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Nesta edição d’ O Pilão, o pelouro da Intervenção Cívica e Social entrevistou Mariana Aniceto, que terminou o Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas em 2021 e integrou um projeto de voluntariado internacional. Nesta entrevista, podes ler o testemunho da Mariana e perceber como participar nestes projetos.

Intervenção Cívica e Social: O que te levou a embarcar nesta aventura de voluntariado internacional?

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Mariana: Há muito tempo que queria ter uma experiência de voluntariado internacional. Ao longo da minha vida fui tendo oportunidades de participar em algumas atividades de voluntariado local, mas sempre fiquei fascinada quando via fotografias e ouvia relatos de pessoas em experiências internacionais. Queria sair da minha zona de conforto e fazer algo que me desafiasse enquanto ajudava outras pessoas. Então, fiz disso uma resolução de Ano Novo e ganhei coragem para me inscrever. Achei, também, que a altura entre acabar o curso e começar a trabalhar seria a ideal por poder ficar mais tempo no projeto que escolhesse.

ICS: Qual a organização e projeto de voluntariado que integraste?

M: No início do ano de 2021 comecei a pesquisar associações e projetos de voluntariado. Já conhecia a “Para Onde?” das redes sociais, que tinha vários projetos disponíveis em vários países. Inscrevi-me, passei por um processo de seleção e, após ter sido selecionada, acompanharam-me no processo de preparação para a viagem. No início de outubro parti para a ilha de São Vicente, em Cabo Verde, onde estive durante dois meses. A minha organização de acolhimento foi a “Nô Bai”, uma associação local que trabalha em parceria com várias entidades para a melhoria das condições de vida das comunidades na periferia da cidade do Mindelo. As atividades desenvolvidas em várias áreas incluíam rastreios de saúde à população, apoio escolar, aulas de inglês, formações, sessões de beleza, proteção de tartarugas, limpeza de praias, combate ao isolamento dos idosos, etc. Nos tempos livres aproveitávamos para conviver com a população local e conhecer a ilha.

ICS: Enquanto Coordenadoras do pelouro, acreditamos que várias pessoas tenham interesse em fazer voluntariado internacional, mas acabam por não o fazer por achar que é difícil. Neste sentido, questionamos-te quais foram as maiores dificuldades que sentiste tanto antes como durante a tua experiência?

M: A minha maior dificuldade no início foi saber por onde começar a organizar a viagem, mas foi aí que a “Para Onde?” se tornou fundamental. Acompanharam-me durante todos os passos nos meses antes da viagem relativamente a voos, seguro de viagem, consulta do viajante, contacto com os outros voluntários, formação pré-partida, etc. Enquanto lá estive, também íamos comunicando semanalmente para dar feedback da experiência. Depois, é claro que os primeiros dias também foram desafiantes, num ambiente e uma cultura diferentes, com pessoas que não conhecia. Mas fui muito bem recebida, tanto pelos voluntários locais, como pelos voluntários portugueses que já lá estavam há mais tempo e, passados alguns dias, já estava completamente ambientada. Relativamente às dificuldades relativas ao país em si, foram mais relacionadas com as condições de vida, o clima muito seco com temperaturas elevadas, com o não ter internet tão acessível como estamos habituados ou com o não ter água quente para os banhos, nem água boa para beber em casa.

Ainda assim, não foi algo que não estivesse à espera porque já tinha ouvido os conselhos e dicas de outros voluntários e da equipa da “Para Onde?”. Resumindo, foi tudo uma questão de adaptação e, se formos com a mente aberta, torna-se mais fácil. Outra das coisas a ter em conta quando pensamos numa experiência destas será a carga monetária envolvida. No meu caso e para este projeto, tive de suportar quase todos os custos, nomeadamente voos, alimentação e estadia, sendo que o custo de vida lá é mais barato. Mas as condições variam de projeto para projeto.

ICS: O que consideras que mais te enriqueceu?

M: O que mais me enriqueceu foi, sem dúvida, as relações com as pessoas de lá que nos tratavam como se fizéssemos quase parte da sua família e que me fizeram sentir como se estivesse em casa. Enriqueceram-me os sorrisos, os abraços, a música, a simplicidade e o “no stress” das pessoas de São Vicente. É um povo que gosta de festa e que vive feliz com tão pouco que, na realidade, é o essencial, e viver assim foi muito bom. Também tive a sorte de encontrar voluntários locais e portugueses que tornaram a minha estadia em São Vicente mais especial e a quem posso chamar de amigos. Foi uma experiência que me fez crescer a nível pessoal no sentido de viver de forma mais simples e despreocupada. O que mais me custou foi mesmo a despedida e tenho pena de não ter ficado mais tempo.

ICS: Durante esta experiência de voluntariado, qual o momento que mais te marcou? Porquê?

M: Durante os dois meses foram muitos os momentos que me marcaram, pelo que não consigo nomear apenas um, mas se tivesse de escolher a atividade que mais me marcou seria o apoio escolar. A Nô Bai tem uma parceria com o ICCA – Instituto Cabo-Verdiano da Criança e do Adolescente – que acolhe crianças e jovens em situações complicadas ou que tenham sido retiradas à família. O apoio escolar era dado nessa instituição de segunda a sexta-feira, de manhã e à tarde, conforme os horários das crianças. Era um espaço em que eles aproveitavam para fazer os trabalhos de casa, tirar dúvidas sobre a matéria e quando surgia a oportunidade tentávamos motivá-los, conversando sobre a importância da escola no seu futuro, uma vez que o abandono escolar é muito comum em Cabo Verde. Não foi preciso muito tempo para começar a ver resultados nas notas dos seus testes e a felicidade por nos mostrarem essas notas. Tudo isso e sabendo as histórias de cada um, fez com que sentisse que estava realmente a fazer a diferença na vida daqueles miúdos.

ICS: O que sentes quando fazes voluntariado?

M: Sinto que damos sem esperar nada em troca, mas que recebemos muito mais do que aquilo que damos. Ver a alegria dos miúdos que vinham a correr para nos abraçar quando nos viam a chegar, os idosos que mesmo com pouco nos convidavam para almoçar e nos contavam as suas vidas, são as coisas mais simples que nos marcam. E poder fazer isso enquanto conhecemos outro lugar, a sua cultura e as suas pessoas, não tem preço.

ICS: Que conselhos darias a quem está interessado em realizar este tipo de experiência?

M: O que eu acho mais importante quando nos preparamos para uma experiência assim é a gestão das expectativas. Nunca nos conseguimos preparar a 100%, assim como não conseguimos controlar tudo. Ir sem expectativas é meio caminho andado para não haver desilusões e para nos surpreendermos pela positiva. A capacidade de adaptação e respeito pelas diferentes culturas e religiões são também fundamentais para uma experiência como esta e é importante termos a noção de que não vamos mudar o mundo (mas podemos tentar) e que, às vezes, os pequenos gestos são os mais importantes. O conselho que daria é que não tenham medo de ir e procurem projetos com que se identifiquem para também fazerem o que gostam. Estando lá, é aproveitar o momento pois passa a correr e é uma experiência única (diferente para cada pessoa).

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