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Desabafos à sombra da japoneira

rava e destruía, enquanto murmurava:

– Bem-me-quer, mal-me-quer, bem-me-quer, mal-me-quer…

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– Olá! – a rapariguinha assustou-se com a saudação da senhora e respondeu, confusa:

– O quê? Está a falar comigo? Nunca ninguém com o seu aspeto se dirigiu a mim.

– Estou, pois! Chamo-me Alícia, e tu? Importaste que me sente a teu lado?

– Chamo-me Íris, sou a filha do jardineiro. Podese sentar, mas vai sujar o seu vestido…- murmurou a menina.

– Não te preocupes com o vestido, tenho demasiados.

– Quem me dera ter muitos vestidos bonitos!

Oano era 1906. Num grande casarão verde da cidade do Porto realizava-se um baile, mas a nossa história não começa lá, começa no seu pátio das traseiras com uma viscondessa que, ao tentar escapar do evento, acaba neste local. O pátio era rodeado por um encantador jardim, este estava todo florido, pois era primavera: havia camélias, rosas, margaridas, entre outras plantas variadas. No meio delas, havia uma grande japoneira e, à sua sombra, encontravamenina com um vestido simples e sujo, mas com um lindo, longo e penteado cabelo castanho entrançado. Ela apresentava um ar pensativo e olhava para baixo para uma margarida que segu-

– Ah! Mas eles não são nada confortáveis, o teu parece muito mais prático. Pelo menos não tens sempre alguém a dizer-te o que fazer ou não fazer. Eu nem devia estar aqui, fugi de uma festa à qual fui obrigada a ir.

– Quem me dera poder ir a festas chiques!

– Não perdes nada, são todas enfadonhas. Vim aqui com o meu marido para ele tratar de uns

– Eu quero casar -me com o Tiago.

– E quem é esse? Era nesse menino que estavas a pensar ao tirar as pétalas daquela flor?

-Leucanthemumvulgare …Sim, ele é o filho de uma empregada da casa.

– O quê?

– Sim, a mãe dele é a cozinhei-

– Está bem, mas o que é que disseste antes?

– É o nome da flor.

– Ai, mas que menina inteligente! Andas na escola?

– Não, descobri isso numa das minhas visitas noturnas à biblioteca, num livro que tinha uma capa muito bonita com margaridas. Mas gostaria de andar na escola para aprender mais sobre estas e outras flores.

Deverias andar, quem me dera ter ainda a oportunidade de ter uma educação. Sabias que abriu, recentemente, em Lisboa o primeiro liceu feminino? No futuro, poderias ir para

Hum, talvez. Tenho de ir, o meu pai deve estar à minha

Está bem, adeus! Antes que a senhora se despedisse, Íris já tinha virado as costas e saído a correr. O tempo foi passando. A rapariga e a elegante dama nunca mais se viram após aquele acon- tecimento. Até que, num dia do outono de 1911, em Lisboa, reencontraram-se. A viscondessa estava na cidade com o seu marido, numa viagem de negócios. Estava a planear divorciarse, visto que o divórcio tinha sido legalizado um ano antes. A antiga menina estava agora quase uma senhora, e o que é que ela estava a fazer na capital? Acho que vocês já sabem a resposta, ela estava agora no seu último ano no liceu feminino de Lisboa, e planeava casarse com Tiago depois de acabar os estudos. A viscondessa lacrimejou, ao ver que a filha do jardineiro, embora continuasse com os seus vestidos simples, tinha alcançado tudo o que desejava na vida e encontrava-se mais feliz do que nunca. Agora era a sua vez de, embora já se encontrasse na meia-idade, procurar a felicidade. Nunca é tarde de mais para isso!

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