como no caso de dona Matilde e do seu Zé, que vivem no meio rural. O perigo é ainda maior.

“Todo idoso, de uma maneira geral, têm um maior risco de queda, associado a lesões, como fraturas do punho, braço, fêmur entre outros ossos. Porém, o idoso da área rural, que realiza atividades agropecuárias, está mais exposto a acidentes. Isso ocorre porque com o envelhecimento, os reflexos diminuem, assim como os movimentos e a visão.” A enfermeira ainda relata que doenças como a depressão, esgotamento físico e em alguns casos até de alimentação inadequada, são mais comuns em idosos que vivem sozinhos. Tais doenças estão diretamente envolvidas à solidão, e que uma simples companhia é capaz de proporcionar diversas ações positivas na saúde dos idosos. Leia mais Leis que asseguram a pessoa idosa garantindo prioridade com relação à saúde, cidadania, e políticas sociais. http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm

Amigos de seu Zé , companheiros que são a família do homem do campo. Ruan Felipe

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Feminismo grisalho O feminismo não morre com a idade. O corpo envelhece, mas a cabeça pode permanecer eternamente jovem. Ana Clara Braga Bruna Toti de Freitas

C

om a casa cheia de filhos, genros e netos, Rosi ri: “Acho que eu faria um textão na internet e acho que participaria de uma passeata”, ao ser questionada sobre como seria a sua participação no movimento feminista atual. Aos 69 anos, Rosi Salomão tem história para contar. Foi militante ativa contra a ditadura militar brasileira e viveu de perto os ecos da segunda onda do feminismo. Segundo a historiadora Beatriz Zechilinsk, a segunda onda foi mais radical pois impulsionou a revolução sexual e atraiu massivamente as jovens. “Foi uma discussão sobre o corpo. sobre sexualidade, sobre a opressão masculina no espaço doméstico. Focava-se muito que o privado é político”. Diferentemente da primeira, que tinha como principal pauta a conquista por direitos políticos, como o voto, a segunda trouxe à tona a frase “Liberação das Mulheres”. Beatriz aponta que o fato do feminismo da segunda onda ter sido mais agressivo, muitas idosas podem temer esse rótulo até hoje. Diante de tanta propaganda contra o movimento, é natural que se autointitular feminista para essas mulheres seja desafiador. A segunda onda feminista acabou em 1980, dando início à terceira, que, segundo alguns historiadores, perdura até hoje. A casa de Rosi era um aparelho

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e, quando casou, sofreu pressão do marido para abandonar a militância. Quando engravidou de sua primeira filha, a pressão foi maior, veio também de dentro do movimento. Seus colegas que lutaram ao seu lado falaram para ela desistir. “Um dos meus amigos me disse: Rosi você fez uma opção de vida, é melhor que você nos deixe. É uma coisa pesada de se dizer, ele poderia ter dito: vamos à luta! Mesmo eu estando grávida, mas ele me deu incentivo para parar.” Hoje, ela sabe que essa era mais uma manifestação do machismo. A decepção é visível ao lembrar que a pedidos, bastante enfáticos, do marido, ela queimou livros e panfletos de sua época de luta. Uma ato simbólico que representava o passado sendo deixado para trás, como folhas queimadas. “Inclusive, nem sei se você sabe o que é, mas eu queimei o livro vermelho do Mao Tse Tung, que me dói até hoje pensar que foi rasgado e queimado porque eu estava grávida e não podia mais participar do movimento.”

“ Um dos meus amigos me disse: Rosi você fez uma opção de vida, é melhor que você nos deixe.” Rosi, aposentada


Ana Clara Braga

Rosi ainda guarda os livros de sua época de ativista.

É fácil reconhecer Maria Lorenci em meio à multidão. Seus cabelos azulados e jeito expansivo se destacam em qualquer paisagem. Aos 60 anos, teve uma vida cheia de “perrengues”, como gosta de dizer. Entrou na faculdade de Engenharia Civil em 1975, um curso extremamente masculino, em uma época extremamente machista. Perdeu o marido cedo, antes de completar os estudos, e ficou com dois filhos para criar. Sua militância não teve data para começar, Maria acredita que sempre foi feminista. “Nunca busquei pensar: nossa agora estou levantando uma bandeira. Eu simplesmente peguei a bandeira e fui!” .

nós queríamos de todo o jeito seguir, mas nós tínhamos medo”.

“ Nunca busquei pensar: nossa agora estou levantando uma bandeira. Eu simplesmente peguei a bandeira e fui!” Maria Lorenci, engenheira civil

A segunda onda feminista aconteceu quando o Brasil vivia a ditadura militar. Assim como qualquer movimento social, o feminismo foi abafado e difamado. Dessa época veio o estereótipo de mulher “mal amada”, “feia”, “revoltada”. Rosi lembra que era difícil se juntar ao movimento na época, porque nenhuma mulher queria ser associada aos absurdos designados às militantes. A ativista Betty Friedan, apesar de ideias brilhantes, era diminuída por sua aparência. “Ela trazia ideias que

Maria reflete muito sobre sua luta junto ao movimento feminista no século passado. Em época de governo militar, a inquietação era grande. “Nos anos 70, nós vivíamos mais que uma ditadura. Era a ditadura do pai, ditadura do marido, ditadura do governo, ditadura dos costumes,” Para ela, ver hoje em dia as novas gerações de mulheres, incluindo sua filha, tendo mais liberdade fez toda a luta valer a pena. Quando se fala do ativismo atual, ela tem algumas críticas. Acha que grupos que colocam homens como o “mal do mundo” passam do ponto. Para ela é preciso ver a relação homem-mulher como uma parceria. “Eles são tão vítimas desse sistema como nós, o que não os desculpa das grosserias!”. Outro ponto que Maria ressalta e que

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Ana Clara Braga

Todas as últimas quartas-feiras Maria se encontra com outras mulheres do coletivo “Marianas” para discutir literatura feminista.

vale como reflexão ao feminismo atual é que existem feministas ferrenhas que saem para protestar, mas não preocupam em ensinar suas mães com calma sobre escravidão que talvez elas vivam. Rosi se considera uma feminista mais moderada por ter largado tudo tão facilmente pela vida familiar. Apesar de sua escolha, criou suas duas filhas com ideias feministas falando para elas, desde pequenas, que mulheres têm o mesmo valor que homens. Para ela, a mulher deve trabalhar e ter sua

Coletivo Marianas Maria Lorenci leva seu ativismo a sério. Todas as últimas quartas-feiras ela se encontra com outras mulheres do coletivo “Marianas” para discutir literatura feminista. O grupo conta com mulheres de diversas faixas etárias que tem como objetivo dar visibilidade para nomes femininos da literatura brasileira e mundial.

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vida, sem deixar de cuidar da família, agregar. Uma visão diferente de suas amigas que pensam que as mulhe-

“ Ela trazia ideias que nós queríamos de todo o jeito seguir, mas nós tínhamos medo.” Maria Lorenci, engenheira civil res vivem apenas para agradar seus maridos.“Você quer passar suas ideias para ela, mas não consegue, elas não vão entender. De dez amigas, duas pensam como eu e o resto…” Nem toda feminista da terceira idade, diz Rosi, vai fazer textão no Facebook ou ir a passeatas, mas quem sabe uma boa parte sim. A aposentada acredita que o feminismo atual deve pautar mais questões das mulheres de idade como sexualidade e aparência, e esconder e criar tabus. Sua neta Alice, 19 , crê que sua avó é diferente.


“Muitos dos ideais feministas que ela defendia na época estão muito incrustados na sua personalidade, mesmo que ela não defenda nem clame mais por esses ideais. Ela é uma mulher extremamente independente e forte.” “Se Madonna Louise Ciccone passa por isso, imagina nós mortais!”, disse Maria em tom de bom humor. O preconceito com mulheres de mais idade lhe toca profundamente, lhe deixa furiosa. É impossível compreender como a sociedade pode excluir pessoas com tanta experiência apenas pela data de nascimento, imagine dentro de um movimento social. “Nós, as feministas históricas, estamos sendo preteridas pelas mais novas. Isso é uma burrice sem tamanho porque todas nós temos uma puta [sic] história para contar que pode resolver muita coisa.” A engenheira é enfática ao dizer que está mais do que na hora das mulheres da terceira idade serem agregadas ao movimento, já que todas têm um mesmo propósito.

Idosas e Feministas Conheça brasileiras que mudaram a história do feminismo no Brasil.

A população brasileira com mais de 60 anos cresceu 18% nos últimos cinco anos, segundo dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Porém, esses mesmos idosos, que hoje representam mais de 30 milhões de brasileiros, foram milhões de jovens com sonhos, vontades, anseios e sede de revolução.

Qual a cor da solidão? Além das idosas, outras mulheres merecem atenção dentro do movimento feminista: as mulheres negras. Com uma construção de opressão e submissão histórica, advinda da escravidão, as mulheres negras lutam diariamente por espaços que já foram conquistados por mulheres brancas, mas que ainda são hostis às negras. Um desses espaços é o amor. Confira na reportagem Qual a cor da solidão histórias de mulheres fortes e inspiradoras.

BERTHA LUTZ 82 anos - Criou as bases do feminismo no Brasil. - Conhecida como a maior líder na luta pelos direitos políticos das mulheres brasileiras. - Em 1929, ajudou a criar a União Universitária Feminina - Com 81 anos foi convidada a integrar a delegação brasileira à Conferência do Ano Internacional da Mulher.

NÍSIA FLORESTA

NÍSIA FLORESTA

MIÊTTA SANTIAGO

74 anos

92 anos

- Considerada a primeira feminista do Brasil. - Primeira mulher a escrever em um jornal brasileiro. - Fundou um colégio somente para meninas em 1838, causando espanto na sociedade machista da época. - Defendia o direito à educação científica para mulheres.

- Foi advogada e sufragista. - Pioneira na defesa do direito das mulheres ao voto. - Foi a primeira mulher a votar e a ser votada no Brasil. - Fundou a Liga de Eleitoras Mineiras.

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Caso de Emergência Gabrielly Zem Marina Darie

Estudantes de Medicina abusam de remédios como a Ritalina para enfrentar as exigências acadêmicas e a pressão psicológica que sofrem no curso

ATENÇÃO: PODE CAUSAR DEPENDÊNCIA FÍSICA OU PSÍQUICA

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A

possibilidade de salvar vidas foi o que interessou T*., estudante da Faculdade Evangélica, a ingressar na área da saúde. Aprovado no curso de Medicina em 2016, o menino ainda não sabia a realidade que o aguardava: dormir quatro horas por semana seria necessário, para conseguir conciliar a preparação para as provas e o plantão médico. Desde a época dos estudos pré-vestibular, a expectatva é grande para a tão esperada aprovação. A rotina é intensa para conseguir se destacar nos processos seletivos. A relação candidato por vaga para os aspirantes a médicos chega a 56,54 na Universidade Federal do Paraná (UFPR). É nesse momento que muitos jovens se sentem despreparados e buscam ajuda psiquiátrica, para tentar dar aumento exacerbado dos batimentos

de conteúdo repassada pelos professores. Por isso, não foi uma surpresa para B. quando ela conheceu seus colegas de sala, na Universidade Positivo: vários faziam uso de Ritalina. Até mesmo ela, que tinha parado de tomar a droga após o término do cursinho, voltou a ingerir de vez em quando. Dessa vez, sem acompanhamento de um especialista. “Você começa a se desesperar quando percebe que seus companheiros estão aprendendo, estão sabendo fazer as coisas e você não está igual a eles. Você não sabe fazer uma manobra, não consegue examinar o paciente de tal maneira e não consegue identificar uma doença… Você começa a se sentir inferior”, comenta. Ela pedia comprimidos emprestados de amigos que tinham receita, principalmente na véspera de uma avaliação ou de um seminário. Ela afirma que além da pressão colocada em si mes-

“Você começa a se desesperar quando

percebe que seus companheiros estão aprendendo, estão sabendo fazer as coisas e você não está igual a eles.” -B.*,estudante

cardíacos, espasmos musculares, insônia, perda de peso e dependência. A médica confirma que há uma procura pelo fármaco com o objetivo de aumentar a performance, mas alega que para receitá-lo é necessário realizar diversos processos. “O diagnóstico engloba exames de funções psíquicas ou mentais. Avaliamos o humor, consciência, juízo, inteligência, volição e cognição”. Em caso de dúvidas, o especialista também pode consultar um psicólogo ou realizar exames laboratoriais e de imagem. Ao conseguirem a aprovação do vestibular, a rotina de aprendizado intensa dos futuros médicos não termina. É necessário estudar diariamente para conseguir acompanhar a enxurrada de

ma para saber tudo, alguns professores exigem o conhecimento exagerado dos assuntos: cobram até matéria que está nas linhas de nota pé da bibliografia recomendada. Mas B. defende: “Os professores cobram muito da gente, mas eles querem que a gente seja o melhor possível. Que a gente se forme bons médicos generalistas.” A acadêmica entende que o “empréstimo” de medicamentos, como a Ritalina, é uma situação irresponsável, mas ela só parou realmente quando algo ruim aconteceu. Em um dia de estudo, ela tomou um comprimido de Venvanse, uma versão mais potente do remédio, pois tem uma meia vida no sangue muito maior, segundo a psiquiatra Gisele Stocco.No dia seguinte, o mal-estar tomou mente. “Me senti super mal e não fisicamente

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não estava enjoada nem com dor de cabeça. Eu estava muito triste, fiquei chorando o dia inteiro. O que aconteceu é que o remédio não caiu bem para o meu sistema nervoso. Ele agiu como um depressor.” Após esse incidente, B. passou por outro momento de baque. Em um dia de aula, ela foi até o banheiro da sua universidade. Enquanto entrava, uma menina era retirada de lá inconsciente. Mais tarde, foi descoberto que a jovem, que estava a um ano de se formar em Medicina, tinha realizado uma tentativa de suicídio. “A gente tem esses problemas de tomar remédio, de apelar para a Ritalina, mas no fim das contas a maioria (dos alunos) vai para o psiquiatra e toma antidepressivo ou ansiolítico. O curso de Medicina é o que tem a maior taxa de suicídio.” De acordo com um estudo feito pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo, médicos, em geral têm uma taxa de morte por suicídio 70% maior do que o resto da população.

M.A*. estudante da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) relata uma situação muito parecida com a de B., mesmo estudando em instituições diferentes na capital paranaense. A rotina de aulas, que acontecem em período integral, é complicada. O intervalo para almoço, de 45 minutos, é muitas vezes encurtado para que os estudantes possam se deslocar para o hospital conveniado à instituição, para que o aprendizado tenha continuidade. Nesses casos, a alimentação deixa de ser uma prioridade. Quando chegam em casa, é preciso estudar até o horário de dormir. “É muita coisa junta, você não consegue fazer tudo e tem que priorizar alguma matéria. É isso que deixa a faculdade tão puxada”, conta M.A.. Ele acorda às 5h30 diariamente e vai dormir às 23 horas. Isso, quando não é uma semana de provas. Em seu primeiro ano do curso, M.A. relata que em um período de sete dias, passou por

“(...) o remédio não caiu bem para o meu sistema nervoso. Ele agiu como um depressor”

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Gabrielly Zem

- B. *, estudante


Gabrielly Zem

“A faculdade é uma competição do início ao fim, pelos melhores e para os mais fortes, custe o que custar.”

- M.J. * , estudante

dez avaliações. Para aguentar, ele admite que tomou Ritalina algumas vezes, sem a prescrição de um médico. O estudante declara que, normalmente, colegas que sofrem com algum tipo de doença psiquiátrica distribuem remédios para quem pede. Ele também conta que já presenciou uma situação infeliz na própria universidade:”Teve um caso de um colega da minha turma que estava há mais de dois dias sem dormir, porque ele estava tomando Venvanse para estudar. A gente teve duas provas nesse dia, e depois delas saímos da sala para tomar sol. Esse menino saiu do bloco de cadeira de rodas. Nos falaram que ele tinha desmaiado, porque estava muito fraco e, provavelmente, sem comer.” Apesar disso, M.A. reitera o que B. já tinha declarado. Para ele, o que deve ser destacado é a saúde mental dos futuros médicos, que não está tão boa assim. De dez a 15 pessoas em sua sala fazem uso de medicação para tratamento de depressão e ansiedade. “Eu acho que isso é pior do que usar o

medicamento psiquiátrico para estudar. Quando você usa remédio, é a sua escolha pelo menos. Com quem desenvolve esses distúrbios não é assim… é a rotina que fez eles ficarem desse jeito.” O estudante também relata que já houve caso de suicídio no espaço acadêmico. Em um curso de Medicina, os gastos econômicos, psicológicos e físicos são colocados em prova e são passados de turma para turma e de professor para aluno há décadas. M.J*., estudante da Universidade Federal do Paraná, relata: “A faculdade é uma competição do início ao fim, pelos melhores e para os mais fortes, custe o que custar. Tempo, relacionamentos e saúde mental, muito fica de lado para que se consiga tirar o diploma e ser um bom médico”. Ele confirma que além de muitos usarem remédios, tanto para potencializar a rotina de estudos, quanto para doenças mentais, nos fins de semana muitas dessas pessoas também fazem o uso de drogas recreativas, como ecstasy, maconha e LSD. comportamento| editoria revistacdm | revistacdm 33 33


Os três acadêmicos mencionaram que a coordenação de seus cursos entende a rotina que eles passam. Campanhas são feitas para conscientizar sobre o suicídio e psicólogos são destinados somente para consultoria de estudantes de Medicina. O professor de Pediatria Victor Horácio, da PUCPR, admite que os alunos do curso precisam ter foco além do normal. “O estudante vive em uma rotina que é de aulas praticamente durante o dia inteiro. Para que ele possa ter um bom aproveitamento, ele precisa ter um nível de concentração maior do que outros alunos dos cursos meio período.” Horácio comenta que os docentes têm conhecimento do “empréstimo” de remédios, além da vulnerabilidade psicológica dos pupilos. Ele reitera que abordagens para tratar desses temas não são incomuns.

Na UFPR não é diferente. O ex-coordenador do curso, especialista em Ginecologia e Obstetricia, Edison Luiz Almeida Tizzot, afirma que ao estudar ou trabalhar com a Medicina, desafios emocionais e técnicos acontecem regularmente. Ele também admite que a depressão, que acomete de 20% a 30% dos acadêmicos, pode gerar consequências mais graves. “ Já tivemos casos dolorosos de suicídio. Eles são pontuais, mas ocorrem e já ocorreram no passado. É nesse ponto que nós trabalhamos.” A prevenção de casos como esse é feita pelo incentivo da relação entre professor e aluno, assim como o interesse dos próprios estudantes alertarem alguma situação anormal.

“Já tivemos casos dolorosos de suicídio. Eles são pontuais, mas ocorrem e já ocorreram no passado.”

- Edison Tizzo, ex-coordenador de Medicina da UFPR Gabrielly Zem

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Casos de suicídio de estudantes de Medicina pelo Brasil Os casos de suicídio de estudantes de Medicina se repetem por todo o país. Um estudo realizado pela American Medical Association concluiu que cerca de 11% dos acadêmicos da área apresentam tendências suicidas e 27% tiveram quadros de depressão ou sintomas depressivos – o número é até cinco vezes maior do que a média.

2018 Março Faminas

Julho Unioeste

Agosto UFRGS

Em março de 2018, a Faculdade de Minas (Faminas) registrou o quarto caso de suicídio de alunos do curso de Medicina em um intervalo de cinco meses. Em novembro de 2017 dois casos foram relatados e segundo integrantes da faculdade, nessa mesma época, outros cinco estudantes teriam tentado contra a própria vida em um intervalo de 40 dias. Entre fevereiro e março de 2018, ocorreram mais dois casos de suicídio de alunos de Medicina da universidade.

Julia Fernandes dos Santos, 21 anos, estudante de Medicina da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), cometeu suicídio em Julho de 2018. A jovem foi encontrada enforcada e depois do caso, os estudantes da Universidade iniciaram debates nas redes sociais sobre a pressão que enfrentam no curso.

Estudantes da Faculdade de Medicina (Famed) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) criaram uma página no Facebook chamada ‘’Previamente Hígido’’. No perfil há relatos sobre distúrbios emocionais e tentativas de suicídio.

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Procura-se Larissa Sena Mariana Prince Victoria Bittencourt

João Rafael desapareceu há cinco anos e a família continua em busca de respostas sobre o paradeiro do menino. editoria 36 revistacdm | cidades

Reprodução


J

oão Rafael ficou nacionalmente conhecido em 2014. Não da forma como a família gostaria. O menino tinha apenas 2 anos quando foi visto pela última vez em sua casa. Era alegre, saudável e dono de olhos azuis que chamavam a atenção. A primeira desconfiança da família após o sumiço foi de que João tivesse caído em um rio próximo de casa. Tudo aconteceu na cidade de Adrianópolis, norte do Paraná. Cidade pacata e de poucos habitantes. Hoje, cinco anos depois do desaparecimento, a lembrança mais forte que existe de João Rafael, é a presença de sua irmã gêmea.

“Hoje, cinco anos depois do desaparecimento, a lembrança mais forte que existe de João Rafael, é a presença de sua irmã gêmea” Lorena Cristina, mãe de João Rafael Maior do que a dor do desaparecimento de um ente querido, é a sensação de não ter um desfecho concreto para essas histórias, as sensações de ausência de um ponto final e de impotência que dominam quem participa das buscas. Essas pessoas acabam sofrendo de um luto antecipado. Para a psicóloga Luci Wilms, esse é um dos lutos de maior dificuldade de elaboração, devido à incompreensão do motivo que levou ao desaparecimento. Luci afirma que esse luto é quase eterno para muitas pessoas, e realmente eterna para outras, visto que na maioria das famílias, sempre há alguém que não desiste da busca, mantendo a vida em suspenso numa esperança de um reencontro. “Sabe-

-se que o nível de sofrimento é muito intenso em todos os casos, contudo, pode tornar-se mais significativo quando envolve crianças”, comenta a psicóloga. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 2007 e 2016, mais de 690 mil boletins de ocorrência por desaparecimento foram registrados. Em 2017, foram computados 82.684 desaparecimentos, quase 10 mil a mais do que em 2016, quando ocorreram 71.796 casos. Roberto José tinha apenas 7 anos quando seu pai sumiu. Ele lembra que foi sua avó quem contou a ele e seus irmãos que Mário Alves estava desaparecido. A família, de origem humilde, não chegou a comunicar a polícia e o procurou por conta própria, com a ajuda de amigos. Foram dois meses de angústia sem saber o paradeiro do pai. A procura foi intensa, até que um dia um colega de trabalho o encontrou andando sem rumo em Rio Branco do Sul, cidade da região metropolitana de Curitiba. Até hoje ninguém sabe direito o que aconteceu com Mário enquanto ele estava desaparecido. Os mais próximos acreditam que tenha sido algum tipo de surto psicológico, apesar de Mário ser conhecido como uma pessoa tranquila e nunca deu indícios de que pudesse desaparecer por conta própria. Assim que voltou para casa, o primeiro passo foi interná-lo em um hospital psiquiátrico. “Eu lembro das minhas tias levando a gente para visitar o meu pai. Acho que ele ficou lá durante um mês”, conta Roberto, que hoje tem 59 anos. A orientação da Polícia Civil é que o boletim de ocorrência seja feito imediatamente após o desaparecimento da vítima. Assim, as chances de encontrá-la com vida são maiores. A assessoria de imprensa da Polícia Civil alerta que assim que perceber que seu familiar desapareceu, você deve imediatamente procurar uma delegacia de polícia para registrar o boletim de ocorrência e não esperar 24 horas como dizem por aí. Levar uma foto atualizada e mencionar as cores de roupa que a vítima estava usando

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no momento do desaparecimento é extremamente importante. A delegacia também afirma que assim que o familiar chega na delegacia é dado todo apoio e atenção que ele precise. O Estado deixa à disposição toda a rede estadual de saúde para que seja feito o tratamento necessário. O número de boletins de ocorrência não

é divulgado, mas segundo o site www. desaparecidos.pr.gov.br/desaparecidos/, são 2.235 casos registrados. Porém, para a Polícia Civil não é possível basear-se nesse número. Afinal, cerca de 30% dos casos registrados não são excluídos do site pois os familiares não retiram o boletim de ocorrência.

Desaparecidos Quadro da RPCTV proporcionou o reencontro de familiares e amigos Larissa Sena Mariana Prince Victoria Bittencourt

O quadro “Desaparecidos”, exibido durante três anos pela RPC, surgiu em 2016, a partir do percebimento do alto número de casos de pessoas desaparecidas divulgados pela Polícia Civil. Diante a situação, a emissora decidiu fazer uma reportagem ao vivo sobre o assunto, mostrando alguns casos de pessoas que estavam em busca de seus entes queridos, o encontro foi realizado na Praça Santos Andrade e o número de pessoas que queriam participar da reportagem chamou a atenção da equipe. Segundo Valquiria Silva, jornalista da RPC e produtora do quadro, no momento em que a equipe chegou à praça, foram recebidos com muita alegria pelo público que os aguardava: “Percebemos a amplitude da situação e nos emocionou muito ver o quantos aquelas pessoas estavam precisando da nossa ajuda, o apelo do público e a necessidade social, gerou a série de reportagens e coberturas que fizemos a respeito de desaparecidos e casos de encontros e reencontros”, afirma. O quadro “Desaparecidos” continuou acontecendo na Praça Santos Andrade. Em três anos de exibição, foram solucionados uma média de cem casos por ano, sendo que, em 2016, mais de 120 reencontros foram possíveis graças ao quadro. Eram cerca de 10 depoimentos gravados por dia. Atualmente o quadro não é mais exibido, devido a seu formato, de acordo com Valquíria. O “Desaparecidos”

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acabou se tornando repetitivo. “Sugerimos que os órgãos públicos possam colaborar de uma maneira mais efetiva no favorecimento das pessoas que buscam por pessoas desaparecidas”, afirma a jornalista. O quadro acabou, mas os depoimentos colhidos continuam no G1. Para Valquíria, o serviço que o jornalismo pode prestar torna mais importante a comunicação social e mostra que mesmo hoje com tantas tecnologias em favor da comunicação, ainda há ampla camada da sociedade que não tem acesso a esses mecanismos. “É impressionante como as pessoas deixam de se comunicar e perdem o contato com um parente próximo. Parece algo simples encontrar alguém, mas quando observamos que nem todos possuem computador, celular, rede social, pode-se tornar impossível a tarefa de encontrar alguém”, diz a jornalista. A produtora também salienta que o quadro foi produzido com muita boa vontade e alegria a cada reencontro que puderam proporcionar. Leia mais Para relembrar alguns dos casos, basta acessar o site da RPC com o QR Code ao lado. portalcomunicare.com.br


fonte: www.desaparecidosdobrasil.org

Desapareceu. E agora?

1. Rastreie os últimos movimentos da pessoa desaparecida e entre em contato com familiares de outras cidades e estados.

3. Leve uma foto atual da pessoa e informe com que roupa estava na última vez que foi visto.

2. Faça uma rápida busca pelos hospitais e Instituto Médico Legal (IML) da região.

4. Registre imediatamente o boletim de ocorrência. 5. Faça cartazes e distribua pela cidade. 6. Procure o jornal da cidade e peça para divulgar o desaparecimento. 7. Avise todos os amigos e familiares e divulgue o desaparecimento nas redes sociais.

8. quando a pessoa for localizada, não esqueça de comunicar as autoridades e avisar os amigos.

Em Curitiba, a delegacia responsável é a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa, localizada na Av. Sete de Setembro, 2077. O telefone para contato é (41) 3360-1400. editoria cidades | revistacdm 39


Qual a cor da solidão? Em uma cultura racista e machista, mulheres negras se casam menos do que brancas, deixando em evidência sua solidão Ana Clara Braga Bruna Toti de Freitas

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sorriso de orelha a orelha, as tranças perfeitamente delineadas nos cabelos e o suéter cor de mostarda destacam ainda mais a beleza de Thaís Gonçalves. A estudante de Terapia Ocupacional de 22 anos é negra e tem muito orgulho de se intitular uma mulher empoderada, mas nem sempre foi assim. Sempre rodeada de amigas brancas, desde a infância ela se viu parte de um grupo isolado: o de mulheres negras. Ao pensar em quantas colegas negras teve, se espanta. “Tinha poucas, uma, talvez duas”. Hoje, em uma sala de 70 alunos, duas são negras. O cabelo denunciava que era diferente e ele foi o primeiro a sofrer com as químicas que faziam dela uma pessoa “mais normal”. Influenciada pelas irmãs, pela mídia e pela sociedade, Thaís alisou seu cabelo quando ainda era criança. “Isso não existe, é ridículo”, pensava sobre os cachos. A não aceitação, principalmente do seu cabelo, foi por conta da pressão social e da falta de representatividade. Não via negras ou cachos na

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televisão, nas revistas e nem nas ruas. Depois de liso, se viu mais aceita no colégio e parou de ouvir as brincadeiras e ofensas. Inclusive os namoros de criança eram dificultados por conta do cabelo cacheado. Quando liso “parecia até que eu era outra pessoa”, lembra. Enquanto lutava para se encaixar no padrão, a mãe fazia questão de lembrá-la como ela era bonita com o cabelo natural. Para tentar amenizar a situação, trançava os cabelos, mas não adiantava. O liso ainda era mais normal. Foi só de ver o cabelo lindo e Bruna Toti

Thais Gonçalves é estudante de Terapia Ocupacional da UFPR e luta diariamente contra o machismo e o racismo


cacheado de uma conhecida, que Thaís decidiu fazer a transição capilar. A partir daí, começou a aceitar o cabelo e a incentivar as irmãs e mais tarde a sobrinha. Ser negra a deixou sozinha em alguns momentos e, mesmo que tentasse negar, ser a última a ser escolhida mexia com sua autoestima e confiança. Ao

infantis com personagens negras e se vê mais representada na mídia, todas as mulheres da família aprenderam a não baixar a cabeça. Quando o assunto é amor, Joelma se lembra da adolescência. Sua melhor amiga da época era branca dos olhos azuis. Ela, da pele negra, dos olhos negros, do cabelo negro. “Era diferente o olhar, pra gente é muito mais sexual”, lamenta. Não era olhada com romantismo, e seu enxoval de casamento ficou guardado por muito tempo. O entendimento veio com o tempo, com estudo e muita leitura. Hoje ela entende o que aquele olhar representava, mas na época se perguntava “o que eu tenho de diferente?”.

“Quando alisava parecia até que eu era outra pessoa.”

Thais Gonçalves, estudante de Terapia Ocupacional buscar refúgio na mãe ouvia, “as pessoas são más, são cruéis”. Acabou sentindo na pele a frase da mãe, ao esbarrar por uma mulher que disse: “Com esse tanto de cabelo parece que não tem cérebro”. Mesmo sabendo que as pessoas são más e cruéis, Thaís rebateu: “Você com essa fala parece que não tem cérebro”. Hoje Thaís se aceita e exibe seus lindos cachos e tranças sem vergonha. Porém, ainda sente falta da presença de negros no balé. Espanta-se quando vai a espetáculos e percebe, depois de muito procurar, que não há nenhum negro no elenco. Ainda que existam negros no balé, ela relata a dificuldade em conseguir papéis de destaque nas peças.

A preferência por mulheres brancas é também provado segundo o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2010, que constatou que as mulheres negras representam 7% da população brasileira, porém, elas são as que menos casam. O estudo apontou também que o casamento entre pessoas de mesma raça é maior entre os brancos (74,5%), pardos (68,5%) e índios

“Era diferente o olhar, pra gente é muito mais sexual” Joelma Viana, Policial Militar

A força de Joelma Viana, de 42 anos, foi sendo construída com o passar dos anos. Por trás de um sorriso encantador existe muita luta, por ser mulher e por ser negra. Desde sua tataravó, que foi escrava, a história da família se desenvolve de forma a quebrar barreiras, cada geração do seu jeito. Desde sua mãe, que teve uma criação submissa, reflexo de uma construção história de opressão, até sua filha, que tem mais acesso à programas

(65%). Entre homens e mulheres, chama a atenção a maior possibilidade de mulheres negras ficarem sozinhas. As com mais de 50 anos são maioria na categoria “celibato definitivo”, que nunca viveram com um cônjuge. As mulheres negras são menos preteridas na hora do matrimônio, até mesmo por homens negros. O censo mostrou que eles tendem a escolher negras em menor percentual (39,9%) do que elas escolhem homens desse grupo (50,3%). O IBGE também mostrou que ä época, mais da metade dessas (52,52%) não vivia em nenhum

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tipo de união, independentemente do estado civil. O tempo e o conhecimento também trouxeram métodos de se impor frente ao racismo e ao machismo. Lembra que sua mãe não a ensinou a retrucar, mas sim lutar calada, “o calado é vencedor”, dizia. Hoje, prefere falar. Falar sobre o racismo em casa, com os filhos e com o marido, nas rodas de amigos e no trabalho.

Joelma é policial militar e assistente social, enfrenta diariamente os percalços da vida e tenta lidar com eles da forma mais sábia possível. Ajudan-

“Às vezes um olhar te exclui, um olhar te diz que você não pertence àquele lugar.”

Antes de conhecer Ricardo, seu atual marido, Joelma se viu em uma relação tóxica, em que era impedida de vestir as roupas que queria e sair quando e com quem queria, por exemplo. No atual relacionamento, Joelma percebe o interesse do marido em conhecer mais sobre o ativismo negro e seus desafios. Diferente de outros olhares, o de Ricardo é de orgulho em ter uma mulher como Joelma do seu lado. Com ele teve dois filhos, Isabela e Vinicius, e formam uma família linda.

Joelma Viana, policial militar do os outros, Joelma enriquece a luta que há dentro dela, de busca por um mundo mais igualitário. Mundo esse que está longe de existir. Mesmo que tenham havido avanços, há muito para se conquistar ainda. Já presenciou várias atitudes racistas, desde olhares desconfiado dentro das lojas, até o constrangimento de uma fantasia de “nega maluca” que viu em uma festa que participava. “Às vezes um olhar te exclui, um olhar te diz que você não pertence àquele lugar”.

Joelma Viana

Joelma Viana, seus filhos Isadora e Vinícius, e seu marido Ricardo.

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Literatura A filósofa feminista Djamila Ribeiro lançou um compilado de textos em formato de livro intitulado “Quem tem medo do feminismo negro?”. Em sua obra, a autora trabalha questões raciais, feministas, sobre direitos humanos e identitárias. Na maior parte de minha infância e adolescênica, não tinha consciênia de mim. Não sabia porque sentia vergonha de levntar a mão quando a professora fazia uma pergunta já supondo que eu não sabia a resposta. Porque eu ficava isolada na hora do recreio. Por que os meninos diziam na minha cara que não queriam fazer par com a “neguinha” na festa junina. Eu me sentia inadequada.” Trecho retirado da introdução do livro Quem tem medo do feminismo negro?

A solidão é construída “No contexto de mulheres negras, grupo ao qual eu pertenço, tenho que lidar todos os dias com novas formas de violência emocional, já que vivemos em uma sociedade racista e machista. Paira na maioria absoluta dos imaginários a concepção de que somos ‘quentes’ e, por outro lado, constrói-se um padrão de beleza que nos exclui. Por fim, a sociedade se nega a acreditar no ‘gosto pessoal’ como construção, sendo assim altamente influenciável por todas as opressões existentes.” (Trecho retirado do texto “A solidão da mulher negra”, da autora Stephanie Ribeiro, disponível em geledes.org.br)

“Estou bem na minha concha. Tenho medo de tudo. Medo de amar você.” So Afraid, Janelle Monáe

“Me diga quem eu preciso ser Para ter reciprocidade.” Ex-factor, Luryn Hill “Eu queria ser o tipo de garota que você leva para a casa da mamãe O tipo de garota que eu sei que meu pai ficaria orgulhoso.” Normal Girl, SZA direitos humanos | revistacdm43


Uma escolha inteligente Retalhos têm sido reaproveitados por muitas marcas que aderiram ao conceito upcycling

Heloisa Negrão e Rute Cavalcanti Miranda

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edaços de tecidos, sem qualquer utilização ou reaproveitamento, são esses materiais que 25 mulheres acima de 50 anos conseguem transformar em colchas, tapetes e fronhas, com a utilização de técnicas que são passadas de geração em geração em uma comunidade quilombola no município da Lapa. No Brasil, aproximadamente 170 toneladas de tecidos são desperdiçados por ano pela indústria têxtil. Várias marcas, problematizando essa situação, criaram alternativas criativas para o consumo sustentável. As mulheres da comunidade aproveitam e utilizam tudo que conseguem do tecido. “Cada pontinho é ligado à mão, são aproveitados todos os materiais sem fazer muito recorte.” A artesã Maria Rosa Caetana da Cruz conta que aprendeu a costurar desde seus 10 anos com sua mãe na lavoura, mas nunca pensou em utilizar esse dom para outra coisa que não fosse a costura das roupas da sua família. “Eu gostei muito de costurar, de poder ajudar na escolha de composição de cores, me senti útil além de me distrair, principalmente em dias de chuva.” A iniciativa desse projeto foi do designer Luan Valloto, que para sua pesquisa de mestrado em Gestão Ambiental resolveu criar uma solução upcycling, que também proporcionou um lucro a

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uma população em estado de vulnerabilidade. O seu primeiro passo foi a criação de oficinas no município de Lapa (região Metropolitana de Curitiba). Lá conseguiu enxergar que as mulheres tinham um grande potencial para o artesanato. Valloto conta que cada mulher têm uma habilidade que contribui para a confecção das peças: “A filha de uma delas não conseguia ajudar na produção artesanal, por conta de um transtorno nos dedos, mas sabia compor cores como ninguém naquele grupo.”

OUTRAS ALTERNATIVAS DE CONSUMO SUSTENTÁVEL Outra forma de upcycling sem a afinidade social é a do atelier Farrapo, que está há seis anos em Curitiba e aderiu ao conceito para reutilizar resíduos de maneira criativa. A designer Kamila Olstan conta que aprendeu a técnica Heloisa Negrão

O designer Luan Valloto ao lado das artesãs quilombolas, do município da Lapa.


aos 15 anos, quando ia a brechós buscar retalhos de tecidos, para produzir as suas próprias roupas. Kamila explica que cerca de 30% do tecido é descartado ou está em desuso. São reutilizados retalhos, recortes de tecido e também peças de roupas vintage com qualidade. “Os resíduos com potencial são selecionados e vão para o atelier, onde fazemos experimentações. Muitas vezes ele fica lá durante um tempo, até garimparmos outros tecidos para compor e a melhor ideia para ele finalmente apareça.” A designer comenta que as vantagens de criar roupas sustentáveis é de “perceber o que acontece ao nosso redor, e agir para mudar o que está errado. É um princípio básico para quem almeja um mundo melhor.”

MODA CRIATIVA O consumo consciente não se refere apenas a comprar roupas e produtos sustentáveis ou eco-friendly, como muitos pensam, mas sim consumir de maneira inteligente e também saber aproveitar roupas que já estão no próprio armário.

Guid conta que os desafios tiveram início quando ela mesma foi desafiada a não repetir nenhuma peça de roupa durante 30 dias. “São desafios que estimulam a criatividade e a olhar o seu armário e você mesma com outros olhos. O desafio mudou minha vida, foi quando o fiz pela primeira vez, que comecei a ter um consumo mais inteligente da moda. Hoje todas as pessoas que participam junto comigo, se sentem mais confiantes e também passam a consumir de forma mais consciente.” A blogueira ainda explica, que, no seu dia a dia, busca sempre ter consciência do que já tem em casa antes de sair para comprar, além de apoiar os produtores locais. A empreendedora e consultora de estilo Lizzie Renata Campos Jorge optou por criar a uma loja que aluga roupas. As pessoas podem locar desde acessórios, como anéis, até vestidos mais sofisticados, sem a necessidade de consumir e jogar fora. Desde a criação do Empreste Moda, Lizzie conta que foi uma alternativa para o consumo consciente. “Em vez de ter muitas roupas que você não usa dentro do armário, quando tiver alguma ocasião especial, a alternativa é alugar em vez de comprar. Também penso no Empreste Moda como uma forma de sair da zona de conforto, experimentando ficar com roupas que normalmente você não compraria. Como uma das formas de aluguel, você fica com as peças por sete dias e devolve. Você pode ousar em um vestido, por exemplo, que normalmente não compraria. Assim, você experimenta e, se não gostar, não investiu muito dinheiro nisso.”

“Acumule experiências, pois o melhor da vida não são coisas materiais e, sim, momentos que acumulamos ao longo da vida.” — Lizzie Renata Campos Jorge, consultura de estilo A blogueira e consultora de estilo Guid Meinelecki, para evitar o consumo, criou alguns desafios, nos quais as pessoas acabam postando fotos com suas roupas durante uma semana, inovando dentro dos parâmetros solicitados por ela, porém tendo que utilizar tudo que tem no seu armário, sem poder comprar nada. No total, são quatro desafios: desafio de estilo, redescubra seu armário, novas formas do preto e saindo do básico.

A empreendedora continua falando dos bens materiais: “Acumule experiências, pois o melhor da vida não são as coisas materiais e, sim, momentos que acumulamos ao longo da vida. O Empreste Moda, quer que você seja protagonista da sua vida e nós vamos te acompanhar nessa jornada.”

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A era da mentira Os boatos, apelidados atualmente de fake news, se tornam protagonistas na pós-verdade e trazem riscos à democracia Gabrielly Zem Marina Darie

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m 1938, a rede de rádio CBS (Columbia Broadcasting System) assustou a população dos Estados Unidos. Ao interromper a programação regular, o ator e diretor Orson Welles dramatizou cenas do livro A Guerra dos Mundos, de H.G. Wells. A peça de rádio-teatro anunciava a chegada de marcianos ao país norte-americano, o que trouxe pânico à população. Em sua narração, Welles imitou elementos do radiojornalismo, como os efeitos sonoros, as entrevistas e a emoção na hora de relatar o fato. A verossimilhança com a realidade foi o que mais assustou os cidadãos. Essa não foi a primeira mentira que trouxe resultados catastróficos, mas foi uma das mais marcantes. Hoje, esse fato poderia ser chamado de “fake news”. De acordo com o dicionário Merriam-Webster, há registros do vocábulo já em 1890, quando o termo passou a ser usado para descrever “uma história política vista como danosa a agência, entidade ou pessoa’’. O grande diferencial entre as notícias falsas do passado e as do presente é a forma como elas se espalham.

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O historiador Sandro Fernandes explica que o sistema de disseminação de informações mudou e se tornou muito mais ágil. “A possibilidade de compartilhamento foi ampliada de um jeito que nunca havia sido antes na história da humanidade, principalmente com a ascendência do WhatsApp.’’ Só em junho de 2018, cerca de 12 milhões de brasileiros compartilharam notícias falsas sobre política, de acordo com um estudo realizado pela Universidade de São Paulo (USP).

“A possibilidade de compartilhamento foi ampliada de um jeito que nunca havia sido antes na história da humanidade (...)” - Sandro Fernandes, historiador Durante o período de eleições presidenciais, isso não foi diferente. Dados do Datafolha mostram que 61% dos eleitores do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), declararam se informar pelo WhatsApp, e 40% afirmaram compartilhar notícias sobre política na plataforma. Entre os eleitores de seu opositor, Fernando Haddad (PT), 38% declararam se informar pela rede. “A internet ajudou nas eleições de 2018. Uma pessoa com oito segundos por dia na televisão durante o primeiro turno, como o Bolsonaro tinha, conquistou o espaço que ele conseguiu”, afirma Fernandes.


Eleitores dos candidatos ao segundo turno das eleições para presidente que se informam pelo WhatsApp:

61%

38% Fonte: Datafolha

Mesmo quando a internet não existia, a disseminação de boatos já influenciava no andamento dos fatos, como conta o historiador. “Getúlio Vargas deu o golpe de Estado de 1937, o Estado Novo, com uma fake news, falando que os comunistas estavam querendo fazer um plano contra o Brasil (Plano Cohen)”, exemplifica. “O Lula perdeu para o Collor e um dos motivos foi que as pessoas acreditavam que se ele ganhasse, ele gover-

“Mesmo a gente demonstrando que é mentira elas custam a acreditar.” - Thiala Neta, acadêmica naria dividindo a casa da população. Tudo o que as pessoas tivessem em grande quantidade, ele dividiria e daria pra quem não tivesse nada”, conta Fernandes. Já em 2018, entre as fake news que mais se destacaram durante o período eleitoral estava a implementação de um “Kit Gay” nas escolas da rede pública e a distribuição de ‘’mamadeiras eróticas’’ em creches, pelo Partido dos Trabalhadores. Esse conteúdo foi espalhado em grupos do WhatsApp e alcançou um número incalculável de pessoas. Uma delas foi a acadêmica de Biomedicina Thiala Souza Neta, que

afirma ficar “triste e irritada” quando percebe esse tipo de situação. Ela defende que as pessoas que acreditam nas notícias falsas são inocentes, mas, ao mesmo tempo, não aceitam opiniões contrárias: “São pessoas boas, que por pura inocência acreditam nessas informações totalmente mentirosas, compartilham e propagam. Mesmo a gente demonstrando que é mentira elas ainda custam a acreditar”. A estudante Gabriela Mariano entrou em conflito com um de seus familiares por conta disso. Ela conta que durante um almoço com seu avô, ele comentou sobre a existência da União das Repúblicas Socialistas da América Latina, mais conhecida como URSAL, que foi mencionada durante o primeiro debate presidencial pelo candidato Cabo Daciolo (Patriotas) a Ciro Gomes (PDT). O termo se transformou em alvos de memes e fake news durante a corrida eleitoral, mas se trata de uma brincadeira criada pela socióloga Maria Lúcia Victor Barbosa, em 2001. O avô de Gabriela, contudo, não tinha conhecimento desse contexto. Ele havia recebido uma mensagem em um grupo de WhatsApp, informando que a candidata a vice-presidente de Haddad, Manuela D’Ávila (PCdoB) e o ex-presidente do Uruguai, José Mujica, se encontraram para discutir a implementação da URSAL na prática. “Quando eu falei que a mensagem era falsa, meu vô ficou bravo e disse que tudo aquilo era mentira”, declara Gabriela.

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Para Charlon Marchioro, auxiliar administrativo, a situação não foi diferente. “Tive vários parentes e conhecidos compartilhando e discutindo sobre (boatos). Essa eleição, foi totalmente baseada em fake news, onde as pessoas votaram somente através de suposições.˜ Esse fenômeno faz parte de um processo relacionado à maneira do brasileiro se informar. A doutora em Ciências da Comunicação Luciana Panke afirma que o país não é composto por leitores, já que esse processo é intimamente ligado a pessoas intelectualizadas. Ela acredita que grande parte da população consome notícias de maneira mais simplificada, com o auxílio de recursos audiovisuais na televisão, rádio e agora, internet. Com a instantaneidade da web, as pessoas não precisam ir até a informação - ela chega automaticamente por meio das redes sociais e veículos de comunicação facilitantes. Somado a um cenário de polarização e sensacionalismo, como o das eleições de 2018, as mensagens se espalham. “O que acontece hoje é uma proliferação de opiniões, que não necessariamente são fundamentadas, de pessoas que se veem representadas ou ilustradas por memes, posts e informações instantâneas que chegam, que tem normalmente um apelo emocional”, explica Luciana.

de pessoas passou a ser algo valioso. Isso, contudo, pode desequilibrar o jogo democrático. “A gente não pode pensar na democracia só como poder votar, mas sim como um conjunto de ações e, entre elas, está receber e compartilhar informações. Por isso um cidadão — qualquer um de nós — só consegue ser um cidadão ativo, se tiver boas informações. Nesse sentido, as fake news são um problema para a democracia como um todo”, comenta Ferracioli. A disseminação de conteúdo inverídico afeta várias esferas da sociedade. Uma delas é a imprensa, que está pagando o preço, de acordo com o jornalista político Rogério Galindo. “As mentiras tiram a legitimidade do profissional que trabalha com jornalismo e as falsas notícias se propagam mais facilmente, por conta dessas pessoas não terem crença no que os jornalistas falam.’’ Ele acredita que essa situação é uma consequência da crise de modelo de negócio que a mídia está enfrentando. “Todos os portais estão colocando paywall, cobrando pela informação. Dessa forma, as pessoas vão procurar conteúdo em outro lugar e, muitas vezes, elas encontram informação gratuita que está circulando pelo Facebook ou WhatsApp e que não passa por um crivo de um profissional.”

A prática da inverdade no WhatsApp abriu portas na política, principalmente para incitar uma atmosfera de concorrência entre candidatos, segundo o mestre em Comunicação e doutorando em Ciências Políticas, Paulo Ferracioli. Ter uma lista de contatos, com números de telefone

Apesar do descrédito, Galindo acredita que o profissional de imprensa ainda possui um papel importante nesse cenário, principalmente para não amplificar ou propagar as fake news. Para ele, o combate desse mal da era da pós-verdade deve ser feito por meio da educação, para que haja um discernimento entre o verdadeiro e o falso.

1937

1945

Getúlio Vargas deu o golpe de Estado de 1937, o Estado Novo, com uma fake news. Na época, ele definiu como Plano Cohen a ideia de que os comunistas estavam querendo fazer um plano contra o Brasil.

No dia 20 de novembro, emissoras de rádio vinculadas à candidatura de Eurico Gaspar Dutra soltaram uma notícia afirmando que o Brigadeiro Eduardo Gomes (que liderava as intenções de voto) havia dito que não precisava do voto dos “marmiteiros”. Essa fake news foi decisiva para o resultado da eleição, dando a vitória para Dutra.

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1989

No segundo turno, Luís Inácio Lula da Silva perdeu a eleição para Fernando Collor, um dos fatores principais foi um “boato” fortemente disseminado, o qual afirmava que Lula se ganhasse, dividiria tudo o que os indivíduos tivessem em excesso.


Agências de fact-cheching

Sandro Fernandes Historiador

Buscar informação não significa buscar informação confiável. Essa busca muitas vezes se restringe às bolhas em que as pessoas estão inseridas. O termo “bolha” se refere àquele grupo de informação que você recebe, que seus amigos recebem e repassam. Hoje, o sistema de compartilhamento de informação é muito mais ágil e, apesar da diversidade de conteúdo, as pessoas, ao estarem inseridas em bolhas, às vezes são ultrapassadas pelas fake news, pelos boatos, que agora têm a possibilidade de compartilhamento ampliada de um jeito que nunca teve antes na história da humanidade, principalmente com a ascendência do WhatsApp. O acesso à informação mudou, a maneira de tratar a política também, assim como a forma de organizar movimentos sociais. As pessoas passaram a pensar e falar mais em democracia. Por conta dessa possibilidade de ativismo, que a internet trouxe, os indivíduos começaram a se sentir muito mais à vontade para falar de temas, inclusive sobre aqueles que não dominam. O sociólogo Renato Ortiz diz o seguinte: no Brasil, a população foi alfabetizada imageticamente pelo audiovisual antes de ser alfabetizado pelas letras, ou seja, a TV e o rádio chegaram antes à vida dos brasileiros do que a educação formal. E isso leva a um tipo de comunicação que as redes sociais tiram de letra. Dessa forma, o compartilhamento de notícias, principalmente pelo WhatsApp, fizeram uma diferença significativa nessas eleições.

As agências de checagem de informação foram criadas para apurar fatos, falas e situações, assim como avaliar a veracidade de notícias espalhadas pela internet. Alguns projetos de factchecking são: CHECA AÍ, PIÁ!

Projeto criado pelos estudantes do quinto período de Jornalismo da PUCPR para verificar informações das eleições 2018 no paraná.

AGÊNCIA LUPA

Primeira agência de fact-checking no Brasil.

AOS FATOS

Especialistas em acompanhar declarações de polícos e autoridades de espressão nacional.

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Brasil Império, Sec. XXI Restaurar a monarquia no Brasil é um assunto que pode parecer utópico. Mas não para quem acredita que a solução para os problemas no país seja um novo império Daniel Moura Luca Matheus

A restauração da Monarquia Parlamentar e Constitucional do Brasil volta a ser posicionamento político para muitas pessoas. Dianta das incertezas do cenário político atual, para essas pessoas, a coroa é a única opção. A concepção do Círculo Monárquico Brasileiro (CMB) informa em seu site oficial que o regime monárquico dispõe da segregação total entre Governo e Estado, prezando pela ética e moral de cada indivíduo, além da legítima defesa de cada cidadão. Josué Baveglieri Mello é o conselheiro regional do Paraná, representante escolhido por Marcelo Mucio, chanceler nacional da instituição, da CMB do núcleo Barão do Cerro Azul, em Curitiba. Passa maior parte do seu tempo realizando as atividades para promover a organização. Encontrá-lo disponível para uma entrevista é um desafio, pois sua agenda é tomada por diversos eventos e encontros com os nomes importantes para a organização. Jovem de cabelos e barba escuros, ele torna a sua presença muito mais do que notável, principalmente por sua forma de se portar. Sua expressão corporal sempre mostra, bem como seu vocabulário, grande parte de sua personalidade e seus costumes da maneira mais polida possível. Veste um broche com a imagem do brasão da bandeira do Brasil Império,

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que contém uma coroa e a Cruz da Ordem de Cristo, além das 20 estrelas que representam as províncias da época, mesmo que o mapa tenha sofrido algumas alterações. Um núcleo é formado por 20 pessoas em algumas cidades do Brasil, além dos Pontos de Apoio que são homens e mulheres que atuam individualmente levando a ideia da restauração do regime aonde não há um núcleo. Josh, como Bavegrieli costuma ser chamado, conta que durante as aulas de História percebia que alguns estudos destoavam do que ele havia pesquisado, pois, desde criança, já tinha interesse nos fatos históricos que envolviam o período do regime imperial no país. Enquanto morava na sua cidade natal, Londrina, chegou a discutir com professores na escola em que estudava sobre os assuntos históricos que eram explicados em sala. Josh acredita que dom João VI foi um homem de uma inteligência extraordinária, que contribuiu para uma herança histórica muito importante para o Brasil transformando o país em um império europeu fora da Europa. “Ele foi o único homem que enganou Napoleão. Dependendo do ponto de vista, é uma mentira que ele foi covarde fugindo de Napoleão”, conta, relembrando de suas experiências dentro da sala de aula ao estudar sobre o assunto. Desde criança, procurou muito os assuntos sociais. A origem familiar de Josh revela que é descendente do major (da Guarda Nacional do Império) Domingos Ferreira Pinto, que hospedou o imperador dom Pedro II e Tereza Cristina em 1880, e diz que o major ganhou este título por carta, como um agradecimento do imperador por ter alforriado seus escravos.


Luca Matheus

O monarquista conta que o seu tempo é dedicado a levar a informação e o conhecimento sobre o Brasil Império, e como o regime parlamentar, defendido por ele, atua separado do Estado, no caso, parlamento. Fica empolgado ao perceber que as pessoas se interessam pelo conteúdo e diz que a visão das pessoas, quando o assunto é este, é de um regime absolutista, regido pelo poder total do rei ou então fantasiosa, “como os filmes da Disney mostra”, nos quais princesas e vilões vivem em todo um contexto distorcido. Mesmo com todo o seu repertório e envolvimento com o CMB, Josh costuma ir a casas noturnas da cidade. Percebe grande contraste entre as tribos com as quais convive mas sempre aproveita a oportunidade para compartilhar as ideias com quem não o conhece o assunto que ronda o cotidiano dele. Para o historiador Luciano Duarte, a monarquia não é uma boa opção de governo, pois acredita que a centralização de poder é a principal adversi-

glórias e falhas que nos trouxeram ao momento presente. O historiador não descarta a legitimidade da crença na restauração da monarquia no Brasil. Ele traz a ideia de que é fruto das ideologias que estão no presente, assim como também havia movimentos republicanos durante o período monárquico. Diz que o movimento monarquista traz ideias diferentes das que costumam ser colocadas em prática atualmente. Mesmo acreditando que, por ser um tema distante da realidade atual mas não impossível, ele supõe que a monarquia poderia trabalhar para o bem comum, diferente de como ocorreu na época do Brasil Império. Afirma, também, que os pontos de interesse para a melhoria das gestões seriam focados nos atuais problemas tais como saúde e educação, além de segurança pública. Mas, para isso, precisaria de um clamor público, senão o governo encontraria muitos posicionamentos contrários, principalmente dos partidos políticos já consolidados no Brasil.

Nicole Heritt, estudante de Arquitetura Penso ser anacrônico e incoerente da PUCPR, revela estar tratar o momento monarquista assustada com a realidade política social que como ‘do passadocom o caráter o Brasil está passando. de retrógrado. Luciano Duarte, A jovem revela que suas últimas esperanças estão historiador. na monarquia. “Dada a nossa realidade, só consigo confiar em uma monarquia. Sei dade. Por uma questão social, acreque parece estranho, mas depois de dita que a descentralização do poder tudo que passamos, parece a melhor é representada pelo poder Legislativo, opção”, desabafa. Executivo e Judiciário, pois abrange

”-

maior parte das camadas sociais presentes no país. Ressalta que a monarquia pode não ser tão efetiva, pois é hierárquica e hereditária.

Josh Bavaglieri: monarquista

Duarte diz que, nas escolas, a monarquia é apresentada como um período histórico de países, incluindo do Brasil, que foi substituído por revoluções e oposições profundas. Ele mostra que d. Pedro II é representado jovem em pinturas e outras imagens justamente para mostrar que uma monarquia mais forte, centralizada e efetiva trazendo a imagem luso-brasileira com a intenção de intensificar essas características. Ressalta que o momento histórico do Brasil Império teve

A estudante lembra da realidade do Reino Unido. “A Inglaterra é um dos poucos países que ainda tem a monarquia. Ela é um símbolo de poder, respeito e ordem. Primeiros ministros entram e saem de mandatos, mas a coroa permanece”, revela a jovem de 23 anos. . O trabalho de propagação das informações e ideias sobre a nova monarquia continua ativa. O assunto pode parecer distante, mas ainda assim é agendado por muitos que acreditam no poder de uma nova família real em um novo governo.

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Por trás das 4 linhas Atletas contam suas trajetórias e a realidade da profissão no país do futebol Larissa Sena Mariana Prince Victoria Bittencourt

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stentação, carros de luxo, casas em locais privilegiados e jatinho particular. Essa é a realidade muitas vezes associada a jogadores de futebol profissional. Engana-se quem pensa que todos são favorecidos desse jeito. No país do futebol, são poucos os que conseguem usufruir de uma vida luxuosa. Infelizmente, o glamour é para poucos e salários atrasados, precariedade nos alojamentos e na alimentação é algo comum. O fato é que ser jogador de futebol é uma profissão como qualquer outra, porém isso é ignorado. Afinal, grande parte das pessoas acha que a única obrigação de um jogador é treinar e fazer gol em uma partida. Mas esquecem que longe dos campos existem as contas dos mês que precisam ser pagas e as obrigações diárias que todos temos. Todo mundo já conheceu uma criança que desejava, com o coração esperançoso, ser o futuro Neymar. A expec-

Victoria Bittencourt

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Para muitos entrar no futebol profissional é se sujeitar a enfrentar dificuldades.


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coberto por um empresário que o levou para jogar no Botafogo, sem vínculo contratual com o clube. A carreira não deu certo no time carioca e, sem desistir do sonho de se tornar jogador profissional, Diego começou a rodar por estados do Brasil: jogou no Internacional de Porto Alegre, no Cruzeiro, de Belo Horizonte, e em times do interior de São Paulo. Não conseguiu se firmar em nenhum desses times, até que recebeu uma proposta para ir para o Londrina. “Foi o ápice da minha carreira na base”, conta Diego, que ficou durante três anos no time do interior do Paraná.

Diego jogou em vários clubes mas atualmente está em busca de uma nova oportunidade para viver seu sonho.

tativa para ser um jogador renomado é grande e milhares de jovens deixam suas famílias em casa para ir atrás desse sonho e, em grande parte das vezes, se surpreendem com a realidade dos clubes. Muitos são jovens que nunca viveram longe de casa, como Luiz Henrique Beltrame, hoje com 20 anos de idade. Quando ainda tinha 16 anos saiu de sua cidade natal no Paraná para jogar em Presidente Prudente, interior de São Paulo. “Foi a primeira vez que saí de casa para jogar em outra cidade. No começo fiquei empolgado, mas quando saímos de casa assim tão cedo, começamos a amadurecer e a ser responsável, porque nesses momentos você não tem pai e mãe para te ajudar”, conta o jogador. O carioca Diego Santos também passou por essa experiência. Ele jogava no Duquecaxiense, time da cidade de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, e tinha apenas 15 anos quando foi des-

Ele jogou dois campeonatos paranaenses sub-19 pelo Londrina, chegando a ser vice-campeão em uma das ocasiões. Depois disso, foi emprestado para o Iraty Futebol Clube e conta que mesmo sendo do time profissional existiam muitas dificuldades, diferente de quando estava no Tubarão. “Faltava tudo praticamente, mas mesmo assim a gente continuou jogando. Era muito complicado, tinha dias que não havia comida para todo mundo, às vezes uma galera comia e outras pessoas ficavam com fome. O ambiente onde a gente dormia também não era muito agradável, mas era a oportunidade da vida de cada um estar ali”, relata o atleta. O lateral Dick Guarujá, que já teve passagens pelo Coritiba e Paraná Clube, também sofreu com a precariedade dos alojamentos no começo de sua carreira. Uma de suas maiores lembranças é da cozinheira de um time que jogou. Dick conta que ela tinha unhas postiças compridas e estava sempre com a ponta dos dedos machucados e inflamados, chegando até a ter pus por conta de infecções. Mas também lembra que mesmo com a situação embaraçosa e anti-higiênica, ele e os outros jogadores eram gratos por ter o que comer depois dos treinos.

“O ambiente onde a gente dormia também não era muito agradavel, mas era a oportunidade da vida de cada um estar ali.”

Infelizmente, a falta de comida ou uma alimentação inadequada é bem comum em times de Diego Santos, atleta profissional de futebol menor visibilidade. Luiz Hen

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rique revela que quando estava no interior paulista, passou por situações parecidas como a de Diego. “Lá, nós tínhamos três refeições no dia: café da manhã, almoço e o jantar, que era entre 17 e 18 horas, era nesse horário porque treinávamos e nós chegávamos ‘mortos’ de fome. Outros clubes tinham o lanche da noite, mas lá, como era um clube da 4ª divisão paulista não ofereciam mais uma refeição. Também não recebia salário, dependia dos meus pais, então nem sempre tinha dinheiro. Quando chegava mais a noite dava fome de novo, matávamos a fome tomando água ou tinha que ir dormir mais cedo”, declara Luiz. Atualmente no futebol sueco, Paulinho Guerreiro tem uma história um pouco diferente do Luiz e do Diego. Ele também começou sua carreira novo, tinha 16 anos quando estreou pelo União Barbarense, porém o time era da cidade onde morava com sua família, no interior paulista. Você se engana se pensar que, por ainda estar perto dos pais, Paulinho não passou por dificuldades. Para poder realizar o sonho de ser jogador, ele treinava todos os dias das 7 horas até 18h30. “Nesse intervalo de almoço, eu tentava ir pra casa pra dar tempo de almoçar e voltar, mas às vezes não dava. Então eu parava no meio do caminho, subia no pé de manga, matava a fome e voltava pro treino”, conta o jogador, que mesmo treinando diariamente, nunca abandonou os estudos. A REALIDADE DOS SALÁRIOS ATRASADOS

era um serviço muito duro, mas sempre tive esperança de voltar a jogar futebol profissionalmente.” A oportunidade apareceu novamente em 2016, quando o Comercial, time do interior do Mato Grosso do Sul, o chamou para jogar o campeonato estadual, mas as coisas não saíram bem como o esperado. “Fui vice-campeão do estadual matogrossense e não tinha salário certo. Sempre atrasava e até hoje não me pagaram, mas aquela foi a chance que eu tive de estar na vitrine do futebol, joguei campeonatos como a Copa do Brasil e também a Copa Verde, a qual foi responsável de me trazer até o Maringá Futebol Clube”, desabafa.

O atleta Luiz vivendo um de seus primeiros momentos em um grande clube paulista

Quem passou por uma situação parecida foi o carioca Diego Santos, quando jogava pelo Iraty. Ele só recebia em dia porque estava emprestado e pertencia ao Londrina, que era quem pagava seu salário. Mas o resto dos meninos que jogavam com ele não recebia nada porque o Iraty não tinha como de pagar. Com isso, a maioria dos jogadores abria mão do salário para continuar jogando na

Antônio Furtado Firmino Júnior, mais conhecido como Júnior Prego, também passou por dificuldades no começo da carreira. “Fiquei um tempo no Vitória [da Bahia] até que não deu certo. Voltei à minha cidade, em Fátima do Sul, no Mato Grosso do Sul, e não tive mais propostas de nenhum time, fiquei desempregado e minha família sempre foi muito humilde, eu não podia ficar em casa parado. Trabalhei em um mercado na minha cidade e também Luiz Henrique Beltrami, atleta profissional de futebol fazendo ‘meio fio’ nas ruas,

“Quando chegava mais a noite dava fome de novo, matávamos a fome tomando água ou tinha que ir dormir mais cedo.”

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Arquivo pessoal


“(...) até hoje não me pagaram, mas aquela foi a chance que eu tive de estar na vitrine do futebol.” Júnior Prego, atleta profissional de futebol esperança de continuar no mercado e alguém os levar para um time maior e com mais estrutura. VÁLVULA DE ESCAPE Hoje com 34 anos, Dick iniciou sua carreira no futebol profissional aos 20. Vindo da periferia do Guarujá, o atleta viu muitas pessoas próximas e amigos se perdendo no mundo do crime e achou no futebol uma saída para não ter o mesmo destino. No início ele jogava apenas por amor, não imaginava que um dia o futebol seria sua principal fonte de renda.

Mariana Prince

Para poder jogar, Dick saia da sua casa no Guarujá e ia até a cidade de Jabaquara. “A gente ia de bicicleta, atravessa a balsa. Quando eram dois períodos [de treino] a gente ficava no alojamento e voltava a noite, às

vezes não tinha bicicleta, então um ia levando o outro. E, assim, a gente era feliz demais porque a gente amava jogar futebol”, conta. Apesar de não estar jogando em nenhum time no momento, o jogador faz parte de um projeto chamado “Atletas de Cristo”, no qual tem contato direto com meninos carentes que têm o sonho de se tornarem jogadores profissionais, mas não tem condições financeiras de pagar escolinhas particulares. VOLTA POR CIMA Bruno Reis, mais conhecido como Índio, iniciou sua carreira no Inter de Limeira, clube de São Paulo. Começou atuando na categoria de base do time e, em 2011, teve a oportunidade de subir para o elenco principal, jogando a Copa Paulista. Ainda em São Paulo, teve passagens pelo Rio Preto e também pela Portuguesa Santista. Nem só por dificuldades financeiras e por falta de estrutura passam os jogadores. Assim foi com Bruno: “Eu jogava no Rio Preto, o técnico não ia muito com a minha cara. Ele me mandava ficar treinando separado, todo mundo em campo, e eu ficava dando voltas em torno do campo, muitas vezes fazia isso chorando, louco para ir embora, isso durou por volta de dois meses”, desabafa o jogador. Atualmente, o atleta está no Operá

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Paulinho realizou o sonho de jogar profissionalmente fora do país. Arquivo pessoal

rio Ferroviário Esporte Clube, time de Ponta Grossa. Foi campeão da quarta divisão (série D) em 2017 e hoje vive outro momento importante em sua carreira: conseguiu o acesso para a segunda divisão (série B) do Campeonato Brasileiro. “É o sonho de todo jogador fazer história num clube, ser reconhecido e eu estou vivendo esse momento, entrando para a história do clube. Então a alegria é imensa”, conta o jogador.

longa história no futebol internacional. Jogou em times do Azerbaijão, Emirados Árabes Unidos e atualmente está na Suécia. “Acho que é o sonho da maioria dos jogadores né, era o meu também”, finaliza Paulinho ao falar sobre jogar fora do Brasil. Victoria Bittencourt

PERSISTÊNCIA PARA SEGUIR O primeiro salário que recebeu como atleta profissional foi de R$ 300. Com os salários sempre atrasados, Paulinho conta que nunca colocou qualquer time na justiça e não foi isso que o fez pensar em desistir. Com apenas 1,75m de altura o jogador é considerado baixo para um jogador de futebol e, por isso, muitos clubes não o queriam, o que o deixava constantemente triste e quase fez com que parasse de seguir seus sonhos. “Isso foi a pior coisa na minha carreira, não esqueço. Eles não me julgavam pela qualidade do futebol e sim pelo meu corpo e pela altura. Sofri muito”, conta. Aos 32 anos, Paulinho já passou por times como Bragantino, XV de Piracicaba e Paraná Clube, e tem uma

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As estruturas tanto dos estádios quanto dos alojamenos dos clubes do interior geralmente são precárias.


A falta de calendário

Clubes do interior não conseguem jogar durante o ano inteiro e tem dificuldade em crescer O futebol é um esporte que vive de aparências. É comum ouvir que “todo jogador de futebol é rico”, porém a realidade não é bem assim. Figuras como Neymar Jr não são um parâmetro de comparação quando o assunto é futebol profissional. Segundo dados divulgados pelo Departamento de Registro e Transferência da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em 2016, quase 83% dos atletas profissionais no Brasil recebem menos que R$1 mil por mês e menos que 3% recebem mais que R$ 50 mil. É aquele velho ditado popular: muitos têm pouco e poucos têm muito.

“Quando você não tem calendário você tem que fazer contratos pequenos e isso é péssimo, a gente perde jogadores” Arif Osman, presidente do Foz do Iguaçu Outro problema que assola os atletas que atuam no futebol brasileiro é que a média da duração de um contrato entre um jogador e um clube no Brasil é de 11 meses, sendo a menor no mundo inteiro segundo a Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol (Fifpro). Isso é reflexo do desequilíbrio que existe no calendário do futebol nacional. Como é o caso do Foz do Iguaçu Futebol Clube, que em 2018 teve um calendário de apenas quatro meses para o time profissional. “Quando você não tem calendário você tem que fazer contratos pequenos e isso é péssimo, a gente perde jogadores. Todos os 26 jogadores que nós tínhamos, ou foram vendidos ou foram emprestados, ou a gente rescindiu porque às vezes termina o contrato e a gente tem que

rescindir”, conta o presidente do Foz, Arif Osman. Arif também afirmou que o clube “mantém os pés no chão” e não faz contratos que não consiga pagar. O time paga para seus jogadores no máximo cinco salários mínimos, para conseguir pagar as contas em dia e não atrasar o salário desses atletas, algo muito comum no país. Outro time que passa pela mesma situação é o Rio Branco Sport Club, de Paranaguá. O maior campeonato que disputam é o paranaense e, dependendo da campanha que fizerem, já é comum que no mês de abril o time já não tenha mais calendário. “Todos os anos o foco é conseguir uma classificação para a série D do Campeonato Brasileiro”, explica o técnico da categoria de base, Mauro De Lazzari. Caso o time consiga ter uma boa campanha pelo campeonato, as chances de terem um calendário maior no ano seguinte são grandes. Por conta das dificuldades que enfrentam, além do fator calendário, o clube não possui uma boa renda financeira. A equipe disputa apenas o Campeonato Paranaense e todos os anos tem somente uma categoria de base. Nesta temporada, o Leão da Estradinha conta com um time sub-1, que está jogando o Campeonato Paranaense da categoria. O projeto do técnico Mauro De Lazzari é contar com um sub-19 para o próximo ano. “O objetivo é revelar jogadores para que partam para o futebol profissional”, diz. Outro fato importante de se destacar é que Mauro não recebe nada para ser técnico dos meninos da base e manter seu projeto. Para não depender do clube, que não dá muita ajuda financeira, o técnico conta com um grupo de pessoas e amigos que ajudam a manter esse time de garotos que estão em busca de seus sonhos.

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Mesmo portando deficiencias, atletas buscam se superar dentro e fora das piscinas. João Francisco Cepeda Raphaella Piovezan

“P

erdi a visão com 28 anos. A natação foi uma válvula de escape para eu me sentir útil e me tornar um exemplo para meus filhos.” Relatos como o de Mario Santos, 36, retratam o cotidiano de um grupo de pessoas que sofrem de alguma deficiência, seja física ou mental, e buscam a natação paradesportiva como uma forma de inserção social, além de poderem se tornar atletas de alto rendimento. Assim como Mário, Lucas Bezerra, de 18 anos, também encontrou no esporte uma alternativa de vida. “Perdi minha perna com 15 anos. Gostava muito de dançar e dirigir, mas depois não pude mais. Descobri a natação em

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Raphaella Piovezan

Dentro d’água somos todos iguais

A equipe da puc conta com atletas de todas as idades e diferencas físicas


2016 e logo caí de cabeça. Vi como algo que me motivava a viver.” Além de contribuir para a vida dos praticantes, os portadores de deficiência podem competir em alto rendimento. É o caso de Erick Tavares, de 22 anos. Tendo começado a treinar em 2012, o atleta paraolímpico acumulou diversos prêmios ao longo da curta carreira. “As coisas no esporte aconteceram muito rápido para mim. Fui campeão Pan-americano e mundial da categoria júnior por dois anos consecutivos, além de ter ficado à décimos de segundo da paraolimpíada de 2016”. Para se manterem em alto rendimento, os atletas necessitam de locais de treinos adequados. A Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) oferece desde 1999 apoio a atletas paraolímpicos. O projeto tem como proposta compartilhar profissionais, tecnologia e a estrutura física do seu campus para o desenvolvimento dos atletas. Além dos profissionais de educação física, uma equipe multidisciplinar formada pelos cursos de Fisioterapia e Psicologia dão suporte ao trabalho realizado na universidade. Segundo o técnico de natação paradesportiva da PUCPR e da seleção brasileira, Rui Meslin, o calendário das competições é sempre muito corrido e requer uma preparação antecipada. “Normalmente a preparação já começa em dezembro, quando sai o calendário das competições nacionais. Os treinos já iniciam na primeira semana de janeiro e são planejados de forma individualizada para cada categoria.” O treinador destaca que o benefício do esporte na vida dos atletas paralímpicos é percebido a partir de três esferas principais: a saúde física e fisiológica; melhor desempenho físico-motor; e melhorias no âmbito emocional. “Eles desenvolvem autonomia entendem a potencialidade que tem, e se transformam em pessoas produtivas dentro da sociedade. E aí a sociedade nota eles com um outro olhar. Há um desenvolvimento do cidadão em si.”

Isso é percebido no trabalho com alunos mais antigos. Tendo iniciado em 2010 a prática da natação para deficientes, Leonardo Bielinski, de 22 anos, conta que, além da parte física, o esporte o tornou mais independente. “Eu era uma pessoa sem perspectiva, era muito novo e dependente. Com a ajuda dos treinadores e dos outros atletas, me tornei mais independente, não só na parte física como mental também.” Gratidão. É o que os atletas sentem em relação a natação e tudo que a envolve. A fala de Erick Santos, cadeirante de 24 anos, representa tudo aquilo que o esporte pode trazer para pessoas deficientes:novas oportunidades. “Dentro da piscina, eu posso ser uma outra pessoa. Não só eu, como os outros atletas, temos um grande gradecimento pelo o que o professor Rui e todo o esporte trouxeram para a gente, algo que palavras não podem descrever”.

Como funciona a natação paralímpica

Entenda um pouco mais sobre as categorias do esporte e sobre os resultados da seleção brasileira A natação paraolímpica é um dos esportes que está presente nos jogos paraolímpicos desde sua criação, em 1960. As provas são separadas por grau e tipos de deficiência, de forma a separar um pouco as competições e torná-las mais juntas. As categorias de 1 a 10 classificam nadadores com deficiência motora, de 11 a 13 deficiência visual e a 14, restituída em 2012, deficiência mental. No total, o Brasil já conquistou 102 medalhas na natação em jogos paraolímpicos, sendo elas 32 de ouro, 34 de prata e 36 de bronze. É a segunda modalidade que mais deu medalhas ao Brasil.

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Registros de uma despedida Um diário escrito na década de 1990 revela os sentimentos de quem viu alguém muito próximo morrer de cancêr Gabrielly Zem Marina Darie

Ipsuntio. Et hariasi nvellab iur, non prae maximusant milit aut dolorio volupta voloreperum, quaest parum.

Arquivo pessoal Arquivo pessoal

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ueria poder me transformar em cura para penetrar o seu corpo e tirar toda a dor que você sente. Fico olhando para você e simplesmente não consigo acreditar que a linda, maravilhosa mulher, que é minha mãe, está prestes a morrer.” Esse trecho é encontrado no meio de um caderno empoeirado e datado com o ano de 1992. A autora, Cristiane Duarte, tentava colocar em palavras a dor de conviver com um ente querido que possui uma doença terminal. Ela começou a escrever um diário aos 20 anos, assim que sua mãe, Vera Lúcia, descobriu que tinha câncer de mama. De dezembro de 1992 a fevereiro de 1995, Cristiane relatou todos os detalhes da luta de sua mãe contra a doença e todas as angústias que ela, como filha, sentia ao passar por essa situação. Vera Lúcia tinha 36 anos quando, depois de encontrar um ‘’carocinho’’ no seio, foi diagnosticada com câncer de mama. Mãe de três filhos, sendo a filha do meio excepcional e completamente dependente dos seus cuidados. O filho caçula acabara de completar sete anos e a primogênita, Cristiane, aos 18 anos, tinha se tornado mãe. Após ser diagnosticada com a doença, Vera precisou passar por uma mastectomia, datada no diário com o dia 3 de março de 1993. Depois desse procedimento, o tratamento que incluía radioterapias e quimioterapias se iniciou. “Essa foi a pior parte de todo o processo de recuperação pós-cirúrgico. Os efeitos colaterais se intensificaram e agora com um adicional: seu

Durante essa viagem, Vera descobriu o primeiro caroço no seio.

cabelo começou a cair. Os vômitos se tornaram muito frequentes o que fez ela começar a emagrecer. Tontura, sono e tristeza também passaram a ser parte da sua rotina diária.” Outros sintomas do tratamento da enfermidade são a menopausa precoce, infecções e baixa imunidade. Segundo o Instituto Oncológico Inorp, a mortalidade do câncer de mama entre os anos de 1980 e 2000 aumentou 57%. Vera Lúcia tentava fugir dessa estatística: ao finalizar as sessões de quimioterapia, ela recebeu alta. Mas, um mês depois do término do tratamento, Vera teve uma recaída. Afinal, a doença que mais acomete mulheres no mundo nem sempre traz notícias felizes. ‘’Começaram a aparecer caroços por todo o seu corpo, até mesmo na sua cabeça. Nós da família começamos a desconfiar que havia algo de errado. Sem comer, de cama novamente, nem banho mais ela toma. É difícil de aceitar que isso realmente está acontecendo.’’ A oncologista Flávia Bianchi afirma que o medo da doença retornar toma conta das famílias das pacientes.

“É difícil de aceitar que isso realmente está acontecendo.” Trecho do diário

Isso muda o relacionamento entre os entes, que não conseguem proteger a pessoa doente e se sentem impotentes, de acordo com a médica. Cristiane conta que sua mãe precisou de um atendimento de emergência e depois dessa consulta, o médico solicitou uma conversa a sós com os familiares dela. As notícias não poderiam ser piores: ‘’Não tem jeito fácil de falar isso… Ela vai morrer. E se não voltar a se alimentar direito, tem no máximo 30 dias de vida.’’

Arquivo pessoal

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Arquivo pessoal

Cristiane ainda se emociona ao folhar seu diário.

Hoje aos 46 anos de idade, Cristiane relê o diário e se emociona. Ela explica que à época sentia-se sozinha e viu no diário um lugar para expressar seus sentimentos: ‘’Eu era muito nova e eu não tinha amigas, não tinha com quem conversar… Eu tinha uma filha pequena e ficava muito tempo com ela. Então eu achava que escrevendo, colocando ali as palavras, a minha dor ia passar.’’ Um ano depois, Vera contrariou as expectativas dos médicos e começou a reagir. O diário de Cristiane contém o registro: ‘’Mamãe levantou da cama, voltou a comer e até mesmo a se arrumar. Dia após dia ela começou a ficar mais forte.’’ De abril a dezembro de 1994, Vera surpreendeu a todos que ouviram dos médicos que ela não teria mais do que um mês de vida. Nas palavras de sua primogênita, ‘’tudo estava voltando a ser como era antes e ela nem tinha precisado passar pela quimioterapia novamente’’. A rotina da família voltou para os eixos durante aqueles oito meses. No entanto, em dezembro de 1994, Cristiane registrou em seu diário:

DEZEMBRO DE 1994 ‘’Dores no peito frequentes. Fraqueza. Olhar triste. Ela tenta esconder que está recaindo. Mas eu sinto a dor em seu olhar. Os caroços já tomam conta de todo o seu corpo, a cabeça está tomada e seu rosto também.

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Tentei fazer algo mas ela não permite que eu procure por ajuda.’’ Os registros do mês de fevereiro de 95 no caderno de Cristiane mostraram um agravamento repentino no estado de saúde de Vera. Por conta disso, a família acabou optando por montar uma enfermaria dentro de casa e contratar uma profissional para auxiliar nos cuidados dela dentro do conforto de sua residência. O quadro da doença já era irreversível, por esse motivo a família buscava por maneiras de tornar as coisas mais fáceis para Vera e ao mesmo tempo aproveitar ao máximo a presença dela. Ao recordar da história da mãe, Cristiane conta que mesmo nos momentos mais difíceis ela tentava se mostrar firme. Segundo ela, a pessoa doente sofre ao ver a dor dos entes queridos: ‘’a gente tem que se mostrar forte e tem que tentar fazer com que ela viva aqueles momentos ali bem’’.

FEVEREIRO DE 1995 ‘’Acordei com barulho de oxigênio. São 9 horas da manhã e eu fui dormir às 4h da madrugada, fiquei abanando a mamãe. Estão instalando tubos de oxigênio para ela, mas depois de ver como ela está hoje, percebi que eles são apenas para prolongar a vida dela em alguns minutos, se tivermos sorte, talvez horas.’’


Cristiane relatou que naquele dia, Vera chamou um por um, amigos e familiares e se despediu de todos, principalmente das crianças. Uma delas, foi seu filho mais novo: João, com nove anos na época. “Eu cheguei e peguei na mão dela. Eu fiquei ali e comecei a entender o que que podia estar acontecendo. Meu pai me chamou e falou que eu ia ficar sem a minha mãezinha, que Deus ia chamar a minha mãezinha para ficar com Ele lá no céu. Foi aí que eu entendi que já não tinha mais o que fazer.’’ Em meio a tanta confusão para um menino, as memórias boas permaneceram. A mais marcante era a rotina matinal dos dois: Vera vestia João de manhã cedinho para ele ir ao colégio. Sem deixar o caçula passar frio, o enrolava nas cobertas e preparava um achocolatado bem quente antes de ele sair. O dia 27 de fevereiro de 1995 foi o último dia de vida de Vera Lúcia. O último dia de luta para ela, mas também o primeiro dia de luto para a família.

Cristiane relata que após o falecimento da mãe, ela sentia que havia desaprendido a viver. Enquanto você está vivendo aquela situação você não pensa, só vai vivendo, aí quando a pessoa vai embora você para e fala ‘Meu Deus como vai ser daqui pra frente?’´’ Cristiane conta que com o tempo aprendeu a conviver com a saudade e que apesar desta ter sido a pior parte de sua vida, hoje ela vê esse diário como uma bela história de superação. ‘’Eu me recordo muito de eu escrevendo essas páginas e eu pensava que não tinha saída. Parecia que eu estava andando em círculos e aquilo ali nunca ia acabar e que aquela tristeza não ia passar’’, recorda ela. “E hoje, lembrando disso tudo, relendo essas páginas, eu vejo que para tudo tem solução, que a gente só não pode desistir.‘’ A psicóloga Roberta Flausino dedica seu tempo ao estudo do luto. Segundo ela, esse processo possui cinco fases: a negação, a raiva, a barganha, a depressão e por último a aceitação. Ela explica que alguns autores trazem um ‘’Modelo De Processo Dual’’, que nada mais é do que uma oscilação, ou seja, a pessoa mesmo triste consegue sair para trabalhar ou para jantar com amigos, por exemplo.

Memórias da vida de Vera - seu casamento e festas de aniversário de familiares.

‘’É aquele paciente que vai pra tristeza e depois é puxado pra vida. Esse é um processo de luto normal, natural.’’

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HISTÓRIAS CRUZADAS Os anos 90 também foram marcados pelo câncer na vida de Maria Lúcia Sbrissia. Hoje, aos 68 anos, ela conta: ‘’Um dia eu apalpei meu seio e tinha um nódulo. Eu fui imediatamente para o médico e a resposta veio que ele era gravíssimo’’. Vera e Maria não foram unidas apenas pela doença, mas pelo mesmo nome composto: ‘’Lúcia’’. Diferentemente da história de Vera, essa é contada em tom de superação. Maria passou por uma mastectomia e, posteriormente, por seis sessões de quimioterapia. Segundo ela, o tratamento completo contra o câncer chegou a durar cinco anos. Apesar da gravidade da doença, ela não se deixou abalar: ‘’Eu não queria morrer, eu queria viver. Queria curtir a vida’, relata Maria.

Maria conta que depois de fazer uma mastectomia, ou seja, uma cirurgia de retirada da mama, acabou passando por algumas situações que a incomodaram: ‘’Eu tinha uma vizinha muito curiosa, a gente não era muito amigas, ela veio me visitar e tentou tirar a minha coberta pra ver (a cicatriz). Eu segurei a coberta e ela percebeu’’. Para a oncologista Flávia Bianchi, a mutilação no peito é o que mais fere as pacientes de câncer. O seio, símbolo de sexualidade, feminilidade e vida, traz consigo todo o peso de ser uma mulher. Arquivo pessoal

Vinte anos após ser curada, Maria aconselha:

‘’Com o câncer, você não pode achar que vai morrer porque a tua amiga morreu. Você tem que lutar, tratar e não deixar o desânimo tomar conta”. Ela relata que também perdeu o marido para essa doença e por esse motivo seus filhos acabavam intensificando o medo de perdê-la da mesma maneira.

“Você tem que lutar, tratar e não deixar o desânimo tomar conta” Maria Lúcia, aposentada

Maria Lúcia Sbrissia após 20 anos do diagnóstico.

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Por isso, quando a doença é diagnosticada, um sentimento de vazio é sentido. “A gente define que aquela mulher está perdendo tudo ao mesmo tempo e ainda tem chance de perder a vida”, explica.

“A gente define que aquela mulher está perdendo tudo ao mesmo tempo e ainda tem chance de perder a vida.” Flávia Bianchi, oncologista

Para Flávia, os fatores para que isso tenha acontecido é a variedade de tratamentos existentes atualmente e o número de campanhas incentivando a conscientização da enfermidade. “As mulheres mais velhas veem o câncer como uma punição, mas a forte divulgação mostra que a doença tem potencial de cura.” As histórias cruzadas dessas mulheres mostram duas batalhas com finais diferentes contra a mesma doença. O que elas passaram refletiu diretamente na vida de todos os seus entes queridos, principalmente os de Vera que precisaram passar por um processo de luto por uma pessoa muito próxima. Para ambas as famílias, contudo, as perdas no caminho deixam rastros do verdadeiro significado do que é viver.

Mesmo sendo a segunda doença com maior incidência no mundo, o câncer de mama tem cada vez mais chances de ser curado. Um estudo feito pela Concord-2 e publicado pela revista de saúde “The Lancet” mostra que, no Brasil, de 2000 até 2005 a taxa de sobrevida aumentou de 78% para 87%.

Maria Lúcia com seus três filhos: Marcos, Luciane e Adilson.

Arquivo pessoal

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Bruna Kopeski

A luta de Luzia Regina Honorato por um futuro melhor para seu filho.

Ossos da vida Bruna Kopeski Isadora Look

A jornada de pessoas diagnosticadas com osteogênese imperfeita

A

o dar à luz ao seu filho , Luzia Regina Honorato, ou Lyah, como gosta de ser chamada, descobriu, após tantos diagnósticos falsos, que seu filho Erick Robert Honorato, com um dia de vida, tinha osteogênese imperfeita, conhecida popularmente como “Ossos de Vidro” ou “Ossos de Cristal”. Foi no terceiro mês de gestação que tudo mudou na vida de Lyah: uma série de diagnósticos errados foi revelada sobre a saúde de seu bebê. “Quando completei três meses de gravidez, em uma ecografia, tive a notícia de que uma perna do Erick estava crescendo mais que a outra. Mas a verdade era que a perna dele estava fraturada, devido à condição dos ossos de vidro, mas nenhum médico sabia”, conta a mãe. Aos seis meses de gestação, Lyah foi alertada de que Erick era portador da síndrome de Down, e após fazer mais uma ecografia, os médicos reportaram que ele tinha câncer nos ossos. “Eu entrei em depressão com

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todos esses resultados, chorava o dia todo e sentia muita vontade de morrer. Eu não queria que ele nascesse, por que eu não sabia o que iria nascer”, relata Lyah. Em 16 de agosto de 2010, Lyah entrou em trabalho de parto e, após 11 horas, Erick nasceu com o diagnóstico de osteogênese imperfeita. “Eu entrei às 13 horas e, quando eram 23 horas, o médico estourou minha bolsa, porque meu bebê não tinha forças para nascer, pois ele estava fraturado e sentindo dor, assim como eu”, conta.

A mãe ainda contou que todo o processo de ir visitar Erick no hospital era muito complicado, pois ela não sentia vontade de vê-lo e, quando ia, voltava correndo e chorando do berçário. O pai de Erick e marido de Lyah, Alexandre Inocencio da Rosa, foi essencial em toda a situação. “Meu marido foi o que manteve a calma e foi atrás dos médicos e especialistas. Ele cuidava de mim e do Erick”, diz Lyah. Após sete anos com depressão, Lyah descreve que não conseguiria viver sem o seu filho e relata como é a

“Eu sofri muito durante toda gravidez, então quando meu bebê nasce, eu não senti alegria. Eu só queria que eu e ele morresse.” - Luzia Regina Honorato Osteogênese imperfeita é uma doença genética e hereditária, que afeta uma a cada 20 mil pessoas no Brasil. A condição rara atinge o tecido conjuntivo, gerando fragilidade nos ossos, ocasionando fraturas com enorme facilidade. A doença têm várias classificações e níveis que podem ocorrer dentro do útero materno ou no decorrer da vida. Os sintomas dessa condição são: ossos curvados ou fraturados facilmente, branco dos olhos (esclera) azulado, rosto em formato triangular, perda progressiva da audição, dentes escuros e frágeis, baixa estatura, problemas na coluna, pulmonares e cardíacos, dificuldades de locomoção. Erick nasceu com esclera azul e com a perna fraturada. Foi imediatamente internado no Hospital Pequeno Príncipe. Após passar seis meses sofrendo com os diagnósticos dado pelos médicos, Lyah entrou em depressão pós-parto e revelou à reportagem da CDM que foi muito difícil todo o período da gestação. “Eu sofri muito durante toda a gravidez, então quando meu bebê nasceu, eu não senti alegria. Eu só queria que eu e ele morresse.”

rotina de Erick hoje, com 8 anos. “Eu e meu marido não ‘fechamos’ o Erick em algum lugar, mas não permitimos ele de fazer algumas coisas mesmo que ele prefira ter a fratura e brincar. Com isso, o Erick não interage muito com outras crianças, pois pode acabar tendo uma fratura. É muito perigoso.” Em Curitiba, existe apenas um hospital que trata da osteogênese imperfeita, o Pequeno Príncipe, localizado no bairro Água Verde. A procura por médicos especialistas é outra dificuldade que enfrentada por muitas mães de crianças portadoras dessa condição. Como é o caso da assistente social e pedagoga Angela Tereza Moreira Silveira Zanin, que revela todo o processo que enfrentou ao procurar médicos especialistas para tratar da sua filha Gabriela Zanin, quando ela tinha um ano e quatro meses de idade. “Gabriela brincava no tapete com uma amiguinha quando as duas caíram no chão ao mesmo tempo. Ela gritava muito.” Angela levou a filha no vizinho, que também era fisioterapeuta, e foi ele quem percebeu que a me

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nina havia fraturado a tíbia. Gabriela foi encaminhada ao Hospital Pequeno Príncipe, e após ser atendida, devido à fratura, precisou ser engessada.

arrependo. Foi uma das melhores coisas que eu fiz”, relata Angela sobre a melhoria que o tratamento trouxe na vida de sua filha.

Duas semanas após a retirada do gesso, Gabriela estava engatinhando quando bateu o cotovelo no chão, o que ocasionou várias fraturas e, consequentemente, teve que passar por uma cirurgia. “Quando retornei à consulta, perguntei à médica o que estava acontecendo e ela informou que suspeitava de uma doença conhecida como o nome de ‘Ossos de vidro’”, descreve Angela.

De acordo com o ortopedista Rodrigo Boechat, os cuidados com um paciente que tem ossos de vidro devem ser diários. Incluem a proteção contra traumas banais, uso de imobilizações no tratamento das fraturas agudas e, inclusive, em muitos casos, podem levar a cirurgias. “Nas formas graves da doença, o paciente não pode praticar nenhum tipo de esporte ou atividade de contato”, diz o médico.

Sem entender muito da enfermidade, a primeira reação de Angela foi pedir um remédio para curar a filha. Porém, a médica explicou que muitos já tinham tentado vários medicamentos sem sucesso. A única saída era cuidar para evitar fraturas, pois, de acordo com a médica, sem o cuidado, a menina poderia ter diversas sequelas e deformações.

O acompanhamento periódico com ortopedista para tratamento de deformidades e seqüelas também é fundamental. Para melhorar a resistência óssea, são utilizados bifosfonatos, uma classe de medicação usada no tratamento contra osteoporose.

A partir daí, a família da menina se uniu para ajudá-la, mas, ainda assim, sua infância foi limitada. Gabriela não participava das brincadeira com atividades de impacto. Ficava nas atividades lúdicas. “Fizemos a cartilha para escola, com informações para os profissionais e colegas. Era muito difícil, poucos médicos conhecem a doença”, conta Angela.

Erik Robert Honorato e Gabriela Zanin fazem o mesmo tratamento contra a doença no Hospital Pequeno Príncipe.

Nome fotógrafo

Ao tentar entender melhor a doença que atingia sua “boneca de vidro”, como chama a filha, Angela se dedicou a pesquisas e estudos e, em 2000, entrou em contato com outras pessoas que que tinham ossos de vidros e questionou sobre quais tratamentos eles faziam. Foi a essa época que Angela descobriu um tratamento no Canadá, mas, os custos financeiros para ir até lá era inviável. Com muito esforço e com ajuda da família, Angela trouxe o procedimento a Curitiba. E sabendo que o índice de morte ao tratamento era maior que a de recuperação, tomou a decisão mais difícil de sua vida ao escolher que a sua boneca de vidro iniciasse a medicação. “Mesmo tendo pouco apoio familiar na minha escolha, eu não me Bruna Kopeski

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Gabriela Zanin finalizou o tratamento com 12 anos, e depois de muita limitações, hoje com 21 anos, cursa Engenharia Civil na Universidade Positivo em Curitiba. “Eu não me lembro daquela época com tristeza. Minha mãe fez com que tudo fosse algo normal. Então, para mim, foi uma infância normal”, conta a estudante.

Gabriela toma medicamentos uma vez na semana e faz acompanhamento com médico especialista pelo menos uma vez ao mês. Ainda não há cura para a osteogenesis imperfeita, mas todo o tratamento que a estudante fez a tornou como um dos melhores casos que deram resultado no Brasil.

Isadora Look

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Fobias: medo excessivo Quando a repulsa por um objeto ou situação começa a atrapalhar as relações do dia a dia, é preciso procurar um especialista Camilla Ginko e Ruan Felipe

E

m festas de aniversário de crianças, os balões — principalmente aqueles recheados com doces e brinquedos — são uma das principais atrações. Porém, para a fotógrafa Caroline Santos, a brincadeira se tornou um pesadelo: a angústia de ver as bexigas estourarem fez com que ela desenvolvesse a globofobia, o medo de balões. A fobia é classificada como medo excessivo em uma situação comum, deixando a pessoa, no momento da crise, incapacitada de ter reações, apresentando palpitações, suor excessivo, tremores, falta de ar, calafrios, desmaios, entre outros sintomas de pânico. A doença psicológica pode ser desenvolvida durante a vida, como no caso de Caroline, ou a pessoa pode já nascer com a fobia.

Assim como as fobias de Caroline, existem milhares de outros casos diferentes que são classificadas em diversos níveis e tipos de medo. Um desses é o de Fabiana Santos, portadora de tripofobia, tendo pavor involuntário de buracos ou coisas que se repitam geometricamente como colmeias, pedrinhas, e até mesmo pernas de insetos. Fabiana conta que desenvolveu a fobia após ter um pesadelo, aos 4 anos, em que sua perna aparentava estar cheia de furos. Toda vez que se recorda do sonho, sente náuseas. A representação dos furos que causa angústia a ela, pode estar em coisas simples, como as perfurações do asfalto. Na praia, a situação está presente na areia e no mar. Fabiana tem pavor dos micros furos presentes na areia, além dos buracos feitos pelo guarda sol.

“Não consigo encostar em balões de festa, fico em pânico e começo a sentir um calor horrível. Parece que vai me machucar.” Caroline Santos.

Sem compreender a gravidade da fobia quando pequena, Caroline se escondia nas festas de aniversário, ficando afastada das crianças brincado com balões. “Não consigo encostar em balões de festa, fico em pânico e começo a sentir um calor horrível. Parece que vai me machucar.” Além da globofobia, Caroline sofre de hoplofobia, medo de armas de fogo, o que faz seu corpo paralisar toda vez que avista algum policial armado.

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Já no mar, a utilização de uma tática para aliviar os sintomas da fobia per-


mitem que ela realize o passeio sem entrar em pânico. “Toda vez que vou pegar um barco, preciso ficar olhando pra cima, pois aqueles crustáceos, mexilhões e tudo esponjoso me dá desespero.” Outro caso de fobia que acabou surgindo na infância foi o de Fernanda Machado, que com 8 anos acabou caindo num buraco na praia de Guaratuba e se afogando. Desde então, Fernanda convive com a hidrofobia, o medo de se banhar em mares, lagos, piscinas e rios. Na infância, Fernanda limitava suas aventuras a apenas poças de água que não ultrapassassem a altura da canela. Na vida adulta, durante os passeios à praia, observa de longe o filho brincando na água e lamenta: “Eu não consigo cuidar do meu filho”. O medo de Fernanda já a colocou em situações complicadas. Um dos casos foi aos 25 anos, em sua lua de mel, num parque aquático no Ceará, quando decidiu entrar em uma piscina de criança. “Parecia que eu estava em uma piscina super funda. Eu levantei toda me afogando com muito medo e o bombeiro salva-vidas começou a rir de mim.” Apesar das inúmeras situações que comprometem seu bem-estar, Fernanda nunca buscou ajuda profissional para enfrentar o medo. “Nunca procurei psicólogo por vergonha mesmo. Uma mulher adulta com 36 anos, com medo de piscina, praia, é ridículo!.” Conforme descreve o médico psiquiatra Emerson Rodrigues, as complicações da fobia são o agravamento dos próprios sintomas do medo. Rodrigues

explica que as pessoas tendem a cada vez mais se esquivar do estímulo fóbico. Alguém que tem fobia de cobra pode não sofrer muito em um grande centro, por não ver o animal no cotidiano. Porém, quem tem fobia de carro com certeza prejudicaria seu dia a dia. Nesses casos, segundo o médico, é necessário buscar tratamento. O uso de medicações é indicado nas fases iniciais e, quando os sintomas são mais graves, o adequado é buscar tratamento psicoterápico, uma técnica conhecida como exposição e dessensibilização sistemática e a duração depende da evolução do quadro. Márcia Goulart sofre de uma fobia mais comum, porém, para ela é aterrorizante. Seu extremo medo de cobras faz com que apenas em pensar no animal, ela já se sinta mal, sendo difícil até de conversar sobre o tema, algo que ela evita ao máximo. Márcia assume que o simples fato de ver a imagem de uma cobra em filmes, ou até uma foto, já lhe causa sintomas como espasmos musculares, taquicardia e choro compulsivo. Um dia marcante em sua vida foi quando em um passeio da escola, ao zoológico, ela teve um ataque de pânico e começou a chorar. “Todos os meus colegas estavam ao redor de um lugar, onde tinha uma cobra que, na minha concepção, pareceu imensa! Comecei a chorar e a professora precisou me ajudar a sair dali.” Para evitar situações de medo, Márcia evita situações de mata e locais com terrários, como o Passeio Público. “Passo longe”, diz ela.

Como classificar as fobias?

O médico psiquiátra Emerson Rodrigues destaca cinco subtipos de fobias

Animal: aranhas, cães e insetos. Ambiente natural: alturas, tempestades e água. Sangue, injeção e ferimentos: procedimentos e objetos médicos. Situacional: voar de avião, entrar em elevadores e locais fechados. Outros: a fobia é classificada como “Outros” quando não se encaixa nas situações anteriores, como por exemplo o medo de sons altos ou pessoas vestidas com fantasias.

Ruan Felipe

Para Márcia Goulart, até mesmo uma cobra de brinquedo é motivo de pânico.

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A verdadeira distância Apesar de mais democrático, o ensino a distância deixa a desejar quando se fala em princípios e valores Amanda Mann Marcus Campus Rafael Sábio

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“O

ensino a distância (EAD) é um grande divisor de opiniões, tanto entre estudantes quanto entre professores. No Brasil, a procura por essa forma de aprendizagem tem crescido nos últimos anos. De acordo com a última pesquisa realizada pela Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), 44% dos entrevistados preferem o EAD, contra 56% que têm preferência pela educação presencial.

processo de formação única e exclusivamente à distância pode ter acordos de convivência e etiquetas do mundo virtual que carecem a interface relacional que nos faz praticar princípios e valores, e não apenas falar sobre eles.”

Diogo Alvim, professor

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A projeção de um estudo levantado pelo Censo da Educação Superior indica que, até 2023, 51% dos alunos se encontrarão na modalidade à distância, enquanto o outro montante se mantém no ensino presencial. Para a professora de Língua Portuguesa e Literatura do Colégio Esperanto, de São Paulo, Magda Miras, a formação presencial é de extrema importância, utilizando, assim, o outro método apenas para a suplementação do conteúdo. “Acredito que o ensino à distância é válido para quem já tem uma graduação presencial, pois complementa quando feito na mesma área.” Com a ascensão tecnológica, o ensino acabou se ramificando pelos cabos de internet, telas e teclados. Agora, apenas com um computador e um bom sinal de wi-fi é possível tirar um diploma. Mas a alternativa, apesar de flexível, ainda é bastante controversa. O professor, orientador de pós-graduação e pesquisador da prática de Comunicação Não Violenta e Sistemas Restaurativos, Diogo Alvim, entende que ‘’o ensino à distância, em tese,


é uma oferta formativa, de alguma forma, socializada. Recebe críticas de um número grande de pessoas que têm acesso à proposta, tornando sua utilidade vulnerável’’. O que, por sua vez, contribui para a democratização da educação, dando chance àqueles que jamais pensariam em um diploma. A prática está ficando cada vez mais recorrente, mas, é preciso estar atento. Apesar de precisar ser compreendida enquanto ferramenta complementar, por ser insuficiente, a EAD, se mesclada com educação presencial, enriquece a autonomia do acesso à sociedade virtual na qual se estabelece. No entanto, como o próprio nome propõe, para Alvim, a fragilidade do sistema está na falta de relação para construção de princípios e valores. ‘’O processo de formação única e exclusivamente à distância pode ter acordos de convivência e etiquetas do mundo virtual que carecem da interface relacional que nos faz praticar princípios e valores, e não apenas falar sobre eles.’’ Há de se compreender: existe uma limitação severa, mesmo havendo trabalhos em grupos que, por consequência, permitam algum tipo de interação maior, ainda que numa esfera limitada. Para a designer de moda Daniela Tyemi, que concluiu o curso em EAD, esta modalidade é um pouco mais difícil do que parece, pois é preciso ter bastante disciplina. ‘’Você organiza seu tempo, pode repor aulas, mas é importante acertar um horário de estudo para criar uma rotina, assim como no ensino presencial. É preciso ser focada e organizada.’’ A profissional ainda lembra que nem sempre é possível assistir às aulas online ao vivo, pois ‘’acontecem problemas no servidor e a aula não acontece, então os vídeos são postados e os alunos assistem em outro momento’’.

Ainda para Alvim, o EAD, dependendo de quem estivermos falando, não proporciona o mesmo desenvolvimento. ‘’Aquela pessoa com alto grau de autonomia, que já aprendeu a aprender, passou por um processo de iniciação em valores e princípios e participação social, pode sim, se desenvolver muito com uma opção de modalidade à distância.’’ Mas este não pode prescindir da presencial, por conta de suas limitações. O professor completa: delimitar o acesso à educação ao EAD não contribui para o desenvolvimento pleno do ser humano, ao passo que não precisa ser tudo presencial, entende que o futuro pode ser uma mescla entre as duas modalidades de ensino. A autonomia é um dos pontos principais de quem aprende à distância e é fundamental saber lidar com essa independência. É essencial buscar os professores em caso de dúvidas porque, às vezes, em sala de aula, as perguntas são respondidas por questionamentos de outros colegas, no EAD, você precisa ir atrás. ‘’Aprendi a ser autônoma. Aprendi a estudar sozinha, coisa que não fazia muito, e gostei bastante. Precisei ler mais e sempre ia atrás de estudos por fora, mas já tinha feito um curso ou outro, então foi mais fácil de acompanhar o conteúdo’’, ressalta Daniela. As provas eram sempre presenciais e alguns trabalhos também precisavam ser entregues no tête-à-tête, como vernissages e exposições, o que possibilita momentos de maior sociabilização. Daniela ainda lembra que os fins de semana e as madrugadas eram os momentos dedicados ao seu estudo e, por vezes, quando precisava cair na estrada por conta do trabalho ‘’colocava áudios das aulas no carro para revisar alguns conteúdos’’.

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forara da o fora f a i r e o l f a forafora i a e r o l f f fora a o r r a a o r f fo

Amanda Mann Rafael Sábio Marcus Campos

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á dizia o provérbio oriental “Tempos difíceis criam homens fortes. Homens fortes criam tempos fáceis. Tempos fáceis criam homens fracos. Homens fracos criam tempos difíceis.” Não obstante, no cenário social atual, em uma era de opiniões conturbadas, ideais rechaçados e discursos diminuídos, esquecemo-nos do básico: a educação. E mais do que isso, a aprendizagem. Antes de nascermos, enquanto ainda somos um feto e estamos no conforto dos úteros de nossas mães, nosso ciclo de aprendizagem começa. Mesmo que envoltos em camadas de proteção, no sentido figurado e literal, despertamos nossas sensações de afeto e nossos sentidos. No primeiro ano de vida, passamos a conviver com as sensações de aproxi-

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mação e afastamento, damos os primeiros passos, balbuciamos as primeiras palavras; a partir dos dois anos, lidamos com os regalos da autonomia e a desilusão que vem no pacote e, a partir de então, nossa capacidade comunicativa deslancha. Aqui precisamos de cautela. Vejamos o agora com os olhos do passado. Quando somos educados, quais valores nos são ensinados? Ou ao menos, deveriam nos ser ensinados? Coerência. Respeito. Autonomia. Justiça. Tolerância. Eu poderia compilar um dicionário completo, do A ao Z e do Z ao A apenas com valores. Mas, na prerrogativa do bom senso, espero não precisar fazê-lo. Demos um salto no tempo e chegamos ao agora. Toda a construção do que devaneei enquanto ideal humano, es-


coa tão rápido pelo filtro rasgado dos tempos de cólera que nem todos se atentam o suficiente: a democracia e senso de justiça escoam também. Desde antes de sermos apresentados ao mundo, já estamos o experimentando. E aí, quando chegamos aqui e temos a estupenda possibilidade de cuidar do que é nosso, violamos nossa humanidade. Nossa existência. E é triste e repulsivo quando enxergamos e sentimos a ameaça ao embrião que sustenta todas as relações humanas, em suas mais vastas dimensões. Eu nem sei dizer se este texto é sobre política, educação ou censura. Talvez seja apenas um recorte do medo geral que estou sentindo. O fato é: por conta dos cabrestos da política, nossa educação está sendo censurada. Estamos todos em risco. Estamos todos sendo violentados há um bom tempo. E muitos de nós são cúmplices do genocídio educacional que está por vir caso o dito cujo, eleito como futuro presidente da república, coloque em prática todo seu discurso retrógrado. Vou lhe contar uma – talvez – novidade, embasada na fala de um dos educadores que mais admiro, José Pacheco, ou só Zé. Aquele que fundou a Escola da Ponte, reconhecida mundialmente, em Portugal. O Ministério da Educação está fora da lei. Pasmem. O Plano Nacional de Educação (PNE), aprovado em 2014, é um belo conjunto de ideais e leis que deveriam ser cumpridas assiduamente, mas… Mas, antes de continuar, permita-me dizer que ‘’mas’’ é uma conjunção coordenativa adversativa e, geralmente, usamos para antagonizar algumas colocações. Agora posso continuar. O PNE é um belo conjunto de ideais e leis que deveriam ser cumpridas assiduamente, mas… não passam de palavras.

Tempos difíceis criam homens fortes. Homens fortes criam tempos fáceis. Tempos fáceis criam homens fracos. Homens fracos criam tempos difíceis.

A teoria é linda. A prática, cega.

Então vamos falar de matemática: Três milhões, dos seus mais de 207 milhões de habitantes, não tem acesso à escola. 8,3% da população brasileira não sabe ler e escrever. Dos quase 520 mil professores da rede pública, 200 mil dão aula em disciplinas nas quais não são formados. Não precisa ser gênio para perceber: algo está errado. Bem errado. E é só se informar com as estatísticas para compreender que o descomprometimento à educação vai ser cada vez mais legitimado, distanciando a democracia da educação, e a educação dos valores, e os valores de você. Não sejamos condescendentes com a aniquilação da teoria de que a educação é, por direito, de todos. E isso inclui você. E todas as pessoas que você conhece. E todas as pessoas que você não conhece. Então, aqui lhe faço um pedido. Pense. Repense. E se não for pedir muito, pense mais um pouco.

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Compassos da vida A trajetória de bailarinos que vencem o preconceito em busca da realização de um sonho Bruna Kopeski Isadora Look

E Murilo Machado Duarte : Dos rodeios as sapatilhas

m um município do interior de São Paulo, Murilo Machado Duarte, um menino de 10 anos, frequentador de todos os rodeios da cidade, largou o sonho de ser peão para se tornar bailarino. Foi no Centro Cultural de Itápolis, com aproximadamente 42 mil habitantes, que o garoto iniciou o espetáculo de sua vida, aprendendo, passo a passo, dança de rua, contemporânea, jazz e balé. Valdir, pai de Murilo, um homem de fivelas e chapéus, apaixonado pelos rodeios, acreditava que o filho seguiria seus passos quando crescesse. No começo foi muito difícil aceitar a escolha do filho. “Ele ama vaca, cavalo, boi. Eu ia nas cavalgadas com ele, ficava em cima do cavalo andando, até levava a santa dos boiadeiros sabe? Eu era o peãozinho. Quando eu falei que eu não queria mais ser peão, e queria dançar balé, eu acho que ele surtou.”

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Valdir tinha uma loja de equipamentos esportivos, dentre os materiais haviam roupas e sapatilhas de dança, para meninas. “Meu pai não gostava que pegasse as sapatilhas, ele queria que eu pegasse as chuteiras”, diz Murilo. A madrasta do jovem sempre o apoiou e ajudou a pegar o que precisava escondido do marido. Desde do início, a vida como bailarino não foi fácil para Murilo. No dia em que sua mãe, Ana Maria, o matriculou na academia de balé, seu país, separados, começaram a discutir, “Ele não vai parar de dançar por causa da sua ignorância”, disse Ana a Valdir. Mesmo com muitos obstáculos, Murilo não desistiu. O dançarino mudou para quatro escolas diferentes, dois colégios públicos e dois particulares. Os colegas, a partir do momento em

são levadas à vida adulta e adolescência e é difícil superar esses traumas. Toda noite, durante anos, no horário da novela das 21 horas, um colega de sala ligava para a casa do bailarino para xingar quem atendia o telefone. Cansado, o jovem ameaçou o menino dizendo que se ele ligasse mais uma vez, o mataria. O estudante ligou. “Eu cheguei no dia seguinte e disse que ele tinha me ligado, logo em seguida fui direto dando socos no rosto do menino, apanhei também, mas pelo menos ele não ligou mais.” Passar por preconceito na escola apenas por dançar também fez parte do repertório vivido por outro bailarino. Marcelo Augusto Silva Gomes, decidiu abandonar a dança em 1998, na época com 8 anos, devido à constante

“Meu pai não gostava que pegasse as

sapatilhas, ele queria que eu pegasse as chuteiras.” Murilo Machado Duarte, bailarino que descobriram que ele dançava, transformavam-o em chacota. “Eles me zoavam e me batiam, apenas por eu dançar, o que na cabeça deles me tornava gay.” A situações de violência só piorou com o tempo, o jovem conta que sempre revidou os ataques enfrentados. “A escola particular foi o pior erro da minha vida”, confessa Murilo. A instituição era pequena, a sala de aula do bailarino estudava tinha 13 estudantes, seis meninas e sete meninos. Era Murilo contra os seis meninos da sala de aula: “Eles me odiavam porque eu era o gayzinho que dançava”. Nesta escola, o adolescente passou por todos os tipo de posições preconceituosas, apanhou, foi humilhado é até mesmo perseguido. A psicóloga Ana Lucia Zarutzki diz à reportagem da CDM que o bullying afeta de maneira transformadora na vida emocional de uma pessoa, e essas questões, ocorrendo na infância,

violência e perseguições que enfrentou na escola. “Há 15 anos, era meio que novidade essa coisa de menino dançar. Os colegas da minha escola me excluíam, me chamavam de ‘bichinha’ e me empurravam. Foi horrível para mim”, confessa Marcelo. O bailarino conta que escolheu dançar quando tinha 6 anos, após ficar apaixonado por um programa na televisão que passava uma apresentação de balé. O brilho nos olhos do menino aumentava a cada passo da coreografia e, também, o desejo de dançar. Com o fim do programa, Marcelo decidido, pediu a sua mãe, Dulce Silva, para matriculá-lo em uma escola de balé. Dulce que sempre sonhou em se tornar bailarina, contudo, dançar não estava na coreografia de sua vida, não pensou duas vezes quando seu filho pediu para entrar em um estúdio. Começou a procurar academias entre as páginas amarelas de uma lista telefônica da época. Após a pesquisa, decidiu matricular Marcelo em

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uma das primeiras que achou, a Anjus Academia de Dança, em Ponta Grossa, cidade natal da família. Entrar em uma academia foi uma sensação maravilhosa, cada dia era incrível, conta Marcelo. “Eu esperava acabar a aula, no meu colégio, para ir ao studio.” Por ser o único menino da escola de dança, sua professora o escolhia para participar de todas as atividades, fazendo sua rotina ser puxada, porém, muito amada, pelo menos até o momento da interrupção. O período de pausa durou seis anos. O amor pela dança era maior que o sofrimento do passado. Com 14 anos de idade, voltou para o balé decidido e focado. Marcelo era um adolescente e bailarino regrado, ensaiava o mesmo passo várias vezes para chegar a perfeição. Com 17 anos um novo ato começou na vida de Marcelo. Ensaiando cada vez mais, o dançarino ganhou os papéis principais nas apresentações de balé de sua escola e decidiu fazer a audição para o Bolshoi, uma tradicional escola de dança russa com uma única sede exclusiva em Joinville, Santa Catarina.

A IMPORTÂNCIA DO APOIO Enquanto Marcelo testava sua habilidade de dança no teste de Bolshoi, em São Paulo, com 18 anos, Murilo entrou na Universidade de Campinas, para cursar dança. Foi na faculdade que o jovem pode ser quem era, sem receios, e foi capaz de visualizar um mundo que antes era desconhecido e camuflado. “A faculdade foi a libertação. Na primeira festa, um menino me beijou, e logo depois eu fiquei olhando para os lados com medo e preocupado se alguém estava olhando, se alguém iria me bater.”

Foi ainda na faculdade que Murilo conheceu seu namorado, atualmente marido, Edson Junior. “Meu pai tem muito orgulho do que eu sou, mas ele não consegue aceitar o fato de eu ser gay. Ele sempre fala para a minha madrasta que eu sou gay porque minha mãe me colocou no balé. Minha madrasta sempre respondeu para o meu pai que eu seria gay mesmo sendo mecânico, mesmo sendo pedreiro” diz Murilo. A psicóloga Ana Zarutzki afirma que o apoio dos pais frente a quaisquer escolhas dos filhos, os deixam se sentindo mais acolhidos, mais apoiados, compreendidos e seguros. “Os filhos querem ser respeitados e amados em suas individualidades e isso também se refere a suas escolhas”. Ela ainda complementa que a opinião dos pais influencia muito nas escolhas dos filhos em relação a sua felicidade. Como é o caso de Marcelo. Ter o suporte dos pais sempre foi muito importante, principalmente ao fazer o teste do Bolshoi. O pai, Alvaro Francisco Gomes, sempre chorou em todo espetáculo do filho. No dia do teste, que começava às 8 horas, para garantir que não chegariam atrasados, decidiu ele mesmo levar Marcelo para a audição. Saindo de Ponta Grossa com o destino a Joinville, pai e filho saíram na noite anterior ao exame, escolhendo dormir na praia para não perder o teste. “Meu pai e eu chegamos à Bolshoi às 8h05. A moça que recepcionava os candidatos começou um discurso dizendo que eu não poderia entrar”, conta o jovem. Com muita insistência Marcelo entrou na audição. Após quatro horas de prova, Alvaro ficou preocupado com a demora do filho. A mulher que antes tinha barrado a entrada do bailarino, acalmou o pai

“Os filhos querem ser respeitados e amados em suas individualidades e isso também se refere a suas escolhas.” - Ana Lúcia Zarutzki, psicóloga 78 revistacdm | cultura


e afirmou que quanto mais tempo Marcelo demorava para sair, significava que mais longe ele estava indo na audição. De 500 candidatos, apenas 11 foram selecionados para entrar na escola, Marcelo estava entre eles. “Balé é uma arte maravilhosa pela qual você consegue se expressar, uma arte linda que todo mundo deveria experimentar um dia. Entrar no Bolshoi foi a realização de um sonho.” Contudo, o bailarino tomou a decisão de sair do Bolshoi para estudar Direito em uma faculdade, mas se arrependeu.

Hoje, Marcelo, aos 23 anos, estuda Relações Internacionais na Universidade Positivo, mas ainda sonha em voltar ao balé. Murilo, formado na Unicamp, ingressou neste ano no Balé Teatro Guaíra, após ser aprovado em concurso público. “Minha maior conquista foi conseguir viver do que eu sempre quis, em um país em crise que não valoriza cultura, arte, eu consigo viver daquilo que eu amo, de arte, de dança, eu venci todos os preconceitos e consegui chegar onde estou”, diz, com orgulho.

Isadora Look

Durante os dias 7 e 8 de dezembro, a Companhia de Balé do Teatro Guaíra apresenta-rá a releitura contemporânea de O Lago dos Cisnes, acompanhada da Orquestra Sinfônica do Paraná.

Um fio de esperança

Em uma atual mudança de quadro o Teatro Guaíra tem 23 bailarinos, 12 são homens e 11 mulheres

Mesmo ocorrendo preconceitos no mundo da dança, há ainda um vestígio de esperança. Como é o caso do Gabriel Fraga, adolescente de 16 anos, estudante da Escola de Dança do Teatro Guaíra, em Curitiba. Sua vida regrada, segue uma contagem: “Um, dois, três, quatro, terminar de fazer o almoço. Cinco, seis, sete, oito, pegar o ônibus para ir a aula.” Com uma rotina acelerada, Gabriel prepara almoço para sua irmã mais nova, e pega o ônibus para chegar a sua aula de balé clássico às 15 horas. Às 17h10, acaba sua aula e começa os ensaios é

as aulas da companhia jovem. Essa rotina se repete há mais de dois anos na vida do bailarino, quando decidiu entrar em uma academia de balé clássico, em 2015, em uma oficina de dança no Teatro Municipal de Fazenda Rio Grande, região metropolitana de Curitiba. O dançarino afirma que fará dessa paixão uma carreira. “Sempre tive muito apoio de todas as pessoas que conheci. Sou bastante privilegiado por não sofrer preconceitos, pois sei que muitos passam por intolerância.”

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Mulheres Revolucionárias no rap Ana Clara Braga Bruna Toti de Freitas

Ao longo da história algumas mulheres se destacaram, apesar da cultura machista, por sua voz, resistência, inteligência e arte. É preciso valorizar o papel das mulheres na construção da cultura de um povo, seja na política, na pesquisa, nas faculdades e nas artes.

O rap é a voz da periferia, dos negros, das minorias, das mulheres. As rappers femininas enfrentaram, e continuam enfrentando, machismo e olhares tortos de uma indústria predominantemente masculina. Desde os anos 90 para cá, essas mulheres revolucionárias usaram sua voz para rimar sobre suas visões de mundo, quebrar paradigmas e deixar sua marca na sociedade.

’Kim LilLil’ Kim foi inspirada por Notorious B.I.G a começar a carreira no rap. Seu início foi no grupo Junior M.A.F.I.A e depois continuou fazendo sucesso na carreira solo. Kim trouxe a sexualidade feminina a outro patamar no rap, rimando sobre sexo como rappers masculinos. Apesar de ter sido muito criticada pelo conteúdo de suas músicas, sua posição independente e irreverente criou uma novo jeito para mulheres fazerem rap.

a Di Din Considerada a primeira mulher a fazer sucesso no rap brasileiro, Dina Di era vocalista do grupo Visão de Rua. No começo da carreira refutava os visuais mais sensuais para subir aos palcos, sabia que se fosse com roupas mais “masculinizadas” prestariam atenção em seus dotes vocais e não em seus atributos físicos. Foi uma das primeiras a levar a voz feminina e periférica para ospalcos tão acostumados às vozes masculinas.

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ll

Hi n y r u La

Foi o primeiro nome independente do gênero a fazer sucesso juntando o rap e a melodia. Começou sua carreira em um grupo com mais dois homens, The Fugees, mas foi quando resolveu seguir carreira solo que a mágica aconteceu. Seu primeiro e único álbum de estúdio The Miseducation of Lauryn Hill foi o primeiro álbum de hip hop a ganhar na categoria “álbum do ano” no Grammy e influencia a indústria até hoje.


Li a r g e N

Liliane de Carvalho começou sua carreira em um grupo de rap que fez com um amigo da escola. Além de cantora, Negra Li é também compositora e atriz. Aos 16 anos foi chamada para participar do grupo RZO, grupo que revelou um dos nomes mais emblemáticos do rap brasileiro, Sabotage. Em 2000 gravou “Não É Sério”, com Charlie Brown Jr., música que tornou Negra Li conhecida nacionalmente. Ainda que seus maiores hits sejam raps mais sentimentais, Negra Li nunca deixou de se posicionar e dar voz à periferia e minorias.

á k n o C KarolA curitibana de voz forte, Karol Conká, é uma

.

M.I.A

A rapper de origem srilanquesa foi a primeira pessoa asiática a ser indicada ao Oscar e ao Grammy no mesmo ano. M.I.A é reconhecida pelo seu som alternativo e seu ativismo político fora dos palcos. A rapper já costuma misturar gêneros musicais em suas composições e usou até elementos do funk carioca em suas músicas.

ffia o S C M

das vozes mais importantes do rap da atualidade. O começo da carreira deixou claro a mistura de elementos musicais como a música eletrônica, o batuque, o r&b, o funk, entre outros. As músicas dançantes “Gandaia”, “Boa Noite” e “Tombei”, abriram as portas para que Karol Conká pudesse fazer as recentes “Kaça” e “Bate a Poeira”, músicas de protesto contra o racismo, machismo e desigualdade social.

aj n i M i NickOnika Maraj, mais conhecida como Nicki Minaj,

Com apenas 14 anos, MC Soffia é rapper, cantora e compositora e tem como principal objetivo empoderar mulheres e incentivar meninas a se amarem do jeito que são. Detentora de lindos cachos, a “menina pretinha” é uma rainha do rap, mesmo que não tenha o reconhecimento devido, Soffia merece o cargo de realeza pela sua atitude revolucionária.

é a rapper mais conhecida dos dias atuais. Seu flow inconfundível, ritmo acelerado, visual único e diversos alter-egos a fizeram escalar rapidamente ao topo. Nicki foi a primeira artista a ter sete músicas na lista de singles Billboard Hot 100 ao mesmo tempo. Seu sucesso destruidor fez com que se tornasse a artista mais cobiçada para realizar parcerias. Em muitas delas, a rapper ofusca os outros artistas e toma conta da música. Como aconteceu na faixa “Monster” de Kanye West, que mesmo contando com outros nomes, como Jay-Z, foi dominada por Minaj.

ott i l l E Missy

Missy Elliott, ao lado de Lauryn Hill, foi a rapper feminina que mais vendeu discos nos anos 90, marcando o gênero musical para as mulheres. Suas músicas abordavam temáticas como igualdade de gênero, celebração do corpo feminino real e sexualidades. Ela é considerada como umas principais responsável por uma mudança de visão sobre as mulheres rappers da indústria.

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Estilo é para TODOS

Amanda Mann

Os brechós e a moda democrática no século XXI Amanda Mann Marcus Campos Rafael Sábio

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Cá Cardoso, uma das empreendedoras do brechó Lavô Tá Novo.


N

os últimos 15 anos o desenvolvimento da moda Fast Fashion tem contribuído com o esgotamento de recursos naturais, como algodão e água, além colaborar com trabalhos análogos à escravidão. Esse conceito de moda surgiu em meados dos anos 1990 para designar a prática das grandes marcas e empresas de produzir em larga escala, em um curto período de tempo, para causar maior consumo das novas tendências estilísticas. Segundo dado publicado em 2017 pelo China Water Risk, a produção de algodão na China aumentou substancialmente na última década. Além disso, o insumo está entre as cinco maiores culturas que mais causam esgotamento de águas subterrâneas, de acordo com pesquisa da revista Nature. Na contramão desse consumo não sustentável, algumas pessoas têm buscado opções mais conscientes para montar seu estilo, encontrando, nos brechós, opções melhores do que as marcas varejistas oferecem.

“É a forma de Dados do Serviço Brasileiposicionamento a ro de Apoio Micro e partir do momento em àsPequenas que levamos as causas Empresas (Sebrae) mostram que defendemos para que as micro e as escolhas das peças pequenas empresas que do guarda roupa“, comercializam Carina Cardoso, designer.

artigos usados cresceram 210% em cinco anos. O número passou de 3.691 para 11.469 entre 2007 e 2012.

LAVÔ TÁ NOVO Quem diz que ideias de mesa de bar são ruins, está enganado. Foi assim que o brechó Lavô Tá Novo nasceu. Descontentes com suas vidas profissionais, Carina Cardoso, designer e Adriana Vaini, produtora de moda, começaram sua trajetória no mundo dos brechós participando de bazares em casas de amigos, igrejas e asilos. ‘’A gente foi em cada buraco. Precisávamos de uma boa quantidade de roupa para começar o brechó’’, conta Carina. Aos poucos, o brechó foi sendo construído. Hoje, quem não conhece o espaço, nem imagina que atrás da pequena porta de vidro na Vicente Machado, existe uma escada curva de metal que desemboca num cenário colorido e decorado com araras penduradas em paredes de tijolo exposto e uma geladeira vermelha retrô. As peças à venda combinam o estilo do universo que se encontra ali. Há quase cinco anos, o Lavô Tá Novo, apesar de ser direcionado ao público feminino, conquista alguns homens que encontram, nas peças, partes de seu estilo. ‘’Esses dias veio uma menina com um amigo. Ele saiu com três jaquetas e ela não levou nada.’’ Carina explica que, para o seu negócio, existem dois públicos: os fornecedores e os consumidores. Ao passo que o segmento encontra novos destinos para muitas roupas e acessórios, o público que guarnece o comércio é bastante fiel. ‘’Tem fornecedoras que trazem roupa todo mês. Tenho várias roupas com etiqueta, que nem foram usadas’’, isso mostra como o consumo fervoroso impede o ciclo sustentável do ‘’reutilizar’’. Para o designer Marcelo de Costa, os brechós revigoram o ciclo de um produto, que de outra forma, seria descartado. “Meu entendimento é de que essa sustentabilidade de que se fala está relacionada ao próprio ciclo

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Um pouco do universo dos brechós!

de vida do artefato-vestível e se restringe a ele. E não há demérito nisso, pelo contrário. No entanto, há que se pensar também de modo mais amplo sobre o ciclo dessas peças”, completa. Costa também diz que as novas gerações optam por essas lojas por se preocuparem com o impacto que causam ao mundo. “Aqui em Curitiba ainda são poucos os que atuam pelo mote da sustentabilidade, o que não impede que o público mais jovem, que geralmente frequenta estes estabelecimentos, esteja presente e compre cada vez mais deles, em busca dessa suposta ‘via alternativa’ de consumo-expressão”, conta. A designer Tarcila Peressuti conta que sua experiência no mundo dos brechós sempre foi bastante positiva por encontrar roupas baratas e de qualidade que já pertenceram a outras pessoas. ‘’É uma boa forma de não descartar ou desperdiçar roupas que ainda têm um bom tempo de uso’’. Roupas comunicam e expõem pontos de vista. Vestir-se é uma arte. Uma criação de identidade. A estudante Mariana Andreatta entende o brechó como uma ‘’forma de posicionamento a partir do momento em que levamos as causas que defendemos para as escolhas das peças do guarda roupa’’.

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Amanda Mann

DAS ARARAS À COMUNIDADE Com o intuito de levantar verba para famílias em situação de vulnerabilidade social, a musicista Fernanda Mourão iniciou, em 2013, sua história no brechó beneficente. Não satisfeita com o grande estoque de roupas que recebia de doações, ela precisava ir além. Começou a selecionar peças, colocar à venda por preços simbólicos e retornar a verba à comunidade. ‘’Muito mais do que o ato que incentiva a reutilização de peças bem conservadas, sustentabilidade e o próprio estilo; o que rege nossa causa é um amor maior em oferecer, através deste trabalho, comida a quem não tem nada.’’ O projeto conhecido como Espaço Esperança acontece em parceria ao Instituto Apostólico, em São Paulo, acaba sendo a preferência de muitos consumidores, por unir estilo e boa-ação. ‘’Bastante gente dá preferência às roupas que estão à venda aqui, porque entendem a importância deste lugar.’’


Quando brechó se mistura com arte e decoração! Amanda Mann

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Rute Cavalcanti

Beleza Vegana Heloisa NegrĂŁo e Rute Cavalcanti

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Conheça o que são os cosméticos veganos e orgânicos CURITIBA: Não é novidade nenhuma: o crescimento de produtos veganos no Brasil estão em toda a parte, na alimentação, nas roupas e nos cosméticos. Esta coluna tem o intuito de mostrar que é possível se adequar a esse universo no campo dos cosméticos com facilidade, tanto pelo acesso quanto pelo preço. Os primeiros produtos que gostaríamos de indicar são as maquiagens, em específico as bases e o pó compacto para o rosto. Primeiramente, vale ressaltar que não existe nenhuma regulamentação específica quanto aos cosméticos veganos. No entanto as marcas seguem algumas determinações, que têm por principal objetivo não utilizar nenhuma matéria-prima de origem animal. As vantagens de serem veganas são diversas, mas falando do pó compacto e da base, eles são exemplo do benefício à saúde, pois não bloqueiam os poros da pele como geralmente as maquiagens fazem, os produtos as deixam “livre”. Assim, a pele fica com um aspecto mais natural e hidratada.

Em Curitiba, existe uma marca de produtos de cosméticos veganos, que tem uma linha de maquiagem, produtos para os cabelos, corpo, banho e peles delicadas. Também produz óleos, creme dental, desodorantes e aromatizadores. Ela se chama Cativa Natureza e seus produtos podem ser encontrados no Mercado Municipal da cidade. Em maquiagem, sua linha tem um custo entre R$52 e R$120. Tem em sua linha tanto o pó compacto como a base para ser utilizados. Além das marcas prontas, algumas pessoas veganas têm o costume de fazer a sua própria maquiagem em casa, por meio de sites, tutoriais e cursos, elas aprendem e fabricam para seu próprio uso. Porém, há quem prefira as maquiagens prontas. Neste caso, para verificar se é realmente ou não vegana, ela deverá conter um certificado chamado “Cruelty-free and Vegan”.

Outro privilégio da maquiagem vegana é que raramente ela provoca qualquer tipo de alergia, além de ser ecologicamente correta e de representar uma prevenção contra espinhas e acnes.

OUTRAS MARCAS BRASILEIRAS PARA SEREM TESTADAS: Simple Organic, localizada em Florianópolis, a marca fabrica maquiagem e linhas para o corpo. Face It Natural, localizada no Rio de Janeiro, a marca oferece produtos especificamente de maquiagem. Bioart, conhecida por ser uma das primeiras linhas de maquiagem a investir no veganismo no Brasil, contém produtos para o rosto e o corpo.

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Semente do Brasil Das xícaras ao coração, a bebida secular que conquista os brasileiros a cada dia Amanda Mann Marcus Campus

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ão é à toa que a bandeira do Brasil Imperial, à época da monarquia, tinha como um de seus elementos um ramo de café. Desde então, a produção cafeeira desenhou a história social, econômica e cultural do país. Sua semente está, até hoje, enraizada no coração do povo brasileiro. Hoje, o país está entre os maiores exportadores do mundo. Segundo projeção recente divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), serão produzidos um recorde de 57,2 milhões de sacas de café até o fim deste ano. Mais do que uma bebida matinal e corriqueira, o café tornou-se um estilo de vida que conquista cada vez mais seguidores. Em cada canto do planeta, as cafeterias se multiplicam, oferecendo novos conceitos, inovadores modos de preparo e combinações surpreendentes, que enriquecem, cada vez mais, essa preciosidade. “Muitos clientes procuram explorar os mais inusitados sabores e aromas de cafés. É uma cultura. Assim como para quem tem o conhecimento dos vinhos, o café

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cria apuração criteriosa no paladar de seus amantes”, comenta Christina Bittencourt, sócia-proprietária da cafeteria Mitrê. Por influência europeia, Curitiba está cheia de cafeterias para todos os gostos: dos tradicionais aos mais exóticos, dos grãos locais aos importados. De acordo com pesquisa feita pela Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC), nove em cada 10 brasileiros com mais de 15 anos bebem café. “Para quem conhece e aprecia as notas dos cafés, frequentar as diferentes cafeterias da cidade é como fazer uma viagem sensorial que desvenda sabores inigualáveis. Nenhuma semente é como a outra e, por consequência, os resultados são únicos”, revela o empresário Carlos Augusto Henrique, grande apreciador da bebida. Além de todas as opções tradicionais, os baristas, profissionais especializados em desenvolver novos meios de preparo da bebida, aproveitam para brincar com as possíveis combinações, realizando experimentos muito bem-


Escritor, historiador, ator e barista, OtĂĄvio Linhares ĂŠ um grande apreciador do cafĂŠ brasileiro.

Amanda Mann

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-sucedidos ao misturar chocolates, bebidas alcoólicas e até mesmo frutas com o grão. “Acordes novos surgem de combinações inusitadas que agradam ao paladar de quem tem paixão pelo café, e até mesmo conquistam quem não é muito fã da bebida convencional”, relata Júlio César de Souza, barista em Santo André, ABC paulista. Há também aqueles que nem sempre foram tão apaixonados pelas excentricidades do café. ‘’Eu costumo brincar que caí no mundo do café por acaso e depois que me apaixonei por ele, foi um caminho sem volta’’, contou Rayanne Garret, dona do Workafe, site que compila cafeterias work-friendly. Esses estabelecimentos oferecem estrutura para que seus clientes trabalhem enquanto degustam um bom café. Rayanne escreve, também, sobre as peculiaridades da bebida. ‘’Além disso, acredito que ela une as pessoas. Desde a produção dos grãos até o café chegar à nossa xícara, existem diversos processos, com muitos detalhes e que envolvem muitas pessoas. Conhecer essas etapas e suas histórias é

fundamental para entender o que você está consumindo.’’ O Lucca Café (no bairro Batel), segundo Rayanne, é um dos pioneiros no Brasil quando falamos em inovação, isso porque é uma referência na capital paranaense e ‘’comporta diversos nichos de público’’ de forma inusitada. A cafeteria se intitula como ‘’o maior garimpo de cafés do Brasil’’ e abre seu espaço no segundo andar, todos os finais de semana, para workshops, cursos e degustações. É de se imaginar que uma bebida secular, marcada por histórias, também possa servir de inspiração na hora de aguçar o lado artístico de alguém. O barista premiado, escritor, com três livros publicados e dono do café 4Beans Coffee Co., Otávio Linhares, discorre sobre como suas duas paixões, o café e a literatura, se entrelaçam. ‘’Acho que o diálogo com os cafés especiais está mais no sentido de admirar a complexidade sensorial da bebida tanto quanto oferecer aos leitores essa complexidade. A literatura também tem esse poder.’’

Em 1860 o Brasil produziu 26 milhões de sacas de café, tornando-se exportador do grão.

Amanda Mann

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97%

dos brasileiros consome café

Hot & Cold

curiosidades

de outubro Dia Mundial do Café!

+ 3,5

Noprimeirotrimestrede 2018, mais de

50 cafeterias foram

mil cafeterias especializadas em cafés!

+ 1.000

01

abertas em Curitiba!

pedidosdeaberturadecafereriasna capitalparanaensedejaneiroàmaio desse ano!

Fonte: Fábio Aguayo, presidente da Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (ABRABAR).

Foi por acaso, em 2002, depois de um sonho fracassado de ser professor, que Linhares entrou no mundo das cafeterias. Quando descobriu uma vaga de emprego disponível no Lucca Café para quem tivesse aptidões na língua inglesa, mal sabia que sua trajetória já estava traçada. Desde então, o barista aprimora seus estudos que o levaram até a Europa, à Suiça, para competir no Campeonato Mundial de Baristas, em 2006. No ano anterior, Otávio conquistou primeiro lugar no 5º Campeonato Brasileiro de Baristas.

opção que deve ser levada em conta pelo conforto que esse produto oferece”, afirma Henrique. Quando o aroma inconfundível de café fresco toma conta do ambiente, é raro quem recuse uma xícara. Suas variedades são inúmeras. Há um para cada momento do dia: o da manhã dispensa apresentações, e pode ser combinado com leite, para dar um toque suave à bebida e acordar qualquer pessoa; o preto e sem açúcar, do meio da tarde, e mesmo os mais ousados, que ficam saborosos se harmonizados com dife-

“Acho que o diálogo com os cafés especiais está mais no sentido de admirar a complexidade sensorial da bebida tanto quanto oferecer aos leitores essa complexidade.’’ Otávio Linhares, barista. A cultura de tomar café revolucionou todo o mercado desse segmento nas últimas décadas e isso pode ser notado pela popularização das máquinas portáteis de café expresso. “É possível ter em casa esses modelos de cafeteiras de cápsulas que preparam, de forma rápida e prática, bebidas com qualidade profissional por um custo benefício aceitável. Para quem aprecia o bom café para o dia a dia, é uma

rentes iguarias, quase se tornando um drinque “gourmetizado”. Para Otávio Linhares o café desperta interesse até mesmo por quem não é apaixonado pela bebida. ‘’Uns vem para estudar o grão; outros querem levar nossos cafés para o seu negócio. Alguns comparam as marcas dos cafés especiais. E às vezes, é apenas por curiosidade mesmo.’’ gastronomia | revistacdm

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RedRex: games e livros Se tornando um meio de ganhar destaque e de profissionalização, as ligas universitárias de e-sports proporcionam espaço para que jogadores amadores mostrem suas habilidades e representem sua faculdade Marçal Dequêch Vinicius Freitas

O

esporte eletrônico, ou e-sport, é o novo conceito de profissionalismo esportivo. Iniciado com as pequenas competições no ano de 1998, o patamar de jogadores se estabelece nas grandes e milionárias competições modernas. Porém, onde começa a carreira de um cyber atleta? Muitas das vezes as ligas amadoras e universitárias são a porta de entrada para o cenário profissional, sonho de dezenas de milhares de jovens promessas. Os times de e-sports das faculdades são normalmente criados e geridos pelos próprios alunos que, apaixonados pelos jogos e

esperançosos com um futuro no ramo, investem tempo e, muitas vezes, o próprio dinheiro para continuarem construindo seus sonhos. O início dos esportes eletrônicos dentro da PUCPR (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) começou no ano de 2017, na data dos Jogos Internos. Após alguns alunos se reunirem e promoverem um campeonato no evento, que contou com a participação de diversos times, e notarem o sucesso da modalidade entre o público, os mesmos decidiram prosseguir com a prática, além de estendê-la para fora do campus. Segundo Eduardo Nunes,

Principais jogos praticados pela RedRex League of Legends

CS:GO

FIFA

desenvolvido e criado pela Riot Games para Microsoft Windows e Mac OS X, os jogadores assumem o papel dos personagens, controlando cada um com suas habilidades únicas e função dentro da equipe. Seu objetivo é, juntamente com seus aliados, derrotar a equipe inimiga através da destruição de bases, que possui um centro e estruturas para protegê-la.

sendo uma sequência do Counter-Strike: Source. O jogo é baseado na em rodadas nas quais as equipes, categorizadas como Contra-terroristas e Terroristas, combatem-se até a eliminação completa de um dos times, e tem como seus principais objetivos plantar e desarmar bombas ou salvar e sequestrar reféns.

é uma série de jogos eletrônicos sobre futebol, lançados anualmente pela Electronic Arts. Desde sua criação em 1993, tornou-se notável por ser o primeiro jogo com licença oficial da FIFA. Os títulos mais novos da série contam com várias ligas nacionais licenciadas de todo o mundo.

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Divulgação LUE

gerente dos times de e-sports da universidade, após os responsáveis verem uma demanda da comunidade acadêmica e alguns alunos dispostos a competir, foi fácil dar continuidade ao projeto. “Após o término dos Jogos Internos da universidade, que contou com o primeiro campeonato de esportes eletrônicos da PUCPR, os responsáveis pelo evento resolveram dar continuidade aos times. Atualmente, todas as times carregam consigo o nome da RedRex, dado aos times de e-sports pertencentes à atlética, e contam com jogadores e técnicos, que participam de torneios e jogos com seus respectivos times e modalidades”, explica Nunes. Com treinos diários e programação que preenchem o tempo dos alunos, a RedRex proporciona uma equipe que atenda as necessidades dos atletas, com análise das partidas e desenvolvimento da jogatina. “Fazemos de tudo para desenvolvermos as habilidades individuais de cada atleta, levando em conta as tipificações dentro do jogo. Além disso, os times universitários são extremamente recomendados para quem deseja conciliar jogo e estudo. Contamos com seis equipes de diferentes jogos. São eles: League of Legends, Counter-Strike Global Offensive, FIFA, Dota 2, Hearthstone e Clash Royale”, finaliza Nunes.

Sem um espaço dentro da universidade para os treinos, os jogadores praticam em suas casas, por meio online, ou em sedes parceiras. De acordo com o capitão do time de League of Legends, da RedRex, Pedro “Scamber” Maximiniano, que cursa Sistemas de Informação, os times têm uma rotina de treino específica, realizada para a preparação de campeonatos e torneios. “Nos preparamos para os campeonatos por meio de treinos diários. Nosso time tem acompanhamento psicológico, que ajuda muito na concentração pré-game, além de atividades respiratórias e exercícios. Com essas pequenas interações, a sinergia entre os jogadores melhora muito, isso ajuda nos momentos de controlarmos as tensões. Tornei-me capitão por conta da experiência e pelo espírito de liderança, de manter o controle”, explica Pedro.

Os campeonatos universitários de e-sports são ótimos recursos para estudantes que almejam se profissionalizar.

“Os times universitários são extremamente recomendados para quem deseja conciliar jogo e estudo.” Pedro “Scramber” Maximiniano

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Além disso, o capitão da RedRex destaca um dos motivos por ter saído de sua antiga equipe, um time amador, para ingressar no universitário. “Conciliar os estudos e o jogo é tranquilo, pois por ser um time universitário, todos estudam. É mais fácil dos integrantes compreenderem quando não conseguimos treinar por conta das semanas de prova e tentam dar um jeito. Ação que eu não conseguia com meu antigo time.” E finaliza com um conselho para os interessados: “De tempos em tempos, o time abre seletivas, que são anunciadas em redes sociais ou em cartazes da universidade. Nela, os jogadores são testados tanto na gameplay quanto no mental”, conclui Pedro.

conhecer pessoas de outras faculdades e estados com os mesmos gostos e interesses, além, é claro, de poder defender o nome faculdade. “Os times semi-profissionais, para mim, são a porta de entrada para os de alto nível. Muitos dos que estão nos melhores times vieram de ligas, como as universitárias e, por mais que não seja o objetivo de alguns, a maioria busca se destacar nas ligas ‘menores’ para atingir outros níveis.” explica o jogador da RedRex. Entre as dificuldades, a maior delas para o player está a de conciliar estudos, estágio e treinos. Além de não disporem de um apoio estrutural da universidade, os integrantes do time “se apertam” durante a semana para conseguir cumprir a

“Os times semi-profissionais são a porta de entrada para os de alto nível.” Vitor “Suss”Bortoloso “Quando eu entrei para os e-sports, eu tinha apenas o objetivo de melhorar no jogo, porém, agora, isso passou a ter um foco maior. Quero crescer e representar cada vez melhor a PUCPR nos campeonatos e, ainda, se possível, levar o nome da PUC para fora do Brasil.” Esse é o sentimento de Vitor “Suss” Bortoloso, 20 anos, quanto a sua paixão pelos esportes eletrônicos. Jogador do time de League of Legends pela AAEE PUCPR RedRex (Assossiação Atlética de Esportes Eletrônicos da PUCPR), Suss acredita que as ligas universitárias são oportunidades para

tabela de treinos e ainda comparecer aos cameponatos presenciais quando estes ocorrem. Rodrigo “Digo” Soares é fundador e administrador do Portal/Canal Uailistar, que já está no ramo há três anos. Segundo ele, a repercussão de ligas semi-profissionais na mídia já é uma realidade e favorece muito para o reconhecimento mútuo. Entrando no quarto ano de coberturas via youtube de diversos ramos dentro dos e-sports, o Uailistar também acompanha e realiza parcerias com ligas

Completando seu segundo ano de existência, RedRex já tem reconhecimento fora da universidade.

Divulgação RedRex

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Marçal Dequêch

semi-profissionais. Segundo Digo, os campeonatos universitários têm grande probabilidade de ganhar ainda mais espaço na mídia pelo fato de boa parte do público estar inserido nas faculdades e cursinhos. “Eu vejo também as plataformas de streaming se beneficiando com esses torneios e, com certeza, os veículos grandes que sejam precursores na cobertura universitária sairão na frente. Porém, acredito que as streams, como são mais próximas do público, serão o principal ramo de atuação das transmissões de ligas universitárias.” conclui o fundador do Canal/Portal. Os campeonatos universitários ocorrem por meio de qualificatórias online, com os times das respectivas universidades interessadas se inscrevendo e culminando em uma final presencial. Atualmente, a RedRex não possui um título de expressão, porém, em menos de um ano de criação, já chegaram a três finais nos campeonatos que participaram. Os interessados em acompanhar os jogos online, que ocorrem por meio de streaming, devem acessar o Instagram ou Twitch do evento sede.

Mesmo não premiando tanto quanto campeonatos profissionais, as ligas acadêmicas já alcançam mais de R$ 10 Mil em premiações. E centenas de espectadores.

LUE - Liga Universitária de E-sports LUE é a abreviação de Liga Universitária de E-sports. A Liga reúne equipes de todo o país para disputar, anualmente, um campeonato dedicado aos e-sports mais famosos da atualidade. League of Legends, CS:GO, Clash Royale, Fifa18 e HeartStone são os que rendem partidas de maior repercussão. Além da premiação oferecida em dinheiro oferecida pela LUE, a competição também conta com a presença de figuras importantes do cenário de esportes eletrônicos, o que aumenta a procura e, por consequência, deixa mais à mostra a importância das ligas semi-profissionais para os participantes. Na primeira edição da LUE (2017), o público gamer já mostrou o potencial de competições como essa, tendo 30 equipes participantes, representadas por mais de 310 jogadores inscritos, batendo a incrível marca de 800 jogadores em 2018. Fora a presença dos jogadores (players) e figurar famosas convidadas, o público também adere à fase presencial e acompanha sua faculdade onde for.

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O mundo na mão

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oje em dia não é mais surpresa você encontrar pessoas que não assistem televisão. Porque este fato já não causa tanta estranheza? Acredito que isso se deve ao crescimento acelerado dos serviços de streamings. Eu, por exemplo, só ligo a TV de casa para conectar o Netflix. O streaming tem ganhado cada vez mais espaço, a possibilidade de ter o mundo em nossas mãos têm conquistado as pessoas, fazendo com que reduzam os consumidores que ainda utilizam a os canais de televisão pagos, conhecidos como “TV a cabo”.

Para se ter noção da quantidade de usuários adeptos aos serviços, um relatório realizado pela CVA Solutions (Pesquisa de Mercado e Consultoria), apontou que o percentual de assinantes somente da Netflix, subiu de 8% para 15% em 2018 e para que você entenda um pouco sobre todo esse aumento, lá vai algumas razões: o streaming está chegando e alcançando camadas de menor poder aquisitivo, já que os valores são mais acessíveis do que assinar um serviço de TV paga, e possibilita o telespectador, assistir o quê, quando e onde quiser, leque de variedades em seu catálogo e a melhor parte, ausência de intervalos comerciais. Ao todo, a Netflix tem cerca de 118,9 milhões de assinantes (número di-

vulgado pela própria empresa neste ano), e em seu balanço destacou que seu faturamento nos últimos 12 meses cresceu 43%, o maior avanço da história da companhia e um dos diferenciais do streaming é o investimento em produções originais, mais um de seus pontos fortes no mercado e o que chama atenção dos usuários para adquirir a assinatura. A música também foi parar nos serviços de streaming, segundo um estudo da Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), o Brasil é o terceiro colocado, em uma lista com outros 19, na lista de países que mais ouvem músicas por streaming. As empresas focadas no streaming musical como Spotify e Deezer afastaram a indústria fonográfica da crise. Segundo a IFPI, o Brasil é um dos dez países que possui um dos maiores mercados globais de streaming de música. Bons tempos quando tínhamos que adquirir CD’s para curtir nossa banda preferida. Hoje, o que nos resta é se adaptar com os novos meios de fornecimento de conteúdo, se desapegar das televisões e dos rádios, afinal a tecnologia só tende a evoluir.

Larissa Sena Mariana Prince Victoria Bittencourt

coluna | revistacdm

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