O roteiro de A Hora dos Ruminantes é tudo o que temos daquele que, nas palavras de Luiz Sergio Person, seria o seu maior filme. Mesmo se mantendo fiel ao projeto durante os seus últimos nove anos de vida, o cineasta não conseguiu transformar o texto – adaptado do romance homônimo de José J. Veiga e escrito em parceria com Jean-Claude Bernardet – em imagens. É alguma coisa, mas está longe de ser o suficiente para que possamos saber como a obra de fato ficaria. Afinal, Person era adepto da ideia de que o roteiro de um filme não é um filme por escrito: para ele, um roteirista deveria se concentrar sobretudo na organização dramática de sequências e cenas e na descrição de ações e diálogos; e os enquadramentos, os movimentos de câmera, a duração dos planos e outras questões ligadas à maneira como determinada história é narrada – e não à história em si – seriam definidas posteriormente, no decorrer das filmagens. Além disso, decisões relativas ao elenco e à equipe técnica que trabalhariam no longa-metragem nunca foram tomadas. Pensar nesse projeto interrompido, assim, é se lançar numa série de dúvidas, num mistério que remete àquele que assola os habitantes da pequena e fictícia Manarairema – a cidade em que se passa a narrativa e que se vê ocupada por forasteiros de origem indefinida e intenções obscuras, por cães endiabrados e bois que lotam as ruas e enclausuram as pessoas em suas casas. Mas é sempre possível imaginar. Com base no tal roteiro, os escritores Lourenço Mutarelli e Noemi Jaffe “assistiram” ao filme. Nas páginas a seguir, eles comentam suas impressões – e fazem com que, pelo menos na realidade que a ficção encerra, Person tenha a chance de concluir a sua tão ruminada obra.
Os cartazes criados para esta seção são de autoria de Thiago Lacaz (ao lado), Indio San (p. 42) e Daniel Bueno (p. 46).
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