Ocupação Dona Ivone Lara

Page 4

Dionísio Bento da Silva (Tio Dionísio)

M

orador do bairro de Inhaúma, no Rio de Janeiro, o paraibano Dionísio Bento da Silva era uma das figuras mais conhecidas do local. O motivo? Simples: o som que saía da sua casa nos fins de semana. Irmão de Emerentina Bento da Silva, Dionísio tocava cavaquinho e violão de sete cordas e foi um dos principais precursores do trombone no choro. Integrante do Bloco dos Africanos com o cunhado João, era respeitado entre os músicos e realizava saraus em casa, frequentados por nomes como Pixinguinha, Donga, Jacob do Bandolim e Cândido Pereira da Silva, o Candinho do Trombone. De todas as influências que a sua sobrinha, Ivone Lara, recebeu, as visitas ao tio estão entre as mais importantes. Quando criança, ela ia aos saraus da casa de Dionísio e ouvia pessoalmente esses compositores e instrumentistas. E, como não havia gravador na época, o tio, que ensinou Ivone a tocar cavaquinho, pedia a ela e a outras crianças que memorizassem as melodias que ali surgiam. Quando a sobrinha completou 17 anos, Dionísio tentou lhe arranjar um emprego na fábrica de tecidos Nova América, recusado por ela, que cursaria enfermagem. Mal sabia o tio que a sua maior contribuição à vida de Ivone estava garantida: a influência do choro, a memória das melodias.

Sonho Meu

Lucília Guimarães Villa-Lobos

Zaíra de Oliveira

A

N

O segundo e relevante fator de contribuição foi o uso dos seus conhecimentos na educação. Durante anos, ela foi a principal figura a dirigir o ensino do canto orfeônico (como se chamava o canto coral) na Escola Municipal Orsina da Fonseca. Lucília teve papel fundamental na vida de uma das alunas, Ivone Lara. A jovem e interna do colégio teve a rara voz de contralto descoberta pela regente do orfeão, Lucília. Segundo a garota, a professora lhe passou diversos conhecimentos em teoria musical, solfejo e abertura de vozes. A mestra tentou “educar” a voz da aprendiz. No futuro, Ivone comemoraria o fato de tal “educação” ter sido incompleta, o que não engessou o seu estilo, possibilitando que ela se tornasse uma das maiores intérpretes de samba de todos os tempos.

Considerada por pesquisadores uma das maiores cantoras negras do país, a soprano Zaíra era muito maior do que a associação com o marido. Ainda na década de 1920, conquistou sucesso popular com a marcha “Dondoca”, de José Francisco de Freitas, e gravou discos na Odeon, na Parlophon e na Victor com o Grupo da Velha Guarda, formado por Pixinguinha, João da Bahiana e, claro, Donga.

Araci Costa – Dona Iaiá

Nise da Silveira

sua contribuição para a música brasileira pode ser dimensionada por dois aspectos fundamentais. O primeiro foi a relação musical com o consagrado maestro Heitor Villa-Lobos, com quem se casou em 12 de novembro de 1913 e com quem conviveu por 22 anos. Para ter uma ideia da importância de Lucília, basta saber que ela foi a principal responsável por aprimorar os conhecimentos de Villa-Lobos sobre harmonia e por conferir certo acabamento estético a muitas composições do músico.

ascida em 1891, Zaíra foi vítima de duas grandes injustiças em seus 60 anos de vida. A primeira delas, em dezembro de 1921, quando ganhou um concurso no renomado Instituto Nacional de Música e, em um lastimável caso de racismo, foi proibida de receber o prêmio – uma viagem para a Europa – por ser negra. A segunda, o fato de ser lembrada no meio musical apenas como “a esposa de Donga” (Ernesto Joaquim Maria dos Santos), pioneiro do samba com a composição “Pelo Telefone”, de 1917.

A versatilidade de Zaíra era tamanha que ela também demonstrava desenvoltura em repertórios eruditos. Não à toa, foi uma das professoras de canto orfeônico das alunas do colégio Orsina da Fonseca. Entre as jovens estava Ivone Lara. Com a professora, a garota desenvolveu muito bem a técnica de abrir vozes, isto é, de cantar diferentes intervalos entre as notas em duos, em trios ou em formações maiores. Um aprendizado que Ivone definitivamente levaria consigo por toda a sua futura trajetória artística.

Alfredo Costa

S

e houvesse um concurso justo no mundo do samba para premiar personalidades pelos serviços prestados ao Carnaval, fatalmente Alfredo Costa seria contemplado com algum troféu. E não é que esse prêmio existiu e o homem que trabalhava como guarda-freios de trem da Central do Brasil foi o vencedor de uma das suas edições? Em fevereiro de 1939, em concurso realizado pelo jornal O Radical, “trajando um finíssimo terno branco, camisa de seda amarela, gravata verde, sapatos pretos e chapéu-panamá”, Alfredo Costa recebeu o título de Cidadão Samba, maior honraria do Carnaval na época. Fundador do Prazer da Serrinha, embora a escola de samba nunca tenha conquistado nenhum título, Alfredo derrotou naquele ano Ubirajara Coutinho, do Lira do Amor, e Agenor de Oliveira, o popular Cartola. Com um estilo extremamente centralizador de comandar o Prazer da Serrinha, o dirigente ganhou o nada carinhoso apelido de “ditador”, colecionando alguns desafetos na escola, que se tornariam dissidentes e fundariam o grêmio Império Serrano. Em 1947, Seu Alfredo, como era conhecido, se tornaria sogro de Ivone Lara, que frequentava a quadra da escola e se casou com Oscar Costa, filho do presidente.

C

asada com Alfredo Costa, Cidadão Samba de 1939, Araci era conhecida como Dona Iaiá e entrou para a história do Carnaval carioca como Rainha do Samba. Diferentemente do que muitos pensavam, ela não levou o título pela comodidade do matrimônio. Ela o fez por méritos próprios. Dois anos antes de o marido ganhar o concurso do jornal O Radical, Dona Iaiá foi eleita Rainha do Samba em disputa realizada pelo diário A Pátria. Na ocasião, recebeu a coroa da premiação das mãos do Cidadão Samba daquele ano – nada mais, nada menos que Paulo da Portela. Exímia passista, teve grande influência na trajetória de Ivone Lara quando a nora começou a frequentar o Prazer da Serrinha “oficialmente”, ou seja, depois de casada com o ciumento filho de Dona Iaiá e Seu Alfredo, Oscar Costa. Com a sogra, além de aprimorar canto e passos de dança, Ivone aprendeu muito sobre a arte de confeccionar vestidos.

4

R

evolucionária, pioneira, fundamental. Todos esses adjetivos ainda ficam aquém de dar conta da tentativa de dimensionar a importância da médica Nise da Silveira. Nascida em 1905 em Maceió (AL), a psiquiatra revolucionou o tratamento de portadores de transtornos psíquicos no país ao trocar práticas como eletrochoque, lobotomia e outros procedimentos agressivos pela arte como meio fundamental para a recuperação e a ressocialização de doentes. Com esse trabalho, tornou-se uma referência no mundo. Na década de 1940, a assistente social Ivone Lara teve uma relação de grande proximidade com a doutora Nise no Hospital do Engenho de Dentro. Lá, atendendo a um pedido de Ivone, a psiquiatra montou uma sala com instrumentos musicais para a aplicação, de maneira intuitiva, de musicoterapia em diversos pacientes. Nesse tratamento extremamente humanizado, Ivone tocava cavaquinho, dançava, cantava e até compunha com internos do hospital, rotina que desempenhou durante 37 anos da sua vida.

“Minha Verdade” Nada poderá me afastar do que eu sou/Amor, é o meu ambiente.

“Sonho Meu” Traz a pureza de um samba/Sentido, marcado de mágoas de amor/Um samba que mexe o corpo da gente/E o vento vadio embalando a flor.

Maio, 2015


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.
Ocupação Dona Ivone Lara by Itaú Cultural - Issuu