Revista in-consciência - Ano I - Ed.III - maio-junho - 2015

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in-CONSCIร NCIA Ano I - nยบ III - maio-junho de 2015 ISSN - 2357-8548


Explicação sobre as seções da revista: OPRÉ: Seção onde damos uma prévia de um texto que só será desenvolvido na próxima edição. OAUTOR: Seção onde comentamos de maneira livre sobre um autor e sua obra. OLEITOR: Seção onde aparecem textos enviados por leitores (a seção só acontece quando recebemos textos) Res. Cin.: Resenha de cinema. Ilustrações e capa: Cléber Pontes


in-CONSCIÊNCIA Ano I - nº III - maio-junho de 2015 Expediente: Revista in-Consciência: Periódico sobre humanidades. Literatura, cultura, crítica e filosofia. ISSN - 2357-8548 Revisão: Reinilza Teixeira; José Nilton C. S. Jr. Editores: José Nilton Carvalho Santos Júnior (J.N.Jr.); Reinilza Teixeira dos Santos (R.T.) Endereço : Rua do Oriente, 332. Uibaí-Bahia. CEP: 44950-000 email : revistainconsciencia@gmail.com site: http://revista-in-consciencia.blogspot.com.br/ Fechamento dessa edição: 30/06/2015. Tiragem: 150 (Textos assinados são de responsabilidade do seu autor e não refletem a opinião da revista)

sumário

eDITORIAL

p.4

A Mulher na Política: de representadas a representantes

p.6

O Mal-estar no Cânone: Reflexões teóricas sobre a literatura na pósmodernidade p.9 (Res. Cin.) Sartre e Beauvoir: os amantes do Café Flore

p.15

(Conto): Suor e Vento

p.18

(Opré): Vós que ignoreis...ignorais

p.20

(Poesia) Despedida diária

p.21

(Poesia) Há dias...

p.22

(Oautor): Clarice Lispector - Por que sou uma pergunta

p.23

Ironias

p.26


J

editorial

á disseram uma vez, que vivemos numa sociedade de etiquetas, crítica feroz à superficial maneira de representar-se a si representando uma ideologia de mercado. Egos definidos por marcas, por etiquetas, enfim, não é atoa que uma música atualmente popular dispara «It's not about the money, money, money; We don't need your money, money, money, We just wanna make the world dance; Forget about the price tag». Longe de avaliar se a música realmente só quer fazer o mundo dançar, esquecendo as etiquetas, seria justo questionar se neste momento em que estamos vivendo, ainda é a etiqueta, ou o desejo pelo seu poder definidor de status e classe, o problema. Me parece válido observar que (sei que haverá detratores dessa opinião por causa da influência da mídia) esse problema nasce de uma escolha individual, própria do arbítrio de quem a faz. Por mais imbecil que seja, na sociedade democrática o indivíduo pode ser o que quiser, inclusive imbecil (desde que imbecil para si). Por outro lado, nos últimos anos um problema bem maior começou a tomar vulto e aparentemente se encontra no seu auge: o problema do etiquetador. Este problema supera de longe o outro, exatamente pelo seu princípio invasivo, arbitrário, impositivo. Antes, bo ss se escolhia a etiqueta enquanto representação al R$ anô 0, nim própria, em nome de alguma relevância social 0 o num meio igualmente semelhante de ideias. O que escolhia, sofria ou usufruía da sua própria ação. Hoje independente das escolhas individuais, o que prevalece são as escolhas alheias, somos etiquetados com grampo de caixote. Nem preciso dizer que, se antes as escolhas eram imbecis e quase sempre, mais rebaixavam do que elevavam a imagem do indivíduo que a escolhia, uma vez escolhidas por outrem, as etiquetas não são somente depreciativas no nível da irreflexão, mas caluniosas e ofensivas.

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EDITORIAL

Aliado a esse problema, que não é novo, mas somente uma reformulação adaptada às novas tecnologias, temos a própria tecnologia como trincheira dos etiquetadores, não mais aqueles que gritavam bordões racistas nas ruas nos anos 20, que independente da ação criminosa que cometiam estavam expostos, de cara limpa (não é uma justificativa mas o ponto não é esse). A internet permitiu a toda espécie de covardes o artifício que faltava, a possibilidade da boçalidade totalmente anônima. O boçal anônimo sofre de um ódio patológico, odeia a todos por que se odeia (seu discurso de ódio é geral e abrangente), inferioriza a todos por que é inferior, opina sobre tudo por que não tem base pra comentar nada. Anonimato lhe dá força e ímpeto, não cede, não retira, não desanima, não desiste. Sua insistência é digna de Sísifo, e enquanto não rolar a pedra da maledicência para cima da montanha, não renuncia. É certo que nem todos se deixam afetar por semelhantes canalhas, que a maioria com alguma consciência, não se abala com qualquer etiqueta, venha de quem vier e com o quê. Seguros de si, prosseguem. Mas infelizmente, nem todos são assim e crescem os casos de pessoas injuriadas, escarnecidas, que se suicidam ou desenvolvem patologias psicológicas e/ou sociais em conseqüência de acontecimentos como esse. O ideal seria que todos desenvolvessem o mínimo de segurança de si como vacina para esses animais anônimos, e, uma vez cientes do próprio valor e importância, se for pra terem uma etiqueta, um rótulo, uma característica, que seja por escolha autônoma. J.N.Jr.

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A mulher na política: de representadas a representantes O grau de emancipação da mulher numa sociedade é o barômetro natural pelo qual se mede a emancipação geral de um povo”. Charles Fourrier.

A relação efetiva das mulheres ocidentais com a política, ao contrário do que muitos pensam, não é recente, coincide com a sua trajetória de lutas, e a princípio tinha um caráter meramente reivindicatório, uma vez que se pautava no reconhecimento de direitos civis e democráticos. Conforme se sabe, os gregos foram os grandes responsáveis pelo desenvolvimento da política e por instaurar um novo modelo social. Espantosamente, essa sociedade que tanto valorizava o saber e os princípios éticos em geral, no que diz respeito à mulher não diferia das demais, era tipicamente androcêntrica e a excluía das decisões políticas e das questões referentes ao conhecimento. Estabelecia-se, assim, a famosa dicotomia PUBLICO/PRIVADO, que a propósito, tem sua origem na divisão das tarefas. Em decorrência da fisiologia da mulher, especialmente no que se refere à reprodução, que lhe forçava a longos períodos de recessão entre gestação, parto e amamentação, pareceu conveniente que se dedicasse somente a ela e aos cuidados do lar. Evidentemente, com todos os entraves que essa tarefa acarretava, ela foi afastada do “espaço público”, enquanto o homem – provedor do lar – ampliava o seu campo de atuação, se ocupando da educação, da religião, das leis, que em nada beneficiava as mulheres, ao contrário, simbolizavam a sua opressão oficial. Isso explica o fato delas terem permanecido por séculos à sombra dos homens. E, sendo o espaço público o espaço da política, por excelência, evidentemente, ficavam à margem das decisões importantes para a sociedade, como se não fossem parte importante dela, mas uma simples propriedade do homem, desprovidas, portanto, de poder de voz e de decisão sobre si mesmas. Essa divisão é um ponto crucial na história da mulher, e como vimos, envolve fatores de diversas ordens: biológica, social, econômica, cultural. Esse conjunto explica os grandes obstáculos que ela precisou enfrentar para sair do confinamento doméstico e ter acesso ao espaço público, mesmo por que a sua presença ali era uma clara ameaça ao homem na sua fervorosa ânsia de poder. Entretanto, a partir do momento, que tomaram consciência do seu direito à liberdade e passaram a lutar por ela, aos poucos foram adentrando essa esfera, até então, proibida. No Brasil, e em diversos outros países, a luta das mulheres, a princípio, centrava-se na reivindicação de direitos, como o divórcio e o marco desse período, que foi a luta sufragista, desencadeada no conturbado contexto da República Velha concomitantemente ao movimento dos intelectuais e da classe operária. Ele teve à sua frente a militante Bertha Lutz, que conhecia muito bem da Europa e dos Estados Unidos o movimento pelo voto e pela emancipação feminina, e que foi a fundadora da Federação pelo Progresso Feminino em

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A MULHER NA POLÍTICA: DE REPRESENTADAS A REPRESENTANTES

1922. O primeiro Estado do Brasil a conceder o voto às mulheres foi o Rio Grande do Norte, através da Lei Eleitoral de 1927, que no seu artigo 77, coloca: “No Rio Grande do Norte, poderão votar e ser votados, sem distinção de sexo, todos os cidadãos que reunirem as condições exigidas por esta lei”. Com base nessa determinação, as mulheres de várias cidades desse Estado se alistaram, e no ano de 1929 puderam exercer o direito ao voto. Fazendo uso desse mesmo princípio, a cidade de Lages conseguiu eleger Alzira Soriano em 1929 a primeira prefeita do Brasil. Tais “privilégios”, entretanto, foram revistos, e, tanto os votos das mulheres, quanto o mandato da prefeita em questão foram cassados. De todo modo, o movimento já tinha alcançado tamanha dimensão que não havia como não reconhecer tal direito. Foi assim que durante o governo de Getúlio Vargas mediante o Decreto nº 21.076, de 24 de Fevereiro de 1932 foi instituído o Código Eleitoral Brasileiro, que no artigo 2º determinava: “É eleitor o cidadão maior de 21 anos, sem distinção de sexo, alistado na forma deste Código”. No entanto, o voto feminino não era obrigatório, como esclarece o artigo 121: “Os homens maiores de sessenta anos e as mulheres em qualquer idade podem isentar-se de qualquer obrigação ou serviço de natureza eleitoral”. Ele só viria a ter obrigatoriedade para esse grupo a partir de 1946. Mas o fato é que ele tinha sido finalmente assegurado, e, uma vez reconhecida a sua cidadania, a mulher continuou a lutar por outros direitos ou pela legitimação deles. É importante frisar que as ações feministas não se davam isoladamente. Entre os países da América do Sul, por exemplo, o Equador saiu na frente do Brasil, tornando-se o primeiro país a conceder o direito de voto às mulheres, em 1929. Além da batalha pelo voto, a luta por salários equivalentes aos dos homens, por uma jornada de trabalho mais justa, pelo fim da violência doméstica, constituem o campo de reivindicações das mulheres dessas e de outras nações. Nas últimas décadas, até em razão da própria demanda feminina, que a cada dia exige novas articulações, as mulheres requerem maior representatividade no Poder Legislativo. No entanto, o percentual de mulheres eleitas democraticamente no nosso país ainda é muito baixo, um dos piores índices da América Latina. A situação era tão séria que estipulou-se até uma cota que garante determinado número das vagas do Governo Federal às mulheres, tratase da Lei 9504/97 também conhecida como “Lei dos 30%”. Esta, no seu artigo 10, § 3º, assim esclarece: “Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo” (Redação dada pela Lei nº 12.034, de 2009). Isso significava mais vozes ecoando no Congresso em favor desse grupo, e convenhamos, era o que as mulheres precisavam. Com efeito, a partir de então a causa feminina ganhou mais vigor, inspirando novas ambições, hoje, inclusive está em andamento a criação do Partido Feminista Democrático (que, a propósito, já demos uma prévia na edição anterior). Assim, podemos ressaltar que a ideia de um partido feminista não partiu do nada. Ela é fruto de todo o histórico de lutas e reivindicações das mulheres realizadas até aqui, começando com a sua exclusão da vida pública, quando é um direito dela participar. Em alguns países da América do Sul a necessidade da participação feminina no Legislativo,

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A MULHER NA POLÍTICA: DE REPRESENTADAS A REPRESENTANTES

surgiu em consonância com as questões trabalhistas. Porém, convém lembrar que o trabalho aqui é a simples peça de um aparelhamento maior, que abrange desde o Estado à própria noção de gênero com suas diferentes e perigosas relações de poder. Nesse caso é pertinente questionar: existe uma real necessidade de criar um partido feminista? Essa é uma questão no mínimo embaraçosa. Se considerarmos o histórico feminino: repressão, negação de direitos, violência doméstica, entre outros problemas, diremos que ela não apenas é necessária, mas urgente. Com um número maior de mulheres no Congresso e no Senado brasileiro torna-se mais viável a implementação de projetos, medidas e leis que as favoreçam em relação à discriminação que, embora em menor escala, ainda sofrem. Por outro lado, a presença da mulher em qualquer partido brasileiro não é vetada. Ela tanto pode atuar neles livremente, quanto tem a sua participação assegurada por lei, conforme vimos. Esse fato por si, na minha modesta opinião, é razão suficiente para anular a necessidade de criação de um partido só para elas, mesmo porque os homens não têm, nem fazem exigência disso. Claro que sobre o intuito da mulher, pesa o fato dos homens, diferentemente dela, sempre terem gozado de voz ativa no âmbito político, contudo esse mesmo direito lhe foi concedido. Acredito que as mulheres estão incorrendo num erro, que aliás, tenho mencionado insistentemente. A solução para o seu problema não está na criação de novas leis, novas medidas ou um novo partido. Mas em utilizar os meios legais já existentes a seu favor. Isso não apenas soa mais justo, como melhor contribui para a igualdade de direitos entre homens e mulheres. R.T.

REFERÊNCIAS BRASIL. Decreto nº. 21.076 de 24 de fevereiro de 1932. Estabelece o direito de voto às mulheres. Senado Federal. Secretaria de Informação Legislativa. Disponível em: http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=33626. Acesso em: 18 jun. 2015. BRASIL. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. República Federativa do Brasil. Estabelece normas para as eleições. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9504.htm. Acesso em: 18 jun. 2015. BRASIL. Rio Grande do Norte (Estado). Lei nº 660, de 25 de outubro de 1927. Estabelece a solicitação do v o t o p o r m e i o d e a l i s t a m e n t o . D i s p o n í v e l e m : http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=07024E749DC1C59F07D C8C287EF3803E.proposicoesWeb1?codteor=686524&filename=Avulso+PL+4765/2009

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O MAL-ESTAR NO CÂNONE: REFLEXÕES TEÓRICAS SOBRE A LITERATURA NA PÓS-MODERNIDADE O cânone literário é hoje tido como um lugar institucionalizado de exclusão. Isso por que, sem generalizações, incluir algo sempre pareceu pressupor o movimento contíguo de excluir. No entanto, assim como outras áreas e instituições, o cânone também está sujeito às mudanças trazidas pela pós-modernidade, e se tem observado que, senão destituído de grande parte de sua constituição hermética, o cânone têm revelado profundas mudanças e reformulações. Essa discussão leva a uma perspectiva do ambiente geral dentro do debate sobre o cânone e considera as dificuldades e a atual contingência que há entre as teorias que pretendem compreendê-lo e/ou unificá-lo. Hoje, no que alguns arriscam chamar de pós-modernidade, em muito mudaram as questões referentes ao cânone literário. Nos anos sessenta, quando recomeçaram os debates sobre essa “natureza”, já haviam mudanças, estas que vieram e estão se desenvolvendo rapidamente no ambiente sociocultural. Quando Bloom (2001) escreveu seu “Cânone Ocidental”, ainda foi em termos de sublimidade e representatividade que ele escolheu, selecionou e organizou o “cânon”. Hoje é evidente que não mais se permeiam por esses fatores a escolha do objeto que coteja a sua inclusão. Essa mudança, citada aqui como evidente, é, porém, muito mais complexa do que parece à primeira vista. A ideia de que existe outra forma que destoe do crítico norte americano (e de outros), ou outras formas, ou mesmo outra crítica, é o primeiro passo de muitos para a compreensão dos fatores que envolvem essa mudança. Frequentemente acusam Bloom de fatos negados por ele logo de início: “o estético, em minha opinião é uma preocupação mais individual do que de sociedade” (BLOOM, 2001, p.24)¹, ou seja, não é à noção de individualismo que perfaz as instâncias de pensamento pós-moderno que ele rejeitou, mas, a uma deturpação do entendimento da estética literária. Como característica importante do momento atual, temos como dado: muito do que não fazia parte, ou seja, o que permanecia “à margem da literatura” é o que hoje começa a compor grande parte dos panteões literários contemporâneos. Aconteceu que, com o advento da pós-modernidade, a instituição canônica literária e seus padrões estéticos começaram a ser duramente revistos e debatidos, principalmente pelos estudos culturais. Isto também acontece por causa das mudanças aparentes pela qual vem sofrendo a estrutura e o sistema de participação no cânone. No entanto, não seria tão simples situar um momento específico para entender como esse processo se iniciou, o que podemos entrever é que existe um emaranhado complexo de fatores que contribuem para o funcionamento da lógica canônica de inclusão e exclusão em todas as épocas. Esta lógica, muito mais do que outros pontos também importantes, é duramente atacada, por que, aparentemente, é de poder de um senso de autoridade inquestionável que o cânone retira das obras dos autores canônicos a historicidade, tornando-os, universalmente e atemporalmente válidos. Seria também movido pelo mesmo poder que a condução do processo instaurador da

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instituição se daria. As dificuldades de esclarecimento dessas questões são muitas e envolvem o mesmo ponto crucial (a inclusão/exclusão do cânone literário) por duas perspectivas diferentes: a primeira, da situação e significação momentânea, no que se refere à dificuldade de conceituação e estabilidade sobre o significado do termo “pós-moderno”, e a segunda da localização e necessário estabelecimento do cânone nesse “lugar” instável, e “líquido” (segundo as reflexões baumanianas) que não comportam a solidez e a rigidez de uma instituição como essa (com essas características).

O mal-estar no cânone O cânone, assim que o tomemos como relação de um leitor e escritor individuais com o que se preservou do que se escreveu, e nos esqueçamos dele como uma lista de livros de estudo obrigatórios será visto como idêntico à literária Arte da Memória, não ao sentido religioso do termo. A memória é sempre uma arte, mesmo quando atua involuntariamente. (BLOOM, p.25, 2001)

Herdeiro de um ambiente instável, a instituição canônica, tão conhecida por ser um regime com bases sólidas ancoradas em dados milenares, tende a sofrer um processo que senão cíclico (caráter que pode estar posto já desde muito tempo a depender da interpretação dada), se mostrou inevitável em sua longa história. O delinear histórico que criou a possibilidade de sistematização da modernidade, com suas questões urgentes e suas inferências provocadoras, é o mesmo que, superadas as cadeias elementares de suporte do passado, propiciaram uma situação limite para a ideia de um momento posterior, pós moderno. O cânone que só passou por esse desenrolar dentro de sua própria esfera, chega num momento dentro da história literária, em que a turbulência o atinge. Considerando a crescente atualidade das (novas) discussões sobre o cânone literário na conjuntura das disciplinas como Literatura Comparada, Historiografia Literária e Teoria da Literatura, se faz de grande pertinência uma abordagem “de fora” da tradição canônica literária que problematize ao mesmo tempo a sua manutenção e seu lugar na pósmodernidade. Esse tipo de confronto favorece sobremaneira a discussão de uma série de pontos que incidem sobre a problematização do cânone literário na atualidade (entendendo este como instituição micropolítica de exclusão). Segundo Linda Hutcheon (1991) uma das principais características da pós-modernidade é a discussão sobre as margens e as fronteiras, aliás, suas transgressões limitativas. O cânone porquanto instituição que, embora aberta pelo seu caráter secular, é antes de tudo limitadora e de tendência exclusivista, se encontra no centro de um debate que está longe de ser tranquilo e homogêneo. As questões que permeiam o processo de inclusão/exclusão do cânone não são nesse sentido, os únicos pontos que passam a ser revistos na “pós-modernidade”. A própria instituição canônica passa a ser questionada. Há de se pensar, se as obras que até hoje estiveram à margem, desconhecidas, indiscutidas dentro das instituições formadoras como as universidades, a saber, as obras dos não brancos, dos não europeus, das mulheres, dos gays, etc. passam a se integrar ao cânone, (o que de fato começa a acontecer), o que ainda o

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subjaz como instituição tal qual no passado? Estas reflexões começam a ser debatidas principalmente pelas “Escolas do Ressentimento”² como ironicamente nomeia Bloom(2001). As direções tomadas por essas discussões são muitas, mas podemos notar que alguns aspectos são mais notórios como, por exemplo, o que tange às questões ligadas a definições sobre estética (das quais temos um defensor na figura de Bloom), também aspectos ligados à discussão sobre a dualidade universal/local (trazidas principalmente pela valorização dada ao “local” na pós-modernidade) e também aspectos que travam debate sobre a questão espinhosa do “valor”³ da obra literária, esta, permeada por concepções políticas e ideológicas. Esse ambiente conturbado e repleto de dissidências, de debates arraigados, não deixa de assim o ser por que é um terreno onde combatem diferentes discursos teóricos. De um lado, os que defendem o cânone levantando questões inerentes unicamente à obra artística e que são acusados pela outra vertente de serem puristas, tradicionalistas. Estes, por sua vez, atacam os que propõem a implosão do cânone, de serem omissos ao descartar as questões básicas e se aterem a elementos externos, históricos, sociais e ideológicos que permeiam a constituição literária bem como a valorização da mesma. As proposições até aqui levantadas podem ser entendidas como a base para o entendimento da discussão sobre o cânone literário e o que neste momento decorre dessa base é o debate atual que, em primeira instância, norteará o futuro de preocupações seríssimas sobre a literatura e sobre os estudos que formam sua teoria. Para situarmos este momento recorre-se a uma sintetização (não simplificadora) do ambiente e da ebulição própria sobre o assunto, que ainda não se estabilizou. Deve-se também se observar que as literaturas quase sempre citadas nesse debate estão instauradas num caráter que permitem uma assimilação com o que Júlia Kristeva chama de “escrita-como-experiência-dos-limites”, ou seja, uma literatura que extravasa as categorias que separam linguagem e subjetividade e que por fatores desconhecidos caíram no total esquecimento. Neste momento pode-se mapear duas posições limite: uma posição que afirma os valores estéticos como os mais importantes elementos de apreciação dos textos literários (estando ou não ligados à tradições), e uma posição que coloca a estética num plano secundário, elevando elementos de outras ordens (políticos, ideológicos, culturais) como patronais na formação de juízos sobre a literatura. É lógico que há uma complexidade muito maior dentre essas duas vertentes principais, variações, rupturas, que modificam as questões inespecíficas internas e que se compõem como grupos díspares. Entre os da primeira posição há embates quanto à caracterização dos valores estéticos intrínsecos que norteariam a crítica, recorrentemente se observam diferenças consideráveis quanto as noções próprias de estética. Entre os da segunda posição temos o que poderíamos chamar, para usar uma expressão dos próprios estudos culturais, “canon openers” [abridores do cânone] e os “canon busters” [demolidores do cânone], que segundo Leyla PerroneMoisés “têm uma concepção fechada e imobilista de um suposto Cânone Ocidental, que teria sido imposto aos alunos como motivos ideológicos escusos” (PERRONE-MOISÉS,

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1998, p.196). Essas “vontades” divergem num sentido radical, enquanto os primeiros reivindicam a abertura do cânone literário para a inclusão das obras que segundo eles foram excluídas por motivações políticas, ideológicas, raciais, etc. os segundos incitam que a instituição canônica não tem mais possibilidade alguma de se manter e deve ser destruída. A autora salienta ainda que esse pensamento que norteia o primordial da visão da segunda posição - pensamento compartilhado de que o cânone é inerentemente exclusivista, imobilizador, segregador outros tantos adjetivos da mesma natureza - é historicamente incorreto uma vez que um estudo sério notaria com clareza suficiente seu caráter secular e móvel. Cândido também salienta para uma apreensão mais aberta do que ele chama de um sistema vivo de obras, agindo umas sobre as outras e sobre os leitores; e só vive na medida em que estes a vivem, decifrando-a, aceitando-a, deformando-a. A obra não é um produto fixo, unívoco ante qualquer público; nem este é passivo, homogêneo, registrando uniformemente o seu efeito. São dois termos interatuantes a que se junta o autor, termo inicial desse processo de circulação literária, para configurar a realidade da literatura, atuando no tempo. (CANDIDO, 1973, p. 74)

As informações se desencontram, se mal-interpretam, se escondem, não querem ver. A troca, muitas vezes às cegas de argumentos não favorece o debate que toma, por vezes, uma dimensão caricatural. Seja em expressões irônicas e ofensivas de um lado (aos estudos culturais), quer seja numa demonização e redução de “conservadores” por parte do outro lado. Este é em parte o grande problema de posições limite, com reduções, com tentativas falhas de superação histórica, de imortalização, bem como de exceder “tudo” pelo outro, de emancipação inconteste, de falseamento sobre a duração e extensão de valores, da pressa que anula a ideia, da ideia de tempo e sujeitos indeterminados por natureza. Essa discussão que envolve a crítica formal, a crítica moral (que por incrível que pareça ainda subsiste, vide 4 o livro The company we keep: an ethics of fiction ) e a crítica estética, isso para resumir os grupos mais significativos, é interessante principalmente de um ponto de vista que não diz respeito às diferenças, mas às semelhanças. Nota-se que compartilham de uma série de pressupostos e que os fatores que os separam são os de menor número embora de maior contundência. As tentativas de assimilação e conjunção de alguns desses pensamentos estão ainda em processo inicial de adaptação, ação que só o futuro determinará. Parece um paradoxo o andamento nos últimos anos, no que diz respeito ao entendimento sobre o modo como o cânone literário se constrói, como se modifica, como se dilui. Os argumentos digladiam com armas que são objeto de desconfiança de quem as empunha. Não são sólidas o suficiente, e muito frequentemente tendem a desaparecer da mão de um e a reaparecer na mão do outro, oposto, adversário. Não que isso aconteça apenas nas proposições mais antigas, estas, que se forem consideradas apenas num período de 25 a 50 anos são as principais ainda estudadas. As mais atuais discussões não estão apresentadas aqui pelo número (vasto, ou seja, pouco estabelecido e em processo de confrontação primária) e pela ainda “liquidez” teórica. Esses novos estudos, embora tratem já de possibilidades de fusão entre proposições teóricas sobre o cânone, a saber: faculdades de seleção, elementos válidos e inválidos

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enquanto definidores de valor, dados relevantes ou irrelevantes para a seleção dos textos, separações arbitrárias que dividem o cânone por uma série infinita de pequenos cânones sob dependências históricas, temporais, classistas, racistas, sob definições de gênero, sob definições de estilo, forma, natureza, etc.; ainda mantém, das formas de pensamento anteriores, elementos que tornam ainda mais difícil uma organização sensata, ou mesmo uma problematização evolutiva e sistemática da noção, ou mesmo da manutenção, de uma formulação consistente sobre o cânone literário. O intuito até aqui, foi fazer um apanhado e uma problematização dos principais pontos de debate sobre o cânone, que evocam a relação direta das mudanças deste com o advento da pós-modernidade. É claro que não se idealizou mais do que uma abordagem efêmera, visto que o lugar e os conteúdos tratados ainda estão demasiadamente em ebulição e o foco era o mapeamento, o apanhado tópico, ciente da transitoriedade das discussões. Também deixa escapar componentes que, de certo, deveriam ser discutidos fosse o caso da amplitude da pesquisa no presente momento. Por exemplo, seria de grande interesse a essa discussão outra, no que se refere à própria ideia de cultura, uma vez que, ficasse determinado a adesão da literatura a uma camada própria de cultura separada das outras, como propõe algumas teorias, grande parte do problema do cânone estaria resolvido. Ou mesmo a questão do crítico; trata-se de crítica de vários tipos, suas abordagens e nuances, seus posicionamentos, mas a própria ideia de crítica, sua constituição, também pode mudar o rumo da discussão do cânone. Mais evidente ainda, a relação, exterior ao conceito de cânone, que podem ter cultura e crítica, como nos salienta Adorno (1998): A cultura só é verdadeira quando implicitamente crítica, e o espírito que se esquece disso vinga-se de si mesmo nos críticos que ele próprio cria. A crítica é um elemento inalienável da cultura, repleta de contradições e, apesar de toda a sua inverdade, ainda é tão verdadeira quanto não-verdadeira é a cultura. A crítica não é justa quando destrói – esta ainda seria sua melhor qualidade -, mas quando, ao desobedecer, obedece. (ADORNO, 1998, p. 11).

Fatores como esses, podem ser decisivos para o entendimento mais profundo do cânone literário, no entanto, exigem uma formulação mais abrangente que se distancia do intento e das possibilidades do momento. Por enquanto trata-se somente das inerências inescapáveis e dos fatores mais contundentes tanto para a questão da pós-modernidade como do cânone literário. Para Hutcheon, a pós-modernidade tem como característica marcante, o ato de atribuir valor, e trazer à tona elementos que os sistemas totalizantes e as instituições sempre forçaram a estar à margem, dando a eles também a possibilidade de alcançar uma posição privilegiada. Esta característica é muito interessante para um norte que nos parece mais plausível dentro dessa discussão. Não se trata de que a pós-modernidade retira de um o trono, e o entrega ao que até agora se denominou de “outro”, mas sim, que nesse período singular onde vivemos hoje, a existência de uma instituição ditatória de valores absolutos deixou de ser concebível, assim como também não é concebível simploriamente propor uma inversão do jogo, ou uma descaracterização completa do sistema, pautado em formulações que o deturpam ou que demonstram um desconhecimento fundamental de sua história e função. Parece-nos

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importante aqui é entender que dentro da insubsistência, da peremptoriedade dos valores na pós-modernidade, não faz mais sentido que o cânone seja celebrado acriticamente e nem seja destituído, acabado, mas, assim como todas as noções que não se propõem totalitárias, seja continuamente, reescrito, reformulado, revisto e reinventado. J.N.Jr. Notas ¹ Por esse e outros motivos, evitamos destacar o aspecto mais polêmico de qualquer autor, uma vez que se separa, na maioria das vezes, o que há de mais importante na sua obra. ² “A originalidade torna-se um equivalente literário de termos como empreendimento individual, auto-suficiência e competição, que não fazem a felicidade dos corações feministas, afrocentristas, marxistas, neo-historicistas foucaultistas ou desconstrutores – de todos que descrevi como membros da Escola do Ressentimento” (BLOOM, p. 28, 2001) ³ Sobre esse assunto nasce mais uma questão problemática, segundo Frye: “In the history of taste, where there are no facts, and where all truths have been, in Hegelian fashion, split into half-truths in order to sharpen their cutting edges, we perhaps do feel that the study of literature is too relative and subjective ever to make any consistent sense. But as the history of taste has no organic connection with criticism, it can easily be separated” (FRYE, 1957, p. 18). (“Na história do gosto, onde não há fatos, e onde todas as verdades já foram, de maneira hegeliana, quebradas em meias-verdades ..., sentimos talvez que o estudo da literatura é relativo e subjetivo demais para ter sentido consistente. Mas como a história do gosto não tem vínculo orgânico com a crítica, ela pode ser facilmente separada.) Isso acaba por gerar uma discussão maior no sentido de que não parece, como diz o autor, dentro da história literária, ser tão simples separar a crítica do gosto e consequentemente dos juízos de valor. 4

BOOTH, Wayne. The company we keep: an ethics of fiction. Berkeleye Los Angeles: University of California, 1988.

REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor. Crítica cultural e sociedade. In; _____. Prismas. Tradução: Augustin Wernet e Jorge Mattos Brito de Almeida. São Paulo: Ática, 1998. BLOOM, Harold. O Cânone Ocidental: Os livros e a escola do tempo. – Rio de Janeiro : Objetiva, 2001. CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1973. FRYE, Northrop. Anatomy of criticism: four essays. Princeton: Princeton University, 1957. HUTCHEON, Linda. Poética do Pós - Modernismo. Historia , Teoría e Ficção. Rio de Janeiro: Imago, 1991. PERRONE-MOISÉS, Leyla. Altas Literaturas: escolha e valor na obra crítica de escritores modernos. São Paulo: Companhia das letras, 1998.

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SARTRE E BEAUVOIR: OS AMANTES DO CAFÉ FLORE (Res. Cin.)

Em tempos de amores frívolos, ou “líquidos”, como diria Bauman, um amor que desafia a sua própria natureza é, no mínimo, instigante. O filme Os amantes do café Flore (2006), dirigido por Ilan Duran Cohen, narra com grande riqueza de detalhes a história de amor entre o célebre casal de filósofos existencialistas Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Ambientado na frenética Paris dos anos 30, essa belíssima biografia abrange o período de 1929, quando Simone de Beauvoir se prepara para os exames do Agrégation de Filosofia na Sorbone, e conhece o genial e polêmico Sartre. Ele, juntamente com um grupo de amigos, também se dedica ao exame, no qual já havia sido reprovado. Dessa vez, contudo, é aprovado, conquistando o 1º lugar e Beauvoir o 2º. O filme documenta até 1949, ano de publicação do primeiro volume de O segundo sexo. Entre as diferentes cenários que o filme apresenta dois chamam a atenção pelo forte antagonismo entre si; o ambiente intelectual, ou seja, a Sorbone, e o ambiente familiar de Beauvoir. Enquanto o primeiro está em plena harmonia com os ideais defendidos pela escritora, o segundo extrapola as vias do abominável. O seu pai Georges era um reacionário incorrigível ou “antifeminista”, como ela preferia colocar, e a mãe Françoise, uma típica burguesa, devota, submissa ao marido, “um animal domesticado”, por isso incapaz de aceitar o desejo de liberdade da filha. Essa difícil relação com os pais explicita uma incompatibilidade no pensar e agir, que muito pesaria na convivência entre eles. Em tal contexto, surpreende que a mulher pudesse ter uma profissão. No caso da escritora, em particular, houve fatores bastantes “negativos” que favoreceram a sua carreira intelectual, não apenas o seu temperamento difícil, que naquele período seria moldado “uma mulher é o que o seu esposo faz dela”, mas o fato de Beauvoir por sorte ou azar fazer parte de uma família falida, como tantas outras, arruinada pela guerra. Pobre, sem dote, segundo o próprio pai, feia, precisava trabalhar, já que nas condições descritas, certamente não se casaria. No sentido tradicional da palavra, de fato, ela jamais se casou, no entanto, com Sartre viveu um amor absoluto, singular, daí a razão de ser o ponto centralizador desse drama. Após serem admitidos na Sorbone, eles se aproximam e se encantam um pelo outro. A influência de Sartre não tarda a diluir os últimos resquícios dos princípios e ideais contra os quais ela lutava. Ambos hostilizam, ridicularizam explicitamente a burguesia, assim, a convivência com os pais dela torna-se impossível, fazendo com que saia de casa e vá morar com Sartre. Nesse momento, temendo caírem na armadilha de um relacionamento tipicamente burguês, eles sacramentam o famoso pacto do amor livre, que consiste em uma relação aberta, onde o amor necessário (Sartre/Beauvoir) divide espaço com os amores contingentes (outros amantes). “Amo você e sempre amarei... Mas sou escritor. Não quero viver como os velhos idiotas na academia. Preciso de ar, novidade, emoção. Só preciso de você, mas preciso conhecer amores eventuais.”

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SARTRE E BEAUVOIR: OS AMANTES DO CAFÉ FLORE

Na visão dele, essas novas emoções estimulariam o seu processo criativo, fazendo a escrita fluir. Essa relação incomum, que ainda hoje escandaliza, reflete os ideais compartilhados pelo casal, a sua maneira de encarar o mundo, os outros. Tais aspectos, muito bem colocados no filme, nos permite traçar uma ponte, sem lacunas, entre a vida íntima deles e sua vida pública. Se analisarmos bem, essa peculiaridade não torna o fardo desse amor menos pesado que o dos amores convencionais, o próprio filme mostra quantas e quantas vezes algum amante desse vasto ciclo saiu ferido: “Em nosso pacto esquecemos um detalhe de peso. Os outros têm sentimentos”. Falando assim, Sartre parece esquecer-se dos sentimentos deles próprios, e da dor inevitável que alicerça o amor, sobretudo quando envolve múltiplos parceiros. Um exemplo pertinente é o triangulo amoroso Sartre – Simone – Lumi, que por seu irônico desencontro, mais parece a famosa Quadrilha de Drummond, (Lumi amava Simone, que amava Sartre, que amava Lumi...). Nesse episódio, vendo Sartre sofrer de paixão, Simone pede à aluna e amante que se relacione com ele, afirmando o seguinte: “Sartre e eu somos um só, se não fizer por ele faça por mim.” Tudo isso para não ver o amado sofrer. Esse episódio mostrado no filme, também já é conhecido do público do casal. A protagonista era uma aluna de Beauvoir de nome Olga Kosackieqicz (que Lumi dá vida na trama) e foi relatado nas memórias da autora. Segundo os críticos dela, a moça teria, inclusive, inspirando o seu primeiro romance A convidada, e apareceria, mais tarde, como personagem do livro A idade da razão, primeiro volume da trilogia Caminhos da liberdade, de Sartre. Segundo essas mesmas críticas, eles usavam e abusavam dos seus amantes, visto que não apenas refestelavam-se com eles na cama, mas os reaproveitavam como matéria para os seus livros. Verdade ou não, muitos livros deles, especialmente os de cunho íntimo escancaravam as suas relações. O filme mostra um período fecundo literariamente para Sartre e Beauvoir, as várias publicações de ambos como A náusea, de Sartre e A convidada, de Beauvoir. Nesse momento também evidencia-se o engajamento político de Sartre, quando a França entra em guerra e ele vai servi-la, voltando a pretexto de uma falsa doença, arrasado pela morte do amigo de juventude Nizan. Entretanto, mesmo fora dos campos de batalha Sartre continua a sua luta em defesa do homem. E, em meio a tamanha desesperança, vemos o existencialismo, com seu humanismo moderno tomar forma. É desse período a revista Les Temps Modernes, que contava com a colaboração de Camus, Marlou-Ponty, entre outros grandes escritores e intelectuais da época, tornando-se, um instrumento, uma arma contra a guerra. Os tempos difíceis como os de guerra, alteram significativamente os valores humanos, a moral e os bons costumes passam a ser incansavelmente perseguidos por alguns. Isso explica Beauvoir ter sido despedida da Escola Nacional pela sua conduta, nada recomendável, sobretudo por envolver-se intimamente com suas alunas, o que lhe acarretou diversos processos na justiça. Ela passa, então, a se dedicar ao seu novo livro, que afirma ser sobre as mulheres. Trata-se de O segundo sexo, sua obra mais célebre.

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SARTRE E BEAUVOIR: OS AMANTES DO CAFÉ FLORE

Nessa ocasião, Beauvoir visita a América a pretexto de uma conferência e das pesquisas para o referido livro, é onde por recomendação de uma amiga, conhece o também escritor Nelson Algren com quem vive um romance duradouro, muito bem documentado no livro Cartas a Nelson Algreen: um amor transatlântico (1947-1964). Entretanto, esse romance foi permeado de desilusões, sendo a principal delas, a aliança de Simone com Sartre, que acaba por condenar essa paixão ao fracasso. O filme mostra a grande repercussão de O segundo sexo. Beauvoir sendo hostilizada nas ruas por através dele atentar contra a ordem vigente, e no famoso Café Flore a comemoração pelos 20.000 exemplares vendidos. Nessa ocasião, Algren é posto de lado, enquanto o casal (Simone e Sartre) fotografa para os jornais, comungam com os amigos sua alegria. Isso somado aos inúmeros pedidos de casamento de Algren, todos negados, comprova que os laços que unem ela e Sartre não são meramente intelectuais. Assim, aqueles que “conhecem” esse casal de escritores, terão uma grata surpresa ao se deparar com “Os amantes do Café Flore”. Um filme que não forja tipos ou imagens, ao contrário, procura ser fiel ao objeto representado, causando a impressão de estarmos relendo trechos das obras dos dois escritores. R.T.

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* Adaptação da ilustração da série Filosofinhos da editora Tomo Editorial.

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SUOR E VENTO (CONTO)

Não haveria de ser, a dúvida, esta que acompanha-me desde o natalício, a me barrar agora. Qual dúvida! Dúvida não era e nem havia de ser. Estava tudo tão certo como se pode supor certo a aritmética do 2 mais dois. Não era isso, pois, que era? Que é? Embaixo de duas ou três árvores de uma área aberta na rua do Hotel Marrom faziam voltas as folhas levadas por um ventinho miúdo que soprava de quando em nunca, no ponto de ônibus do lado de fora, pela frente da cerca que separava a área das árvores da rua, algumas pessoas sentadas, suando caracóis de suor a escorrer pela blusa, não davam pelo efeito do vento, senão de um alívio parcial e ineficaz do calor sobre seus corpos. Por baixo daquelas árvores, no redemoinho de folhas havia mais do que podiam imaginar aqueles viajantes do ponto, ali as folhas rodopiavam sem deixar o círculo definido de uma ação, repousavam quando ele deixava de soprar, voltavam ao seu retorno incauto e se deitavam ao léu de giro fresco e perdido. Dali, do outro lado da rua eu mirava as pessoas no ponto, comparava o meu calor ao delas, e mais, o suor blasé que me grudava a camisa no rim direito. Fingi ligar para alguém, na esperança de um vento que pudesse, milagrosamente melhorar o meu aspecto de apanhador de sal. De repente comecei a duvidar se era mesmo o calor que estava me debulhando ali em pé. O sol, o mormaço, dizia eu para mim mesmo; a angústia, o medo, dizia a situação para meu íntimo. E eu concordava. Melhor misturar as coisas, estava perdido. Era uma angústia quente, era um sol de medo, era o próprio medo que escorria pelo meu pescoço, era esse medo líquido, que grudava com a angústia feita tecido e vestida em mim qual burca metafísica. Eu estava paralisado, não sabia, com segurança, se tinha minha mão ao ouvido ainda fingindo ligar para alguém, o celular parecia vibrar na minha perna. E se eu estiver só com a mão vazia ao ouvido? Não, não, estou com o celular na mão e ele já está suado também. Essa sensação é hábito, reflexo mental por sentir sempre o celular vibrando na perna. Mas e o outro? Estou com um celular só? Ou dois? E se estiver com os dois ao mesmo tempo, um em cada mão a falar duas conversas distintamente imaginárias entre si? Quando começo a duvidar assim preciso fazer algo, a ação dissipa a evasão, e minha mente já vai longe, longe. Atravesso a rua movimentada e já duas preocupações me abatem. Infeliz. Se atravesso rápido como exige o trânsito, chego do outro lado suando mais, quem sabe 18


SUOR E VENTO

me afogue, ou pior, afogue alguém do ponto. Se atravesso devagar, no controle da transpiração, corro o risco de morrer atropelado. Sem decidir lá vão as pernas num rápidodevagarrápido indefinível, pra piorar, alguém de moto ainda cumprimenta, que não deu, para além do capacete, reconhecer. Pareceu o Carlos da PM, o que quebrava copos no bar de Doidão, respondi não sei como e atravessei. Fiquei sem saber se.... Não sabia, era o outro lado, dei alguns passos vacilantes rua abaixo. Vacilei, porém, o reflexo do sol num carro me cegou, virei ainda com os olhos fechados, subi meio cambaleante, ignorava aí para onde estava indo, de súbito, o celular vibrou “– a perna!”. Agora era real. Atendi e uma voz reconhecida me perguntou “E aí? Tudo bem?”. Anacronismos, nada nos irrita mais que uma cobrança tranquila, vem assim, fora do tempo e do sentido. Rispidamente respondi “– depois vejo isso, valeu!”. O sol entrou numa nuvem e sorri. Fiquei com vergonha e fingi a horripilância de tirar algo dos dentes para disfarçar. Dei mais alguns passos, uma ideia fixa de que alguém olhava para o meu rim direito, ou os dois, me afligia. Tentava olhar minhas próprias costas pelos vidros dos carros que passavam velozes e reflexivos, não dava certo. Olhei para cima e para baixo, tive um sonho repentino sobre um cachorro que morava dentro de uma mesa de sinuca, cuspi, limpei a boca com a mão, dou alguns passos para trás, relutava... Pensei nas toupeiras e nos possíveis subterrâneos sob aquelas casas, enjoei, corri parado, dei mais dois passos e ia entrando na área aberta, além da cerca e da entrada. Tropecei num círculo de pedras de jardim que circundava o caminho por entre as árvores, caminhei sem esforço e senti as folhas me baterem na perna ao sabor do vento, algumas ficaram nos meus pelos por enquanto, dobraram e eram impelidas adiante, adelante num voo intermitente. Sentei a um banco de pedra ainda no sol, as forças, a bílis... sentei e parei pensando no vento. De repente uma folha saiu do giro e bateu de leve na minha boca, o reflexo muscular levou minha mão à face num estalo de tapa. A folha desabalada entre minha mão e minha face era áspera. Peguei-a e comi.

J.N.Jr.

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OPRÉOPRÉOPRÉOPRÉOPRÉ Vós que ignoreis...ignorais Está no mínimo insuportável passear por alguma rede social hoje em dia se incautamente não é possível ignorar os debates cada vez mais arraigados e intensos sobre política, sexualidade, status social. As palavras que ecoam como o piar do Vultur gryphus nos andes são: Corrupção! Família! Ostentação!. Infelizmente, a única semelhança com os grandes abutres do novo mundo é que, enquanto estes ingerem para o interior dos seus sistemas digestivos, variados tipos de putrefações, aqueles expelem do interior dos seus sistemas límbicos, a putrefação da ignorância violenta. A ignorância algumas vezes soa branda aos ouvidos alheios, tanto que lhes incute um desejo íntimo de instrução, de salvação daquela alma suplicante de entendimento. Raríssimos casos. Na maioria das vezes ela soa atordoante, ofensiva, detestável. Dilacera os ouvidos alheios lhe incutindo quase sempre um pavor inicial que, quando não se consubstancia em piedade legítima, legitima um ódio impiedoso. Por quê? Por que a ignorância tem origem e tem motivos. E por que ela é variavelmente compreendida. Não é por acaso a semelhança e a sutil diferença do pensamento desses dois grandes escritores franceses sobre o assunto. Balzac numa de suas Scènes da vida parisiense que compõe a Comédia Humana, lança a seguinte ideia: “A ignorância é a mãe de todos os crimes. Um crime, antes de tudo, é uma falta de raciocínio”, faz isso ao descrever um dos bairros do conto “A Prima Bette”, não é uma ideia de todo original, é antes, uma adaptação do que disse Rabelais em 1564 no seu Le Cinquième Livre por meio de uma de suas personagens que viajavam com Pantagruel e a noite acordava todos para beber, ‟Foi ele quem primeiro bebeu e disse : - Vós os do outro mundo dizeis que a ignorância é a mãe de todos os males, e isso é verdade ; contudo não a banis de vossos entendimentos, e viveis nela, com ela e por ela”. Rabelais constroi aqui a representação justa do pardieiro da ignorância que cresce na nossa sociedade atual, não a ignorância inocente que exige piedade e ajuda, não a ignorância da falta quase total de conhecimento, não a ignorância afetada dos caducos, mas a ignorância torpe dos ignóbeis, a ignorância dos que não dispõe de um conhecimento vasto, mas que o possuem em alguma medida porém obtuso, invertido, transformado. O ignorante orgulhoso de sua ignorância, que vive nela, com ela e por ela.

J.N.Jr. 20


Desconhece a dúvida sutil, rumor inaudível, impossível!

despedida diária a Ari Oliveira

Na prateleira o repouso do copo, e na estesia da tarde, a vontade.

A consciência retoma a lembrança e avança, banal, para o mal.

No mero convite apático E no princípio saturnal da noite, o açoite.

Solene, a atmosfera se adensa, condensa uniforme o olhar, a sonhar.

A consciência retoma a lembrança e avança, banal, para o mal.

Líquida felicidade inicial, súbito saber iminente e persistente.

Ao sair do seu primeiro estado, o copo sussurra a verdade, mas a vontade....

A consciência retoma a lembrança e avança banal, para o mal.

Ao esboçar o gesto intrépido, o costume da mente dispensa, e não pensa.

Embriaguês estimada e idêntica! Inalcançável bem de poder e não ser.

A consciência retoma a lembrança E avança, banal, para o mal.

Embriaguês estúpida e exata, inconsequente bem de não ser, nem poder.

Impreciso, abarca esse objeto oco, fluido e semicheio, ao meio.

A inconsciência desfaz a lembrança, e descansa, banal, neste mal. J.N.Jr.

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Nemivânia 17/set/2007

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OAUTOROAUTOROAUTOR CLARICE LISPECTOR

POR QUE SOU UMA PERGUNTA A leitura de Clarice Lispector é difícil, penosa, “só consigo a simplicidade através de muito trabalho”, um mergulho nos labirintos mais recônditos da nossa mente “tenho aos meus pés todo um mundo desconhecido que existe pleno e cheio de rica saliva”. Desconcertante, “selvagem e suave”, exige do leitor mais que a fria intelectualidade. Nela, é necessário colocar-se inteiro, penetrar de corpo e alma, empenhar cada veia que pulsa, jorrando aquela seiva quente que se chama vida. Sua escrita é um grito estridente lançado das reentrâncias do seu íntimo, “movo-me dentro de meus instintos fundos que se cumprem às cegas”, que encontra eco nas páginas em branco de um livro, e posteriormente na mente daqueles que a leem. A maestria com que “reproduz o irreproduzível”, diz o que não é dizível, imprime uma marca singular ao seu estilo. Nisso certamente consiste a assustadora complexidade da sua obra. Colocando assim, a impressão que temos é que a sua literatura situa-se em um espaço totalmente distante do mundo que conhecemos, da realidade palpável. Engano. Ledo engano. Clarisse Lispector muitas vezes toma como referência o cotidiano “simples” da dona de casa, e é justamente desse universo considerado diminuto que a grandeza da vida salta, que o fato ou incidente banal provoca uma luminescência na vida das personagens. “O cego mascava chicles... Um homem cego mascava chicles” “O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. O calor se tornara mais abafado, tudo tinha ganhado uma força e vozes mais altas” “Um cego mascava chicles mergulhara o mundo em escura sofreguidão”. “Tudo era estranho, suave demais, grande demais”. 23


POR QUE SOU UMA PERGUNTA

Essa epifania, de certa maneira explicita a entrega de Clarice Lispector às suas personagens. “O que eu vou escrever já deve estar na certa escrito em mim. Tenho é que me copiar com uma delicadeza de borboleta branca”. A escritora empresta-lhes sua sede de respostas cuja ausência, segundo ela, é responsável por deixa-la tão atrapalhada, sua ânsia de plenitude, que a faz mergulhar no mais fundo de si e emergir com incompreensíveis sensações e sentimentos, que os traduz por meio de uma escrita “enovelada”, que somente em segundo plano deixa transparecer a razão. E, em uma literatura tão complexa, nada mais natural que ter a mulher como figura central. Assim, um séquito de mulheres marcantes passeiam pela sua obra: Joana, Laura, Macabéa, Ana, Loreley (Lóri) e dezenas de outras, cada uma delas, nos limites da sua individualidade, são a representação de todas nós. Essas personagens habitam uma espécie de limbo – conflitantes – vão ao mais profundo de si, e ali se debatem feito borboletas no instante da metamorfose e das entranhas do próprio ser então se revelam em doloroso prazer, livres, completamente sem filtro. “Não conheço a proibição. E minha própria força me libera, essa vida plena que se me transborda. E nada planejo no meu trabalho intuitivo de viver: trabalho com o indireto, o informal e o imprevisto”. E, assim, como que por instinto, completamente à mercê do sentimento, um sentimento arrebatado, palpitante, ela nos põe em contato com outro grande símbolo da sua literatura, o selvagem: “Durante o sábio descontrole de Lóri ela tivera para si mesma agora as vantagens libertadoras vindas de sua vida mais primitiva e animal: apelara histericamente para tantos sentimentos contraditórios e violentos que o sentimento libertador terminara desprendendo-a da rede, na sua ignorância animal ela não sabia sequer como”. Esse aspecto permeia toda a sua obra e nos permite identificar não somente as suas personagens, como a própria escritora, que a elas se funde. 24


POR QUE SOU UMA PERGUNTA

“Conheci um 'ela' que humanizava bicho conversando com ele e emprestando-lhe as próprias características. Não humanizo bicho porque é ofensa – há que respeitar-lhe a natureza – eu é que me animalizo. Não é difícil e vem simplesmente. É só não lutar contra e é só entregar-se”. A palavra entrega marca a emblemática literatura de Clarice Lispector na sua sôfrega necessidade de plenitude, de captar a vida e compreendê-la nas suas mais finas nuances, os sentimentos aqui de tão exacerbados confundem-se com os seus extremos amor e ódio “eu te odeio, disse implorando amor”, fascínio e repulsa “era fascinante e ela sentia nojo” comiseração e desumanidade “era uma piedade de leão” e sendo humanos, como bem diria Nietzsche “demasiadamente humanos”, como não nos reconhecer em tais figuras. É isso que torna a sua literatura, intimista ao extremo, “uma coisa verdadeira e sumarenta”. R.T.

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IRONI@S

J.N.Jr.

Ironia XXXI: “Um livro na mão, uma ideia na cabeça”, tá aí um movimento cultural ainda em repouso no país. Ironia XXXII: Ignorar a ignorância é legítimo, desde que não por ignorância. Ironia XXXIII: O que o mercado de trabalho deseja de você? Física do bambu, metafísica do cachorro, numa palavrinha da moda? Resiliência. Ironia XXXIV: Todo homem traído vive o teorema de Chicó. Se interpelado por alguém, posto o copo de lado, olhos mareados, diz: não sei, só sei que foi assim! (pelo menos é o que eu penso quando vejo) Ironia XXXV - Entre a cicuta do tempo e a água da vida, me vê um meio termo de uísque aí por favor! Ironia XXXVI - Me sinto feliz por Hamlet ter sucumbido à angústia tão cedo, numa época onde havia um só Polônio. Indescritível é a angústia de viver esse mundo povoado deles. Ironia XXXVII: Observando as ações de algumas feministas atuais não posso deixar de supor que tem algum médium em contato com Valerie Solanas por aí. Ironia XXXVIII: Observando as reações de alguns homens às feministas atuais não posso deixar de supor que andaram trocando o livro didático por Levítico em escolas por aí. Ironia XXXIX: Observando a troca de absurdos entre alguns homens e algumas feministas penso que ao invés de um livro de Hobsbawm, Era dos Extremos é o título dessa tragicomédia de mau gosto chamada atualidade. Ironia XL: Coisas da televisão: Atenas, entre duas praças, lotadas de cidadãos, uns com sim, outros com não. No meio, novos esparciotas descendo a mão. Na tv, Demóstenes? Não. Um ministro falando grego os termos da recessão.

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C. P.


Críticas, sugestões, elogios, comentários, textos ou ilustrações para publicação: revistainconsciencia@gmail.com


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