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Grande Entrevista: Doutor Miguel Silvestre
by O Pilão
Doutor Miguel Silvestre
FORMAÇÃO E EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL
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1992: Licenciatura em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra (FFUC); 1992: Inicia trabalho na Farbeira, atualmente Plural+Udifar; 1994: Adquire uma farmácia, Farmácia Miguel Silvestre, em Góis; 1997-2014: Delegado de Círculo da Associação Nacional das Farmácias (ANF); 1998: Integra a Administração da Farbeira; 2000-2014: Presidente da Delegação do Centro da ANF; 2001: Assume a Presidência da Farbeira, atual Plural+Udifar, cargo que ainda desempenha; 2001: Co-fundador da Empresa Farmacêutica, Bluepharma; 2015-2017: Vice-Presidente do Montepio Nacional da Farmácia, Associação de Socorros Mútuos (MONAF); 2016: Torna-se Presidente do Conselho Farmacêutico Nacional da Ordem dos Farmacêuticos, cargo que ainda desempenha; 2018: Torna-se Presidente do MONAF, cargo que ainda desempenha; 2019: Torna-se Presidente da Associação dos Antigos Estudantes da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, cargo que ainda desempenha.
Nesta 30ª edição d’O Pilão, o grande entrevistado é o Doutor Miguel Silvestre. Licenciado em Ciências Farmacêuticas na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, tendo sido Presidente do Núcleo de Estudantes de Farmácia da Associação Académica de Coimbra (NEF/AAC). Ao longo da sua vida tem assumido cargos fortemente ligados à componente Farmacêutica, Associativa e Empresarial. Atualmente, é Presidente do Conselho de Administração da Plural e Vice-Presidente da Bluepharma.
Por Ana Raquel Fernandes e Luana Rocha

O Pilão: Licenciou-se em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra. O que o motivou a enveredar por esta área? Quando terminou o curso, quais eram as perspetivas que tinha para o futuro?
Miguel Silvestre: Desde cedo que não tive qualquer dúvida de que a minha área de atividade de vocação era a área da Saúde. Mais próximo da entrada no Ensino Superior, optei pelo curso de Ciências Farmacêuticas. Por aquilo que esta formação oferecia e aquilo que eu sonhava, não tive dúvida alguma que era este o curso que queria frequentar. Curiosamente, aquilo que foi a evolução do meu pensamento enquanto estudante e mesmo as minhas experiências profissionais logo no início da minha carreira, condicionaram muito o que foi o meu percurso até ao momento. Entrei na Faculdade Farmácia com a ideia de seguir Análises Clínicas. Ora, até ao dia de hoje, foi a única área das mais tradicionais com a qual nunca tive qualquer contacto! Logo no fim do primeiro ano, início do segundo ano de Faculdade, apercebi-me que o setor das Análises Clínicas estava numa grande transformação, com muitas incertezas do que poderia acontecer. Entretanto, devido ao conhecimento e contacto com outras realidades, acabei por optar pelo ramo da Indústria Farmacêutica.
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Recordo que o meu ano (1986-1992) foi o último em que no quarto ano do curso tínhamos que optar por Farmácia de Oficina, Indústria Farmacêutica ou Análises Clínicas. Se a memória não me atraiçoa, penso que apenas três colegas seguiram, na altura, o ramo das Análises Clínicas. Avancei, então, para a Indústria Farmacêutica, mas apenas mais tarde é que me encontro com esta realidade. Quando estava a fazer o meu estágio na Indústria Farmacêutica, recebi um convite para ir a uma entrevista para uma cooperativa de Distribuição Farmacêutica, por terem indicação que teria um perfil ajustado ao que procuravam. Assim foi. Fui e fiquei logo contratado com a indicação de que tinha que terminar rapidamente o estágio e ingressar na, à época, Farbeira. Aí estive durante quase três anos, primeiro enquanto Diretor Comercial e, mais tarde, acumulando a Direção Técnica, tendo, então, saído para o meu primeiro contacto com a Farmácia de Oficina, hoje mais conhecida como Farmácia Comunitária. E, se quando ingressei na Faculdade achava que a Farmácia não era de todo a “minha praia”, a vivência da Distribuição Farmacêutica permitiu-me descobrir a realidade da Farmácia Comunitária e quanto, afinal, eu me identificava com a sua atividade. Comprei a minha primeira Farmácia e estive durante quase quatro anos, de corpo e alma, quase só focado neste projeto. Nessa altura, apenas iniciei a minha atividade associativa enquanto Delegado da Associação Nacional das Farmácias (ANF) e como Formador na Área da Formação Contínua da ANF, o que me obrigava a estar atualizado e a partilhar conhecimento com os meus pares. Em 1998 volto à Distribuição Farmacêutica, mas ao nível da Administração da Cooperativa, tendo assumido no início de 2001 a Presidência do Conselho de Administração até à data. Também em 2001, integro um movimento, predominantemente de Farmacêuticos formados na nossa Faculdade, que se organizou para fundar a Bluepharma e adquirir as antigas instalações industriais da Bayer, em Coimbra. Foi aqui que me voltei a cruzar com a Indústria Farmacêutica, quase dez anos depois de ter saído da Faculdade.
OP: Foi Presidente do Núcleo de Estudantes de Farmácia da Associação Académica de Coimbra (NEF/AAC). Como surgiu esta oportunidade, como foi assumir o compromisso de representar o NEF/AAC e quais os objetivos que tinha em mente para os Estudantes?
MS: Fui Presidente do NEF/AAC no ano letivo de 1988/89, logo no início da sua atividade, quando tudo estava a começar. Nos anos antecedentes ao meu houve um conjunto de colegas que começaram a dar vida à atividade
associativa da Faculdade, com um conjunto de iniciativas e lançando o embrião à criação do NEF/AAC, onde o colega Carlos Figueiredo, teve primordial importância na sua concretização. Estavam esses colegas na fase final do curso e eu a entrar na Faculdade. Entretanto, durante cerca de dois anos, houve um abrandamento do envolvimento associativo da Faculdade e estava eu a meio do meu percurso universitário quando fui abordado por um amigo de Coimbra, grande académico e com uma grande intervenção na vida da nossa DG/AAC e nalgumas das suas Secções, me desafiou a integrar uma lista à Direção Geral e a não deixar “cair” o trabalho na Faculdade que antigos alunos tinham iniciado. Concorri numa lista à DG/AAC e na altura, por inerência, fiquei também com a responsabilidade de renascer o NEF/AAC. O atual Diretor da nossa Faculdade costuma referir que fui o primeiro Presidente do NEF/AAC, uma vez que o colega Carlos Figueiredo que assinou a sua constituição esteve durante dois anos numa espécie de Comissão Fundadora, antes de ter aquele período de menor atividade e de algum “hibernamento”. Mas para mim, o Carlos e a equipa que trabalhou com ele nos primeiros tempos, foram os grandes obreiros da existência do “nosso” NEF/AAC. Para mim, sem qualquer dúvida, o melhor Núcleo de Estudantes da Associação Académica de Coimbra. O meu grande desafio na altura foi, não só representar o melhor possível os estudantes de Farmácia na DG/AAC (na altura eram 7 faculdades que integravam a Universidade de Coimbra e cada uma tinha um representante na DG), bem como devolver à própria Faculdade algo que estava latente e que não poderíamos desperdiçar: a qualidade associativa dos seus estudantes e o papel que poderiam ter no futuro da profissão.
OP: Tem assumido cargos de extrema relevância ao longo da sua vida, nomeadamente ao nível do Associativismo Farmacêutico. Em que medida considera que este

seja uma mais valia para complementar o Percurso Profissional?
MS: Desde sempre, e pelas razões que bem percebem, que assumi que vale sempre mais trabalharmos em equipa, arranjarmos soluções em conjunto, agregarmos esforços e partilharmos problemas, que alcançamos sempre melhores resultados, que criamos sempre mais valor. É costume dizer-se que “Sozinhos vamos mais rápido, juntos vamos mais longe!”. Esta foi a primeira grande aprendizagem da minha experiência associativa estudantil. Se calhar tão importante como o curso de Ciências Farmacêuticas que tirei. Ora, estes princípios e esta maneira de encarar a vida é, para mim, inquestionável. E isso fui adotando e incrementando ao longo de toda a minha vida pessoal e profissional. Se vir bem, logo quando no início da minha vida profissional entrei na Farbeira (hoje Plural+Udifar), uma cooperativa, me deparei com um modelo de organização completamente associativo. Posteriormente, em 1997, na ANF continuei com essa matriz associativa enquanto Delegado e mais tarde, durante 14 anos, enquanto Presidente da Delegação do Centro da Associação Nacional das Farmácias. Ao nível da Ordem dos Farmacêuticos, nos últimos dois mandatos assumi a Presidência do Conselho Farmacêutico Nacional, tendo sido também convidado pelo recente Bastonário eleito para assumir tal cargo. Por último, e porque tenho que deixar aqui o desafio para os atuais estudantes e para antigos estudantes que leiam “O Pilão”, assumi a Presidência da Direção da a2ef2.uc – Associação dos Antigos Estudantes da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra, pelo que convido todos os que já terminaram o curso a associarem-se. Fora da profissão, também assumi um cargo associativo na Direção de uma Associação de Desenvolvimento Regional em Góis, onde tive a primeira Farmácia, dando também o meu contributo à sociedade, trabalhando para a comunidade local e regional.
OP: É atualmente Vice-Presidente da Bluepharma e Administrador da Bluepharma Genéricos, atividade que desempenha em simultâneo com a Presidência do Conselho de Administração da Plural+Udifar. Pode falar um pouco acerca do trabalho que desenvolve?
MS: Sim, acumulo funções nessas diferentes organizações, o que me permite ter adquirido uma visão holística do circuito do medicamento, juntamente com a experiência adquirida na Farmácia e enquanto dirigente associativo na ANF. É para mim um privilégio. Em ambas as organizações, pelos cargos que ocupo, assumo responsabilidades na gestão e definição da estratégia das empresas, bem como implementação das mesmas.
A Plural+Udifar, enquanto cooperativa que é, e na qual estou como Presidente do Conselho de Administração em representação da minha Farmácia, é gerida como qualquer outra empresa, com uma equipa altamente profissional, mas com a vantagem de ter uma Administração que representa um conjunto de cooperadores e que, dessa forma, também tem a valência do associativismo presente. Enquanto PCA acompanho com bastante proximidade a equipa de gestão. O mesmo se passa no Grupo Bluepharma, no qual sou Vice-Presidente e Administrador de algumas empresas do Grupo. O trabalho é de gestão, definição da estratégia, liderança, e não como técnico como se deve compreender. No entanto, a formação base em Ciências Farmacêuticas e o conhecimento técnico torna-se numa mais valia na gestão. Curiosamente, ou não, também na esfera da Bluepharma definimos para a Bluepharma Genéricos, a empresa comercial do Grupo, um modelo de envolvimento das Farmácias que também resulta da vivência associativa que tanto eu como alguns dos meus colegas nos habituámos a trabalhar. poderá acontecer, para não dizer que vai mesmo acontecer. Ora, chegando nós a uma fase da vida, a da reforma, em que pretendemos ao fim de uma vida de trabalho ter uma qualidade e nível de vida pelo menos igual à que temos na vida ativa, não nos resta solução que não seja anteciparmos o problema. Olharmos para ele com a importância que tem. E é essa chamada de atenção, essa mensagem, que tentamos ter sempre presente quando falamos com os colegas e futuros colegas mais jovens.
OP: Atualmente, ocupa o cargo de Presidente do Montepio Nacional da Farmácia (MONAF). Em que consiste esta Instituição e qual a sua missão?
MS: Ora aqui está também um bom exemplo de associativismo, neste caso através do mutualismo, que, uma vez mais, anda de “braço dado” comigo e com o meu percurso profissional. O MONAF é uma associação mutualista que foi criada há mais de 35 anos que surgiu da visão de um conjunto de colegas, Farmacêuticos e proprietários de Farmácias, terem tido a capacidade de pensar e antecipar o futuro. Debatia-se na altura qual a melhor forma de os Farmacêuticos, numa ação concertada e de auxílio recíproco, dependendo apenas de si próprios, poderiam garantir o seu futuro na reforma, com segurança e mais qualidade de vida. E, assim, surgiu o MONAF, oferecendo aos sócios diferentes soluções na área de Planos de Previdência e de Planos de Capitalização. E gostaria de aproveitar este momento, se me permitem, para falar sobre a importância do tema da constituição de Planos de Previdência desde cedo, que podem ser ajustaFORMAÇÃOdos à medida das possibilidades de cada um e em qualquer altura também reforçados. Aliás, o MONAF tem feito nos últimos anos um trabalho de aproximação aos Estudantes, com uma grande interação com as suas diferentes associações, no sentido de passar esta mensagem, transmitindo a cultura da necessidade de prepararmos o nosso futuro. Estamos a assistir em Portugal a uma transformação demográfica sem precedentes, com uma população envelhecida, bem patente quando analisamos o índice de envelhecimento, que é a relação entre a população idosa (65 anos ou mais) e a população jovem (entre os 0 e os 14 anos). Esta realidade vai provocar um desequilíbrio brutal no sistema da segurança social. E o nosso sistema, chamado de repartição, necessita que haja um número significativo de contribuintes (população ativa) face ao número de beneficiários (reformados). Estamos a ver o que
OP: Além do Setor Farmacêutico está, também, ligado ao Setor Empresarial. Qual o segredo para conciliar diversas atividades e de áreas tão distintas?
MS: Maioritariamente as empresas a que estou ligado pertencem à área da Farmácia e do medicamento. Foi um processo natural. Iniciei a minha atividade profissional numa vertente mais técnica, como verdadeiro Profissional de Saúde, um pouco mais tarde de bata vestida e

contacto com a população, desenvolvendo o verdadeiro papel de Farmacêutico Comunitário, mas o bichinho do empreendorismo (a compra da primeira farmácia com 27 anos é disso um exemplo) levou-me a abraçar e desenvolver outros projetos mais empresariais, maioritariamente dentro do Setor Farmacêutico e muitos com perfil associativo. Escusado será dizer que a minha carreira profissional se alterou significativamente, derivando para a área da gestão, e para a qual também me tive que preparar, aproveitando sempre, como anteriormente já referi, a vantagem da minha formação base de Farmacêutico. Não sendo propriamente um segredo, mas algo que me possibilitou que tudo isto fosse acontecendo, é o facto de me considerar organizado e planear o melhor possível o meu dia-a-dia. Só isso me tem permitido fazer tantas coisas.
OP: Quais foram os maiores desafios que enfrentou enquanto Estudante e, posteriormente, enquanto Farmacêutico?
MS: Pode parecer algo estranho, mas considero que, tanto numa fase, como na outra, me fui deparando com os normais desafios dos momentos em que os vivi. Correndo o risco de não ser muito simpático para com alguém, talvez o maior desafio que tenha tido ao longo da vida tenha sido a experiência que tive com algumas instituições que são responsáveis pelo que vai acontecendo no nosso país, leia-se Assembleia da República e os seus Deputados, ou Ministério da Saúde e os seus diferentes Governantes, entre outros, foi de perceber o que por vezes está por trás das decisões que são tomadas, com um desconhecimento total daquilo que estão a legislar ou a decidir, o impacto que têm essas medidas na vida dos portugueses e sentir que pouco conseguimos contribuir com a experiência, o trabalho diário e a vontade de fazer melhor. É um desafio pessoal conviver com estas realidades.
OP: Ao fazer uma retrospetiva do seu percurso Académico, faria algo diferente? Qual o momento que nunca irá esquecer?
MS: Sinto que fui um privilegiado. Frequentei o curso que quis, na Faculdade e Universidade que queria, como bom académico e Conimbricense, tive uma experiência associativa fantástica ao nível da DG/AAC e NEF/AAC, fiz parte da Assembleia de Representantes da UC, integrei a Orxestra Pitagórica da Secção de Fado, as Queimas das Fitas que vivi, os Saraus Académicos em que atuei, etc., etc.. Costumo dizer muitas vezes que na Faculdade de Farmácia me licenciei em Ciências Farmacêuticas, mas na Universidade de Coimbra me formei enquanto homem com as experiências e vivências que tive oportunidade de já referir. Tudo o que enumerei são momentos que só quem passou por eles é que percebe o quanto marcam a nossa vida, sentindo-os cada um de nós à sua maneira e, por vezes, difíceis de descrever. Mas não posso deixar de referir o orgulho de representar a nossa Universidade, a nossa Associação de Estudantes, a Secção de Fado, com a capa negra pelos ombros e a responsabilidade que isso nos dá, além de momentos ímpares como uma Serenata
OP: Para concluir, qual o conselho que gostaria de deixar aos nossos leitores, na sua maioria Estudantes da Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra e futuros Profissionais de Saúde?
MS: Quem sou eu para dar conselhos… mas tendo em atenção ao que fui partilhando neste últimos minutos, acima de tudo desfrutem o momento que estão a viver e o que dele melhor podem aproveitar para a vossa vida pessoal e profissional. O tempo dá para tudo! Assim, saibam geri-lo. Quanto ao futuro, enquanto Profissionais de Saúde, relembro que estão a ter uma formação que os prepara para um conjunto de oportunidades de saídas profissionais, no caso do Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas talvez dos cursos que mais opções proporciona, assim como as restantes licenciaturas da Faculdade de Farmácia, pelo que essa é uma importante certeza. Àqueles que vão lidar diretamente com os doentes/utentes, nunca se esqueçam que a maioria das vezes temos por trás de quem contactamos, uma pessoa, um ser humano, que provavelmente estará com alguma fragilidade, pelo que o modo como nos entregamos e comunicamos faz toda a diferença. Para os que não irão lidar diretamente com o público, nunca se esqueçam, também, que o trabalho que irão desenvolver tem sempre um fim comum: melhorar a qualidade de vida da população, disponibilizando os melhores cuidados de saúde possíveis.
