Revista in-consciência - Ano I - Ed.II -março-abril - 2015

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in-CONSCIร NCIA Ano I - nยบ II - marรงo-abril de 2015 ISSN - 2357-8548



in-CONSCIÊNCIA Ano I - nº II - março-abril de 2015 Expediente: Revista in-Consciência: Periódico sobre humanidades. Literatura, cultura, crítica e filosofia. ISSN - 2357-8548 Revisão: Reinilza Teixeira Editores: José Nilton Carvalho Santos Júnior (J.N.Jr.); Reinilza Teixeira dos Santos (R.T.) Endereço : Rua do Oriente, 332. Uibaí-Bahia. CEP: 44950-000 email : revistainconsciencia@gmail.com site: http://revista-in-consciencia.blogspot.com.br/ Fechamento dessa edição: 19/04/2015. Tiragem: 150

sumário eDITORIAL - A Biblioteca III

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O inverso das ações afirmativas em benefício da mulher

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Os dados dados pela razão(2)

p.10

Poeta ou Poetisa?

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(Conto): La vida és Sueño

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(O Pré): Um importante passo para as mulheres...

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(O Autor): Dalton Trevisan - Mordida de bicho cabeludo

p.19

(O Leitor): Texto do Leitor - A Voz de Uibaí

p.21

Ironias

p.23


A

editorial

o invés de fazer aqui um editorial tradicional, comentando e apresentando os textos que compõe esse número da revista, sem prejuízo, visto que não é imprescindível para a compreensão dos mesmos, decidimos utilizar o espaço para divulgação de um problema urgente que se expressa por um texto que advém de uma continuidade, depois dos textos «A Biblioteca I» e «A Biblioteca II» publicados anteriormente no jornal «A Indaga», vamos para o número III, o texto se justifica por si. A Biblioteca III Antes de tudo é notável, se um texto chega ao número três pode-se inferir duas coisas: ou o que ele exprime agradou e seu sucesso exigiu o desdobramento em outro e mais outro, ou o que ele reivindica não foi alcançado e se fizeram necessários continuações com reiteração de velhos argumentos e criação de novos que surgem com a urgência da necessidade. Infelizmente devemos classificar esse texto como pertencente a essa segunda categoria. Relembremos os motivos do primeiro e segundo para compreendermos a tese que se mantém. Uibaí. Somente essa palavra carrega, historicamente falando, algumas conhecidas características que foram se cristalizando na mente do povo da região e conhecidos: “terra de gente inteligente”, “povo letrado, educado”, “cidade de universitários”, “primeiros lugares em concursos Brasil afora”. Expressões que não são estranhas ao se referirem a Uibaí, comuns até. Por associação não seria nada estranho também relacionar tais características a outras de mesmo tema, âmbito, ou correlação automática. Pois bem, que tipo de estabelecimento estaria mais arraigado às características imputadas a essa cidade? Pensemos: que lugar, ainda que não por obrigatoriedade, está mais próximo das ideias de educação, cultura letrada, inteligência? Não é difícil, qual dos estabelecimentos públicos mais se encaixa em termos de assimilação e simbologia a essas determinadas qualidades atribuídas ao nosso povo do pé da serra? Isso, meu caro leitor, vê-se que o título é autoexplicativo. A biblioteca. Antes que invoquem deus no céu e me atirem pedras, deixe me esclarecer: estou dizendo que só por meio de livros se adquire educação? Estou dizendo que a biblioteca é algo imprescindível para adquirir conhecimento? Estou dizendo que a cultura letrada e tradicional é superior a cultura oral e popular? Não, não e não. Não seria razoável. Seria uma insanidade se exprimisse tais afirmações. Mas, seria por isso, válido o oposto extremo? Tampouco. É nesse ponto que desejo chegar.

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A BIBLIOTECA III

Assim como seria estúpido e incoerente exaltar as benesses da biblioteca como valor único e inquestionável de cultura e educação, também o é, desqualificá-la completamente, abandonando todo e qualquer cuidado com essa instituição. Foquemos nessa estupidez. Sou filho de Uibaí, aqui nasci e vivi, me eduquei, e digo sem receio hiperbólico: não conheço nenhuma outra instituição pública tão sucateada, esquecida e abandonada quanto a biblioteca. A biblioteca municipal, as bibliotecas escolares vivem uma situação extremamente diferente num sentido, mas sofrem e culminam nos mesmos males: o abandono, o descaso, o esquecimento. As bibliotecas escolares recebem frequentemente do governo federal, novas contribuições para seus acervos por meio do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), do MEC, criado em 1997. Esse programa não só envia regularmente livros atualizados como também dvds, revistas e jornais. Ao contrário da biblioteca municipal de Uibaí que não tem uma revisão ou mesmo acréscimo nos seus acervos, praticamente desde sua criação, as bibliotecas escolares não tem muito do que reclamar nesse aspecto. Porém, o que as afeta igualmente é a mesma coisa; se não é valorizada, se o poder público ou escolar não vê na biblioteca importância absolutamente nenhuma, por que se preocupar em cuidar desse material? A prática de descaso é a mesma. Como citei no primeiro texto veiculado pelo jornal «A indaga», não é o caso de que se exija que um bibliotecário formado exerça a função, visto que a quantidade de profissionais nessa área em nossa região torna inviável essa necessidade, mas, pelo menos, de alguém que esta lá “para essa função” e não simplesmente por não estar em nenhuma outra, como acontece. Por ironia, a ideia predominante no nosso município é de que não se precisa de nenhuma qualificação para cuidar de uma biblioteca, nem mesmo interesse pelo que ela guarda e representa, a exigência parece ser esta: se você não está fazendo outra coisa, se não se mostrou necessário em nenhum serviço, vai para a biblioteca. É professor, está excedente sem dar aulas? Biblioteca. É funcionário público, está sem se enquadrar em nenhuma outra função prática e precisa ter um emprego mesmo assim? Biblioteca. O que vão fazer lá? Cumprir seu horário, aquecer a mobília envolto pelo mais estranho universo para si: livros. Por mais absurdo que isso possa parecer, não é exagero, É de fato o pensamento dessa terra que se diz letrada e de gente inteligente. Não é preciso esforço algum para saber o que essa prática causa. Desinteresse absoluto pela leitura e pelos livros, empréstimo sem critério e sem controle, perda de exemplares, sucateamento, abandono. Está lançado o desafio, qualquer leitor está convidado a sair de casa e fazer uma visita às nossas bibliotecas, escolares ou municipal. Olhem, prestem atenção, verifiquem o ambiente, a infraestrutura, o acervo, a equipe, o meio e métodos de catalogação e empréstimos, o registro de sócios e de material. Depois do susto inicial, depois de recobrar o tino ante tamanho descalabro me responda com

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A BIBLIOTECA III

sinceridade: qual o sentido que há na propalada cultura de um povo que permite que isso aconteça? Que ano após ano, e mesmo com outros alertas como os textos anteriores a esse, não move uma pena para alterar esse vergonhoso estado de coisas? Difícil responder a estas perguntas. É incoerente, mais ainda, é inconcebível que isto seja assim. É inaceitável para qualquer lugar, mais ainda para uma cidade que se avulta com uma fama que pouco a pouco vem se mostrando tão estúpida quanto mentirosa. Mas, qual a solução? Primeiro é preciso de uma tomada de consciência. Tomar consciência do valor da biblioteca, da sua importância. A partir daí, mudar drasticamente de postura. A atenção a biblioteca deve ser equivalente a seu valor, devese valorizar sua constituição, seu conteúdo, o material e seu uso. Consequentemente selecionar ou abrir concurso para que alguém com qualificação necessária, cuide desses ambientes. A justificação de que não há como remunerar alguém, é mentirosa. Não só há uma lei que institui as bibliotecas escolares (lei 12.244/10), como sua manutenção e preservação deve ser feita adequadamente e segundo a cartilha da campanha “Eu quero minha biblioteca” “As despesas com a remuneração desse profissional devem ser oriundas das receitas municipais, mas também podem ser inseridas nos 40% referentes à “manutenção e desenvolvimento do ensino” previstos no Fundeb.” Ou seja, não há justificativa para que as coisas permaneçam como estão. Faço aqui uma convocação a todos que concordam em algum aspecto do que esse texto fala, para exprimirem também a sua indignação, fazendo com que essa voz de três textos não seja mais solitária. Visitem as bibliotecas, questionem, entrem no site da campanha “Eu quero minha biblioteca” que por enquanto só tem a mim cadastrado do nosso município, cadastrem-se. Leiam a cartilha e os demais documentos e materiais disponíveis. Divulguem nas redes sociais. Lembrem-se que há possibilidades reais de mudar essa realidade, há acervo, há locais, há recursos. O que falta, é interesse, é visibilidade, é revisão de valores. Façamos com que não seja necessário um Biblioteca IV. J.N.Jr. Links para os sites citados abaixo: Cartilha com orientações da campanha: http://www.euquerominhabiblioteca.org.br/materiais/orientacoes.pdf LEI Nº 12.244 DE 24 DE MAIO DE 2010. http://www.euquerominhabiblioteca.org.br/materiais/lei_12.244_2010.pdf Material de orientação: http://www.euquerominhabiblioteca.org.br/mobilize_se# Material para campanha e mobilização: http://www.euquerominhabiblioteca.org.br/materiais/material_divulgacao.zip

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O INVERSO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS EM BENEFÍCIO DA MULHER A emancipação da mulher, longe do que se imaginou, não garantiu a ela uma efetiva participação no âmbito social. Ao contrário, embora afrouxados os nós da repressão, continuou sendo ultrajada. Por essa razão, a sua luta, outrora restrita à cobrança de direitos cívicos e jurídicos, ampliou-se, e numa perspectiva mais humana, visava, sobretudo, a não discriminação. A pressão das feministas juntamente com entidades e grupos internacionais, que devotaram um olhar humanitário a essa causa, fizeram com que os direitos desse e de outros grupos minoritários fossem legitimados. Então, a nossa Constituição Federal de 1988, que tinha como foco principal o ser humano, saiu em defesa da igualdade, e no seu artigo 3º coloca, entre aqueles que constituem os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (Constituição Federal, 1988). E mais adiante, no artigo 5º explicita: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (Idem, 1988). O fato de a igualdade ser um princípio previsto em lei, no entanto, não lhe conferia respeitabilidade, de modo que a lei necessitava de medidas que a efetivassem. Isso explica a recorrência às ações afirmativas, que surgiram primeiramente nos Estados Unidos, com o objetivo de inserir politicas públicas na sociedade para combater a discriminação entre os seus membros. Essas medidas tendem a favorecer não apenas as mulheres, vitimas de uma discriminação maior em consequência da repressão generalizada, mas também os negros, estrangeiros, homossexuais e outras minorias marginalizadas. No Brasil, temos como principal expoente a Lei 11. 340/06, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, que tem criado mecanismos para corrigir a discriminação contra a mulher e reprimir a violência doméstica. Contudo, ao longo dos oito anos que está em vigor, ela não alcançou os resultados esperados, gerando, assim, indagações: por que mesmo com uma lei de larga dimensão como essa, a violência contra a mulher continua a crescer? As hipóteses são várias. Segundo Leila Garcia, pesquisadora do IPEA, isso se dá devido a falta de aplicação da mesma. Para ela “A lei em si é boa, mas não está sendo aplicada com exatidão em alguns lugares do Brasil". E salienta que, ao denunciar a violência sofrida, a mulher, muitas vezes, acaba assassinada, por não ter o devido

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O INVERSO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS EM BENEFÍCIO DA MULHER

amparo da lei. Garcia sugere, assim, a criação de novos projetos de lei que a auxilie nesse processo, e aponta como o principal deles a “tipificação do crime de feminicídio no Brasil” – projeto aprovado no Senado, e que prevê penas mais pesadas para o homicídio contra a mulher por razões de gênero –. Defendo particularmente que, quaisquer medidas criadas com o intuito de coibir atos violentos, são válidas. No entanto, será que a tipificação desse crime trará uma diferença significativa no histórico da violência contra a mulher? Adoto a concepção dos juristas de que isso nada mais representa que uma mudança no nome da lei, “uma vez que antes crimes contra a vida por questão de gênero eram considerados como crimes por motivo fútil, e, portanto, já teriam uma pena mais severa. E o que foi feito foi apenas mudar o nome da lei, o que não irá mudar nada na prática, pois a violência contra as mulheres continuaria a existir, pois na realidade o necessário é modificar a cultura machista e sexista da população.” (Vargas apud Marchetti, 2014)

Essa afirmação é absolutamente precisa ao apontar o erro das mulheres, que, ao invés de ignorar os preceitos legais que temos, lutando pela criação de outros que as beneficiem, deveriam voltar os seus esforços para que as leis já existentes fossem rigorosamente cumpridas. Isso, no mínimo, anularia a ideia de que buscam um tratamento diferenciado e, assim, a superioridade em relação aos homens. Mesmo porque, o fato de ser essa uma medida, que privilegia um grupo em detrimento de outro, já é razão suficiente para desagradar a muitos. Ainda que se reforce, todo o tempo, ser uma discriminação positiva, que tem como simples objetivo garantir o que a lei propõe, a sua essência não muda, discriminação é discriminação em qualquer plano, e se tivesse um lado bom não receberia esse nome. Além disso, em se tratando de violência doméstica, devemos considerar que também existem homens que são agredidos, física, psicológica e verbalmente pelas suas companheiras, não sendo raras as vitimas de assassinatos, e que, ao contrário delas, não têm exigido, entre outras ações legais, reformulações no código penal brasileiro. Essas agressões, quando tratadas, são analisadas em instâncias jurídicas comuns. Ainda assim, um considerável número de pessoas, sobretudo mulheres, não acredita tratar-se de privilégios, mas sim de direitos. Porém, direito é aquilo que é válido para todos e não para uma minoria restrita, como antes ocorria e agora em situação inversa. Sem dúvida, a mulher tem hoje uma situação legal mais favorável em relação aos homens, mesmo nos casos em que a lei contempla ambos os sexos. Um exemplo pertinente diz respeito à questão da pensão alimentícia paga aos filhos em caso de separação dos pais. Mesmo quando a criança fica sob a guarda do pai, dificilmente ele exige pagamento de pensão da ex-companheira, independentemente da condição financeira dela, salvo quando, de fato, não pode arcar sozinho com as

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O INVERSO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS EM BENEFÍCIO DA MULHER

despesas da criança. Em caso contrário, o pai não somente é obrigado a pagar o valor acordado em juízo, como se deixar de fazê-lo por um período de três meses, sem justificativa, seguirá para a prisão. Tudo isso mostra que na trajetória das mulheres, sobretudo no que se refere às suas lutas e conquistas, o ideal feminino pelo qual durante séculos se lutou está traiçoeiramente escapando. A nossa luta foi, e deveria ser sempre por IGUALDADE e não por SUPERIORIDADE, seja lá da forma que for. É com base nisso, que continuo batendo na mesma tecla, medidas separatistas, longe de promover a igualdade de direitos entre os sexos, ou quaisquer díspares, acentuam as diferenças, quando não a rivalidade entre eles. Posso estar sendo ingênua, mas acredito em medidas mais simples, porém eficazes, como apostar no respeito da PESSOA HUMANA, independentemente de sexo, cor, raça, religião, como bem coloca a nossa Constituição de 1988, pois somente dessa forma, estaremos aptos a construir uma sociedade mais digna para o convívio de todos, inclusive das futuras gerações.

R.T. Referências CARVALHO TORRES, Larissa Fontes de. Ações afirmativas no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em http://www.juragentium.org/forum/race/pt/fontes.htm. Acesso em: 23/06/2014. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 23/06/2014. Portogente. Lei Maria da Penha não reduziu número de assassinatos no Brasil, diz Ipea. Disponível em https://portogente.com.br/noticias-do-dia/ Acesso em 23/06/2014. VARGAS, Cristina. Senado aprova inclusão de feminicídio no Código Penal. Diário do Sudoeste. 2014. Disponível em http://www.diariodosudoeste.com.br/noticias/politica. Acesso em 19/01/2015.

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OS DADOS DADOS PELA RAZÃO (2) “O que é uma palavra? A reprodução de um estímulo nervoso em sons. Mas deduzir do estímulo nervoso uma causa fora de nós já é o resultado de uma aplicação falsa e injustificada do princípio da razão.” (NIETZSCHE, p.30, 2008) Começemos pois por uma, dentre tantas conexões necessárias para que o texto anterior ganhe para si um caráter introdutório e para seus próximos um pitoresco sentido construtivo. Digo introdutório, por que “comentário” lhe tiraria injustamente o aspecto de prólogo aberto, digo construtivo, por que cada eixo exposto se propõe ao esfacelamento (visto a própria natureza do seu tema) e, uma vez considerado por suas migalhas, será reconstruído no seu sentido mais metaforicamente elíptico. Se fiz explicitamente uma conexão entre a razão e o discurso, não foi por acaso, aliás, teríamos uma séria dificuldade em separar as duas coisas, uma vez que, embora devamos considerar a possibilidade da razão prescindir ao discurso, é por este que notamos sua materialidade. Ainda melhor, não poderíamos fazer nenhuma elucubração sobre a razão que não se utilizasse para síntese de pensamento (passando por cima da problemática do intelecto dos neoplatônicos como Plotino, Tomás de Aquino, Bacon, etc.) para reflexão e expressão, do discurso. Dessa maneira, temos acrescida à problemática inicial, os problemas que concernem aos adendos que lhe fazemos necessariamente, e nesse momento passamos a observar se e como o discurso funciona no intuito estabelecido anteriormente de investigar a razão. A epígrafe sinaliza o ponto crucial do problema dessa conexão (razão e discurso), para explorar esse sugerido problema daremos um salto interpretativo, um grande salto, que evita parcialmente (além de um breve comentário) a discussão em termos de verdade e mentira, tal como a desenvolveu Nietzsche, substituindo-os por elementos variáveis da razão: de busca ou valores por si (semelhantes à mentira), de busca ou valores em si (parciais ou neutros) e de busca ou valores além de si (semelhantes à verdade). Naturalmente o desenvolvimento de tais elementos específicos e delimitados só acontecerá posteriormente, por enquanto e neste princípio introdutório do assunto, nos deteremos nos motivos que levaram a esse salto e consequente separação dos fatores tais como os descrevi a pouco. Para isso, comentaremos rapidamente a perspectiva nietzscheana evitada que é extremamente pertinente para a compreensão geral. A linguagem é incapaz de dar conta do mundo, pensa Nietzsche, no seu esforço mais hercúleo o homem não chega senão ao "resíduo de uma metáfora", algo incompleto, falho, tendencioso, falso. Ele faz isso por não suportar a transitoriedade

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OS DADOS DADOS PELA RAZÃO (2)

das coisas do mundo, essa transitoriedade o aflige, o oprime, o deixa inseguro. É preciso parar, desacelerar o tempo e a mudança incessante para encontrar o porto seguro onde se consiga a correspondência almejada (mas inexistente) entre o mundo e o discurso. Para Nietzsche isso é evidente, claro como o dia. Cada palavra uma máscara, uma mentira (pela tentativa de verdade impossível), ela se torna então o estabelecimento da mentira, "mentir conforme uma convenção consolidada, mentir em rebanho num estilo a todos obrigatório". (NIETZSCHE, p. 37, 2008) Nomeia-se coisas diferentes pelo mesmo nome, cristaliza-se o nome no tempo e além de mentira as palavras se tornam também calabouços. Nessa brincadeira de perguntar e inventar a resposta, o homem se encarregou apenas de lembrar sempre da mesma resposta ou, como comenta o filosofo alemão, encontrar sempre o que começou a procurar depois de ter ele mesmo escondido, "Quando alguém esconde algo detrás de um arbusto, volta a procurá-lo justamente lá onde o escondeu e além de tudo o encontra, não há muito do que se vangloriar nesse procurar e encontrar: é assim que se dá com o procurar e encontrar da "verdade" no interior do domínio da razão"(NIETZSCHE, p. 37, 2008)

Esse jogo não pode se resolver na linguagem, principalmente por que a forma de resolução é oriunda de outra forma de pensamento inaplicável. A lógica matemática consegue por seus expedientes próprios, admitir a igualdade. Para Nietzsche esta se encontra somente lá. Na linguagem isso não é válido sob nenhum expediente senão o da falsidade aceita e petrificada pelo uso e conveniência geral. Notamos que, transpor ou mesmo contornar a questão do discurso na investigação da razão, exige uma atitude simplificadora e causal. A radicalização de Nietzsche nos indica o caminho, mas não nos favorece, nas inadmissíveis, para sua época, causalidades que a linguagem agregou consigo até os nossos dias. Transpomos na simplificação fática: a razão não se abrirá a absolutismos, portanto que se abra na sua busca ou nos seus valores.

J.N.Jr. REFERÊNCIAS NIETZSCHE, Friedrich. Sobre a verdade e a mentira. - São Paulo: Hedra, 2008.

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POETA OU POETISA? “A homenagem que distingue o gênio poético feminino com o prêmio de lhe masculinizar o estro, ultraja uma poesia que quer feminizar o mundo com a magia da sua claridade lunar”. Natália Correia

A palavra poetisa, que designa o feminino de poeta, vista apenas nesse sentido, soa tão singela quanto qualquer outro vocábulo da nossa língua. Contudo, na tradição literária adquiriu uma conotação, um tanto negativa, entre outras razões por infundir um juízo de valor. Embora a mulher fosse discriminada no âmbito social e doméstico, o mesmo não ocorria na esfera literária, pelo menos a princípio. Isso porque a escrita feminina era encarada pelos homens como um mero predicado, entre os muitos que possuía, como costurar, bordar, etc., mas jamais uma atividade intelectual ou criativa. Essa razão explica o fato de muitos deles até demonstrarem orgulho dessa habilidade, ostentando-a nas reuniões familiares e sociais, daí o termo “poetisa de salão”. Também, porque as mulheres costumavam se reunir nos salões para tomarem chá e compartilharem os seus versos. Entretanto, a partir do momento que elas passaram a encarar a escrita não como um passatempo; um repositório de angústias e mágoas, mas como atividade artística, e até mesmo como profissão, o que era graça e elogios transformou-se em agravo. O homem passou a atacar a intelectualidade feminina, tentando a todo custo provar a sua inferioridade, mediante um processo que se arrastou por anos e que podou significativamente as possibilidades da mulher. No século XX, aproximadamente, quando a escrita em versos se tornou mais fecunda entre as mulheres, o termo “poetisa” adquiriu um sentido pejorativo, sendo tomado quase como um xingamento. Conforme se sabe, até a primeira metade deste século, apenas um restrito número de mulheres tinha acesso à educação formal e uma parcela ínfima frequentava uma instituição de ensino superior. Assim, a pouca instrução e conhecimento teórico acerca do próprio fazer poético deu origem a uma poesia “simplória”, que tinha como tema mais recorrente o amor, a natureza, enveredando pelas questões do cotidiano e do universo doméstico. Isso comparado a uma poesia composta dentro dos padrões estéticos de quem demonstrava idoneidade no uso da rima, da métrica, no jogo das palavras, servia de argumento à concepção de que a mulher não sabia fazer versos, conforme bem ilustra Maria Lúcia Dal Farra:

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POETA OU POETISA?

“As poetisas da época usam, segundo Dias-Sancho, o verso para tudo: para confessar "sortilégios" de amores, para reclamar das "contas da modista", para entender a "complicada psicologia das suas cozinheiras", para compor um "manual de namorados", para transpor em "valsas" os beijos e as alongadas horas de espera...” (DAL FARRA, 2006).

O propósito do crítico a que ela se refere, sem dúvida é ridicularizar a mulher escritora ou mais que isso, constrangê-la, ao ponto de novamente emudecê-la. Por esse viés, a diferença de gênero notadamente se estabelece também na poesia, na qual, segundo Constância Lima Duarte: Percebe-se em expressões como “poemas delicados”, “ligeiros”, “misteriosos”, “feminis”, o destaque de qualidades que seriam o apanágio das mulheres, numa perpetuação da velha oposição entre os valores masculinos e femininos. Quando a intenção era elogiar o trabalho e valorizar a escritora, o poema passava a ser “viril”, “forte”, “duro”, e a poetisa era alçada à categoria de “poeta”, ou de um “poeta como os nossos melhores”(DUARTE, p.80, 1997).

A repetição de tais características tinha o intuito de conferir inferioridade à poesia feminina, contrariamente à masculina, que se atribuía um caráter nobre e de extenso valor. Acerca dessa questão, Dal Farra concorda com Duarte afirmando que “quando o trabalho poético de uma mulher não apresenta indicação de gênero, a tendência tem sido sempre a de apodar a sua autora de 'poeta', em lugar de 'poetisa', distinção que afinal refere-se a uma diferença que, é, de fato, de gênero literário”. Na literatura brasileira, temos dois interessantes exemplos que reforçam essa ideia: Cecília Meireles e Hilda Hilst. Por tratarem em seus poemas de temas universais, embora muitas vezes com a delicadeza e sutileza que é comum às mulheres, são designadas “poetas”. Enquanto outras, a exemplo de Adélia Prado, que deixam transparecer na sua poesia a questão feminina em conteúdo e forma são denominadas “poetisas”. Assim, temos a comprovação cabal de que o termo está longe de ser pensado da forma que deveria, ou seja, como o feminino de poeta apenas. Contrariamente a isso, ele abrange toda uma questão de gênero, de valor e poder. Vejamos o que a própria Cecília Meireles afirma acerca do gênero poético “Embora seja, pois, 'andrógino' o espírito que anima a arte, como, durante o transcorrer da História, as condições sociais separaram o homem e a mulher em campos muito específicos, é natural que a arte de cada um tivesse

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POETA OU POETISA?

sofrido contornos diferenciados. A mulher foi posta em reclusão, ignorante do mundo, "guardiã da casa e dos filhos". Ela atravessou 'os tempos em cativeiro ou no sacrário, quase incomunicável, como os prisioneiros e os deuses'. Todavia, as suas 'faculdades de alma' jamais deixaram de palpitar sob tais muros ou prisões, instintivamente suprindo a carência da eventualidade de uma cultura formal” (Dal Farra apud Cecília Meireles, 2006.).

Nota-se que ela compreende, embora não defenda essa distinção. E, ao tematizar, em outra conferência, acerca da experiência de homens e mulheres nesse campo, é incisiva ao concluir: “[o conhecimento poético] é um privilégio dos verdadeiros poetas, apenas”. É o ponto onde queríamos chegar, estamos caminhando a largos passos para a igualdade efetiva entre homens e mulheres, e tomar o epíteto de poetisa como ofensa, insulto, desmerecimento artístico, é incorrer num erro grosseiro de que só a poesia que possui características masculinas é valorosa; mais que isso, concordar com uma crítica retrógrada e mesquinha acerca dessa questão, colocando em segundo plano a grandeza do fazer poético, que por si só, é um privilégio a quem a ele se dedica. A recusa à alcunha poetisa por parte da mulher que escreve versos, longe de colocá-la acima das demais, dignificando-a, reforça a credibilidade às críticas do passado. Conforme sugere Dal Farra, está na hora de assumirmos a “oposição do nosso sexo” e aceitarmos o epíteto de poetisa na “acepção que foi dicionarizada em nossa língua”, ou seja, como o feminino de poeta, simplesmente sem nenhum “valor adjacente”, que sempre desemboca na noção de gênero, turvando a nossa visão acerca do que é ser poeta, da plenitude que podemos alcançar através do jogo de imagens, da palavra transmutada em poesia. Além disso, o que conseguimos na luta pela designação “poeta”, ao invés do seu feminino é a “masculinização do estro”, acabando por privar o mundo daquela “magia e claridade lunar” de que, segundo Natália Correia, é revestida a poesia feminina. R.T REFERÊNCIAS DAL FARRA, Mária Lúcia. Cecília Meireles: imagens femininas. Cad. Pagu no. 27 Campinas Julho/Dezembro. 2006. Disponível em http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-83332006000200013&script=sci_arttext. Acesso em 29/06/2014. _______________. Poesia de mulher em Língua Portuguesa. Disponível em: http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs2.2.2/index.php/letras/article/view/11840. Acesso em 29/06/2014. DUARTE, Constância Lima. O cânone literário e a autoria feminina. In: Gênero e Ciências Humanas: desafio às ciências desde a perspectiva das mulheres/ organizado por Neuma Aguiar. – Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997. Disponível em http://midiaindependente.org/media/2007/08/390676.pdf#page=80. Acesso 29/06/2014..

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LA VIDA ÉS SUEÑO (CONTO)

Às vezes eu me vejo em meio a um turbilhão de sentimentos dúbios, às vezes me sinto enternecido e fraco, uma fraqueza que até parece algo sobre mim, uma serenidade envergadora. O vento me impele e chego a tocar o reles capim seco do chão, sou jogado de um lado a outro como pendão de planta ribeirinha, meu caule se dobra, contorce, balança. Não percebo o sentido para onde me ergo. Caminho e me rebolo como se já tivesse sido arrancado, bola de feno em filme de bang-bang. Nesses momentos a força se esvai. Noutros, volta-me a seiva, enrijeço e constituo grave tronco espinhoso, estático. Me roça uma brisa submissa e regalo o poder de permanecer espinhoso. Nu, cepa trágica e resistente. Nada cresce ao meu redor. Me sobreponho ante a devassidão de um espaço em que causo a decadência do que me ameaça. Nada me destrói. Estou petrificado como se fosse antiquíssimo. Como se fosse de outras eras o resquício, ranço do que não sobreviveu sobre a esteira do tempo e da morte. Os olhos apontam o horizonte do qual sou apenas uma parte. A distância densa, a distância... um caminho que o final importa menos que o início. Caminho rochoso em que minhas raízes não penetram. As pedras amarelas, as folhas vivas se arriscando nas pontas dos galhos. As caídas ressentidas no solo infértil. Falta de verdor, e... falta de possibilidade de queda. As vezes meu sentimento muda e é como o delas, só um pouco mais mesquinho. A aridez como última cama, descanso de toda impossibilidade. A ponta dos galhos? Abismos em que, receosos meus instintos escorregam, se arranham, mas se seguram advertidamente. Pensava se ela teria coragem de ir lá. Ela me propunha e parecia segura, eu olhava pra ela e me esforçava pra não ser eu. Queria que ela visse o que queria ver, ainda que entre mim. Sossegada era a minha vida até aquela proposta. Pedra recostada, primeiro vazamento do cano à esquerda, pelo carreiro por baixo do anjico velho. Eu tremia, tremia por saber assim. Ela e eu naquele recanto onde escorregavam as gotículas de água, dando voltas por entre os galhos mais baixos até formar um fino cordão líquido estendido até as concavidades da pedreira. Lugar tranquilo e sem testemunhas. Iria? Me assombrava. - Ei! Não me ouve? Está aí a sonhar acordado. Será que vai deixar a água escorrer aos tonéis? Acorda desgraçado! Me esqueci da vazante da mangueira da qual havia me responsabilizado. - Parece cego!! Resmungava comigo o vaqueiro da chácara me cobrindo com todas as responsabilidades

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LA VIDA ÉS SUEÑO

possíveis. “- Bandido, preguiçoso” Pensava eu calado. Deixei assim para que esvaziasse mais, o idiota não percebe que desse jeito economizamos a água que era perdida no caminho. Adiantei-me e coloquei a mangueira no seu lugar. Tudo agora estava bem, tudo certo. Menos a minha apreensão. Como será? O que farei? Me martelava a cabeça de questões. Derramaria uma represa sem perceber ou encontrar a solução. Ela passou por mim e fez um sinal de que já estava indo. Tremi. Meu peito acelerou. Fingi que consertava uma tábua do lavador de pratos. Assenti com a cabeça como se estivesse muito ocupado. “Ela já vai, agora não posso escapar.” Assim que ela sumiu na estrada, subi pela encosta oposta do morro pensando em dar um ar de indiferença chegando antes dela, mas, parei no meio do caminho duas vezes pensando em voltar. Minhas raízes agora se fincam. Sinto que preciso ficar, ou voltar. Nunca soube o que lhe dizer. Só fugia. Mas agora, agora não tinha mais como. Eu estava em desvantagem e demonstrava isso. Eu quero, quero tanto, mas tenho medo. Sempre tive medo. Bem que sentia isso algumas vezes. Todos riam de mim, do meu medo que só eu sabia. Dos meus olhos amarelos, da minha vida. Riam até dos seus próprios defeitos como se fossem meus. Eterno bode expiatório da mediocridade alheia. Só quem não ria de mim era ela. Ela não tinha defeitos para que eu os refletisse, também não precisava disso, era simples. Seu único defeito era gostar de mim, era querer salvar o mundo. Eu, grande símbolo de que o mundo precisava ser salvo. Uma grande caridade com pernas e olhos amarelos. Sempre pensei que em algumas pessoas isso é uma forma de gostar. Eu a queria para mim. Imaculada, triste. Mas eu adorava-a tanto, que a mantinha à distância. Ela, em cima de um altar, numa igreja no alto de um monte, de um país longínquo. Sempre longe, sempre longe de onde eu não sei que vivo. Pesei, calculei, evadi, suspirei. Todas as noites, num sono pétreo de tanto cansaço, eu sonhava com mil possibilidades do que teria acontecido da minha ida, do encontro, da pedra perto do regato, do meu anjo me esperando. Mil e uma possibilidades, todas perfeitas nas suas transparências oníricas. Em todas, corrigido e outro, eu não tinha medo, eu ia, eu propunha, eu estava, eu era. Nos sonhos podemos fazer isso, ser, ser outro, ser a vontade, a vontade de ser das coisas difíceis. No não ser de ser do meu ser que dormia, eu fui feliz. Na sexta-feira íamos levar frutas para a feira da vila. Não podia evitá-la naquele dia, todos íamos no mesmo carro. Não a via desde a minha ausência no encontro desfeito, sem encontro. Algo em mim havia crescido, havia melhorado, naquele tempo, ou pelo menos era o que supunha. Uma mistura de remorso com sensação de ter aprendido algo com meu outro eu do sonho. Achava que seria diferente, e até meia hora antes do carro partir, estava seguro. A segurança foi

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embora, comecei a tremer só de imaginar ela aparecendo, seu cabelo, seu cheiro, seu olhar para mim, o eu que não fui. Suava, queria desistir, minha cabeça inventava doenças e desculpas. Até que Sinhô apareceu do sentido do carreiro velho, tinha saído essa manhã para procurar um garrote que escapara. Eu mesmo teria ido buscar o garrote, não tivesse passado toda a semana em outra fazenda para uma arranca fora de época. Eu ouvia atônito partes entrecortadas, “ - todo mundo avisara que não era bom andar todo dia ali sozinha”.... “cheguei perto do angico velho e os cortes do vestido voavam, coisa horrível de se ver”.... Sinhô passou por mim e pegou no meu ombro, outros já haviam corrido para o angico velho. Sentei no chão e esperei alguma coisa que não sabia bem o que. Meus olhos ardiam, meus joelhos sacudiam, sentia um aperto no estômago que me impedia de falar, respirava com dificuldade. Desmaiei. Acordei na minha cama, já de tardezinha, ensopado de suor. A esperança de que tudo aquilo fora um sonho, luzia na minha cabeça, em vão. O choro se ouvia da cozinha, os comentários e cochichos se embaralhavam com o crepitar da lenha no fogão. Saí correndo, as lágrimas desciam pelo meu rosto, descalço, os espinhos trespassavam minha pele sem eu sentir. Embaixo do angico, ainda uns restos do vestido amarelo semienterrados, um pouco de cabelo no chão que abracei com suor, lágrimas e terra. Não, eu não era o do sonho, também não era o covarde da dúvida e do cansaço, eu era menos, menos que eu, menos. J.N.Jr.

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OPRÉOPRÉOPRÉOPRÉOPRÉ Um importante passo para as mulheres... Aqueles que acreditam que o feminismo brasileiro vivencia a sua quarta onda, certamente não se surpreenderão com os seus novos propósitos, a criação do Partido Feminista Democrático, que tem como principal idealizadora, a pensadora gaúcha Márcia Tíburi e conta com o apoio de artistas, ativistas e mulheres afiliadas a outros partidos políticos já existentes, como a ex candidata à Presidência da República Luciana Genro do Psol. Para Tíburi o feminismo é muito mais que um movimento, é uma política “uma visão de mundo que parte da dominação e da opressão masculina (...) outra forma de trabalhar o poder na direção do que hoje em dia denominamos ‘potências’” ( ARAÚJO, p. 24, 2015). É nesse sentido que a filósofa defende a necessidade de um partido feminista, que terá como bandeira a “singularidade”. Segundo ela, o seu partido defenderá a legalização do aborto e outras políticas que assegurem os direitos das mulheres e de todas as minorias. Por esse viés, é bastante vantajosa a efetivação desse projeto. No entanto, parece ingênuo acreditar que a criação de um partido feminista consista na simples equidade de gênero, mesmo por que a presença da mulher nos demais partidos não é vetada, uma prova contundente é que hoje temos uma mulher governando o país e muitas outras que atuam como deputadas, senadoras e em outros segmentos do governo. O fato é que diferentes interesses, que notadamente não escapam à noção de poder estão imbricados nele. E, embora seja cedo para formular qualquer opinião, já que não dispomos de dados suficientes sobre o assunto, uma coisa é certa, isso ainda vai gerar muita polêmica.

R.T. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Leusa. Entrevista. A filósofa vai à guerra. Vestida de mulher. p. 24. in. REVISTA BRASILEIRA DE CULTURA-CULT. São Paulo: SESC, V.18, n.199, março/maio, 2015.

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OAUTOROAUTOROAUTOR DALTON TREVISAN

MORDIDA DE BICHO CABELUDO Leitura de Dalton Trevisan. Ele disse. É pico na veia. É overdose de realidade. Sua Literatura não é pra ler assim, de qualquer jeito. Irresponsável. Sua literatura é uma sublime e lívida porrada na cara. Você geme, e quer mais. A escrita desse Curitibano desgracido tem uma espécie de humanismo próprio, nu e cru. Não espere uma metamorfose do eterno clichê de falar da realidade do homem, exaltando ou punindo seus defeitos e virtudes. O humano mau e o humano vítima, o lobo e o cordeiro, o tenro e o velho, o nobre e o vagabundo, uns mais e outros menos. Em Dalton, ninguém é mais do que é, e ponto. Enquanto você pensa em maldade, Dalton fala de desejo, enquanto você tem pena, o personagem tem prazer. Isso no começo, depois você se identifica, e, mesmo que não admita, sabe, isso é o importante. Vejo alguém lendo Dalton: “Perdoe a indiscrição, querida, Vai deixar o recheio do sonho para as formigas?, Ó você permite, minha flor, Deixe só um pouquinho...” “Ai, benzinho você é mau.” “Faz miséria comigo...” “Ai, Ai, eu morro.” “Mais, amor, mais...” Primeiro uma expressão estranha, ruborizada, depois, um sorriso de cumplicidade. Seus personagens: Nelsinho, Elisa, Odete, Bêbados, Vampiros, a vovó, a titia, quem são? São você leitor. Cada gemido é seu. A sombra que se esgueira no beco 19


MORDIDA DE BICHO CABELUDO

escuro e sórdido pensando nos sete beijos da paixão, o elefante que se despede lentamente ao pé duma árvore da periferia de Curitiba. O sangue da flor perdida escorre das páginas e pinga nos teus pés. O suor dos amantes exala seu cheiro nas palavras Os gritos e gemidos lhe arrepiam e você olha em volta com medo de que alguém próximo esteja ouvindo, emanados das próprias folhas ou de sua boca que, lendo, as pronuncia sem perceber em voz alta. “Não escrevo para mudar a vida, melhorar o mundo ou salvar minha alma. Um papel coberto de palavras vale mais que o papel em branco? é toda a minha desculpa de escrever.” Pronto, nas palavras dele.... Nada mais. Se exprime a condição bruta do ser humano? Se revela as suas excentricidades? Se critica, constrói, devasta? Isso importa? “Você grita 24 horas e desmaia feliz” Isso é Dalton Trevisan. J.N.Jr.

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OLEITOROLEITOROLEITOR Texto do Leitor A VOZ DE UIBAÍ Olá, leitor(a), da In-consciência uibaiense, você alguma vez já se perguntou: - Por que temos a Voz do Brasil e não temos a Voz de Uibaí? Então deverá saber que o direito à informação é assegurado a todos(as), e que o tempo em que a informação política era privilégio de determinado grupo partidário já passou. Deverá saber também, que as decisões tomadas na Câmara de Vereadores de Uibaí são públicas. Sendo assim, o povo deve ficar a par do que foi discutido na última sessão legislativa. Acompanhar as atuações legislativas dos nossos representantes, é custoso, pois eles trabalham na contra-mão dos representados, geralmente uma vez por semana e num horário pouco propício à grande massa trabalhadora (9 horas da manhã das sextas-feiras) quando muitos estão lutando pela sobrevivência. Além disso, o ambiente asfixiante da “Casa do Povo”, a linguagem (ainda não democratizada), técnico-administrativojurídica, aliada aos grunhidos da alienação partidária dos nossos vereadores, desestimula e desencoraja qualquer ser. Para mudar a tétrica realidade política de Uibai (Sede e Povoados) sugiro outra alternativa: Voltarmos a ouvir rádio. Isso mesmo! Calma. Primeiro a Câmara de Vereadores criará e manterá “A Voz de Uibaí” da Rádio Câmara, o canal do povo uibaiense, ou nós criaremos o projeto de iniciativa popular. Através da radiofonização das sessões legislativas, será possível influenciarmos a mentalidade do nosso eleitorado e corrigirmos a sua postura política diante da falta de opção que nos cerca. Com a transmissão via radiodifusão das sessões legislativas da câmara de vereadores da nossa cidade, teremos oportunidade de apossarmos das linguagens (podendo superar a estranheza e hostilidade) emanadas desse ambiente sociodiscursivo iniciando o processo de autoalfabetização política, emancipador e produtor de seres responsáveis pelos atos que influenciam diretamente a nossa convivência social.

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A VOZ DE UIBAÍ

Viabilizar a transmissão das discussões e decisões ocorridas nas sessões legislativas alcançando os povoados (os mais atingidos com a falta de informações diretamente da fonte) será o primeiro passo para a metamorfose do ser político em nós uibaienses. Participar das discussões de proposições nas sessões legislativas através da TRIBUNA LIVRE – espaço reservado para você, que faz parte da sociedade uibaiense, opinar sobre os projetos que interferem e/ou influenciam o território de Uibaí, inclusive os de iniciativa de outros populares) – será o segundo passo para atingirmos efetivamente as transformações sociais que favorecem o crescimento sustentável de Uibaí, e, assim, engatinhar a Eficiência e a Eficácia Popular, amparadas pela Publicidade e Transparência do Poder de nós Povo. Até... Alex O. Alecrim

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IRONI@S

J.N.Jr.

Ironia XXI: A televisão nos mostra hegelianos do inconcebível que desconhecem completamente quem foi Hegel Ironia XXII: Soloviev ironizava que se descendemos do macaco devíamos amarmo-nos uns aos outros. E o mundo muito mais radical impõe: «quebremos os galhos uns dos outros». Ironia XXIII: Se Freud inventou o «superego» quando um paciente lhe relatou a sensação de um cachorro lhe deitado em cima do peito, que teria inventado se ouvisse o desespero de alguns com o peso do cartão de crédito? Ironia XXIV: Nem a linguagem se manifesta sem ironia - Nécio, parvo, frívolo. Como palavras como essas caem em desuso ante o aumento exponencial dos nominatários? Ironia XXV - Satã deve muito de sua fama a John Milton, porém hoje, não fosse Malafaia, Macêdo, Soares, ele estaria no inferno. Ironia XXVI - O objetivo da vida, diz Freud, é a morte. Um complemento: o objetivo da morte é não ouvir Luccas Lucco. Ironia XXVII:

Com a moda da «sofrência», uma triste remissão, nos assalta o coração, Ainda que não queira, Música brasileira, Decadência!

Ironia XXVIII: A saída de Kapsis do Ta Néa mostra que as ruínas da Grécia são mais recentes do que um arqueólogo gostaria de admitir. Ironia XXIX: Kin Jong-Un começou sua paquera com Putim em 2013 e parece que já está surtindo efeito. Xi Jinping só de canto de olho... Ironia XXX: Em Dakar, na Cheikh-Anta-Diop o Hip-Hop dá o tom musical para as reinvindicações estudantis que tem repercussão política forte, por sorte o Brasil tem o sertanejo universitário para não fazer feio..

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Críticas, sugestões, elogios, comentários, textos ou ilustrações para publicação: revistainconsciencia@gmail.com


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